Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
142/07.1PAMGR-B.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: ESPECIAL COMPLEXIDADE
Data do Acordão: 04/01/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA MARINHA GRANDE.
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 215.º, N.º 1 DO C.P.P..
Sumário: I. – Não definindo o C.P.P. – artigo 215.º, n.º 1 - o conceito de excepcional complexidade, limitando-se a título meramente exemplificativo, a indicar duas circunstâncias capazes de o corporizarem, maxime, o número [elevado] de arguidos ou de ofendidos e o carácter altamente organizado do crime, a sua concretização, passa pela ponderação das dificuldades do processo – técnicas de investigação, número de intervenientes, necessidades de deslocação, meios utilizados.
Decisão Texto Integral: 10

I. RELATÓRIO
No Tribunal Judicial da comarca da Marinha Grande corre termos o inquérito nº 142/07.1PAMGR, em que são arguidos, além de outros, …, casado, operário da construção civil, nascido a 12 de Dezembro de 1957 na Praia, Cabo Verde, …, solteira, empregada de limpeza, nascida a 15 de Março de 1968 em São Salvador, Cabo Verde, e …, solteira, estudante, nascida a 29 de Maio de 1988 na Praia, Cabo Verde.
Existindo nos autos indícios de terem os arguidos, e outros, em co-autoria, praticado um crime de tráfico, p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, aos dois primeiros foram aplicadas as medidas de coacção de termo de identidade e residência e prisão preventiva, e à terceira arguida foram aplicadas as medidas de coacção de termo de identidade e residência e obrigação de apresentação diária no OPC da área da sua residência.
No dia 11 de Setembro de 2008 a Digna Magistrada do Ministério Público, alegando que os autos são já compostos por mais de 3260 folhas, têm quinze arguidos constituídos sete dos quais sujeitos a prisão preventiva, têm vários processos apensados sendo ainda previsível a apensação de mais alguns em ordem à dedução de acusação pela prática de um único crime de tráfico, e decorrem várias diligências com vista à determinação das relações entre os arguidos e à inquirição de testemunhas que lhes tenham adquirido produtos, promoveu que, nos termos do art. 215º, nºs 3 e 4, do C. Processo Penal, fossem qualificados de especial complexidade.
Os arguidos B..., A... e H..., alegando a existência de seis arguidos privados da liberdade desde 12 de Maio de 2008, o início da investigação em Fevereiro de 2007, com a realização desde então de intercepções telefónicas, vigilâncias, detenções e inquirições de testemunhas, nada mais há a investigar e não se vê que a actuação dos arguidos revele carácter altamente organizado, concluíram pela não qualificação do processo como de especial complexidade.
Por despacho de 24 de Outubro de 2008, foram os autos qualificados como de excepcional complexidade e, em consequência, determinado que a duração máxima dos prazos de prisão preventiva bem como de outras medidas de coacção passassem a ser os previstos nos arts. 215º, nº 3 e 218º, do C. Processo Penal.
Inconformados com o decidido, os arguidos B..., A... e H... recorreram deste despacho, formulando no termo da sua motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“ (…).
1. Na nova redacção da Lei Processual Penal, revogado o artigo 54º supra citado, a especial complexidade só pode ser declarada durante a 1ª instância e ouvidos os arguidos, artigo 215º nº 4 do C. P. P.
2. Refere o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/0112005 que:
3. A especial complexidade constitui, no rigor, uma noção que apenas assume sentido quando avaliada na perspectiva do processo. considerado não nas incidências estritamente jurídico-processuais, mas na dimensão factual do procedimento enquanto conjunto e sequência de actos e revelação com refracção nos termos e nos tempos do procedimento.
4. O juízo sobre a especial complexidade constitui um juízo de razoabilidade e da justa medida na apreciação das dificuldades do procedimento, tendo em conta nomeadamente, as dificuldades da investigação, o numero de intervenientes processuais, a deslocação de actos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais. ou a intensidade de utilização dos meios.
5. No mesmo sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/05/2005
6. "A gravidade das consequências que decorrem para os arguidos da declaração de especial complexidade do procedimento. a que se refere o nº 3 do artigo 215º do C.P.P.,(…) impõe que ela só ocorra nos termos restritos, precisos e de natureza extraordinária, que aquela norma prevê.
7. Não há fundamento para tal declaração num processo:
- com cinco arguidos e vinte testemunhas indiciadas pela acusação
- em que o enunciado dos factos constante da acusação não é muito longo, nem apresenta complexidade fora do normal em casos semelhantes; (…)" (fim de citação)
8. Ora, no caso dos autos, existem 6 arguidos, privados da LIBERDADE desde 12 de Maio de 2008.
9. Existem, nos autos, intercepções telefónicas os telemóveis dos arguidos.
10. Existem, vigilâncias e detenções.
11. Na verdade, à data da detenção dos arguidos, já tinha decorrido mais de um ano (a investigação inicia-se em Fevereiro do ano 2007) de recolha de indícios da prática de ilícitos.
12. Há mais de um ano que se compilaram depoimentos de testemunhas e intercepções telefónicas acompanhadas de vigilâncias que culminaram nas detenções e apreensões.
13. Que mais haverá a investigar?
14. Decorridos 4 meses das suas detenções, não haverão mais intercepções telefónicas, vigilâncias, detenções e apreensões aos arguidos porque a estes nada mais poderá ser investigado.
15. Aliás, a investigação, de tão exaustiva e completa que foi, esgotou em si mesmo, todas as diligências probatórias/indiciárias finalizando na operação policial de onde resultou a detenção dos arguidos.
16. Nem se diga que existe "especial complexidade" por, no caso dos autos, o crime em apreço ser tráfico de estupefacientes, e este estar equiparado a crimes altamente organizados. O novo artigo 215º nº 3 refere, nomeadamente, como caso de "especial complexidade" o carácter altamente organizado dos agentes no cometimento do ilícito.
17. Ora o nº 2 do artigo 215º do C.P.P., tanto na antiga como na nova redacção, exige. para o aumento dos prazos de prisão preventiva em relação ao nº 1 do mesmo disposto, que estejamos perante casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada.
18. Ao que parece então, a criminalidade altamente organizada tanto pode se revestir de especial complexidade (artigo 215º nº 3 do C.P.P.) como no (artº 215º nº 2 do C.P.P.).
19. Qual ou quais actuações dos arguidos revelam carácter altamente organizado?
20. É LEGÍTIMO À DEFESA PERGUNTAR, O QUE FOI FEITO NESTES ÚLTIMOS 4 MESES.
21. No processo da 4ª Vara Criminal de Lisboa, que correu termos sob o nuipc 24/06.4 TELSB, também de crime de tráfico de droga, com mais de 100 quilos de cocaína apreendidos, com inúmeras vigilâncias, inúmeras intercepções telefónicas, com 6 arguidos de 3 nacionalidades e respectivas línguas diferentes, NÃO FOI DECLARADA ESPECIAL COMPLEXIDADE, entendendo-se por apenas alguma complexidade, própria do crime, mas em bom rigor, sem que tenha exigido, tanto aos órgão de policia judiciária, bem como às autoridades Judiciárias, um esforço complementar pelo tamanho físico do processo ou pelo esquema organizado utilizado pelos agentes no cometimento do crime em causa.
22. Refere ainda o Meritíssimo Juiz, no seu douto despacho, que há que distinguir a noção de "carácter altamente organizado" com a noção de "criminalidade altamente organizada".
23. Refere assim que:
"Diferentemente, o carácter altamente organizado do crime", reporta-se ao concreto "modus operandi" seguido pelo arguido, que só será merecedor de tal qualificação quando se revele a tal ponto sofisticado ou elaborado, em termos de tornar mais sensivelmente mais difícil do que é usual a prova dos factos e da identidade dos seus agentes." (fim de citação).
24. Ainda que a "especial complexidade" deva ser determinada em função do processo em si, há que deixar referido a simplicidade da investigação que nestes casos (leia-se tráfico de droga) se tomou até corriqueiro, ex: escutas telefónicas, vigilâncias, escutas telefónicas e mais vigilâncias …
25. Não nos parece que possa o caso concreto ser revestido de especial complexidade, por definitivamente não a ter.
26. Assim deverá ser retirado ao processo a especial complexidade.
Violaram-se:
• Artigo 215º nº 3 do C.P.P., por se ter decretado a especial complexidade no processo pelo carácter altamente organizado sem que houvesse fundamentos para tal.
• Artigo 215º nº 2 do C.P.P., por ser este o artigo correctamente a aplicar devendo o prazo máximo de inquérito ser 6 meses e sem especial complexidade.
Nestes termos deve o presente recurso obter provimento, por provado, retirando-se ao processo o carácter de especial complexidade com todas as suas consequências legais.
(…)”.
Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da sua contramotivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“ (…).
1. A propósito do art. 215º, nº. 3, do Código de processo Penal, ainda em vigor, refere-se no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 26/1/2005 (in www.dgsi.pt) que: "a noção de “excepcional complexidade” do artigo 215º, nº. 3, do Código de Processo Penal está, em larga medida, referida a espaços de indeterminação, pressupondo uma integração densificada pela análise e ponderação de todos os elementos do respectivo procedimento; a integração da noção exige uma exclusiva ponderação sobre todos os elementos da configuração processual concreta, que se traduz no essencial, em avaliação prudencial sobre factos; a especial complexidade constitui, no rigor, uma noção que apenas assume sentido quando avaliada na perspectiva do processo, considerado não nas incidências estritamente jurídico-processuais mas na dimensão factual do procedimento enquanto conjunto e sequência de actos e revelação interna e externa de acrescidas dificuldades de investigação com refracção nos termos e nos tempos do procedimento; o juízo sobre a especial complexidade constitui um juízo de razoabilidade e da justa medida na apreciação das dificuldades do procedimento, tendo em conta nomeadamente, as dificuldades da investigação, o número de intervenientes processuais, a deslocalização de actos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais, ou a intensidade de utilizarão dos meios; o juízo sobre a excepcional complexidade depende do prudente critério do juiz na ponderarão de elementos de facto; as questões de interpretação e aplicação da lei, por mais intensas e complexas não podem integrar a noção com o sentido que assume no artigo 215º, nº. 2 do Código de Processo Penal.
2. Por sua vez o Ac. do TRL datado de 23/1/2008, no proc. nº. 10902/2007-3, decidiu que: "2. Com a entrada em vigor da Lei nº. 48/ 2007, de 29/8, não só foram alterados os prazos da prisão preventiva como também foi revogado o artigo 54º do Decreto-Lei nº. 15/93, de 22/1, o que fez caducar o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº. 2/2004, de 11/2/2004. 3. Em face da actual lei processual penal, decorrente da entrada em vigor da Lei 48/2007 de 29/08, sempre que o crime investigado for o de tráfico de estupefacientes, estamos, pelo menos em tese e por norma, perante "crime altamente organizado" – cfr. art. 1º, alínea m), do C.P. Penal – e, consequentemente, de acordo com a factualidade concreta em investigação, deverá ser declarada a especial complexidade da investigação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 215º, nº. 3, in fine, do mesmo diploma. 4. O reconhecimento, constitucionalmente afirmado, do carácter excepcional da prisão preventiva (art. 28º, nº. 2, da CRP), envolve a considerarão, além do mais, de que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença que o condene (art. 32º, nº. 2, da CRP), mas essa presunção não é incompatível com a indiciação dos arguidos pelo crime supra referido, nem com a aplicação da prisão preventiva, posto que verificados os respectivos pressupostos, o que ocorreu no caso".
3. Tal como decorre da fundamentação do despacho ora recorrido, no caso concreto dos autos verifica-se que o número de arguidos constituídos neste momento aponta para a excepcional complexidade do procedimento, pois já foram constituídos mais de vinte arguidos, sendo que, sete deles se encontram em prisão preventiva. A rede de tráfico de droga em investigação tem ramificações internacionais, com carácter altamente organizado, apresentando no topo da pirâmide uma ramificação no estrangeiro – Holanda – e a seguir, um primeiro patamar em Portugal, formado pelos arguidos já detidos e cuja ilustração consta do despacho ora recorrido;
4. Destaca-se ainda, o facto de os presentes autos abrangerem diversas áreas geográficas do nosso país, acompanhado que se encontra o circuito da distribuição, tais como, Lisboa, Oeiras, Nazaré, Marinha Grande, Leiria;
5. Por outro lado, para além dos meios utilizados e da quantidade de produto estupefaciente transportado e que foi apreendido, o qual, como bem se refere no despacho ora em crise, revelam o carácter organizado do crime, acresce ainda o facto de alguns dos arguidos serem de nacionalidade cabo-verdiana com a necessidade de recurso a intérprete de crioulo, o que desde logo torna a tramitação processual mais morosa e complexa;
6. Após a detenção dos arguidos necessário se tornou determinar a linearidade das relações que os mesmos mantinham entre si, dada a pertinência de apurar com precisão a natureza da participação de cada um deles para efeitos de qualificação jurídica, designadamente, com relevância em sede de tráfico agravado e bem assim proceder à inquirição das testemunhas que adquiriram a droga aos arguidos, tarefa esta, desde logo, e a acrescer a outras, bastante morosa, atento desde logo o imenso tráfico telefónico a analisar e efectuado pelos arguidos e bem assim as dificuldades associadas à localização de alguns dos consumidores;
5. Mais acresce, os diversos processos apensos aos presentes autos, nos quais, alguns dos arguidos se encontram fortemente indiciados, e que acrescendo aos factos objecto dos autos, dos quais serão conjuntamente acusados neste mesmo processo e dos quais presentemente são parte integrante, que implicaram igualmente diligências, nomeadamente, exames do L.P.C. tanto para produto estupefaciente, como para armas, ainda não todos juntos aos autos, inquirição de testemunhas e bem assim, a necessidade de serem os arguidos confrontados com os factos e provas entretanto recolhidas e aos mesmos imputados, em interrogatório último a efectuar;
6. Só após a detenção dos arguidos foi possível, tal como bem refere o despacho do Mmº JIC começar, nomeadamente, a recolher prova documental, nomeadamente a nível bancário e de transacções financeiras e bem assim testemunhal em relação aos citados indivíduos que adquiriram o produto estupefaciente, diligências essas, que atenta a imensidão de factos em causa se encontram ainda a ser ultimadas.
7. Os autos à margem epigrafados, revestem manifestamente, especial complexidade, como bem foi dito e fundamentado pelo Mmº JIC. e como decorre do citado Ac. do STJ., tendo em conta, nomeadamente, as dificuldades na investigação, o número de intervenientes processuais, a deslocalização de actos, a dispersão geográfica, a necessidade de traduções extensas dos meios de prova, nomeadamente as intercepções telefónicas ou a intensidade de utilização dos meios, devendo aquele despacho ora recorrido ser mantido, nos seus exactos termos.
8. Não houve violação pelo Mmº JIC dos artigos 215º, nºs. 2 e 3 do C.P.P.
9. Pelo que, não existindo a violação de qualquer norma legal, deve negar-se provimento ao recurso interposto pelos arguidos, mantendo-se no tocante ao alegado pelos mesmos, a decisão recorrida nos seus precisos termos.
(…)”.
O Mmo. Juiz de Instrução Criminal sustentou sucintamente o despacho recorrido.
Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, considerando a moldura penal do crime em investigação, o número de arguidos constituídos, as ramificações internacionais da rede e o seu carácter altamente organizado, e manifestando integral concordância, quer com a resposta do Ministério Público junto da 1ª instância, quer com os fundamentos do despacho recorrido, concluiu pela improcedência do recurso.
Foi cumprido ao disposto no art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se estão ou não verificados os pressupostos de que depende a declaração de excepcional complexidade do processo, a que se refere o art. 215º, nºs 3 e 4, do C. Processo Penal.
O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição):
“ (…).
A DM do MP veio requerer a declaração de excepcional complexidade, a fls. 3268, com os fundamentos que aqui dou por reproduzidos.
Foram os arguidos notificados em conformidade com o disposto no art.º 215º, n.º 4 do CPP.
Apenas os arguidos B..., A... e H… vieram deduzir oposição contra tal pretensão alegando, no essencial, que:
- à data da detenção dos arguidos que se encontram em regime de prisão preventiva já tinham decorrido mais de um ano do inicio da investigação, pois esta iniciou-se em Fevereiro de 2007; há mais de um ano que se compilaram depoimentos de testemunhas e intercepções telefónicas nada mais existindo para investigar pelo que não se justifica o alargamento do já enorme prazo de seis meses.
- a lei exige ainda que se esteja perante criminalidade altamente organizada para poder se revestir de especial complexidade; refere de um caso com seis arguidos e de 100 kgs de cocaína apreendidos em que não foi declarada a excepcional complexidade;
Com tais fundamentos conclui requerendo o indeferimento da pretensão do MP.
Cumpre apreciar e decidir:
Desde já cumpre referir – aliás na linha do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 2904-2008 relatado pelo Exmo Juiz desembargador, Dr. Ribeiro Cardoso acessível in dgsi.pt que o direito de audição prévia do arguido sobre a questão da declaração da excepcional complexidade, a que alude o n.º 4 do art. 215.º do CPP, concretiza-se dando conhecimento ao arguido que essa questão vai ser ponderada e objecto de decisão pelo juiz de instrução, permitindo ao arguido que aduza o que entender adequado a influenciar essa decisão e no sentido que, para si, se mostre mais favorável ou conveniente. Este direito de audição não envolve a presença física do arguido, nem sequer a sua intervenção pessoal: trata-se do direito a tomar posição prévia sobre qualquer decisão que pessoalmente o possa afectar e pode ser (e é normalmente) exercido através do seu defensor, que para o efeito deve ser notificado nos termos do art. 113.º n.º 9 do CPP. E bem se compreende que assim seja, pois só advogado estará, em princípio, tecnicamente habilitado a defender os interesses do seu patrocinado.
Ora, resulta do disposto no art.º 215º, n.º 3 do CPP que os prazos de prisão preventiva referidos no n.º 2 são elevados, no caso de inquérito e sem dedução de acusação para um ano quando o procedimento for por um dos crimes referidos no numero anterior – no caso crime punível com pena superior a oito anos como sucede com o crime fortemente indiciado de tráfico de produto estupefaciente p. e p. pelo art.º 21º, n.º 1 do DL15/93, de 22 de Janeiro – e se revelar de excepcional complexidade, devido nomeadamente ao número de arguidos ou ao carácter altamente organizado do crime.
Note-se que no que diz respeito aos crimes referidos no art.º 54º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro os prazos máximos de prisão preventiva eram elevados automaticamente sendo desnecessário a qualificação do processo como sendo de excepcional complexidade, em conformidade com o Ac. de fixação de jurisprudência do STJ n.º 2/2004, sendo que não se incluía em tais crimes o de tráfico de menor gravidade previsto no art.º 25º, n.º 1 do citado diploma – cfr. Ac. STJ de 17-2-2005, in CJ, Acs. do STJ, XIII, tomo 1, p. 203.
Ora como foi revogado o art.º 54º do citado diploma tem aplicação o regime geral do art.º 215º, n.º 3 também no âmbito do DL 15/93 de 22 de Janeiro.
No que concerne à declaração de excepcional complexidade há que considerar que – como refere o já citado douto Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 29-04-2008 – o despacho que a declara contém as razões de facto e de direito que sustentam a decisão. Essa especificação dá adequado e cabal cumprimento ao dever de fundamentação dos actos decisórios que conhecem de questões interlocutórias.(…). 3 - A noção de excepcional complexidade está, em larga medida, referenciada a espaços de indeterminação pressupondo uma integração densificada pela análise e ponderação de todos os elementos do procedimento; a integração da noção exige, assim, uma intensa e exclusiva ponderação sobre os elementos da concreta configuração processual, que se traduz, no essencial, em uma avaliação prudencial sobre factos. 4 - O juízo sobre a complexidade assume-se, assim, como juízo prudencial, de razoabilidade, de critério da justa medida na apreciação e avaliação das dificuldades suscitadas pelo procedimento. Mas, dificuldades do procedimento e não estritamente do processo; as questões de interpretação e de aplicação da lei, por mais intensas e complexas, não atingem a noção. As dificuldades de investigações (técnicas, com intensa utilização dos leges artis da investigação), o número de intervenientes processuais, a deslocalização dos actos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais, a intensidade de utilização dos meios, tudo serão elementos a considerar, no prudente critério do juiz, para determinar que um determinado procedimento apresenta, no conjunto ou, parcelarmente, em alguma das suas fases, uma especial complexidade com o sentido, essencialmente de natureza factual, que a noção funcionalmente assume no artigo 215, nº 3 do CPP.
Também como se sustenta no douto Acórdão do STJ de 26-01-2005 relatado pelo Exmº Juiz Conselheiro Dr. Henriques Gaspar acessível in www.dgs.pt:
«1 A noção de "excepcional complexidade" do artigo 215º, nº 3 do CPP está, em larga medida, referida a espaços de indeterminação, pressupondo uma integração densificada pela análise e ponderação de todos os elementos do respectivo procedimento; a integração da noção exige uma exclusiva ponderação sobre todos os elementos da configuração processual concreta, que se traduz, no essencial, em avaliação prudêncial sobre factos.
2. A especial complexidade constitui, no rigor, uma noção que apenas assume sentido quando avaliada na perspectiva do processo, considerado não nas incidências estritamente jurídico-processuais, mas na dimensão factual do procedimento enquanto conjunto e sequência de actos e revelação interna e externa de acrescidas dificuldades de investigação com refracção nos termos e nos tempos do procedimento.
3. O juízo sobre a especial complexidade constitui um juízo de razoabilidade e da justa medida na apreciação das dificuldades do procedimento, tendo em conta nomeadamente, as dificuldades da investigação, o número de intervenientes processuais, a deslocalização de actos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais, ou a intensidade de utilização dos meios.
4. O juízo sobre a excepcional complexidade depende do prudente critério do juiz na ponderação de elementos de facto; as questões de interpretação e aplicação da lei, por mais intensas e complexas não podem integrar a noção com o sentido que assume no artigo 215º, nº 2 do CPP».
Ora e como resulta da própria natureza das coisas e do próprio elemento literal, a excepcional complexidade implica um grau superior de dificuldade, muito acima da normalidade do caso concreto.
Sobre a importância do elemento literal em Direito Penal cfr. Prof. Costa Andrade na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 134.º, n.º 72: "toda a interpretação começa e acaba nas palavras, o meio privilegiado de comunicação entre as pessoas e o único meio de comunicação entre o legislador penal e o cidadão. Na conhecida frase de Canaris, só o texto da lei recebe a autoridade das mãos do legislador."
No caso concreto dos autos verifica-se que o número de arguidos constituídos neste momento aponta para a excepcional complexidade do procedimento, pois já foram constituídos seguramente mais de vinte arguidos, sendo que sete deles se encontram em regime de prisão preventiva sendo que o volume de processado já vai em 3775 folhas – sem contar os apensos;
A tudo isto acresce que a rede de tráfico de droga em investigação tem ramificações internacionais, com um carácter altamente organizado que ultrapassa o que é pressuposto pelo legislador para toda e qualquer conduta que integre o crime de tráfico de droga e fundamenta a declaração da excepcional complexidade do procedimento.
Note-se que «Estando em causa um crime catalogado como de «criminalidade altamente organizada», a excepcional complexidade baseada no carácter altamente organizado do crime só poderá ser declarada quando o caso ultrapasse o grau médio que é pressuposto pelo legislador como inerente a toda e qualquer conduta que se integre na previsão da alínea m) do art. 1º do Código de Processo Penal» cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5-3-2008 relatado pela Exma Juiz desembargadora Drª Isabel Pais Martins acessível in dgsi.pt.
Na verdade, a rede de tráfico de droga em investigação apresenta no topo da pirâmide uma ramificação no estrangeiro – Holanda – e depois, há que ter em consideração o primeiro patamar em Portugal formado pelos arguidos M..., também conhecido por "Nando"; V..., também conhecido por "Zé" e filho daquele e E..., companheira deste último; num segundo patamar da rede aparecem os arguidos B…, também conhecido por "Semedo ou Benja", A..., sua companheira, H… e C..., também conhecido por "Cota" ; um outro patamar constituído pelos arguidos que se deslocam à Cova da Moura na zona de Lisboa e distribuem o produto estupefaciente, (heroína e cocaína) pela zona centro do pais, de que se destacam várias áreas geográficas, como Nazaré, Marinha Grande, Leiria.
Na verdade, para além dos meios utilizados e da quantidade de estupefaciente transportado e que foi apreendido, que revelam o carácter organizado do crime, impõe-se salientar que os arguidos são alguns deles de nacionalidade cabo-verdiana com a necessidade de recurso de intérprete de crioulo.
A necessidade de assegurar as mais amplas garantias de defesa dos arguidos, com incidentes e recursos interpostos, demanda uma maior disponibilidade de meios por parte dos serviços da justiça, nomeadamente o recurso a tradutores ou intérpretes não esquecendo que grande parte das intercepções telefónicas se encontram em crioulo o que torna a tramitação processual mais morosa e complexa.
Sucede que neste momento as diligências de investigação ainda se encontram muito longe de estarem terminadas, sendo que a investigação da ramificação internacional previsivelmente implicará a deslocação geográfica de actos de investigação com a eventual expedição de cartas rogatórias e pedidos de cooperação com países estrangeiros; torna-se ainda necessário a apurar o circuito de pagamentos da rede a nível interno e com o estrangeiro envolvendo diligências junto de bancos;
Acresce ainda que mesmo no interior da rede estruturada de tráfico de droga ainda não está totalmente determinada a linearidade das relações que alguns dos arguidos mantêm entre si, sendo necessário apurar com precisão a natureza da participação de cada um para efeitos de qualificação jurídica designadamente com relevância em sede de trafico agravado.
Acresce que o número de participantes processuais ao nível da prova testemunhal é elevado, encontrando-se a decorrer diligências com vista a sua identificação e inquirição, designadamente através da sua referência ao nível das várias intercepções telefónicas em conjugação com os demais dados de tráfico de telemóveis apreendidos.
Por outro lado, e como bem refere o MP, as testemunhas que adquiriram a droga aos arguidos a maior parte deles estão muito longe de se considerar consumidores ocasionais pelo que a sua identificação e inquirição é demorada e complexa pois está-se perante pessoas de difícil localização, com modos de vida desestruturados.
Acresce que foram ainda apensados aos presentes autos por conexão outros processos de inquérito onde é feita a referência à aquisição de produto estupefaciente ao arguidos iniciais dos presentes autos o que torna necessários por exigências das garantias destes últimos confrontá-los em sede de interrogatório com tais imputações.
Em relação aos argumentos dos arguidos B..., A... e H… de que à data de detenção dos arguidos já há mais de um ano que se tinham reunidos depoimentos de testemunhas e intercepções telefónicas acompanhadas de vigilância policial e que o prazo de seis meses de para investigação desde a data das prisões preventivas é mais do que suficiente para a investigação cumpre referir que tal argumento, salvo o devido respeito, não pode proceder.
Só após a detenção dos arguidos, como é óbvio, foi possível começar a recolher prova documental – a nível bancário sobre os seus rendimentos ligados aos proveitos do crime de tráfico – e testemunhal em relação aos indivíduos que adquiriam o produto estupefaciente, diligências que ainda se encontram em curso e estão longe de terminar. Também a ligação ao tráfico internacional só foi possível começar a ser investigada após a prisão dos arguidos que se encontram sujeitos a tal medida.
Em relação ao caso identificado pelos arguidos oponentes e tal como o configuram os mesmos sempre se dirá que o número de arguidos é muito inferior ao dos autos e que a rede de tráfico em investigação não apresenta a estrutura altamente organizada da dos autos com os diversos patamares em Portugal e com uma dispersão geográfica de centenas de quilómetros dentro do pais na distribuição da droga – pelo menos de Lisboa até á zona centro do país.
Em conformidade qualifico os presentes autos de excepcional complexidade, por se verificarem os legais pressupostos:
- por o procedimento se reportar a crime punível com pena de prisão superior a oito anos;
- e se revelar de excepcional complexidade devido ao número de arguidos e ao carácter altamente organizado do crime,
- e determino que os prazos de duração máxima da prisão preventiva bem como de outras medidas de coacção passem a ser os previstos no art.º 215º, n.º 3 e 218º do CPP.
(…)”.
Com relevo para a questão a decidir, colhem-se nos autos de recurso os seguintes elementos:
a) Os autos tiveram início em Fevereiro de 2007, quando foi detectada a existência de uma rede, composta por vários indivíduos colocados a diversos níveis de intervenção, que se dedicava ao tráfico de droga designadamente, de heroína e de cocaína.
b) No topo desta rede encontram-se os arguidos M..., V... e E...; estes arguidos abastecem-se de heroína e de cocaína na Holanda, a indivíduos ainda não identificados, e em quantidades mensais de cerca de 4 kg, que vendem em Portugal a outros indivíduos, por vezes em quantidades de cerca de 1kg.
Num segundo nível da rede situa-se o arguido B... que se abastece de estupefacientes junto daqueles três e que, por sua vez, vende a revendedores e a consumidores, actividade esta que desenvolve com a colaboração dos arguidos A... , C… e H….
Num terceiro nível da rede situam-se outros arguidos designadamente, o J..., que se abastecem de estupefacientes junto dos arguidos B..., A..., C... e H…, e que os vendem a consumidores, nas zonas de Leiria, Marinha Grande, Nazaré e Lisboa.
c) Nos autos foram efectuadas diversas intercepções telefónicas – cuja audição exigiu, por vezes, intérprete – , vigilâncias, buscas e apreensões.
d) Nos autos foram constituídos arguidos, pelo menos, dezassete cidadãos.
Dos arguidos constituídos, sete encontram-se sujeitos a prisão preventiva nestes se incluindo dois dos recorrentes, tendo esta medida de coacção sido decretada por despachos de 19 de Maio de 2008 e de 20 de Junho de 2008.
e) Alguns dos arguidos, de nacionalidade cabo-verdiana, não prescindiram de intérprete.
f) Foram solicitadas informações bancárias.
E no despacho recorrido são ainda referidos os seguintes aspectos:
- É previsível a necessidade de emissão de cartas rogatórias e de recurso à cooperação judiciária internacional a fim de ser investigada a ramificação da rede existente na Holanda;
- Ainda não se encontra completamente definido o tipo de relações que os arguidos mantêm entre si, aspecto que relevará na qualificação das condutas;
- Decorrem ainda diligências com vista à identificação e inquirição dos consumidores que adquiriram droga aos arguidos, tarefa necessariamente demorada e complexa, atento o modo de vida dos cidadãos em questão;
- Torna-se necessário apurar o sistema de pagamentos da rede, quer internamente, quer a nível internacional;
- As garantias de defesa dos arguidos com a necessária assistência de intérprete a quem dele não prescindiu, bem como a circunstância de as conversações interceptadas, em grande parte, serem faladas em crioulo, retardou e retarda a prática dos actos processuais;
- Foram apensados aos autos de outros inquéritos onde são investigados actos de tráfico de droga indiciariamente imputados a alguns dos arguidos.
Da verificação dos pressupostos de que depende a declaração de excepcional complexidade do processo
1. O art. 215º, nº 1, do C. Processo Penal estabelece os prazos normais de duração máxima da prisão preventiva. Assim, estes prazos, que se contam desde a data do início da prisão preventiva, são: de 4 meses, na fase do inquérito, sem acusação deduzida; de 8 meses, na fase de instrução, sem decisão instrutória proferida; de 1 ano e 2 meses, na fase do julgamento, sem decisão condenatória e; de 1 ano e 6 meses, na fase de recurso, sem condenação com trânsito.
Nos termos do nº 2 do mesmo artigo, estes prazos são elevados, respectivamente, para 6 meses, 10 meses, 1 ano e 6 meses e 2 anos, nos casos dos crimes previstos nas suas alíneas a) a g), nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, e ainda quando o procedimento disser respeito a crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos.
E, nos termos do nº 3 do mesmo artigo, aqueles prazos normais são elevados, respectivamente, para 1 ano, 1 ano e 4 meses, 2 anos e 6 meses e 3 anos e 4 meses, quando o procedimento respeitar a um dos crimes previstos no nº 2, e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos, ou ao carácter altamente organizado do crime.
Os recorrentes estão indiciados pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com pena de prisão de 4 a 12 anos.
Porque o limite máximo da pena aplicável é superior a 8 anos de prisão, e porque o art. 1º, m), do C. Processo Penal considera «criminalidade altamente organizada» as condutas integradoras de crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de influência ou branqueamento, é o crime cuja autoria pelos recorrentes se indicia, subsumível à previsão do nº 2, do art. 215º, do C. Processo Penal.
E assim, a possibilidade de alargamento do prazo máximo de prisão preventiva para os limites previstos no nº 3, do art. 215º, do C. Processo Penal depende apenas de o procedimento se revelar de excepcional complexidade.
2. O código não define o conceito de excepcional complexidade, limitando-se a título meramente exemplificativo, a indicar duas circunstâncias capazes de o corporizarem: o número [elevado] de arguidos ou de ofendidos e; o carácter altamente organizado do crime.
Assim, a sua concretização, em cada caso, passa pela ponderação das dificuldades do processo – técnicas de investigação, número de intervenientes, necessidades de deslocação, meios utilizados – finda a qual o juiz, no seu prudente critério, o qualificará ou não como de especial complexidade. Assim, como se pode ler no Ac. do STJ de 26 de Janeiro de 2005, proc. nº 05P3114 (in http://www.dgsi.pt), que nesta parte vimos seguindo de perto, “A especial complexidade constitui, no rigor, uma noção que apenas assume sentido quando avaliada na perspectiva do processo, considerado não nas suas incidências estritamente jurídico-processuais, mas na dimensão na dimensão factual de procedimento enquanto sequência e conjunto de actos e revelação externa e interna de acrescidas dificuldades de investigação, composição e sequência com refracção nos termos e nos tempos do procedimento.”.
Relativamente à circunstância «carácter altamente organizado do crime» prevista na lei como apta a objectivar o conceito de excepcional complexidade, cabe relembrar que o art. 1º, m), do C. Processo Penal integra na definição de «criminalidade altamente organizada», além do mais, a conduta que preencha o tipo do crime de tráfico de estupefacientes.
Deixando-se aqui apenas referido que no crime aludido não consideramos incluídos os tipos previstos nos arts. 25º e 26º, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, entendemos que são equivalentes os conceitos de «carácter altamente organizado do crime» e de «criminalidade altamente organizada», e assim por força da lei, o crime de tráfico, p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, integra ambos os conceitos.
3. Como vimos, os recorrentes estão indiciados pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
Quer pela moldura penal abstracta, quer porque se trata de crime integrado no conceito de criminalidade altamente organizada, o respectivo procedimento cai na alçada do nº 3, do art. 215º, do C. Processo Penal.
Existem nos autos elementos objectivos cuja conjugação aponta, decisivamente, para a excepcional complexidade do processo.
Evidentemente que o elevado número de arguidos, e os autos têm, pelo menos, dezassete, sendo que sete em prisão preventiva, não significa por si só, tal atributo. Mas se considerarmos o volume de intercepções efectuadas e que, em parte foram faladas em crioulo, dificultando o seu entendimento e requerendo presença de intérprete, e a isto juntarmos o facto de alguns arguidos, por serem não nacionais e não dominarem a língua portuguesa, não terem prescindido de intérprete – o que bem se entende dado o inalienável direito de defesa que lhes assiste – com o natural aumento de atrito no desenrolar do processo, o facto de a actividade dos arguidos – e não apenas dos recorrentes – se encontrar distribuída por uma vasta zona geográfica do país, o facto de existir, crê-se, uma componente exterior, localizada na Holanda ainda não completamente investigada, o facto de existirem movimentos financeiros ainda não completamente apurados, o facto de continuarem a decorrer inquirições e diligências com vista a inquirir cidadãos abastecidos pelos arguidos, e o facto de terem sido apensados outros processos, temos por certo que foram e continuam a ser grandes as dificuldades que se depararam e deparam aos investigadores, nos autos.
Por outro lado, e como também vimos, o tipo de crime investigado, por força da lei, constitui em si mesmo um indício do carácter altamente organizado pressuposto no nº 3, do art. 215º, do C. Processo Penal. E a indiciada estratificação dos arguidos em distintos níveis de actividade, bem como a sua componente internacional, aliadas às relevantes quantidades de droga, também indiciariamente, traficadas, aponta efectivamente para o preenchimento daquele conceito.
Face ao que antecede, porque se entende estarem verificados os pressupostos da declaração de excepcional complexidade do processo, previstos no art. 215º, nº 3, do C. Processo Penal, deve manter-se o despacho recorrido.
III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.