Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
46/19.5GAOHP.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ROSA PINTO
Descritores: PENA ACESSÓRIA
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS COM MOTOR
CATEGORIA DE VEÍCULOS
Data do Acordão: 01/22/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE OLIVEIRA DO HOSPITAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 69.º DO CP
Sumário: I – A anterior redação do artigo 69.º, n.º 2, do CP [em cujos termos, relembra-se, “A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos motorizados de qualquer categoria ou de uma categoria determinada”] não deixava dúvidas, ao referir “ou de uma categoria determinada”, que a inibição de conduzir podia abranger a condução de veículos de qualquer categoria ou apenas os de uma determinada categoria.

II – Com a nova redação desse preceito, introduzida através da Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho [“A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria”], o legislador ao retirar da norma a expressão “ou de uma categoria determinada”, quis, naturalmente, que a inibição se aplicasse a todos os veículos motorizados, isto é, aos veículos motorizados de qualquer categoria.

III – Não se tratou de corrigir a redacção da norma, mas sim de alterar o seu sentido.

A palavra “pode”, que significava na redacção anterior a alternativa entre aplicar a inibição a todos os veículos ou a alguns, manteve-se na redacção actual. No entanto, agora a norma não comtempla nenhuma alternativa. A inibição aplica-se a todos os veículos motorizados.

IV – Interpretação esta, aliás, conforme à Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 69/VIII, que propõe a alteração ao aludido artigo 69.º do CP, agravando o seu sancionamento, no sentido de reforçar a prevenção de certas práticas dos condutores estradais (mormente de condução sob o efeito do álcool), e assim acabando também com o desfasamento então existente entre a sanção acessória prevista neste artigo e no artigo 139.º do Código da Estrada.

Decisão Texto Integral:










Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

                       A – Relatório

1. Pela Comarca de Coimbra (Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Hospital), sob acusação do Ministério Público, pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292º, nº 1, e 69º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal, foi submetido a julgamento, em processo abreviado, o arguido CA, (…)

2. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, a 12.6.2019, decidindo-se:

 

 - Condenar o arguido pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de €7,00;

- Condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses;

- Condenar o arguido no pagamento de 1 UC de taxa de justiça, considerando a confissão integral e sem reservas;

- Advertir o arguido de que deverá proceder à entrega da sua carta e licença de condução, esta, se dela for titular, na secretaria deste tribunal ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da presente decisão (artigo 500º, nº 2, do Código de Processo Penal e artigo 69º, nº 3, do Código Penal), sob pena de, não o fazendo, incorrer no crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, nº 1, al. b) do Código Penal e de ser ordenada a sua apreensão e

- Advertir o arguido de que a violação da pena acessória implica a prática de um crime de violação de proibições, previsto e punido pelo artigo 353º do Código Penal.

3. Inconformado com a douta sentença, veio o arguido CA interpor recurso da mesma, apresentando as seguintes conclusões retiradas da motivação:

- O nº 2 do artigo 69º do Código Penal, atribui ao Juiz, aquele que aplica o direito, a possibilidade do mesmo decidir se a pena acessória de inibição de conduzir pode abranger todas as categorias de veículos motorizados, ou se pode abranger apenas determinadas categorias de veículos, pelo que só na análise ao caso concreto poderá o Aplicador decidir mediante os factos dados como provados.

- Havendo, fortes razões quer pessoais, sociais e profissionais, atendendo à letra da Lei, pode e deve o Juiz decidir pela restrição de determinada categoria à pena acessória de inibição de conduzir.

- No caso concreto o Arguido reúne os pressupostos necessários a que lhe seja restrita a inibição de conduzir à categoria C+E, conforme os factos dados como provados na Sentença.

- Infelizmente, esta matéria tem originado interpretações diferentes, quer doutrinais, quer jurisprudenciais. O que não se compreende atendendo quer à letra explícita da Lei quer à Ratio Legis do diploma legal, nomeadamente quando se verifiquem fortes razões profissionais, de saúde ou de diferente natureza, mas igualmente ponderosas, atribuindo ao Julgador um Poder/Dever.

- Nestes termos, e como se deixa demonstrado, a sentença violou o nº 2 do artigo 69º do Código Penal.

(…)

                                    *

         

   B - Fundamentação

 

1. O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, face ao disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal.

São, pois, apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

O que é pacífico, tanto a nível da doutrina como da jurisprudência (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª ed., Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V., e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6.ª edição, 2007, pág. 103, bem como o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no DR 1ª série, de 28.12.1995; e ainda, entre muitos, os Acórdãos de 19.6.1996, de 24.3.1999; de 13.5.1998, in BMJ, 477º, 263; de 25.6.1998, in BMJ, 478º, 242; de 03.02.1999, in B.M.J. nº 484, 271 e cfr. ainda Acórdãos da RC de 13.3.2019, proferido no âmbito do recurso nº 1131/16.0T9CBR.C1, de 13.1.2016, proferido no âmbito do recurso nº 53/13.1GESRT.C1 e da RP de 24.10.2018, proferido no âmbito do recurso nº 76/16.9PEPRT.P1, todos em dgsi.pt.

2. No caso dos autos, face às conclusões da motivação apresentadas pelo arguido, as questões a decidir são as seguintes:

- se o nº 2 do artigo 69º do Código Penal atribui ao juiz a possibilidade de decidir se a pena acessória de inibição de conduzir pode abranger todas as categorias de veículos motorizados, ou se pode abranger apenas determinadas categorias de veículos;

- se, havendo fortes razões pessoais, sociais ou profissionais, atendendo à letra da Lei, pode e deve o juiz decidir pela exclusão de determinada categoria de veículos motorizados da pena acessória de inibição de conduzir;

(…)

3. Para decidir das questões supra enunciadas, vejamos a factualidade e motivação da sentença recorrida:

                     

        Factos provados:

“No dia 9 de Março de 2019, pelas 3 horas e 15 minutos, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula (…), e, ao circular na Rua (…), apresentava uma taxa de álcool no sangue de 1,408 G/L, tendo em conta as margens de erro.

O arguido ingeriu bebidas de teor alcoólico e, sabendo que a condução de veículos motorizados na via pública com uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/litro de sangue constituía crime, ainda assim, conformou-se com tal possibilidade e conduziu o motociclo circulando com o mesmo na via pública.

Assim, o arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.

O arguido admitiu a factualidade vinda de descrever e declarou ter receio de ser dispensado pela sua entidade patronal caso seja determinado ficar inibido de conduzir veículos pesados.

O arguido antes de ter iniciado a condução havia estado a festejar o seu aniversário.

O arguido é motorista de transportes de pesados de mercadorias por conta de uma empresa espanhola, auferindo um vencimento mensal liquido de €1850,00.

A mãe do arguido padece de doença do foro oncológico, necessitando de apoio permanente da sua filha, irmã do arguido, que não pode prestar trabalho a favor de outrem.

O arguido reside com a sua mãe, e irmã, a quem presta ajuda financeira.

Ao arguido não são conhecidas condenações judiciais.

                                  *

     (…)

                                                                    

4. Cumpre agora apreciar e decidir.

A primeira questão a apreciar é a de saber se o nº2 do artigo 69º do Código Penal atribui ao juiz a possibilidade de decidir se a pena acessória de inibição de conduzir pode abranger todas as categorias de veículos motorizados, ou se pode abranger apenas determinadas categorias de veículos.

Dispõe esta norma legal que “A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria”.

Esta é a redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 77/2001, de 13 de Julho.

A redacção anterior da mesma norma dispunha que “A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos motorizados de qualquer categoria ou de uma categoria determinada”.

Esta redacção anterior não deixava dúvidas ao referir “ou de uma categoria determinada”. A inibição podia abranger a condução de veículos de qualquer categoria ou apenas os de uma determinada categoria.

E não se diga agora que esta norma tinha uma redacção redundante. A norma explicitava os veículos que a inibição podia abranger: todos ou apenas alguns veículos a motor.

Ora, se o legislador quis retirar da norma a expressão “ou de uma categoria determinada”, quis, naturalmente, que a inibição se aplicasse a todos os veículos motorizados; isto é, aos veículos motorizados de qualquer categoria.

Não se tratou de corrigir a redacção da norma mas sim de alterar o seu sentido.

A palavra pode, que significava na redacção anterior a alternativa entre aplicar a inibição a todos os veículos ou a alguns, manteve-se na redacção actual. No entanto, agora a norma não comtempla nenhuma alternativa. A inibição aplica-se a todos os veículos motorizados.

É, aliás, o que está de acordo com a Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 69/VIII que propõe a alteração do artigo 69º do Código Penal, entre outros, quando afirma que “a redução dos índices de sinistralidade constitui uma das prioridades do XIV Governo Constitucional em matéria de segurança rodoviária. Neste sentido, o Governo pretende aumentar a segurança rodoviária, adoptando medidas ajustadas à realidade social, à situação das infra-estruturas e à evolução dos comportamentos dos intervenientes no sistema de trânsito, em especial os condutores. A condução perigosa constitui uma das principais causas da sinistralidade rodoviária e está normalmente associada ao excesso de velocidade, à prática de manobras perigosas, à condução sob influência do álcool ou em estado de embriaguez e, em menor grau, à condução sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas. Deste modo, e atendendo à importância dos bens jurídicos postos em causa por estas condutas, como a vida, a integridade física e bens patrimoniais de valor elevado, torna-se imprescindível reforçar a prevenção, o que requer o pronto e eficaz sancionamento dos prevaricadores”.

Refere-se ainda no mesmo diploma que “Uma vez que a sanção acessória de inibição de conduzir está prevista nos dois Códigos (artigo 139.º do Código da Estrada e artigo 69.º do Código Penal), e porque se regista um desfasamento entre ambos relativamente à sanção aplicável, procedeu-se à agravação dos limites mínimo e máximo da pena acessória prevista no n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal. Desta forma, a pena estatuída no Código Penal passa a ser mais gravosa do que a sanção acessória cominada no Código da Estrada para condutas comparativamente menos graves”.

Ora, se o pretendido era acabar com o desfasamento entre os dois Códigos (da Estrada e Penal) relativamente à inibição de conduzir, mais uma razão para acabar com tal desfasamento no que respeita aos veículos por ela abrangidos, já que no Código da Estrada tal sanção aplica-se a todos os veículos, nos termos do artigo 147º, nº 2.

Na supra mencionada Exposição de Motivos refere-se ainda que “atendendo aos especiais deveres de cuidado que impendem sobre certas categorias de condutores, designadamente condutores de veículos de transporte escolar, ligeiros de transporte público de aluguer, pesados de passageiros ou de mercadorias ou de transporte de mercadorias perigosas, procede-se à agravação da pena que ao caso caberia, em um terço nos seus limites mínimo e máximo, no caso de aqueles condutores praticarem crimes de condução perigosa ou de condução em estado de embriaguez. O agravamento da sanção dos crimes referidos nos artigos 291.º, nºs 1, alínea a), 2 e 3, e 292.º aplica-se igualmente aos condutores de veículos de socorro ou de emergência”.

Neste contexto, não se vê que a norma em causa possa ser interpretada como defende o recorrente.

Frisa-se que a Lei nº 71/2001, de 13 de Julho, agravou a responsabilidade de certos condutores, nomeadamente a dos condutores de transportes pesados de mercadorias ou de produtos perigosos, nos termos da nova redacção que foi conferida ao artigo 294º do Código Penal.

Estipula esta norma legal que “quando os crimes previstos nos artigos 291º e 292º forem cometidos no exercício da respectiva actividade por condutores de veículos … pesados de passageiros ou de mercadorias ou de mercadorias perigosas, o agente é punido com a pena que ao caso caberia, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo”.

Foi, pois, neste contexto político-criminal que a redacção da norma do artigo 69º, nº 2, do Código Penal sofreu a alteração supra referida. Alteração que se traduz no facto da proibição de conduzir ter um efeito universal; isto é, vale para todas as categorias de veículos.

Neste sentido veja-se Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 3ª ed. actualizada, 349, segundo o qual “a proibição tem um efeito universal, valendo a proibição para todos os veículos motorizados, mesmo para os que não necessitam de licença para conduzir, atenta a supressão da expressão “ou de uma categoria determinada” no artigo 69º, nº 2, do Código Penal, pela Lei nº 77/2001, de 13.7.

É também neste sentido que se pronuncia a jurisprudência quase unanimemente.

A título de exemplo veja-se o Ac. da RC de 10.11.2010, in www.dgsi.pt, segundo o qual “a proibição de conduzir veículos com motor a que se refere o artigo 69º do CP necessariamente engloba todas as categorias daqueles veículos”.

Pode ler-se no referido aresto, com o qual se concorda inteiramente, que “Pondera-se o facto do arguido necessitar da carta de condução para exercer a sua actividade profissional (circunstância que o arguido não ponderou antes de ingerir as bebidas alcoólicas). A pena acessória só faz sentido enquanto sentida como tal pelo seu destinatário, e visa essencialmente prevenir a perigosidade do agente – cfr. Ac. desta Relação de 7-11-1996, in Col. jurisp. tomo V, 47.
Como salienta o prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português- As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 165, a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados tem como pressuposto material “a circunstancia de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável”, donde que “então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto”, acrescentando, “por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa".

Continua o mesmo aresto afirmando que “Há que ter em conta todos estes vectores, sem sobrevalorizar, nem minimizar as consequências que a inibição de conduzir possa provocar na vida profissional do arguido. Atenta a natureza de uma pena ou sanção, o condenado tem de senti-la sob pena de se poder traduzir em “absolvição encapotada”, e não surtir o efeito pretendido pela lei, o que aconteceria no caso de limitação da inibição a determinada categoria de veículos, ou a não abranger uma determinada categoria de veículos. As penas e sanções têm essa designação, de outro modo não o seriam, nem constituiriam dissuasor necessário para prevenir as infracções, se não forem sentidas como tal, quer pelo agente, quer pela comunidade em geral”.

Ainda no mesmo Acórdão da RC pode ler-se que, “Do que já ficou dito resulta inequívoco que a inibição deve abranger todas as categorias de veículos com motor. De outro modo não surtia qualquer efeito. O recorrente só faz esse pedido por ser titular de licença de condução que abrange mais que uma categoria de veículos. Se procedesse este pedido formulado no recurso, equivalia à não aplicação da sanção acessória da inibição. O perigo para a segurança da circulação rodoviária que se pretende acautelar com a incriminação da condução sob o efeito do álcool, assim como a segurança das pessoas, advém exclusiva ou predominantemente da condução em estado de embriaguez e não da categoria de veículo motorizado conduzido. A interpretação feita pelo recorrente ao artigo 69º, nº 2, do CP, podendo ser uma das possíveis, temos que não será a mais correcta. Entendemos que a interpretação mais correcta vai no sentido de entender que inexiste categoria de veículos com motor que possa ser excluída da possibilidade de inibição. Para se entender que a inibição pode ser limitada a categoria determinada de veículos com motor (ou não abranger determinada categoria), não teria o legislador na alteração produzida pela Lei nº 77/01, suprimido a expressão “ou de uma categoria determinada”.

“A não se entender assim ficariam frustrados os fins que se visam atingir com a norma que prevê a proibição de conduzir em consequência da condenação pelo crime de condução em estado de embriaguez, sendo certo que são os “profissionais do volante” – aqueles que exercem a sua profissão conduzindo veículos automóveis - que mais riscos à segurança da circulação trazem e a quem se exige, consequentemente, um especial dever de cuidado no cumprimento das normas que visam salvaguardar a segurança, sua e dos demais cidadãos. A prevenção especial, necessária in casu só se satisfaz com a inibição de conduzir abrangendo qualquer categoria de veículos motorizados, sem excepção.
Não se verifica um quadro especialmente relevante que permita restringir a proibição de conduzir apenas a alguns veículos motorizados. Não basta ser-se motorista profissional, para que a inibição não abranja a categoria de veículos normalmente utilizada. Dito de outra maneira, quem apenas esteja habilitado a conduzir veículos ligeiros, ser-lhe-ia irrelevante que o inibissem apenas de conduzir veículos pesados ou motociclos” – cfr. Ac. da RC supra referido.

“Assim, e como já referimos, propendemos para interpretar o artigo 69º, nº 2, do CP, no sentido de que a decisão de inibição “pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria”, engloba todas as categorias de todos os veículos a motor. Daí a alteração introduzida pela Lei nº 77/01, que alterou a redacção do preceito que era, “pode abranger a condução de veículos motorizados de qualquer categoria ou de uma categoria determinada”, (sublinhado nosso). Até porque não faria sentido que no caso de cometimento de crime a inibição de conduzir pudesse ser restrita a determinada categoria de veículos (ou excepcionada certa categoria), e no caso de contra-ordenação fosse extensiva a todas as categorias. O artigo 147º do Código da Estrada com a epigrafe “inibição de conduzir” apenas refere que a sanção acessória consiste na inibição de conduzir, nº 1, acrescentando o nº 2 que a inibição “refere-se a todos os veículos a motor”. Na redacção anterior é que havia a possibilidade de restringir a inibição a categoria determinada de veículos, agora não, já que a orientação foi no sentido de restringir “direitos” dos infractores (para tentar evitar sinistralidade estradal).

E, desta interpretação não resulta qualquer violação de princípios constitucionais. Violação do princípio constitucional da igualdade haveria no caso de se decidir no sentido do pretendido pelo recorrente. O recorrente pretende ser beneficiado, não inibido, pelo facto de ser motorista profissional, sendo que esse benefício traduziria desigualdade perante todos os condutores alcoolizados mas não motoristas de profissão. O recorrente pretende um tratamento desigual para o que é igual.
O facto de o recorrente não poder exercer a condução de veículos motorizados, não o impede de exercer qualquer outro tipo de actividade. Pelo que inexiste qualquer violação ao direito ao trabalho. A proporcionalidade há-de verificar-se em função do facto cometido, e não em função da actividade exercida pelo recorrente, fora das circunstâncias em que os factos ocorrerem” – cfr. aresto da RC supra mencionado.

Também no Ac. da RC de 1.2.2012, in www.dgsi.pt, pode ler-se que “a pena acessória de proibição de conduzir não pode respeitar apenas a uma determinada categoria de veículos motorizados. … Os argumentos ou razões têm todo um núcleo comum e todos apontam para o que, em nosso entender, é óbvio na leitura que deve ser feita na conjugação destes preceitos – artigo 292º e 69º, do Código Penal -, quanto ao fundamento da inibição: a condução sob o efeito de álcool é perigosa, demasiado perigosa, que põe em risco, muitas vezes em elevado risco, a integridade física de terceiros, muitas vezes mesmo a própria vida. E se a prevenção geral deve estar sempre presente na aplicação da pena acessória de proibição de conduzir, tendo em conta o alto grau de sinistralidade que tem por causa imediata a condução sob o efeito de álcool, na não opção por qualquer excepção na categoria de veículos que deve abranger a inibição deve ter-se em conta a prevenção especial, que está inerente aos actos de beber e conduzir que se reúnem numa e só pessoa: o arguido”.

“É esta filosofia de pensamento e acção que encontramos subjacente em toda a jurisprudência referenciada que não aceita, em qualquer das modalidades descritas, a exclusão de qualquer categoria de veículos da proibição, podendo ler-se, muito sinteticamente, no ac. da Relação do Porto de 19.7.2006 – supra citado: “ Mas, a condenação por crime de condução em estado de embriaguez é fundamento de aplicação da proibição de conduzir pelos perigos que essa condução potencia para os utentes das vias públicas ou equiparadas. E tais perigos não resultam da natureza do veículo, mas antes do estado em que se encontra quem o conduz. Por isso, a proibição de conduzir, quando tem como fundamento a condenação pelo crime do artigo 292º do CP, não pode deixar de abarcar todas as categorias de veículos com motor, desde que destinados a circular nas vias públicas ou equiparadas. Efectivamente, se a perigosidade da condução, que é a razão de ser da pena, é alheia ao tipo de veículo que se conduz, por respeitar à pessoa do condenado, ela poderá verificar-se na condução de qualquer veículo com motor. Não deixa de ser igualmente convincente, argumentativa e sensata, a explicação/comparação de regimes, feita no Ac. já supra citado, da Relação do Porto de 16.2.2005, onde se afirma:

Se atentarmos no estatuído nos artigos 146º, al. m), e 147.º, al. i), do Código da Estrada, verificaremos que a punição das contra-ordenações graves e muito graves que lhe estão associadas, conduz, para além do mais, à sanção acessória de inibição de conduzir (art. 139.º, n.º 1), sendo que esta, legalmente, se refere a todos os veículos a motor (cfr. n.º 3). É claro que existem diferenças de regime, designadamente a possibilidade desta inibição ser dispensada, atenuada ou suspensa. Mas aonde, no entanto, queremos chegar com esta observação, é que não vemos como muito congruente que para uma situação cuja gravidade fica aquém da contemplada nestes autos, a inibição tenha forçosamente que respeitar a todos os veículos a motor, quando nesta, onde as exigências de prevenção e defesa da comunidade são maiores, tal não se verificaria. No mínimo, traduziria uma forma pouco lógica de sancionar” – cfr. Ac. da RC de 1.2.2012, in www.dgsi.pt.

Jurisprudência com a qual se concorda.

Pelo que fica dito, conclui-se que, face ao disposto no artigo 69º, nº 2, do Código Penal, não cabe ao juiz a possibilidade de decidir se a pena acessória de inibição de conduzir pode abranger todas as categorias de veículos motorizados, ou se pode abranger apenas determinadas categorias de veículos. Assim é porque a proibição de conduzir veículos a motor vale para todos os veículos.

Nem mesmo as razões pessoais, sociais ou profissionais, fortes ou não, podem restringir a inibição de conduzir a determinadas categorias de veículos, pelas razões supra apontadas.

O direito ao trabalho, constitucionalmente consagrado, não é um direito absoluto, não se podendo sobrepor ao interesse público subjacente aos fins das penas. De qualquer forma, neste caso o arguido não fica impedido de trabalhar mas apenas de conduzir veículos motorizados, seja no exercício da actividade profissional ou fora dela.

Assim, o tribunal a quo não violou o disposto no artigo 69º, nº 2, do Código Penal e bem andou ao decidir da forma como o fez.

                                  *

Improcedendo, assim, todas as questões suscitadas pelo arguido deve ser negado provimento ao recurso.

                                  *

         C – Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência, decidem manter a sentença recorrida.


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Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça devida – artigos 513º, nº 1 do Código de Processo Penal, 8º, nº 9 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

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Notifique.

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Coimbra, 22 de Janeiro de 2020

(Elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal).

Rosa Pinto (relatora)

Orlando Gonçalves (adjunto)