Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3659/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA
VALOR DO TERRENO
Data do Acordão: 01/31/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TONDELA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº1340º DO C. CIV. .
Sumário: I – A aquisição do direito de propriedade por acessão industrial imobiliária depende da verificação cumulativa de posse em nome próprio e a construção de boa fé de obra cujo valor seja superior ao valor que o prédio tinha antes .
II – A doutrina e a jurisprudência têm entendido que, em virtude da acessão imobiliária, nasce para o adquirente do bem uma dívida de valor, a qual não tem directamente por objecto o dinheiro, mas a prestação correspondente ao valor de certa coisa ou ao custo de determinado objectivo (valor intrínseco da coisa), sendo o dinheiro apenas o ponto de referência ou um meio necessário de liquidação da prestação .

III – Sendo necessária a manifestação de vontade por banda do titular para a concretização do direito de acessão, o momento a atender na fixação do montante da indemnização será o da manifestação dessa vontade, pois é nesse momento que se dá a conversão em dinheiro do valor que a parcela tinha antes da incorporação .

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- A..., com sede em Adiça, Tondela, propõe contra B..., residente em Adiça, Tondela, C..., residente em Batulho, Tondela e D..., com sede na Rua do Ouro, 28, Lisboa, a presente acção com processo ordinário, pedindo se condene os RR., a reconhecer que é dona e legítima possuidora dos edifícios e demais construções urbanas identificadas nos arts. 438, 439, 440, 441 e 442 da matriz predial urbana da freguesia de Vila Nova da Rainha do concelho de Tondela, a reconhecer que estes prédios urbanos trouxeram ao terreno onde foram implantados, um valor muito superior ao que o terreno tinha antes da incorporação, quer à luz dos valores da época de construção quer em termos actuais, a reconhecer-lhe o direito de adquirir o referido terreno, por acessão industrial imobiliária, mediante o pagamento do valor que este terreno tinha à data da implantação ou outro que, em concreto, se venha a revelar mais adequado, se declare retrotraído o efeito desta aquisição à data da incorporação ( 1981 ), se declare nula a penhora registada a favor do “BPSM” sob a inscrição F-3 ( descrição nº 00013/030686 – freguesia Vila Nova da Rainha ) da Conservatória do Registo Predial de Tondela, ordenando-se em conformidade o seu cancelamento.
Fundamenta estes pedidos dizendo, em síntese, que em 17 de Outubro de 1979, o R. B..., então ainda casado com a R. C..., adquiriu o prédio rústico que identifica, tendo logo na respectiva escritura declarado que, desse prédio, 3.000 m2 se destinariam a construção urbana. Entretanto, por escritura pública de 8 de Abril de 1980, foi constituída a sociedade A., sendo dela seus sócios fundadores, o R. B... e ainda Abel Lopes dos Santos e João Pais. Em 18 de Março de 1981, a A. contraiu junto da Caixa Geral de Depósitos um empréstimo, tendo os RR. B... e C... para garantia de tal empréstimo, constituído uma hipoteca sobre o dito prédio rústico, sendo que na cláusula 16ª do respectivo contrato, o R. B... se obrigou a transmitir o terreno sob o qual incide a hipoteca, para o nome da sociedade A., o que não sucedeu. Entretanto, a A. levou a cabo a edificação da unidade industrial que ficou concluída e apta a laborar no final do ano de 1981, tendo despendido com a construção dos edifícios, a preços de época ( 1981 ) 19.333.287$50. Presentemente, os edifícios implantados pela A. no identificado terreno, têm um valor superior a 50.000.000$00. O R. D... intentou, entretanto, uma execução ordinária contra os RR. B... e C... para cobrança de uma quantia monetária, acção que corre seus termos pelo 1º Juízo deste tribunal e onde foi nomeado à penhora o prédio misto que identifica, sendo que a execução, no que a este imóvel diz respeito, foi sustada ao abrigo do disposto no artº 871º do CPC, porque o imóvel já se encontrava penhorado à ordem da Execução nº 135/95, do 2º Juízo do Tribunal de Tondela. O R. Banco ao requerer a penhora de tal prédio veio atingir, não só o terreno pertencente aos executados B... e C..., mas também os edifícios e demais prédios urbanos que constituem a unidade fabril da A., os quais não respondem pelas dívidas daqueles. Pretende com esta acção defender o seu direito de propriedade sobre estes imóveis.
1-2- A R. C... contestou contrariando apenas, em relação ao alegado pela A., o custo do terreno à data da incorporação, sustentando que o valor hoje do terreno, será de 20.000.000$00.
Termina pedindo que se julgue a acção procedente por provada, reconhecendo-se o invocado direito de acessão industrial imobiliária, mediante o pagamento da quantia de 20.000.000$00 ou outra que se julgue legal, mas sempre actualizada ao momento do pagamento.
1-3- O R. Banco veio contestar, impugnando o valor atribuído à acção e alegando, também em síntese, que o terreno em questão tem uma área superior à indicada, não correspondendo o seu valor real, ao indicado na escritura de compra e venda, tendo existido aí, pois, simulação do preço. O valor do terreno era muito superior àquele que ficou a constar na escritura, tendo, pelo menos, o valor de 27.000.000$00. No que respeita ao valor das obras realizadas pela A. no prédio em questão, o mesmo nunca excederia o valor do financiamento, correspondente a 23.000.000$00, logo seria inferior ao valor do terreno, 27.000.000$00, razão por que não estão reunidos os requisitos do art. 1340º do C.Civil. Acrescenta que mesmo que se pudesse admitir que o valor das obras fosse superior ao do terreno onde foram realizadas, sempre o direito de aquisição da A. se teria de restringir à parte do prédio onde foram efectuadas, área essa correspondente a 1.222 m2.
Termina que se considere o valor da causa em 50.000.000$00, se julgue improcedente a acção ou, caso assim não se entenda, se julgue apenas parcialmente procedente, restringindo-se a aquisição pela A. à área ocupada pelas obras por si realizadas.
1-4- A A. replicou, alegando, em suma, que o valor por si indicado é o correcto e que o preço pago pelo terreno, foi, efectivamente, 200.000$00, sendo esse o valor real do mesmo na altura da aquisição. O valor de 27.000 contos constante do contrato de empréstimo e atribuído ao terreno hipotecado teve em conta o valor dos edifícios já implantados à data da sua celebração (18/3/81), correspondendo no total ao valor do terreno e suas acessões. O valor contabilístico correspondente à construção dos edifícios, é o por si indicado na p.i.. No que respeita à restrição do objecto de aquisição invocado pelo R., acrescentou que o terreno em questão não é susceptível de divisão ou fraccionamento, pois que os seus edifícios industriais e respectivos logradouros espraiam-se por todo o terreno, sendo que ao edifício dos escritórios encontra-se agregado o parque de estacionamento de viaturas e o parque de recepção dos fornecimentos; à nave industrial principal encontra-se agregada a zona de circulação do pórtico sobre carris, o parque de retém de pedra em bloco, o parque de retém da pedra serrada e das sobras da serração e mais adiante, fica o depósito dos desperdícios de pedra e o depósito das lamas.
1-5- Através do termo de fls. 117, a R. C... confessou o pedido.
1-6- Pelo despacho judicial de fls. 128 a 129 foi decidido o incidente do valor levantado pelo R. Banco, tendo-se considerado o mesmo incidente improcedente e entendido que o valor processual indicado pelo A. foi correcto.
Mais se entendeu não se poder homologar a confissão do pedido efectuada pela R. C... ( por se considerar existir litisconsórcio necessário, pelo que teriam que intervir no acto todos os litisconsortes ).
1-7- Os RR. B... e C... vieram a fls. 143 confessar o pedido.
1-8- O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador, em que se julgou válida a confissão dos ditos RR., homologando-se e considerando-se cessada a causa entre a A. e esses RR., após o que o Mº Juiz fixou os factos assentes e a base instrutória, realizou a audiência de discussão e julgamento, respondeu à dita base, após o que foi proferida a sentença.
1-9- Nesta considerou-se a acção procedente, por provada e, em conformidade, atribuiu-se à A. a propriedade da totalidade do prédio descrito na alínea A) da factualidade assente, mediante o pagamento aos donos do mesmo ( 1º e 2ºs RR. ) do valor que ele tinha antes da construção dos edifícios identificados na alínea J), valor esse correspondente a 2.021, 88 euros, actualizado de acordo com os índices de preços no consumidor elaborados pelo INE, desde o ano de 1981 até à data do pagamento, condenando-se, ainda o R. D..., a reconhecer tal direito.
Mais se ordenou-se o cancelamento do registo da penhora efectuada sobre tal prédio e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 00013/030686.
1-10- Não se conformando com esta sentença, dela veio recorrer a A., recurso que foi admitido como apelação, tendo-lhe sido, nesta instância, atribuído o efeito devolutivo.
1-11- O A. alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- Não tendo os RR. formulado pedido reconvencional no sentido de lhes ser concedida a actualização monetária do valor do terreno desde a data da incorporação, não podia o tribunal substituir-se à vontade dos RR. e condenar a A. no valor actualizado do terreno, penalizando-a com uma compensação que os próprios RR. ( proprietários do terreno ) deram provas de não querer.
2ª- A sentença, ao proceder assim, violou o princípio dispositivo e o princípio do contraditório, surpreendendo a A. com uma decisão sobre a aplicação monetária do valor do terreno, sem que tal tema tenha sido objecto de invocação e discussão nos articulados, extravasando o objecto do processo.
3ª- Com o que fez incorrecta aplicação das disposições dos arts. 3º nº 1, 193º nº 2, 274º, 467º nº 1 al. d), 501º e 661º nº 1 do C.P.Civil.
4ª- A actualização do valor do terreno, não tem qualquer apoio legal, sendo que a lei é peremptória a determinar que o autor da incorporação adquire o terreno pagando o valor que este tinha antes ou ao tempo da incorporação, não permitindo qualquer actualização deste valor.
5ª- Observando os factos provados e o comportamento conhecido dos RR. ( proprietários do terreno ) constituiria, à luz da ponderação dos interesses e dos valores em presença, uma tremenda injustiça e penalização da A. no pagamento de uma actualização compensatória a que não deu causa.
6ª- Considerando que, desde logo em 18-3-1981, os RR. ( proprietários do terreno ) se comprometeram a transmitir o terreno sobre qual incidiu a incorporação para o nome da sociedade A., que o R. B..., enquanto sócio-gerente e administrador único desta sociedade, desde 1980 a, pelos menos, 2000, poderia ter dado execução e cumprimento àquele compromisso por eles assumido.
7ª- Os eventuais danos moratórios que possam ter resultado da falta de execução daquele compromisso e pois, possam ter resultado num retardamento do pagamento aos RR. do valor do terreno, só aos próprios RR. são imputáveis.
8ª- Que desde Março de 1981, se colocaram em situação de “mora credenci” em tudo semelhante à prevista na parte final do art. 813º do C.Civil.
9ª- A imputação exclusiva do atraso do recebimento aos próprios RR., impedia-os de formularem contra a A. ( sob pena de manifesto abuso de direito ) um pedido reconvencional tendente à obtenção de uma compensação por actualização monetária ou uma indemnização por danos moratórios.
Termos em que se deve revogar a sentença, na parte em que determina a actualização monetária do valor do terreno.
1-8- A parte contrária respondeu a estas alegações sustentando o não provimento do recurso e a confirmação da decisão recorrida.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- A única questão que se coloca para apreciação, é a de saber se o tribunal recorrido poderia ter actualizado, ou não, o valor do terreno em causa.
Como se viu, o tribunal a quo entendeu efectuar essa actualização, tendo-o feito de acordo com os índices de preços no consumidor elaborados pelo INE, desde o ano de 1981, até à data do pagamento. A recorrente entende que essa actualização não foi certa. Daí o presente recurso.
Nos termos do art. 713º nº 6 do C.P.Civil, dado que não foi impugnada a matéria de facto dada como assente, nem ocorre qualquer circunstância que leve a qualquer alteração, remete-se para os termos da decisão da 1ª instância que decidiu essa matéria.
Para a decisão do presente recurso, há a sublinhar que se deu como provado que, em 1981, o valor do terreno era de 405.350$00 ( 2081,88 euros ).
Estava em causa, na presente acção, a acessão industrial imobiliária a que alude o art. 1340º do C.Civil, tendo a A. pedido, para além do mais, que os RR. reconhecessem que os prédios urbanos que edificou no terreno em causa, trouxeram a este um valor muito superior ao que ele tinha antes da incorporação, reconhecendo-se o direito de adquirir o referido terreno, por acessão industrial imobiliária, mediante o pagamento do valor que esse bem tinha à data da implantação ou outro que, em concreto, se viesse a revelar mais adequado.
Estabelece esta disposição legal no seu nº 1 que “se alguém, de boa fé, construir em terreno alheio ... e o valor que as obras ... tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras ...”.
Quer isto dizer que, segundo esta norma, a aquisição do direito de propriedade da coisa depende da verificação cumulativa de posse em nome próprio e a construção de boa fé de obra cujo valor seja superior ao valor que o prédio tinha antes.
Entendendo-se que a A. logrou provar estas duas condições de aquisição da propriedade do terreno, na douta sentença recorrida, considerou-se que adquiriu a propriedade da totalidade do prédio ( e não somente da parte ocupada pelas edificações, porque estas não gozam de autonomia económica em relação à parte do terreno não ocupada por elas, antes constituindo em relação ao terreno, no seu conjunto, uma única unidade produtiva, questão adjacente, mas também debatida na acção ). Mais se considerou, nos termos da disposição, que a A., adquirente do bem, teria que pagar “o valor que o prédio tinha antes das obras”. Em relação ao montante a atribuir aos proprietários do terreno, pelo prédio, entendeu-se, na senda da jurisprudência que se indicou, que tal constitui uma dívida de valor e, como tal, “não tem directamente por objecto o dinheiro, mas a prestação correspondente ao valor de certa coisa ou à satisfação de determinado objectivo, em que o dinheiro apenas intervém como um objecto temporal ou transitório de referência ou de liquidação da prestação, estando sujeita ao princípio da sua permanente actualização em face do valor oscilante da moeda, tendo tal dívida por objecto não uma quantidade fixa de unidades monetárias, mas um valor que poderá traduzir-se segundo o momento, numa quantidade variável dessas unidades”. Acrescentou-se depois, dizendo que, no que concerne ao modo como tal valor deve ser actualizado, já a doutrina e a jurisprudência não têm sido uniforme, entendendo-se aderir à posição dos que entendem que o valor a atender será aquele que o prédio tinha à data da incorporação, actualizado em função do tempo decorrido, ou seja, considerando a desvalorização da moeda entretanto ocorrida, sendo a actualização a efectuar de acordo com a tabela de índice de preços ao consumidor publicado pelo INE. Por isso, se proferiu a condenação acima mencionada, isto é, determinou-se que a A. pagasse, pelo prédio em questão, o valor correspondente a 2.021, 88 euros, actualizado de acordo com os índices de preços no consumidor elaborados pelo INE, desde o ano de 1981, até à data do pagamento.
É sobre esta actualização que a apelante discorda.
Segundo esta, não tendo os RR. formulado pedido reconvencional no sentido de lhes ser concedida a actualização monetária do valor do terreno desde a data da incorporação, não podia o tribunal substituir-se à vontade dos RR., condenando a A. no valor actualizado do terreno, penalizando-a com uma compensação que os próprios RR. ( proprietários do terreno ) deram provas de não querer. A sentença, ao proceder assim, violou o princípio dispositivo e o princípio do contraditório, surpreendendo a A. com uma decisão sobre a aplicação monetária do valor do terreno, sem que tal tema tenha sido objecto de invocação e discussão nos articulados, extravasando o objecto do processo.
A apelante levanta, com estas objecções, uma questão de índole adjectiva, segundo a qual o tribunal, ao ter actualizado o dito valor ultrapassou, quantitativamente, o pedido.
Somos em que só por mera inadvertência é que a apelante aduz esta argumentação, visto que, como iremos ver, a condenação proferida, está conforme o pedido, por si própria, deduzido.
Refere o art. 661º do nº 1 do C.P.Civil que “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”. Se o fizer a sentença torna-se nula, de harmonia com o disposto no art. 668º nº 1 al. e) do mesmo diploma.
Quer isto dizer que na decisão que proferir sobre as questões que lhe são submetidas pelas partes, o juiz não pode ultrapassar, quer em qualidade quer em quantidade, os limites dos pedidos deduzidos pelas partes.
No caso dos autos a A. pediu que se lhe reconheça o direito de adquirir o referido terreno, por acessão industrial imobiliária, mediante o pagamento do valor que este terreno tinha à data da implantação ou outro que em concreto se venha a revelar mais adequado ( sublinhado nosso ). Quer dizer, no pedido que deduziu, a própria A. solicitou ( e aceitou ) que o tribunal determinasse o valor adequado como contrapartida da sua aquisição do terreno, por via da acessão. Daí que se possa desde já dizer que não se ultrapassou, quantitativamente, o pedido deduzido pela A., pelo que não ocorre a deficiência ( processual ) arguida pela recorrente, não se encontrando, obviamente violados os princípios dispositivo e do contraditório.
Mas há mais. Nos termos do mencionado art. 1340º nº 1 do C.Civil, nas condições aí descritas e acima já salientadas, o autor da incorporação adquire a propriedade do bem, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras.
A doutrina e a jurisprudência têm entendido que, em virtude da acessão imobiliária, nasce para o adquirente do bem, uma dívida de valor (1 Neste sentido Prof. Antunes Varela in Col. Jur. Acs. S.T.J., 1998, Tomo II, pág. 5, Conselheiro Quirino Soares in Col. Jur. Acs. S.T.J., 1996, Tomo I, pág. 24 e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 5-5-1996 in Col. Jur. Acs. S.T.J., 1996, Tomo I, pág.129 e de 17/3/98, in Col. Jur. Acs. S.T.J., 1998, Tomo I, pág.134, 10-2-00 in www.dgsi.pt/jstj.nsf.). Como menciona o Prof. Antunes Varela ( in Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª edição, pág. 887 ) este tipo de dívidas “não têm directamente por objecto o dinheiro, mas a prestação correspondente ao valor de certa coisa ou ao custo de determinada objectivo, sendo o dinheiro apenas o ponto de referência ou um meio necessário de liquidação da prestação. O dinheiro deixa de ser nelas um instrumento ( procurado ) de trocas, para ser apenas a medida do valor de outras coisas ou serviços”. Isto é, nas dívidas de valor, a prestação como se desliga de um montante monetário, sendo antes correspondente ao valor intrínseco da coisa. O dinheiro funciona, somente, como veículo de referência do valor do bem. Como se refere no acórdão do STJ de 10-2-2000 ( referenciado na nota 1) as dívidas de valor são as “dívidas cujo objecto não é directamente uma soma em dinheiro, mas uma prestação de outra natureza, intervindo o dinheiro apenas como meio de liquidação, não lhe sendo aplicável, por isso, o princípio nomalista –artigo 551º do Código Civil”.
A disposição em análise manda, como já se viu, o adquirente pagar o valor que o prédio tinha antes das obras.
Numa primeira abordagem à questão, somos levados a dizer que a lei resolve a questão de forma terminante, pois é clara a dizer que o valor a pagar será aquele que o prédio tinha anteriormente às obras. Da mesma maneira, o nº 3 do art. 1340º em análise, no que concerne à hipótese de o valor acrescentado ser menor ao do terreno, concede ao dono deste, a propriedade das obras, mas obriga-o “a indemnizar o autor delas do valor que tinham ao tempo da incorporação”. Assim, o Prof. Antunes Varela no parecer referenciado na nota 1 sustenta a doutrina de que não é de actualizar o valor do prédio a ser pago por quem fez das obras. Do mesmo modo o faz o Acórdão do S.T.J. de 17-3-1998 (in Col. Jur. Acs. do S.T.J., 1998, Tomo I, pág. 134 ) já que decidiu que não é de actualizar o valor do prédio a ser pago pelo autor das obras.
Não nos parece esta posição justa no presente caso, razão por que a não iremos adoptar. Fazendo nossas, as considerações expendidas no Acórdão do S.T.J. de 10-2-2000 já indicado na nota 1, entendendo-se que o direito de acessão, para se concretizar, será necessária a manifestação de vontade nesse sentido por banda do titular (2 Neste sentido vide estudo do Conselheiro Quirino Soares referenciado na nota 1 e Acórdão do S.T.J. de 5-5-1996 também já mencionado na nota 1), o momento a atender na fixação do montante da indemnização será o da manifestação dessa vontade, pois é “nesse momento que se dá a conversão em dinheiro do valor que a parcela tinha antes da incorporação” ( in mesmo acórdão ).
O prédio, nessa altura ( 1981 ) tinha o valor monetário de 2.021, 88 euros. Evidentemente que o valor ( no sentido de possibilidade aquisitiva ) desta quantia hoje, é muito diverso do que possuía em 1981. O poder de compra da dita importância é hoje muito mais reduzido, em virtude da erosão monetária que, entretanto, ocorreu. Assim sendo, considerando-se a prestação em causa como dívida de valor, haverá que providenciar por atribuir a essa prestação, poder aquisitivo semelhante ao que possuía em 1981. Só assim, a nosso ver, a prestação de valor se concretizará ou materializará. Por isso, torneando a dificuldade derivada da expressão legal “valor que o prédio tinha antes das obras”, somos em crer, mantendo-se o espírito e a intenção da lei, que se poderá interpretá-la, fazendo substituir ( racionalmente ) o vocábulo «antes» pela palavra «sem». Assim, o alcance a dar à expressão será “valor que o prédio tinha sem as obras”, o que permite já uma actualização do respectivo quantitativo.
Mas mesmo que assim não fosse, a nosso ver, o pagamento hoje do valor que o prédio tinha há mais de 20 anos, para além de violar o ditame constitucional que proíbe a privação do direito de propriedade sem uma justa indemnização ( art. 62º da Constituição da República Portuguesa ), sendo certo que esta se deve aferir em relação ao momento em que é efectivada, também isso constituiria um evidente abuso de direito, pois ir-se-ia efectuar um pagamento de uma quantia fortemente degradada pela erosão monetária entretanto ocorrida. Isto é, no caso concreto, concedendo-se ao proprietário do terreno, “tout court”, o valor que este tinha anteriormente às obras, estar-se-ia a privilegiar e a realizar uma justiça formal em detrimento da material, assim se exercendo o direito de forma manifestamente excessiva, ultrapassando os seus fins económicos e sociais. A atribuição de um valor, ao proprietário do terreno, nesses contornos, constituiria uma indemnização, patentemente, injusta. A proceder-se assim, originar-se-ia, pois, um patente caso de abuso de direito (art. 334º do C.Civil ) ( 3 Neste sentido e em caso semelhante, decidiu o Acórdão do S.T.J de 3-7-03, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.)
. Para se lograr que aos proprietários, no caso vertente, se atribua uma justa indemnização, terá que se proceder à actualização da indicada importância, de forma a colocar nela o valor intrínseco que a erosão monetária lhe retirou. Isso conseguir-se-á, através da actualização determinada na douta sentença.
Tudo o que se acabou de dizer não se altera pelo facto de não ter existido, por banda dos RR., a iniciativa de realizar a transmissão da propriedade do terreno ( 4 A possível falta de interesse dos RR. em realizar a transmissão, a existir ( o que não está provado, como se disse no acórdão ) talvez se explique por serem, simultaneamente, proprietários do terreno e sócios da empresa A.. Daí que, em relação à sua posição processual ( em que confessam os factos ), se deve entender como “interessados” na procedência da acção. O único prejudicado evidente por esta procedência, principalmente, se o valor a atribuir aos proprietários do terreno fosse o de 1981, seria o Banco R., titular de uma penhora sobre o imóvel. Por isso nos parece irrelevante a A. apelar, no recurso, à atitude passiva dos B... e C..., simultaneamente RR. e seus sócios.), até porque esta falta de iniciativa não está demonstrada, pois não resulta do acervo dos factos provados. Também os factos dados como provados, não denunciam que exista qualquer situação de “mora credenci” em tudo semelhante à prevista na parte final do art. 813º do C.Civil. No que toca ao invocado abuso de direito ( se os RR. tivessem deduzido pedido reconvencional ), para além de não terem os RR. deduzido tal pedido (o que leva desde logo, mesmo no prisma da recorrente, a não ocorrer esse abuso ), o certo é que, como dissemos, abuso de direito seria, não proceder à actualização da dita quantia.
Quer dizer que a posição da apelante é de todo insubsistente.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo a douta decisão recorrida.
Custas pela apelante.