Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
243/08.9GBAND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
TAXA DE ALCOOLÉMIA
PROVA PRÉ –CONSTITUÍDA
PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO
Data do Acordão: 03/25/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ANADIA – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 292º, 1 CP, 163º DO CPP, 153º, 3 CE
Sumário: 1-A medição da taxa de alcoolemia constitui prova pericial (lato sensu) pré-constituída, por irrepetível em julgamento. De onde que o resultado obtido esteja subtraído á livre apreciação do julgador Apenas podendo ser posto em causa por prova pericial de valor idêntico, designadamente a contraprova nos termos previstos na lei .
2-Não é toda a dúvida, lançada em abstracto, que legitima o funcionamento do princípio in dubio pro reo, mas apenas a argumentada que, em concreto, após a produção e análise crítica de todos os meios de prova relevantes e sua avaliação de acordo com os critérios legais – deixa o observador (objectivo e distanciado do objecto do processo) num estado em que permanece como razoavelmente possível mais do que uma versão do mesmo facto.
Decisão Texto Integral: O arguido A..., melhor identificado nos autos, recorre da sentença mediante a qual o tribunal recorrido decidiu condená-lo:
- pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1 do Código Penal na pena 4 (quatro) meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 9 (nove) meses, devendo entregar a sua carta de condução na secretaria do ou em qualquer posto policial no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado desta decisão, sob pena de incorrer num crime de desobediência, nos termos do artigo 500º, nº 2 do Código de Processo Penal.

Na motivação são formuladas as seguintes CONCLUSÕES:
I - constata-se, por um lado, que o Auto de Notícia de fis. 2 e 3, se encontra assinado pelo soldado da GNR J..., sendo que o Talão resultante do exame efectuado de fls. 3 se encontra assinado por alguém que nem o próprio soldado, enquanto testemunha, conseguir identificar ou apurar.
II - Por outro lado, no mesmo Auto de Notícia e no mesmo Talão as assinaturas do arguido não coincidem, sequer correspondem minimamente.
III - Ora, resulta indubitavelmente do princípio constitucional in dubio pro reo, e das competências/deveres do Ministério Público o ónus da prova dos factos alegados em sede acusatória.
IV - Nesta mesma medida, cabe ao Ministério Público — E NUNCA AO ARGUIDO — requerer e produzir a prova necessária de modo a que não resulte qualquer dúvida quanto á produção dos factos criminalmente imputados ao arguido pelo mesmo.
V - Assim, não resultou provado que era o arguido quem conduzia o veículo em causa, sequer é possível estabelecer, sem mais, uma correspondência entre o arguido e o talão de registo do exame efectuado.
VI - Deste modo, da falta de prova produzida outra solução não restava ao Tribunal senão ABSOLVER O ARGUÍDO dos factos que lhe vinham imputados, pelo que incorreu com a decisão propalada na violação do princípio constitucional in dubio pro reo - cfr. art. 32º n.º2 da Constituição da República Portuguesa - e do art. 374º n.º 2 do CPPenal.
VII - ADEMAIS, pretende o arguido invocar, a seu favor a excepção contida no art. 102º, n.ºs 1 e 2 do CPenal com remissão para o disposto no correspondentemente aplicável art. 51º, n.ºs 1 a 3.
VIII - SEM PRESCINDIR, resulta que o arguido vive com a esposa, doméstica tem três filhos que com eles vive, todos menores, que percorre diariamente longas distâncias resultante da sua actividade profissional e que é o principal sustento do agregado familiar e encontra-se socialmente e familiarmente integrado. Ora;
IX - Circunstância de que não pôde alhear-se o Tribunal na determinação da medida da pena.
X - Assim, são imprescindíveis na determinação, suficiência e valoração da pena os argumentos supra elencados, nomeadamente nos termos do art. 50º do C. Penal, dado que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada (...) se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida,(...) e às circunstâncias do crime’.
XI - Ora, em última análise, sempre seria de aplicar o instituto da suspensão da pena, nos termos do art. 50º do C. Penal, atentas quer o crime em causa, quer a personalidade do agente, as suas condições de vida. Pelo que;
XII - Os pressupostos da tutela dos interesse representados pelo Ministério Público afigurar-se-iam protegidos e salvaguardados, como se “da espada de Democles” se tratasse, impendendo sobre o arguido, medida suficiente e adequada à salvaguarda dos interesse públicos e à perfeição do carácter preventivo e ressocializador da sentença:
XIII - Dado que o interesse tutelado já se encontraria assim suficientemente salvaguardado, afigurando-se uma pena de prisão efectiva, DESPROPORCIONAL E INADEQUADA.
XIV - Na verdade, a aplicação de uma pena de prisão, bem como de um período de inibição de NOVE MESES, não se coaduna com as finalidade da pena, muito menos com o intuito ressocializador da mesma, pois que, dentro deste limite máximo, a pena deverá ser determinada pela moldura de prevenção geral de integração e ressocialização entre o ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e as exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, não se podendo determinar por critérios retribuição e expiação, em suma, uma “justa paga”, qual Lei da Talião - olho por olho, dente por dente -
XVI - Porquanto a mesma seria apenas repressora para o arguido e destituída de qualquer sentido útil, prejudicando não só o arguido, que está socialmente integrado e trabalha, bem como os que dele dependem, nomeadamente a sua esposa e filhos menores;
XVII - Tanto mais, quando se verifica o principio in dubio pro reo, aplicável aqui também ao juízo de prognose da conduta do arguido, dado que o mesmo, não voltou a ser condenado por qualquer facto desde 26/10/04, ou seja, há quase QUATRO ANOS, porquanto se apercebeu da ilicitude do seu comportamento.
X\/III - Como tal, apenas pode resultar um juízo de prognose favorável ao comportamento do arguido.
XIX - Afigurando-se a aplicação do instituto da suspensão da pena, enquanto SUFICIENTE, ADEQUADA e, principalmente EFICAZ, atentas as finalidades da punição, pelo que qualquer condenação em sentido contrário, violaria o intuito normativo que pautou a redacção das alterações recentes ao Código Penal, bem como o disposto no art. 50º do C. Penal e o princípio in dubio pro reo.
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Na resposta o MºPº rebate, ponto por ponto, a argumentação aduzida pelo recorrente, concluindo pela manutenção integral da decisão recorrida.
No visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Ex. Mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual se pronuncia no sentido da improcedência do recurso ou, quando muito, ser parcialmente provido dando-se ao recorrente a oportunidade de cumprimento da pena de prisão por dais livres ou em regime de semidetenção.
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Foi cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP.
Corridos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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II.
1. Delimitação do objecto do recurso
Nos termos do art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Constituindo entendimento pacífico que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173, fazendo eco da jurisprudência uniforme daquele alto tribunal).
Assim, de acordo com as conclusões, está em causa no presente recurso, a violação do princípio in dubio pro reo, a suspensão da execução da pena de prisão e a medida da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.
A apreciação de tais questões obriga a que se tenha presente a decisão do tribunal recorrido em matéria de facto.
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2. A decisão da matéria de facto é a seguinte:
A) MATÉRIA DE FACTO PROVADA:
No dia 11 de Maio de 2008, pelas 02h35, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula AX-00-00 na rotunda de na Rotunda do Estádio Municipal, nesta cidade de Anadia.
Ao ser submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue, acusou uma TAS de 1,63 g/l.
O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que havia ingerido bebidas alcoólicas e que não se encontrava em condições de conduzir, sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
Por sentença proferida em 11-06-2002, transitada em julgado, nos autos de processo sumário nº 210/02.6GAMDL, do Tribunal Judicial da Comarca da Mealhada foi o arguido condenado pela prática de um crime de desobediência, na pena de 50 dias de multa, à razão diária de €1,00, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses, por factos praticados em 11-6-2002.
Por sentença proferida em 1-8-2002, transitada em julgado, nos autos de processo sumário nº 293/02.9GAMDL, do Tribunal Judicial da Comarca da Mealhada foi o arguido condenado pela prática de um crime de desobediência, na pena de 70 dias de multa, à razão diária de €1,00, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses e 15 dias, por factos praticados em 1-8-2002.
Por sentença proferida em 3-06-2003, transitada em julgado, nos autos de processo sumário nº 301/03.6GAMDL, do Tribunal Judicial da Comarca da Mealhada foi o arguido condenado pela prática de um crime de desobediência, na pena 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses, por factos praticados em 25-5-2003.
Por sentença proferida em 3-12-2003, transitada em julgado, nos autos de processo comum singular nº 150/02.9GAMDL, do Tribunal Judicial da Comarca da Mealhada foi o arguido condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 200 dias de multa, à razão diária de €4,00, por factos praticados em 1-3-2002.
Por sentença proferida em 27-9-2005, transitada em julgado, nos autos de processo sumário nº 286/05.4GTCBR, do Tribunal Judicial da Comarca da Mealhada foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de €3,00, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses, por factos praticados em 12-9-2005.
Por sentença proferida em 1-2-2006, transitada em julgado, nos autos de processo comum singular nº 599/04.2GAMLD, do Tribunal Judicial da Comarca da Mealhada foi o arguido condenado pela prática de um crime de desobediência e um crime de condução em estado de embriaguez, nas penas de 60 dias de multa, à razão diária de €3,00, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses, e ainda na pena de prisão suspensa por dois anos, por factos praticados em 25 e 26-10-2004.
Por sentença proferida em 15-12-2006, transitada em julgado, nos autos de processo comum singular nº 669/95.0GAMLD, do Tribunal Judicial da Comarca da Mealhada foi o arguido condenado pela prática de um crime de injúria agravada e ofensa à integridade física qualificada, na pena de 6 meses suspensa por 2 anos, por factos praticados em 10-11-2005.

B) MOTIVAÇÃO
A factualidade provada e acima descrita baseia-se nas declarações da testemunha J…, soldado da GNR, o qual, de uma forma espontânea e desinteressada confirmou os factos descritos na acusação.
Teve-se também em consideração o talão do alcoolímetro junto a fls. 3 e ainda o CRC junto a fls. 37 a 44 dos autos, oportunamente submetidos a discussão.
Desconhecendo-se as condições sociais e económicas do arguido foram tomadas em consideração as condições da população em geral.
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3. Apreciação
3.1. NAS conclusões I a VI sustenta o recorrente a sua absolvição por falta de prova dos factos constitutivos do crime, com fundamento no princípio in dubio pro reo, alegando para tanto, em resumo, que “o Auto de Notícia se encontra assinado pelo soldado da GNR e o Talão resultante do exame efectuado de fls. 3 se encontra assinado por alguém que nem o próprio soldado conseguiu identificar e que no Auto de Notícia e no referido Talão as assinaturas do arguido não coincidem, sequer correspondem minimamente”.
O princípio in dubio pro reo é considerado pela doutrina largamente maioritária um princípio estritamente atinente ao direito probatório, como tal relevante em termos da apreciação da questão de facto e não na superação de qualquer questão suscitada em matéria de direito – cfr. entre outros Cavaleiro Ferreira, Direito Penal Português, 1982, vol. 1, 111, Figueiredo Dias Direito Processual Penal, p. 215, Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, 1967-1968, p. 58.

Constituindo um princípio geral de direito (processual penal) cuja violação conforma uma autêntica questão-de-direito – Cfr. Medina Seiça, Liber Discipulorum, p. 1420; Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, 1974, p. 217 e segs.), criticando o entendimento contrário do STJ.

Significa que “em caso de dúvida razoável, após a produção de prova, tem de actuar em sentido favorável ao arguido” – formulação de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, ed. de 1974, p. 215, fazendo a síntese da doutrina.
Não é assim toda a dúvida, lançada em abstracto, que legitima o funcionamento deste princípio. Mas apenas a dúvida argumentada que, em concreto, após a produção e análise crítica de todos os meios de prova relevantes e sua avaliação de acordo com os critérios legais – deixa o observador (objectivo e distanciado do objecto do processo) num estado em que permanece como razoavelmente possível mais do que uma versão do mesmo facto.
“A própria dúvida está sujeita a controlo, devendo revelar-se conforme á razão ou racionalmente sindicável, pelo que, não se mostrando racional, tal dúvida não legitima a aplicação do citado princípio razoável” – cfr. Ac. STJ de 04.11.1998, BMJ 481º, p. 265.
A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do Tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, (tal como sucede com a livre convicção) argumentada, coerente, razoável – neste sentido cfr. Jean-Denis Bredin, Le Doute et L’intime Conviction, Revue Française de Théorie, de Philosophie e de Culture Juridique, Vol. 23, (19966), p. 25.
Dúvida e convicção constituem como que a face e verso do critério geral de apreciação da prova, limitando-se reciprocamente: a livre convicção acaba onde surge a dúvida razoável e esta deixa de subsistir onde se estabelece a convicção ancorada numa análise objectiva e racional dos meios de prova validamente produzidos e valorados em conformidade com os critérios legais. A livre convicção assenta na legalidade da prova, nos critérios de apreciação vinculada e, na ausência destes, na razoabilidade da sua apreciação á luz do critério previsto no art. 127º do CPP. E o princípio in dubio pro reo assenta, afinal, no mesmo critério. Uma e outro estão limitados pela legalidade da prova e pela razoabilidade da análise crítica dos meios de prova validamente produzidos sobre o facto submetido a juízo - conhecimentos científicos adquiridos, racionalidade, objectividade, regras do convívio social, da proximidade, interesses, paixões subjacentes a cada depoimento na dimensão da condição humana.
Focando o caso dos autos, importe lembrar, antes de mais que, nos termos do art. 355º n.º1 do CPP não valem em julgamento quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.
Daí que, tendo o arguido faltado à audiência (cfr. a respectiva acta, a fls. 46 e 54) a produção de prova ficou resumida à audição do agente da GNR que lavrou o auto de notícia de fls. 2, exame do talão emitido pelo alcoolómetro junto a fls. 3 e do CRC do arguido. Além da prova documental incorporada nos autos, anexa ao auto de notícia, designadamente os termos de notificação do arguido do resultado do exame e da faculdade de requerer contraprova.
Ora, em audiência – onde toda a prova é produzida e discutida - não foi posto em causa o resultado do teste realizado. Aliás nem o recorrente tinha requerido contraprova no momento adequado em que foi notificado para tal, caso assim o entendesse – cfr. termo de notificação de fls. 4.
Do mesmo modo não foi posto em causa o resultado do exame descrito no talão emitido pelo alcoolímetro.
Meio de prova que o legislador qualifica de “exame de pesquisa de álcool” – cfr. art.. 153º do C.E.
E na verdade, estando em causa aparelhos de grande complexidade e precisão técnica, considera-se que a medição da taxa de alcoolemia constituir prova pericial (lato sensu) préconstituída, por irrepetível em julgamento – cfr. Carlos Climent Durán, La Prueba Penal, ed. Tirant Blanch, p. 1134.
De onde que o resultado obtido esteja subtraído á livre apreciação do julgador – art. 163º do CPP. Apenas podendo ser posto em causa por prova pericial de valor idêntico, designadamente a contraprova nos termos previstos na lei - art. 153º, n.º3 do C. da Estrada.
Por outro lado não foi de forma alguma posta em causa a assinatura do auto de notícia pele testemunha ouvida em audiência. Nem a assinatura do recorrente aposta nos termos de notificação de fls. 4 e 5, lavrados, como deles resulta de forma clara e inequívoca pelo Cabo da GNR n.º 112, L… que assina na qualidade de notificante.
Não tendo, pois qualquer suporte a dúvida invocada pelo recorrente, por falta de qualquer apoio na prova produzida, sendo antes afastada, de forma clara e inequívoca, pela prova documental e pericial produzidas e examinadas na audiência de julgamento que constituem o suporte da decisão recorrida.
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3.2. Questiona depois o recorrente, já em matéria de direito, a pena de prisão aplicada pugnando designadamente pela suspensão da sua execução.
Nos termos do art. 50º, n.º1 do C. Penal “O tribunal suspende a execução da pena de prisão não superior a 5 anos de prisão (redacção introduzida pela Lei 59/2007 de 04.09) se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Obrigando assim à formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no futuro, e sobre se a suspensão realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, tendo em vista a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime, as circunstâncias do crime, tudo em função da matéria de facto provada no caso concreto.
Como salientou o AC. do STJ de 25 de Junho de 2003, Col. Jur. Acs do STJ , ano XXI, tomo II, 2003, p. 221, “Na suspensão da execução da pena (de prisão) não são as considerações sobre a culpa do agente que devem ser tomadas em conta, mas antes juízos prognósticos sobre o desempenho da sua personalidade perante as condições da sua vida, o seu comportamento e bem assim as circunstâncias de facto, que permitam ao julgador fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas”.
Por outro lado a suspensão da execução da pena não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos legais.
Devendo o juízo de prognose assentar não necessariamente numa «certeza», bastando uma «expectativa» fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e, consequentemente, a ressocialização em liberdade do arguido – cfr. Ac. STJ de 08.07.1998, CJ/STJ, tomo II/98, p. 237.
De qualquer forma tal juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do arguido tem que ser estruturado na matéria de facto provada e na personalidade do agente revelada no facto e na sua conduta anterior e posterior à sua prática
Ora, no caso, o recorrente não invoca factos ou fundamentos relevantes no âmbito dos pressupostos da suspensão enunciados no art. 50º - adequados a fundar o juízo de prognose favorável.
Alega uma série de factos (cfr. conclusão VIII) que não são relativos à sua personalidade mas sim ao seu agregado familiar e respectiva dependência económica do seu agregado familiar – que como tal não se inscrevem no descrito critério enunciado pelo art. 50º do C.P.
Além de que tais factos não estão demonstrados nem foram sequer alegados em tempo oportuno de forma que o tribunal de recurso deles pudesse ter conhecido. Sendo certo que a finalidade do recurso não é a realização de um novo julgamento mas antes a reapreciação da bondade de uma decisão anterior. “Como remédios jurídicos os recursos não podem ser utilizados com o único objectivo de melhor justiça. O recorrente tem que indicar expressamente os vícios da decisão recorrida. A motivação dos recursos consiste exactamente na indicação daqueles vícios que se traduzem em erros in operando ou in judicando.” – cfr. Cunha Rodrigues, Jornadas de Direito Processual Penal, Centro de Estudos Judiciários, p. 387.
Alega o recorrente com relevo neste âmbito que não praticou crimes desde 2005.
No entanto resulta da matéria provada que sofreu já duas condenações anteriores por crimes de condução em estado de embriaguês - idênticos aquele pelo qual foi julgado nos presentes autos - a ultima das quais em pena de prisão suspensa.
Por outro lado a última condenação por crime de condução em estado de embriaguez é de 01.02.2006. Sendo esta data, pela solene advertência que constitui a aplicação da pena, que permite aquilatar os efeitos da condenação no comportamento futuro do arguido, designadamente como factor de prevenção especial da prática de novos crimes.
Resulta ainda da matéria provada que sofreu mais 3 condenações por outros tantos crimes de desobediência, todos eles cometidos no âmbito da circulação rodoviária. E em todos os casos referidos (crimes de desobediência e de condução sob o efeito do álcool) foi punido, para além da pena principal, com pena acessória de proibição de condução de veículos automóveis.
Contando duas condenações em penas de suspensão da prisão – aplicada por sentenças de 03.06.2003 e de 15.12.2006, respectivamente.
O que demonstra a ineficácia da suspensão agora pretendida.
Com efeito nenhum ordenamento jurídico suporta pôr-se em causa a si mesmo, sob pena de deixar de existir enquanto tal. A sociedade tolera uma certa “perda” de efeito preventivo geral, isto é conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição. Já não tolera a sua ineficácia - Cfr. Costa Andrade, RLJ, 134º, p. 76.
Evidenciando a prática do crime dos autos que as anteriores condenações – designadamente as duas condenações em penas de suspensão da prisão - não constituíram factor suficiente de prevenção especial, o mesmo é dizer da prática deste novo crime da mesma natureza, pelo arguido.
Não podendo assim proceder a pretensão da suspensão formulada pelo recorrente.
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3.3. O recorrente não se refere expressamente à aplicação de qualquer outra pena de substituição admissível em abstracto - prisão por dias livres; regime de semidentenção; prestação de trabalho a favor da comunidade.
Sustenta porém a desproporcionalidade e inadequação da pena de prisão efectiva que pretende ver afastada - cfr. designadamente a conclusão XIII. Sendo certo que um dos fundamentos invocados é a continuação do exercício da actividade profissional que constituirá o sustentáculo da família.
Por outro lado, no douto parecer – de que o arguido foi notificado a fim de exercer o contraditório - é suscitada a possibilidade de aplicação da prisão por dias livres ou do regime de semidetenção.
A semidetenção e a prestação de trabalho dependem do consentimento ou da aceitação do arguido - cfr. arts. 46º n.º1 e 58º n.º5 do C. Penal. Estando por isso afastada a sua aplicação, no caso, por não prestado, o consentimento ou a aceitação por parte do arguido/recorrente.
Permanece todavia aplicável a prisão por dias livres, cujos pressupostos abstractos se mostram verificados – cfr. art. 45º do CP.
Em concreto, atendendo à idade do arguido (nascido em 29.06.1965, como resulta do seu CRC), a que nunca cumpriu qualquer pena privativa da liberdade, ao enquadramento familiar invocado, aos efeitos apontados pelo próprio legislador à pena de prisão que constitui a ultima ratio do sistema punitivo, a que o cumprimento em dias livres tem o efeito da prisão e não corta as relações familiares, sociais e de trabalho do arguido, envolvendo ainda uma perspectiva proactiva e não meramente reactiva, entende-se adequada e suficiente para satisfazer as finalidades da pena, no caso, o cumprimento da prisão por dias livres.
Cada período tem duração mínima de 36 horas e máxima de 48 horas – art. 45º n.º3. E cada período equivale a 5 dias de prisão – mesmo art. 45º n.º3.
Atendendo a que o arguido exerce a sua actividade profissional em local distante da área de residência (facto emergente da acta da audiência de discussão e julgamento e da razão da sua realização sem a presença do arguido) entende-se ajustado fixar cada período na duração mínima, a fim de o arguido se poder apresentar sem prejudicar o exercício dessa actividade.
Assim aos 4 (quatro) meses de prisão correspondem 24 períodos (4x30:5=24) de 36 horas.
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3.4. Medida da pena acessória
A pena acessória questionada, definida pelo artigo 69º, n.º1 do C.P., tem como limite mínimo 3 meses e como limite máximo 3 anos.
Dentro da referida moldura, a decisão recorrida fixou-a, e concreto, em 9 meses.
Em contrapartida o recorrente não aventa qual a medida concreta que em seu entender seria ajustada no caso.
A determinação da medida concreta da pena acessória é efectuada de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação da pena principal, enunciados no art. 71º do C. Penal – cfr. Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, Universidade Católica, p. 28 e Maia Gonçalves, C. Penal Anotado, 15ª ed., p. 237.
No entanto apesar da identidade de critérios (para a pena principal e a pena acessória) tratando-se de realidades complementares e distintas, não pode deixar de se ter conta a natureza e finalidades próprias da pena acessória por forma a que a pena acessória aplicada em concreto se mostre ajustada às suas finalidades específicas dentro do programa político-criminal em matéria dos fins das penas enunciado pelo art. 40º do CP.
Sendo certo que a pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas dirige-se também, ao menos em alguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Aequitas/Editorial Notícias., § 88 e § 232.
Daí que a determinação da pena acessória deva operar-se mediante recurso aos critérios gerais constantes do art. 71º do CP com a ressalva de que a finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita, na medida em que a sanção acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral – cfr., entre outros, Ac. RC de 07.11.1996, na CJ/1996, t. 5, p. 47; Ac. RC de 18.12.1996, na CJ/1996, t. 5, p. 62; e Ac. RC de 17.01.2001, CJ/2001, t. 1, p. 51.
Trata-se aliás de medida na qual são depositadas grandes expectativas como meio de prevenção, tanto que, depois das alterações operadas pelo DL 48/95 de 15.03 mereceu novamente a atenção do legislador através da Lei 77/2001 de 13 de Julho que deu nova redacção ao art. 69º do C. Penal, definindo com maior rigor o âmbito da sua aplicação e elevando o limite mínimo e o limite máximo (de 1 para 3 meses e de 1 para 3 anos, respectivamente). Perspectivando-se como medida de grande relevo no combate aos elevadíssimos índices de sinistralidade rodoviária, incidindo sobre o instrumento da condução automóvel, privando o agente de exercer temporariamente a actividade em cujo exercício praticou a infracção. O que numa sociedade economicista – em que a pena de multa vê o seu efeito diluído, sendo incorporado como mais um entre os custos da condução automóvel - assume especial relevo, como factor de prevenção e correspondente motivação pela norma.
Por outro lado a frequência da condução sob o efeito do álcool revela que o sistema sancionatório não tem ainda funcionado adequadamente. Tanto que continua a ser uma das infracções que, em termos estatísticos, maior relevo tem nas condenações proferidas pelos tribunais. Não podendo esquecer-se que com apenas 1,20 g/l o risco de acidente aumenta 16 vezes – cfr. estudo da DGV acessível em htt://www.agroportal.pt.
Ora no caso, tendo em atenção a taxa concreta de alcoolemia revelada, as necessidades de prevenção geral e especial, a perigosidade do agente revelada no facto e nas sucessivas penas acessórias da mesma natureza em que foi condenado anteriormente, a pena acessória aplicada em concreto revela-se perfeitamente ajustada.

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III. Nos termos e com os fundamentos expostos decide-se:
- Conceder provimento parcial ao recurso determinando que a pena de 4 (quatro) meses de prisão aplicada nos autos seja cumprida em dias livres, em 24 (vinte e quatro) períodos de 36 horas cada um; e ----
- Julgar improcedente o recurso em tudo o mais não previsto no ponto anterior. ---
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça, atento o decaimento parcial, em 3 (três) UC, sem prejuízo do instituto do apoio judiciário.