Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
247/94.7JAAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO VENTURA
Descritores: CORRUPÇÃO PASSIVA
CONCURSO DE INFRACÇÕES
PENA UNITÁRIA
Data do Acordão: 10/01/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VAGOS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 16.º DA LEI N.º 34/87, DE 16.07 E ARTIGO 77.º DO CÓDIGO PENAL
Sumário: I. – O crime de corrupção passiva, tal como se encontra recortada na norma incriminadora, configura-se como um crime de dano, na medida em que consubstancia lesão da autonomia intencional do Estado.

II. - A consumação do crime de corrupção passiva ocorre no momento do conhecimento da solicitação de vantagem (ou promessa) pelo agente integrado no conceito jurídico-penal relevante pelo destinatário ou da sua aceitação, quando a iniciativa pertence a terceiro. Isto, independentemente da concretização de vantagem patrimonial ou não patrimonial ou da realização da conduta ilícita mercadejada, circunstâncias que não constituem elementos essenciais do crime de corrupção.

III. – Assim o funcionário ou titular de cargo político que solicita ou aceita a promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para a prática de acto ilícito comete o crime de corrupção mesmo que nada receba ou não execute a tarefa antijurídica acordada.

IV. – Na formação da pena unitária o tribunal deve proceder de forma a englobar na avaliação do comportamento do agente o conjunto de factos que integram os diversos ilícitos perpetrados de modo a aquilatar se está perante uma situação de delinquência por tendência ou tão só de uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade.

V. – A exigência preventiva a que alude o artigo 40.º do Código Penal – também crismada de prevenção geral positiva ou reintegradora - estende-se em três dimensões e efeitos: efeito de aprendizagem, motivada sociopedagogicamente; efeito de reposição da confiança decorrente do cidadão ver que o Direito é aplicado; efeito de pacificação, decorrente da tranquilização da consciência jurídica geral pela imposição de sanção adequada e consequente encerramento do conflito social com o autor.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


Relatório

Por acórdão proferido em 21/08/2001 nos presentes autos, com o NUIPC nº 2162/02-5, do Tribunal Judicial de Vagos, foi condenado, entre outros, AA. …:Como autor material de 3 crimes de prevaricação, p.p. pelo artº 11 da Lei nº 34/87, de 16-7, na pena, por cada um, de prisão de 4 (quatro) anos;

Como autor material de 2 crimes de furto de documentos, p.p. pelos arts. 231º e 232º do C Penal/82 e 259º do C Penal 95, e nos termos do art. 5º da Lei 34/87, na pena, por cada um, de 1 (um) ano de prisão;

Como autor material de um crime de burla agravada, p.p. pelo arts. 218º 2-a do C. Penal/85 e 314º-c) do C. Penal/82, e nos termos do art. 5.° da Lei 34/87, na pena de 2 ( dois) anos de prisão;

Como autor material de um crime de falsificação, p.p. pelos arts 228º-1-a) -2 e 4 do C. Penal 182 e 256º1-a) 3 e 4 do C.Penal /85, e nos termos do art. 5.° da Lei 34/87, na pena de 12 ( doze) meses de prisão;

Como autor material de um crime de corrupção passiva, p.p. pelo art. 16.º[1] da Lei 34/87, na pena de 3 ( três) anos de prisão e 150 ( cento e cinquenta ) dias de multa, à taxa diária de Esc. 3 000$00 (três mil escudos ).

Operando o cúmulo jurídico dos crimes de prevaricação, de furto de documentos, de burla agravada, na pena única de 6 anos de prisão, declarando-se perdoado um ano desta pena, por aplicação da Lei 15/94, de 11/5.

Operando o cúmulo das penas dos crimes de prevaricação, furto de documentos, falsificação e corrupção, na pena única de 7 (sete) anos de prisão, da qual foram declarados perdoados 2 (dois) anos de prisão e a pena de multa cumulativa, por aplicação da Lei nº 15/94, de 11/5.

Em cúmulo jurídico final, na pena única de 8 (oito) anos de prisão, com a condição resolutiva dos arts 11° da Lei 15/94, de 11-5 e 4.° e 5.° da Lei 29/99, de 12/5.

Inconformado, o arguido AA… interpôs recurso para este Tribunal da Relação de Coimbra, vindo o recurso a ser decidido pelo acórdão de fls. 8333 a 8437, proferido a 10/10/2006, em que se decidiu, relativamente a este arguido:
Julgar extintos, por prescrição do respectivo procedimento criminal, os crimes de subtracção de documento pelo qual foi condenado[i].

Julgar-se inverificado o crime de falsificação de documento, o crime de prevaricação (envolvente das obras de alta tensão) e do crime de burla (obras efectuadas pelo empreiteiro …), deles se absolvendo também o arguido.

Ordenar a repetição do julgamento no que concerne ao crime de corrupção passiva (JR).

Ordenar que, após decisão sobre a parte do julgamento ora anulada, se reformule o cúmulo jurídico relativamente ao arguido AA…, (subsistem dois crimes de prevaricação) e se tenha em conta o desconto do tempo de prisão preventiva que este arguido sofreu desde 4 de Abril de 1995, até 23 de Dez. 95 (fls. 1271 e 4595), bem como a proibição de exercer cargos pelo tempo que se revelar equitativo – artº 66º do Cód. Penal de 1995 e 69º nº1 do C.Penal de 1982.

A fls. 8417, escreve-se no mesmo aresto de 10/10/2006:

(...)

Verifica-se uma contradição insanável nos pontos assentes sob os nºs 167, 169 e 170, integradores do crime de corrupção passiva.

É que, os apontados 19.500.000$00 não podem, em simultâneo, ter por fim presentear o arguido e aqui recorrente, AA… e constituir parte do sinal de 30.000.000$00 do contrato promessa.

Estes factos estão em manifesta contradição entre si, e, na impossibilidade do seu suprimento por este tribunal, se deverá efectuar sobre eles novo julgamento com vista a suprir o vício – artº 410º, nº2, al. b) e 426º, ambos do CPP.

Atendendo a que estes factos foram qualificado como fazendo parte de um crime de corrupção na forma continuada, (integrando uma das três actividades) – fls. 7088/9 do Acórdão recorrido – tenha de se submeter, obviamente, à consideração do tribunal que proceder ao julgamento, a qualificação de todo o acervo factual atinente ao crime de corrupção, com inteira liberdade de o qualificar juridicamente.

(...)

Veio o mesmo arguido interpor recurso desse acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 8453 a 8481).

Sobre a interposição desse recurso recaiu o seguinte despacho (fls. 8568):

O recurso interposto pelo arguido AA… não pode ser admitido porque não obstante alguns dos crimes pelos quais foi condenado terem sido objecto de pronúncia definitiva por parte deste Tribunal não existe ainda decisão final por ter sido decidido reenviar parcialmente o processo para novo julgamento.

Só depois de ser cumprida a parte do acórdão reenviada (e feito o respectivo cúmulo das penas) é que a decisão se torna final.

Assim e sem prejuízo do disposto na alínea f) do nº1 do artº 400º do CPP, não se recebe o recurso interposto ao abrigo do disposto na al. c) do referido preceito.

O arguido apresentou reclamação desse despacho, a qual foi indeferida. Lê-se na decisão do Senhor Juiz Conselheiro, Vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça:

(...)

Cumpre apreciar e decidir:

Tendo em conta que com a interposição do recurso para este Supremo Tribunal se pretende apenas questionar a condenação pela prática de dois crimes de prevaricação, não é o recurso admissível, face ao disposto na alínea f) do nº1 do artº 400º do CPP, uma vez que o ora reclamante viu a sua situação, quanto à prática destes crimes, apreciada em conformidade pelas duas instâncias, não sendo aos crimes em causa aplicável pena superior a 8 anos de prisão.

Sendo assim, não há que chamar à colação a alínea c) do citado preceito legal como pretende o reclamante, dado a irrecorribilidade das decisões judiciais, nos termos do nº1 do artº 400º do CPP, depende apenas da verificação de uma das situações nele contempladas.

Por outro lado, uma vez que a norma que serviu de ratio decidiendi para não admitir o recurso para o STJ foi a do artº 400º, nº1, al. f), do CPP, por irrelevar o seu conhecimento, uma vez que não exerceu qualquer influência na decisão. Acresce que, dado o carácter instrumental do recurso para o Tribunal Constitucional, este não poderia apreciar a suscitada questão de inconstitucionalidade, por ela não ter qualquer projecção sobre o julgamento da causa.

III. Pelo exposto, indefere-se a reclamação.

(...)

Regressados os autos à primeira instância, foi realizado julgamento e em 22/11/2007 proferido acórdão em que, relativamente ao arguido AA…, veio a decidir-se:

condenar o arguido AA…. como autor material de um crime de corrupção passiva para acto ilícito (relativo ao Areão), p. e p. pelo art. 16° da Lei 34/87, de 16 de Julho, na pena de 3 (três) anos de prisão e 150 (cento e cinquenta) dias de multa. à taxa diária de € 15 00, no total de € 2.250, 00 (dois mil duzentos e cinquenta euros);

efectuar o cúmulo jurídico entre esta pena de 3 (três) anos de prisão e a pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática de um crime de prevaricação (relativo ao ….), p. e p. pelo art. 11º da dita Lei 34/87, de 16 de Julho, por que foi condenado no anterior acórdão do tribunal Colectivo, confirmado pelo Tribunal da Relação, fixando-se a pena única parcial em 5 (cinco) anos de prisão, da qual se declara perdoado 1 (um) ano de prisão nos termos da Lei 23/91 (art. 14° n°s 1 b) e 3);

efectuar o cúmulo jurídico entre esta pena unitária restante de 4 (quatro) anos de prisão e a pena igualmente de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática de um crime de prevaricação (relativo ao PCV), p. e p. pelo art. 11º da dita Lei 34/87, de 16 de Julho, por que foi também condenado no anterior acórdão do Tribunal Colectivo, confirmado pelo Tribunal da Relação, condenando-se o arguido AA….. na pena única em 5 (cinco) anos de prisão e 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 15,00, no total de € 2.250,00 (dois mil duzentos e cinquenta euros), declarando-se perdoada a totalidade da pena de multa (nos termos do art. 14° n° 1 c) da dita Lei 23/91 e art. 8°n° 1 b) da citada Lei 15/94);

suspender a execução dessa pena única de 5 (cinco) anos de Prisão pelo período de 5 (cinco) anos, com a condição de o arguido entregar, como donativo, a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros) à "Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de …", devendo comprovar nos autos, no prazo de 6 (seis) meses, a contar do trânsito em julgado, ter efectuado essa entrega;

decretar a proibição de o arguido AA… exercer cargos públicos pelo período de 3 (três) anos (art 66° n° 1 a) do C. Penal/95);

Inconformado, veio o arguido AA…interpor recurso desse acórdão de 22/01/2007 para esta Relação[ii], extraindo das motivações a seguinte síntese conclusiva:

1 ° O procedimento criminal relativo aos crimes de prevaricação[iii] e de corrupção passiva alegadamente cometidos no ano de 1990 (mais precisamente em 2.07.90) e referidos na 1ª parte de fls. 65 do douto Acórdão recorrido (Acórdão da 1ª instancia de 22.11.07) ENCONTRA-SE PRESCRITO, por força da interpretação conjugada do disposto nos art.°s 117, n.° 1, alínea b), 119 n.° 2 e 120, n.° 3, do Código Penal de 1982, aplicável por força de interpretação acolhida no Assento do STJ de 15.02.89, in BMJ 384, pág. 163 e segs., conforme argumentos expendidos no capítulo I (Questão Prévia) desta motivação de recurso, que aqui se dão como reproduzidos.

Sem prescindir

2.° O crime de prevaricação aí referido haveria aliás de considerar-se subsumido no âmbito do crime de corrupção passiva, por ambos terem assentado a sua construção dogmática nos mesmos actos, praticados em função dos mesmos interesses (favorecimento no mesmo negócio, com os mesmos intervenientes, em violação dos mesmos deveres funcionais do agente), inexistindo assim a figura do concurso real de crimes, mas sim a do concurso de normas (consumpção).

3.° Norma retirada da interpretação conjugada do disposto nos artºs 11 e 16, n° 1 da Lei 34/87 de 16.07 que permitisse a condenação do arguido, ora recorrente, por aqueles dois crimes em concurso real, tomaria aqueles preceitos feridos do vício manifesto de inconstitucionalidade material por violação do princípio constitucional non bis in idem, consignado no art .° 29, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa.

4.° O douto Acórdão recorrido manteve, na parte que se passa a indicar, a matéria fáctica indicada pelo Acórdão de 1ª instância, recusando-se a reconhecer a evidência gritante dos vícios então apontados (contradição insanável na fundamentação, entre a fundamentação e a decisão e erro notório na aplicação da prova) todos verificáveis do texto da decisão recorrida, continuando pois a violar os comandos legais do artº 410.°,n ° 2, alíneas b) e c) do CPP e por isso merecendo a censura deste Supremo Tribunal.

Assim, indicando sempre a matéria fáctica assente em comum pelas instâncias, que é a mesma no teor e numeração de todos os Acórdãos, impugnando o Acórdão recorrido por remissão para a matéria apurada pela 1ª instância, temos que

5º No ponto 44, a pág. 17, o Acórdão de 1ª instância, mantido pela Relação, dava como assente que o ora recorrente estava ciente de que, ao fazer aprovar, com fundamento no parecer jurídico previamente e para esse fim elaborado pelo arguido AC, a proposta do JA em beneficio deste OS TERMOS FORMAIS DO CONCURSO, já nos pontos 1, 3 e 5 da págs. 52/53 (elenco dos factos não provados) dava como apurado precisamente o contrário, ou seja, que não se provou ter o recorrente, como tais actos, agido em VIOLAÇÃO DAS REGRAS DO CONCURSO!

6.° Mais: nesse mesmo elenco factual se diz ter-se ele baseado em parecer jurídico previamente e PARA ESSE FIM ELABORADO pelo arguido BB… (ponto 44) e na matéria de facto dada como não provada (pontos 1, 2 e 3 de pág. 52) diz-se precisamente o contrário, ou seja, que não se provou que o arguido BB… tenha querido colaborar com o ora recorrente através de parecer jurídico exarado por forma a dar cobertura legal à adjudicação do parque ao ….

É evidente que existem aqui os vícios da contradição da fundamentação, entre a fundamentação e a decisão, e erro notório da apreciação da prova, tal qual atrás foram enunciados e demonstrados, pelo que devem dar-se como verificados os aludidos vícios consignados nas alíneas b) e c) do n.° 2 do art.° 410.° do CPP, com as consequências legais.

7." Também a 1ª instancia, com o apoio da Relação, deu como provado nos pontos 7 e 11 (pág. 11 do Acórdão) que a Assembleia Municipal deliberou autorizar a venda e que a … autorizara o ora recorrente a outorgar o respectivo contrato promessa, bem como a escritura, mas nos pontos 24 e 25 (pág. 13/14 do Acórdão) já se dá como provado não se encontrar o arguido mandatado ou autorizado para celebrar um aditamento àquele contrato promessa.

8." Não se repara no entanto que no ponto 27 do próprio Acórdão de 2001 de 1" instância (pág. 14) se deu como provado que o conteúdo de tal acto — aditamento ao contrato promessa — FOI APROVADO em 17.12.93 pelo COLECTIVO DA CÂMARA MUNICIPAL DE …, o qual analisou pormenorizadamente as vantagens do conteúdo da inserção de tal aditamento, conforme se vê do teor da acta de 17.12.93, constante de fls. 1329 e segs. dos autos e referenciada no ponto 27 de fls. 14 do Acórdão de 1ª instância, mantido pela Relação.

Ora, se o arguido tinha poderes para outorgar o contrato-promessa, óbvio que não podia deixar de tê-los para outorgar qualquer eventual aditamento, mas o certo é que ele submeteu tal acto à aprovação do órgão colegial camarário, QUE O APROVOU, existindo aqui evidente erro notório na apreciação da prova constatável do texto da decisão e contradição insanável na fundamentação (art.° 410.°, n.° 2, alíneas b) e c) do CPP).

9.° Sucede até que é a própria Relação (fls. 75 do Acórdão) a expressamente admitir a correcção e legalidade da actuação do recorrente, quando confirma que a CMV, em reunião, conferiu, em 22.12.93 (quis-se dizer por certo 17.12.93) os poderes concedidos ao recorrente para celebrar o contrato e outorgar na escritura, no mesmo acto em que aprovou o aditamento ao contrato promessa (cfr. pontos 27 e 28).

10º Mas o que sabemos é que tal aditamento, aposto em 15.11.93, havia sido aprovado em sessão de Câmara de 17.12.93, conforme resulta dos pontos 24 e 27 (pág. 13 e 14) dos factos dados como provados pela 1ª instância.

A inserção de novo prazo para a celebração da escritura, em 90 dias, com a aceitação do reforço do sinal, em 25.000.000$00, são cláusulas que obedecem a obter vantagens patrimoniais imediatos para a Câmara, aprovadas pelo órgão colegial desta, e que se encontram dentro dos poderes de contratar concedidos ao recorrente.

Não têm pois fundamento as considerações em contrário produzidas a fls. 75 do Acórdão da Relação, que assim devia ter concluído pela existência dos vícios apontados na motivação do recorrente (art.° 410 °, n.° 2, alíneas b) e c) do CPP).

11º Também nos pontos 30, 32, 35 e 36 da epígrafe dos factos provados, dá-se como provado que, na escritura pública celebrada entre o JA e a CM… que titulou a venda do Parque de Campismo da …, o ora recorrente introduziu uma cláusula penal que, "se executada em beneficio do comprador …, no pressuposto da verificação de qualquer uma das situações ali tipificadas, importaria para a primeira o pagamento da indemnização equivalente a 500.000.000$00", que era a "cláusula indemnizatória estabelecida na escritura em beneficio do …", concluindo-se que, ao aceitar tal cláusula, "sabia assim o arguido agir em detrimento dos interesses da CMV".

Mas, na conclusão de fls. 68, 69 e 71 (epígrafe da qualificação penal), remetendo para a matéria de facto dada como não provada, já se diz que com tal procedimento o arguido não visou beneficiar o comprador ….

E a Relação (Acórdão, pág. 76) acolhe expressamente esta conclusão, declarando expressamente que não se provou tal cláusula ter sido aposta em beneficio do …, ficando-se sem saber se tal cláusula tinha como destinatário algum dos envolvidos (?), bem se sabendo que, como promitente comprador, só havia um "envolvido", que era o arguido ….

12.° Ora sendo apenas aqueles os contraentes, bem certo é que o prejuízo da CM..assim identificado sempre teria que ter, como correspondente, o benefício do comprador e de mais ninguém, e assim, mutatis mutandis, se o arguido não quis, com tal procedimento, o benefício do comprador, também nunca poderia ter querido ou previsto o correlativo prejuízo da CMV, que constituía a face inversa daquela proposição.

Não se esqueça que no ponto 4 de pág. 53, o Acórdão de 1ª instância deu como NÃO PROVADO que tivesse havido qualquer projecto urdido entre o recorrente e o arguido Arlindo, no sentido de este vir a beneficiar com a aquisição do PCV, EM DETRIMENTO DOS INTERESSES DA CÂMARA.

E que no ponto 32 se diz que o eventual prejuízo da Câmara resultaria da hipótese de o J. ARLINDO vir a executar, EM SEU BENEFÍCIO, as cláusulas penalizatórias atrás descritas.

Há pois, em tudo quanto nesta matéria se aponta, evidente contradição na fundamentação, entre esta e a decisão, e erro notório na apreciação da prova, vícios consagrados no art.° 410.°, n.° 2, alíneas b) e c) do CPP.

13º Mas, se se não quiserem recolher essas nossas modestas considerações, então temos que concluir pela IMPOSSIBILIDADE DE VERIFICAÇÃO DE TAL CRIME DE PREVARICAÇÃO, o qual, para se verificar, implicaria sempre a intenção de beneficiar concretamente alguém concretamente identificado, que não podia ser outrem senão aquele com quem o recorrente directamente contratou, directamente identificado nos pontos 10, 11, 14, 16,17,18, 19, 20, 24, 29, 30, 31, 32 de fls. 10 a 15 do Acórdão de 1ª instância e não qualquer sujeito voador não identificado.

Como imporia a demonstração concreta do prejuízo para a CM… o qual, no caso vertente e à luz da matéria dos autos, só poderia ser o correlativo do beneficio do Arlindo, que se diz não ter existido (art.° 11.º da Lei n.° 34/87 de 16 de Julho).

14.° De resto, a matéria dada como provada em 30, 32, 35 e 36, que a Relação mantém integralmente, além de contraditória em absoluto entre si e com o disposto nos art.ºs 1º a 4.° dos factos não provados, devendo assim ser anulada, como se pediu, não é também — mesmo que se mantivesse — idónea para fundamentar o grave crime de prevaricação.

15.° Ou seja: se se não quisesse ver em toda esta matéria os vícios de contradição na fundamentação, entre esta e a decisão e erro notório na apreciação da prova, todos consagrados no art.° 410 °, n.° 2, alínea b) e c) do CPP, conforme se peticionou à Relação e esta recusou, então sempre se teria que afastar completamente a presença do crime de prevaricação, contra a violação do disposto no art.° 11.0 da Lei 34/87 de 16 de Julho.

16.° Pois se conforme o douto Acórdão recorrido reconhece, o comprador não obteve nenhum beneficio e o ora recorrente, com a sua conduta, ratificada pelo órgão colegial camarário, não o quis beneficiar, sendo compreensível a exigência, pelo promitente comprador, do clausulado no contrato e respectivos aditamentos, é manifesto concluir que não estão reunidos os pressupostos ou elementos constitutivos do crime acima indicado.

17º Na verdade, falece aqui completamente a existência de qualquer processo conduzido contra-direito, muito menos conscientemente (art.° 11º da Lei n°34/87 de 16 de Julho).

18.° E mesmo que aceitássemos que a mera introdução da cláusula penal em tal contrato pudesse significar ilicitude — o que não é verdade — sempre faltaria o elemento subjectivo que tipifica este crime: o dolo directo com a intenção de prejudicar ou beneficiar alguém — cfr. Actas da Comissão Revisora do Código Penal.

Na verdade, apor uma cláusula penal no contrato, para a hipótese de a transmissão prometida não se vir a efectuar, não poderia nunca em caso algum constituir prejuízo da outorgante vendedora, se não tivesse, como correlativo, o beneficio do comprador, facto que o Acórdão exclui claramente ter ocorrido, havendo claramente violação, por errada interpretação e aplicação, do art ° 11.0 da Lei 34/87 referida.

19.º O Acórdão recorrido confunde a cláusula penal — que é exterior ao conteúdo do contrato e constitui uma garantia coercitiva para o seu rigoroso cumprimento — com cláusula contratual endógena, corporizadora das prestações contratuais assumidas, como ignora a prática usual da prescrição legal do art.° 442°, n.° 2, do Código Civil.

20.° Ora não são verdadeiros os pressupostos que o Acórdão da Relação indica a fls. 78/79 para concluir pelo crime de prevaricação.

Não é verdade que se tenha produzido qualquer prejuízo para a Câmara, que vendeu e recebeu o preço;

Não é verdade que com tal negócio se tenha pretendido beneficiar ou beneficiado o concreto contraente — e não outro, que nunca houve — que prometeu adquirir e adquiriu o imóvel;

Não é verdade que o recorrente tenha agido em violação do disposto no art.° 39 °, n.° 2, alínea i) do DL 100/84 de 29.3 nem em desconformidade com o mandato que lhe é atribuído pelo art.° 53 °, alínea a) do mesmo Diploma Legal, sendo certo que nem toda a desconformidade — ainda que existisse — integraria os elementos constitutivos do crime de prevaricação.

21º Isto resulta claramente mesmo da própria matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, designadamente

- dos pontos 5, 6 e 7 (que demonstram a autorização da Assembleia Municipal para o acto), 10, 11, 27 e 28 (que demonstram a aprovação pela Câmara Municipal do contrato promessa, do respectivo aditamento e autorização para a celebração da escritura), 32 e 35 (que implica claramente larga margem de probabilidade de sentido contrário, ficando sem se saber qual delas é a mais larga) e 36 (onde se vê que os eventuais interesses da CM… crise eventual derivaram daquela margem de probabilidade) e 44 dos FACTOS PROVADOS;

- dos pontos 1, 2,3 e 4 dos FACTOS NÃO PROVADOS.

22.° É manifesto NÃO TER EXISTIDO

qualquer processo conduzido contra-direito, ou seja, qualquer conduta prevaricadora fora do quadro do juridicamente admissível, normativamente insustentável (cfr. doutrina alemã citada no COMENTÁRIO CONIMBRICENSE, vol. III, págs. 610 e segs.);

qualquer dolo directo na actuação do ora recorrente, a qual é aliás excluída pela probabilidade em que a sua conduta é balizada (pontos 35 e 36 da matéria de facto dada como provada a fls. 15/16 do Acórdão de 1 s instância);

qualquer dolo sequer eventual, que aliás não bastaria para sustentar a incriminação, já que a exigência legal de actuação consciente exclui da norma incriminadora todas as situações em que o agente, representando a realização do facto como possível, se conforma com o resultado (COMENTÁRIO, vol. cit., pág. 619);

qualquer intenção de prejudicar alguém, porquanto esta é retirada, pelos Acórdãos, do facto de no contrato se terem aposto cláusulas indemnizatórias usuais e legais, aprovadas pelo colectivo camarário na pendência de processo judicial de desfecho incerto.

23.° Não ser vulgar tal decisão, podendo prever-se a probabilidade de um dos seus pressupostos se não vir a verificar (havendo a probabilidade do contrário, como é óbvio) não são factos bastantes e suficientes — ao contrário do que é asseverado pelo Acórdão — para se concluir que o recorrente violou o dever de zelar pelos interesses da Câmara e o art .° 53 °, alínea a) do DL 100/84, e muito menos para que tal signifique a prática de um crime de prevaricação p.p. pelo art.° 11.0 da Lei n.° 34/87 de 16 de Julho, preceito que assim se acha repetidamente violado.

24.° Bem certo é que a interpretação que o douto Acórdão da Relação efectua sobre o art.° 11.º da Lei 34/87 de 16 de Julho, no sentido de considerar verificado o crime de prevaricação aí consignado, designadamente a verificação de condução de processo contra direito, a demonstração de prejuízo da mandante CM… conhecimento e vontade dolosa de o querer produzir, quando o agente Presidente da Câmara, mandatado por esta para o acto, sem intuito de beneficiar o comprador, aceitou a introdução da cláusula penal na escritura de venda do parque de campismo municipal, concedendo o direito ao comprador de uma indemnização correspondente ao dobro do preço por ele já pago para o caso de alguma circunstância vir a prejudicar a validade do contrato, quando se encontrava pendente recurso para o STJ de decisão que declarara nula a deliberação que legitimara a venda, antevendo-se bastante provável que a venda viesse a ser declarada nula, padece do vício manifesto de inconstitucionalidade material por violação do princípio constitucional da legalidade consagrado no art.° 29 °, n.°s 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa.

25.° Impõe-se pois a absolvição do recorrente da prática de tal crime ou, se assim porventura se não viesse a entender, darem-se como verificados os vícios apontados presentes na alínea b) e c) do n.° 2 do art .° 410 °, do CPP, e ordenado com o consequente reenvio também quanto a tais factos.

26.° Quanto ao crime de prevaricação que o Acórdão recorrido diz subsistir em relação ao negócio do …, o problema é exactamente o mesmo ou quase idêntico.

27.° Antes de mais diga-se porém que o douto Acórdão recorrido interpretou erradamente o teor do art.° 410.°, n.° 2, alíneas b) e c), porquanto os pontos 117 e 118 dos factos dados como provados são absolutamente contraditórios entre si, pois por um lado reconhece-se que o …entregou ao ………….. o cheque n.° 11330356 para pagamento do referido sinal, tendo no contrato sido dada quitação deste recebimento e por outro afirma-se que tal clausulado era contrário à verdade.

O douto Acórdão recorrido reconhece que existirá contradição, mas que ela é meramente aparente, em virtude de o cheque configurar uma datio pro solvendo e não uma datio pro soluto, ou seja, não ser uma entrega em dinheiro.

Ter ou não ter provisão, ter ou não ter entrado nos cofres da Câmara o quantitativo do cheque, constitui outro problema, nascido depois da questão sub judice, não podendo pois manter-se que é contrário à verdade o clausulado em que se diz ter sido pago à CM… título de sinal, a quantia referida, quando se reconhece ter sido entregue cheque daquele montante e ter sido dada a respectiva quitação.

Há pois, contradição insanável na fundamentação e erro notório na apreciação da prova (art.° 410.°, n.° 2, alíneas b) e c) do CPP), que a Relação se recusou indevidamente a reconhecer.

28.° No ponto 124 dos mesmos factos provados, afirma-se que nunca o …, conhecendo as sucessivas devoluções do cheque, actuou no sentido de apresentar queixa crime contra o…, mas existe nos autos a fls. 4.102, documento autêntico que atesta o contrário.

Diz o Acórdão da Relação que tal facto diz respeito ao crime de falsificação de documento, mas com o devido respeito, tais factos fundamentaram a condenação do recorrente, na 1ª instância, pela prática de um crime de prevaricação, e devem ser eliminados ou afastados por manifesta incompatibilidade com o documento de fls. 4.102, que demonstra a diligência adequada do recorrente para efectuar a competente participação criminal.

Há assim erro notório na apreciação da prova (art.° 410°, n.° 2, alínea c) do CPP) e violação do art .° 169 ° daquele mesmo Diploma Legal, que a Relação se recusou a aceitar.

29.° Nos pontos 113 e 114 dos factos dados como provados, afirma-se que a Assembleia Municipal, na sua sessão de 29.6.90, ouviu a exposição, difusa e incompleta do … sobre o empreendimento a levar a cabo, que aprovou sem no entanto conceder autorização para a venda.

Ora tanto uma coisa como a outra são contrariadas pelos documentos autênticos (actas juntas, v.g., a Es. 62 e 13.354 dos autos), que atestam a natureza pormenorizada da explicação do Presidente e a aprovação da venda, tanto pela Câmara Municipal (pontos 105 a 107), como pela Assembleia Municipal (pontos 113 e 114).

Existe, como é óbvio, o mesmo vício do art.° 410 °, n.° 2, alínea c) do CPP (erro notório na apreciação da prova constatável do texto da decisão recorrida), que a Relação se recusou a conhecer e a aceitar.

30.° A obrigação de indemnizar, na responsabilidade contratual, não existe independentemente da imputabilidade e da culpa — art.°s 401,° e 790.° do Código Civil.

E não podendo o comportamento do recorrente ser censurado sequer na esfera civilística, obviamente que muito menos ele pode integrar elemento constitutivo do famigerado crime de prevaricação que se lhe quer forçosamente vestir.

31º Mesmo assim, a análise das cláusulas penais dos contratos celebrados não conduz à conclusão que o douto Acórdão recorrido quer impor.

Na verdade, não há qualquer desproporção entre as cláusulas a que um e outro contraente ficam vinculados, porquanto a CM.. responderia perante o …pelo pagamento da quantia fixada se, por facto que se encontrasse na sua disponibilidade, deixasse de cumprir, enquanto o comprador, colocado na mesma situação de incumprimento, perderia o sinal (30.000 contos) e todas as quantias que viesse a entregar e pagaria ainda mais 30.000 contos de indemnização, ficando sempre a CM… com o terreno, como é óbvio.

32.° Assim, a concreta interpretação que a Relação faz, no douto Acórdão recorrido, e no que a esta matéria se refere, do art.° 11º da Lei 34/87 de 16 de Julho, no sentido de nele considerar abrangida a conduta de Presidente da Câmara Municipal que aceite introduzir em contrato promessa de compra e venda, para realização do qual se encontra mandatado, cláusulas penais para o caso de não cumprimento culposo, recíprocas daquelas que a outra parte contraente fica obrigada a suportar, ao concluir pela existência de processo contra-direito e da intenção de prejudicar a entidade mandante, faz padecer aquele preceito (art.° 11.0 da Lei n.° 34/87 de 16 de Julho) do vício de inconstitucionalidade material, por violação do princípio constitucional da legalidade, consagrado no art.° 29 °, n.°5 1 e 3 da Constituição da República.

33.° Ora, em relação aos actos nos quais se pretende fundamentar a incriminação do ora recorrente pelos aludidos crimes de prevaricação — quer no que se refere ao PCV, quer no que se refere ao AR — o recorrente actuou SEMPRE COM O MANDATO E EM REPRESENTAÇÃO DA CÂMARA E DA ASSEMBLEIA MUNICIPAL, como resulta da própria matéria de facto aceite e elencada nos pontos 4, 5, 6, 7, 11, 27, 28, 105, 107, 108, 113, 114, 193, 194, 199 respectivamente de págs., 29, 30, 32, 42, 43, 54, 55 do douto Acórdão recorrido.

E, consequentemente, também por esta via não poderia nunca ser responsabilizado por uma actuação decidida colectivamente pelo órgão autárquico competente, uma vez que se crime houvesse — e não há, como pensamos ter demonstrado — então ele teria sido cometido por outrém.

34.° A finalizar diremos que o Acórdão recorrido se recusa a retirar a conclusão inevitável da sua própria decisão.

Pois que (fls. 82) reconhecendo que o ponto 152 da matéria de facto constitui alteração substancial dos factos não comunicada ao arguido ora recorrente, em violação flagrante do disposto no art .° 359º, n.° 1, do CPP, e reconhecendo a sua relevância (ao contrário do que se refere aos pontos 153 e 205), determina que tal matéria não possa ser tomada em conta para efeito da condenação, como exige aquele preceito legal (art.° 359º, n.° 1, do CPP), assim se tendo cometido nulidade que deve ser arguida no presente momento (art.° 379º, n.° 1, alínea b) e n.° 2 do CPP) para os devidos efeitos legais.

35.° O ponto 167 da matéria de facto encontra-se, salvo o devido respeito, incorrectamente julgado (art.° 412, n.° 3, alínea a) do CPP), pois as declarações do arguido AP produzidas em audiência no lado B da cassete n.° 4 (acta de fls. 8.972), voltas 1 a 717, esclarecendo que tal cheque não visou gratificar o recorrente, por quaisquer favores, que não existiram, antes visando habilitar o JC a adquirir posição social na firma T…., devem prevalecer sobre quaisquer outros e alterar, em consonância, a resposta dada ao ponto 167 da matéria de facto, que assim deve ser suprimido ou receber, pela negativa, versão contrária à adoptada (art.° 412, n.° 3, alínea b) e n.° 4 do CPP).

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogado o douto Acórdão proferido, em conformidade com o alegado, assim se fazendo a habitual

JUSTIÇA!

Respondeu o magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo, com as seguintes conclusões:

Não foi violado qualquer dos normativos invocados pelo arguido.

O procedimento criminal pelo crime de corrupção não se mostra, ainda, prescrito, na medida em que a prescrição deste crime só ocorrerá em 23103/2009.

O tribunal de recurso não pode reapreciar a matéria de facto respeitante a crimes por si anteriormente apreciados por decisão transitada em julgado.

O ponto 167 da matéria de facto foi correctamente julgado, devendo ser mantida a decisão no tocante ao crime de corrupção.

O tribunal colectivo fez uma correcta apreciação dos factos assim como um correcto enquadramento jurídico dos factos dados como provados.

Deverá manter-se a pena aplicada ao arguido.

Deve ser negado provimento ao recurso e manter-se a decisão recorrida.

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral adjunto exarou visto nos autos.

Procedeu-se a conferência.
Fundamentação

Da decisão recorrida

Importa, desde já, e face às vicissitudes supra referidas, deixar menção da decisão recorrida, nos seus segmentos mais relevantes para a apreciação do presente recurso[iv]:

(...)

Na sequência do determinado nesse Acórdão do Tribunal da Relação, procedeu-se à realização de nova audiência de julgamento, limitada às questões a apreciar, com observância do formalismo legal (fls. 8605, 8914 a 8923, 8941 a 8944, 8970 a 8973 e 9004 a 9006).

Não existem quaisquer nulidades ou questões prévias ou incidentais a apreciar.

II

Da discussão da causa, efectuada na primeira e na recente audiência de julgamento, resultaram provados os factos seguintes (reproduzem-se os factos que foram dados como assentes no anterior acórdão, mantendo-se também a respectiva numeração, ressalvado o que foi determinado pelo Tribunal da relação de Coimbra, que se apreciou nesta audiência, ainda que aqueles factos digam também respeito aos restantes arguidos e aos crimes de que estes foram absolvidos, cuja situação não está agora novamente em apreciação):

I)

O arguido AA… foi Presidente da Câmara Municipal de … (doravante a designar abreviadamente por CM…), iniciando o seu segundo mandato em 02-01-1990 (fls. 923), o qual veio a terminar em 03-01-1994, tendo no anterior quadriénio desempenhado idênticas funções;
Os arguidos BB. … e CC…. foram vereadores na mesma Câmara, iniciando e completando os respectivos mandatos nas datas acima apontadas;

O arguido DD… era Advogado contratado da Câmara Municipal de …. e conselheiro para os assuntos de natureza jurídica do Presidente AA…;

Em 27-01-1991, no edifício da CM…, reuniu o executivo camarário sob a presidência do arguido AA… e com a presença dos arguidos BB… e CC e dos demais vereadores, …, …. e …, a fim de apreciar diversos assuntos constantes da agenda (acta de fls. 1297);

Dentre outras, foi apresentada a proposta do Presidente da Câmara, para discussão e aprovação, de alienação onerosa do Parque de Campismo da … (de ora em diante a mencionar apenas por … e de 15 hectares de terreno adjacente, dos quais a CM.. era proprietária, sem necessidade de concurso público, devendo os candidatos ser escolhidos de acordo com as seguintes condições:

- maior valor de oferta e melhor prazo e forma de pagamento;

- em igualdade de circunstâncias, a CM… reservar-se-ia o direito de escolha, atendendo ao projecto a executar para o desenvolvimento expansão e incremento turístico do … e respectivo terreno anexo para proceder à implantação de um projecto de ampliação complementar...;

- o referido terreno engloba a zona designada por Parque das Merendas a qual deveria ser afectada ao uso público (...) comprometendo-se a não dar destino diverso daquele para que vem sendo utilizado ...;

- o preço base da proposta é de 240.000.000$00 não podendo ser alienado por preço inferior.

O executivo deliberou solicitar à Assembleia Municipal (de ora em diante, apenas AM) autorização para venda do…;

Reunida em 27-09-1991, a AM deliberou, por maioria, autorizar a venda nos termos propostos;

Foi, então, afixado na Secretaria da CM… um edital anunciando a venda e estabelecendo as condições aprovadas;

Várias propostas deram entrada na CM…manifestando interesse na aquisição do PC..e terreno adjacente (15 ha), oferecendo as suas condições, sendo concorrentes …, …, …, …., e … e outros (fls. 1542 e segs.);

Em 25-10-1991 (fls. 1308 e seguintes), no decurso de reunião da CM.. o arguido AA. propôs a adjudicação do …, mais os 15 hectares, ao …, com fundamento em que este apresentara maior preço - 300.000.000$00 - e era o que melhor definia o prazo de pagamento;

A proposta daquele arguido foi aprovada por maioria, com os votos favoráveis do BB., CC e DD.., mais tendo ficado deliberado que o contrato a celebrar respeitaria escrupulosamente o quadro da deliberação da CM… de 11-10-1991, designadamente no que tocava à afectação e destino do Parque das Merendas, e ainda que o Presidente AA.. ficava autorizado a outorgar o contrato-promessa de compra e venda, bem como a respectiva escritura;

Mau grado a referência ao “quadro da deliberação da CM.. de 11-10-1991”, registe-se que na sessão ocorrida nessa data (fls. 1305) apenas fora deliberado, após admissibilidade e abertura das propostas, remetê-las para estudo;

Na base da adjudicação estava também o parecer jurídico emitido pelo Advogado …, na qualidade de consultor do Presidente (o qual consta de fls. 1312 e segs. e que aqui se dá por integralmente reproduzido), muito embora o Vereador …, presente na reunião de 25-10-1991, tivesse votado contra a aprovação da proposta, alertando para o facto de a mesma não respeitar as regras do concurso;

Através da respectiva proposta de aquisição (fls. 1542), o … apresentara como condições de pagamento do preço de 300.000 contos, uma primeira parcela de 150.000 contos no acto de assinatura do contrato-promessa e o restante no acto da escritura do contrato de compra e venda, sem prejuízo de sucessivas amortizações através de reforços do sinal;

Mais se propusera executar noutra área, a fornecer pela CM.., o Parque das Merendas, em contrário das condições estabelecidas para o concurso pela Câmara (cfr. actas de deliberação da CM..e AM, de 27.9.91);

Em 05-11-1991 (fls. 165 e seguintes), o Notário privativo da CM… dá forma ao contrato-promessa de compra e venda do PCV, nele tendo intervindo como outorgantes o arguido AA…, em representação da CM…, e o …, o primeiro como promitente vendedor e o segundo como promitente comprador;

Por via desse contrato, em cujo âmbito foi clausulado o essencial da proposta aprovada pela CM.., no que se refere ao objecto da venda e seu preço, mais se estabeleceu que a escritura poderia ser celebrada no prazo de 24 meses subsequentes à assinatura do contrato-promessa, sem exceder tal período de tempo;

Sendo então - no acto de celebração da escritura - pagos os restantes 100.000 contos do preço, contra integral quitação do preço pago pela aquisição do … Os sobrantes 50.000 contos seriam reportados ao pagamento dos 15 hectares de terreno adjacente e liquidados em futuro acto de celebração de escritura autónoma desse terreno;

A CM.. comprometia-se a negociar e a proceder à reversão da exploração do …com a …., até então sua concessionária, de acordo com o respectivo contrato de concessão; a ceder ao co-outorgante o crédito das retribuições pagas pela …, devidas pela sua exploração, e a investir desde logo o … na posse plena do Parque;

Mais ficou clausulado que, em caso de incumprimento por facto imputável a qualquer dos contraentes, investiria o não faltoso no direito de reclamar judicialmente a execução específica do contrato traduzido, no que respeita à CM…, na celebração das escrituras a que se obrigara;

Entretanto, a … viera interpor recurso contencioso, no foro administrativo (TAC de Coimbra) da deliberação tomada na reunião do executivo da Câmara, ocorrida 25-10-1991, que decidira vendeu o PCV;

Por sentença proferida em 25-06-1993, o TAC veio a anular o acto deliberativo, decisão da qual foi interposto recurso pela CM… para o STA, o qual confirmou a sentença daquela instância, por via de Acórdão publicado em 23-06-1994 (v. fls. 173);

Em 20-09-1993, o arguido J. R, na qualidade de Presidente da Câmara de …, veio a ser citado para contestar uma acção de simples apreciação intentada no TAC de Coimbra, igualmente pela …, tendo por objecto a apreciação do contrato de exploração do…, pela aí Autora, e o exercício pela CM… do respectivo direito de resgate;

Em 15-11-1993, o arguido R, enquanto Presidente da Câmara, e o … subscrevem um aditamento ao contrato-promessa no âmbito do qual acordam em prorrogar o prazo para celebrar a escritura pública de compra e venda por mais 90 dias, entregando o segundo um reforço de sinal no valor de 25.000.000$00 e comprometendo-se a entregar os restantes 75.000.000$00 no acto de escritura, e que até à data da sua celebração este poderia efectuar sucessivos reforços por conta do preço (fls. 4126);

Todavia, o arguido AA… não se encontrava expressamente mandatado ou autorizado para o efeito pelos órgãos camarários competentes;

Entretanto, em 12-12-1993, decorrera o acto eleitoral para as autarquias locais, sendo de imediato conhecidos os seus resultados, traduzidos na derrota eleitoral do partido até então dominante, o Partido…, do qual faziam parte os arguidos …, … e …;

Contudo, tal acontecimento, com os inerentes reflexos a nível da futura e próxima gestão autárquica, não impediu que, sob o impulso do Presidente AA…., a CM.., em 17-12-1993, viesse a deliberar por maioria (com os votos favoráveis do Presidente, …, …e …) a aprovação do aditamento ao contrato, acima mencionado, com o fundamento, exposto pelo AA… na sessão, na propositura das acções no TAC de Coimbra pela … e suas eventuais consequências negativas na celebração da escritura, bem como no percebimento pela CM… dos 25.000 contos.

Na mesma reunião, a CM… deliberou conceder ao Presidente, ou substituto legal, autorização para outorgar na escritura pública de compra e venda a celebrar em 22-12-1993.

Nesta última data é então celebrada a mencionada escritura de compra e venda do … (fls. 591), dela se excluindo expressamente os 15 hectares adjacentes, que seriam objecto de escritura autónoma, tendo por intervenientes o Presidente da Câmara, em representação desta, como vendedora, e o JA, como comprador;

Por via da escritura, celebrada no Notário privativo da Câmara, esta vende o … com a área de 100.000 m2, ao JA, pelo preço de 250.000.000$00, comprometendo-se a indemnizá-lo pelo valor correspondente ao dobro do preço por ele já pago “... por qualquer facto ilícito de terceiro, decisão judicial ou acto administrativo com eficácia externa que afecte ou perturbe de forma irremovível e definitiva a plena posse e desonerada propriedade do segundo outorgante em relação ao Parque de Campismo ...” da V…., ou "... se ocorrer, por facto emergente do seu processo deliberativo ou outro de sua exclusiva responsabilidade qualquer situação que determine a invalidade daquela venda ...”;

O … pagara à CM… a quantia de 250.000.000$00, fraccionadamente, sendo 150.000.000$00 no acto da celebração do contrato-promessa (fls. 4410); 25.000.000$00 no acto de assinatura do aditamento ao contrato-promessa (fls. 4411) e o restante do preço no acto de celebração da escritura (fls. 4412);

O arguido AA anuiu em introduzir, na escritura de compra e venda celebrada em 22-12-1993, as cláusulas penalizatórias para a CM… atrás descritas, as quais, se executadas em beneficio do comprador JA, no pressuposto da verificação de qualquer uma das situações ali tipificadas, importariam para a primeira o pagamento da indemnização equivalente a 500.000.000$00;

Sendo certo que era do pleno conhecimento daquele arguido, anteriormente àquela data, bem como à data da deliberação da CM… de 17-12-1993, o conteúdo da sentença proferida pelo TAC de Coimbra, proferida em 25-06-1993, anulando a deliberação da CM…, de 25-10-1991;

Tal como estava bem ciente de que se encontrava pendente no mesmo Tribunal a acção intentada pela … - concessionária do Parque - em 12-07-1993, a que atrás se aludiu, para a qual a CM…fora citada, na sua pessoa, em 20-09-1993;

Sabia que o resultado das duas acções - sendo certo que da sentença proferida na primeira coubera recurso para o STA - poderia, com larga margem de probabilidade, preencher o consignado na cláusula indemnizatória estabelecida na escritura em benefício do J. Arlindo;

Sabia assim o arguido AA… agir em detrimento dos interesses da CMV que lhe competia, enquanto Presidente da Câmara, salvaguardar, agindo como deveria no cumprimento estrito das deliberações camarárias que para tanto lhe conferiam mandato;

Anteriormente à apresentação da sua proposta (reunião da CM… de 27-09-1991), o AA…. havia entabulado negociações particulares com o … relativamente à alienação do Parque, negociações que se encontram bem expressas na troca de correspondência mantida entre o arguido AA…. e o …e que se encontra junta aos autos (a fls. 1167/1171);

Assim, por carta datada de 13-09-1991 (e registada na CM…em 16-09-1991) o … propõe à CM..comprar particularmente o …, apresentando em anexo a respectiva proposta, na qual oferece o preço de aquisição de 210.000.000$00, pelo parque e mais 15 hectares de terreno adjacente, para além de outras condições que ali desenvolve (cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido);

Carta essa que obteve resposta nos termos de ofício expedido ao … e do qual se encontra um escrito de conteúdo equivalente, não datado, nos autos, subscrito pelo .., contemplando nos seus termos gerais as condições oferecidas por aquele e exibindo condições suplementares;

E à qual responde o … nos termos constantes da carta enviada à CM… em 20-09-1991, ali registada e entrada em 26-09-1991, manifestando aceitar a contraproposta camarária;

Esta troca de correspondência, vertida nas três referidas missivas, foi contudo subtraída pelo arguido AA… aos arquivos da CM… e conservada em seu poder, na sua residência, dessa forma impedindo o conhecimento e divulgação do seu conteúdo pelos restantes membros dos órgãos representativos do Município;

Tendo apresentado como proposta sua a alienação do Parque, na referida reunião do executivo camarário, de 27-09-1991, omitindo os contactos previamente estabelecidos com o …;

O concurso aprovado pelo órgão camarário representou uma forma de vender o Parque de Campismo e terreno anexo ao melhor preço;

Sabendo o arguido AA… que deste modo prejudicava a CM…, estando como estava ciente de que as cláusulas penalizatórias introduzidas por sua própria conta e risco - e sem para tal estar autorizado pela AM - no contrato de compra e venda, e no teor descrito, se tornariam efectivas e exequíveis, na eminência justificada de a deliberação camarária de 25-10-1991 ser anulada por via contenciosa; ciente também de que não podia outorgar no aditamento ao contrato promessa, lavrado em 15-11-1993, sem prévia autorização da CM…(cf. art. 39º nº 2) i), do DL 100/84, de 29-03, com as alterações da Lei 18/91, de 12-06); ciente ainda de que deliberadamente e com reserva omitia do conhecimento dos demais órgãos autárquicos os contactos escritos previamente mantidos com o comprador do Parque; e por fim ciente igualmente de que ao fazer aprovar, com fundamento no parecer jurídico previamente e para esse fim elaborado pelo arguido …, a proposta do …, contrariava em benefício deste os termos formais do concurso promovido pela CM…;

O arguido AA… estava igualmente ciente de que, ao apossar-se dos documentos camarários, agia contra os interesses da Câmara, pretendendo simultaneamente ocultar a sua conduta ali consignada por escrito;

O arguido … conhecia a qualidade de Presidente da Câmara do co-arguido AA…; sabia também que a actuação deste se inseria no âmbito das suas atribuições e quais os deveres a que se encontrava vinculado;

Na altura dos factos o arguido … integrava uma …- da qual fazia parte a Advogada … que, por sua vez, patrocinou o … em todo o processo de alienação do …(cf. fls. 1721 e 1727), sendo tal facto de todos conhecido;

Por sua vez o arguido … conhecia igualmente a qualidade do Presidente AA… e que o mesmo actuou sempre no pleno exercício das suas atribuições funcionais; sabia ainda que este devia actuar com imparcialidade e no sentido de preservar os interesses da CM.. (art. 4º da Lei 29/87, de 30-06);

II)

A 12-12-1993 decorreria, nos termos legalmente previstos, a realização de eleições autárquicas de âmbito nacional;

Na autarquia de Vagos de novo se tinham recandidatado os arguidos AA… e BB…, integrando ambos a mesma lista do  … para a Câmara Municipal, a qual era encabeçada pelo arguido AA…;

Com vista à angariação de maior número de votos que lhes propiciasse obter vencimento no acto eleitoral a realizar naquela data, os dois arguidos decidem mandar executar obras públicas, em seu modo de ver demonstrativas de uma boa e eficaz gestão camarária, sendo certo que àquela data, como bem sabiam, a CM… não dispunha de capacidade financeira para tal;

Atenta a proximidade das eleições importava contudo conferir celeridade à execução dessas obras com a qual se não compatibilizaria a organização dos respectivos concursos administrativos e sua adjudicação;

Nesse contexto, em Outubro desse ano, alguém (que não foi possível apurar) da CM…, e em nome desta, e com o conhecimento do arguido AA…, contacta o empreiteiro de obras públicas …, a quem propõe o alcatroamento da designada estrada de Alta Tensão, na …, e a aplicação de “tout venant” na estrada de …, com a condição de as obras estarem terminadas antes do acto eleitoral;

O …, atenta a natureza da obra a levar a efeito na estrada da Alta Tensão e os grandes custos que implicava, não aceitou a proposta por temer não lhe vir a ser futuramente paga, dadas as circunstâncias em que lhe seriam conferidos os trabalhos, sem precedência de concurso público, sem adjudicação e sem qualquer outra formalização por escrito legalmente vinculativa para os contraentes;

Aceitou, não obstante, efectuar as obras na estrada da .. dado o menor vulto do empreendimento que, uma vez terminado, orçou em 4.000.000$00;

Apresentando-se, após o termo dos trabalhos, na CM… a fim de receber o preço convencionado, o arguido AA… informou-o que iria ser pago, não pela CM…, mas sim através de uma Comissão de Melhoramentos que para o efeito iria ser criada, e efectivamente esta comissão acabou por pagar os trabalhos realizados;

Todavia, já após as eleições e conhecidos os resultados, o … uma vez mais compareceu na CM… a fim de receber a quantia que lhe era devida, sendo então informado não haver dinheiro disponível para o efeito;

Na mesma linha de actuação, o arguido BB…, com a anuência do AA…, em 18-10-1993, contacta, através de oficio da CM…, por si subscrito, o empreiteiro …. (fls. 298) convidando-o a apresentar orçamento para realização de obras de electrificação da estrada de Alta Tensão (fls. 300), ao que este respondeu, apresentando, em 20-10-1993, um orçamento consignando o preço global de 5.533.600$00 (fls. 301);

Após a recepção na CM.. do orçamento, o BB… de imediato o contacta pessoalmente informando-o da aceitação da proposta e ordenando-lhe a realização dos trabalhos de electrificação e sua ultimação antes do dia designado para as eleições;

Entre a CM… e o … não foi celebrado qualquer contrato escrito que contemplasse os termos daquele acordo verbal;

Referiu-lhe ainda o BB… que o pagamento seria processado através da Comissão de Melhoramentos da … (daqui para a frente a designar apenas por CMGV);

Ultimada a obra, o … dirigiu-se à CM… a fim de receber o que lhe competia, tendo então sido informado pelo BB… que se deveria dirigir à referida …, a fim de satisfazer a sua pretensão;

Ali comparecendo, foi dito ao S… não dispor aquela Comissão de qualquer numerário para o efeito, ficando assim prejudicado no valor correspondente ao custo das obras e sem possibilidade de o vir a obter, dado não existir contrato escrito, nem ter ocorrido concurso público para adjudicação da empreitada;

Prosseguindo os seus intentos, o AA… e o BB… contactam, em Novembro de 1993, um terceiro empreiteiro, o arguido …, a quem questionam no sentido de apurar se estaria interessado em levar a efeito a pavimentação da estrada da Alta Tensão e ainda a pavimentação da …;

Discutidos os pormenores, foi acertado entre todos que o preço a pagar pela CM… seria de 800$00/m2 e de 900$00/m2, respectivamente quanto à … e estrada da Alta Tensão e, ainda, que as obras deveriam estar concluídas antes da realização do acto eleitoral;

O acerto foi meramente verbal, não tendo havido formalização escrita nem prévio concurso público ou adjudicação;

Logo no dia imediato o .. deu início aos trabalhos, vindo a conclui-los no prazo estabelecido;

Compareceu então na CMV, onde contactou o BB… o qual, em sintonia com o AA…, com quem acertara toda a actuação, ordenou ao … que efectuasse os autos de medição das obras realizadas, dirigindo o primeiro (Rua …) à CM… e o segundo à …, que para o efeito fora criada;

Na verdade, ainda em Novembro de 1993, o AA…, sempre com a coadjuvação do AA…, desencadeia todo um procedimento tendente à constituição da … para tal contactando e obtendo a colaboração do arguido …, o qual incentiva os seus conterrâneos da . a formarem aquela comissão;

Comissão de Melhoramentos que, sob esse impulso, em 23-11-1993, no Cartório Notarial de …, formaliza a sua constituição através de escritura pública;

Uma vez constituída, o … faz apreciar e obtém aprovação pelos vereadores da CM..- nos quais se inclui o … - no decurso de duas reuniões do executivo camarário, ocorridas respectivamente em 10-12-1993 (fls. 1326) e em 28-12-1993 (fls. 213), da atribuição de dois subsídios no valor de 20.000.000$00, cada um, àquela Comissão;

Sendo que a atribuição do segundo subsídio fora precedida de ofício nesse sentido dirigido à CM… em 15-11-1993, pela …(cf. fls. 28);

Tais subsídios apenas se destinavam a custear o preço das obras realizadas pelo … (estrada da Alta Tensão) e ainda as obras de electrificação da mesma via levadas a efeito pelo …;

Entretanto o … elabora os autos de medição solicitados pelo … consignando, no respeitante à Rua …, o preço de 6.713.520$00 (fls. 197) e no relativo à estrada da Alta Tensão, o preço de 23.835.600$00 (fls. 198/199), apresentando-os de seguida ao …para pagamento;

Todavia, uma vez que àquela data já se tinham realizado as eleições e eram conhecidos os seus resultados - adversos ao P…- ambos se concertam no sentido de a totalidade das obras levadas a cabo pelo … serem pagas através da …, como única forma de ultrapassar os entraves administrativos causados pela não realização de concurso público ou da não formalização escrita do contrato;

A não reeleição do arguido… impedia-o de ulteriormente sanar a situação e proceder ao pagamento do preço das obras;

Em 31-12-1993 o … emite o cheque nº 5669007617, sobre a CGD, agência de …, de cuja conta era titular a CM… no valor de 32.000.000$00, em benefício da …, por conta dos subsídios de 40.000.000$00, atribuídos por aquela autarquia (fls. 134 e 303), o qual veio a ser depositado na conta daquela entidade, aberta na agência de …, do BFB;

No dia 03-01-1994 o arguido …, o … e mais três elementos da … reuniram-se na CM…, ali acordando em se dirigirem à agência local do BFB, onde os elementos da Comissão emitiriam os cheques correspondentes ao preço da obra e que por sua vez entregariam ao primeiro;

Assim actuando, os elementos da Comissão emitem e entregam ao …, os cheques nºs 85285549, 85285547 e 85285548, sobre o BFB, nos valores respectivamente de 4.000.000$00, 19.200.000$00 e 8.876.576$00, vindo aquele a proceder ao seu depósito na conta da sua firma (os dois primeiros) e na sua conta particular (o último);

Na mesma data, o … emite e entrega à …a factura e recibo, correspondentes aos dois primeiros cheques com indicação expressa de que se reportavam ao pagamento das obras da estrada da Alta Tensão, no valor de 23.200.000$00;

Invocando existir diferença na percentagem correspondente ao IVA - 5%, se tributável à CMV, ou 16%, se tributável à CMGV - o arguido …. não emite a factura correspondente à totalidade da quantia por si percebida, através da …, o que faria na parte em falta, quando se verificassem os acertos relativos àquele imposto;

No dia seguinte, em 04-01-1994, o … contacta o … com a finalidade de arrecadar do mesmo 4.000.000$00, supostamente referentes à contribuição deste para os gastos da campanha eleitoral do P…local, e nesse mesmo dia o … entrega ao arguido …. a quantia de 3.000.000$00 com vista a fins que não foi possível apurar e para tal, nesse mesmo dia, o … dirige-se à agência de … do BPA levantando 3.000.000$00, da sua conta particular, que entregou posteriormente ao … (fls. 312);

Por sua vez o … vai ao encontro do … a quem apresenta aquela quantia, dando-lhe estes destino não determinado;

Os arguidos … e … estavam perfeitamente cientes de que, ao encarregarem o … e o … da execução das obras atrás mencionadas ajustando o seu preço e estabelecendo prazos para a sua conclusão; sem recorrerem a prévia deliberação camarária; sem realizarem concurso público; e sem formalizarem por escrito as empreitadas daquela forma atribuídas, preteriam deliberadamente as normas consignadas no Decreto-Lei nº 390/82, de 17-09, nomeadamente os arts. 1º, 2º e 5º;

Tendo em vista, tão somente, obter para si, enquanto candidatos às eleições autárquicas de 1993, pelas listas do P… no município de …, vencimento nas urnas, através da captação do voto dos eleitores, em face das obras apresentadas serem necessárias ao bem estar dos munícipes;

Atenta a urgência na sua concretização, perante a proximidade do acto eleitoral, aqueles dois arguidos urdiram toda uma estratégia, acordando com o… a criação da …para, através da atribuição de subsídios monetários, àquela entidade, poderem efectuar o pagamento aos empreiteiros dos custos dispendidos com as empreitadas, que para o efeito lhe seria debitado;

Assim camuflada, subtrairiam os contratos, como era sua intenção, ao visto do Tribunal de Contas, conforme o exige o art. 16º do DL 390/82;

O arguido… sabia que a Comissão de Melhoramentos era apenas uma forma de fazer obras com fins eleitoralistas e sem submissão a concurso; 

89. O arguido … estava bem ciente da qualidade dos arguidos …e …, sabendo bem que ambos exerciam funções na CM… enquanto, respectivamente, Presidente e Vereador camarário;

Sabiam esses três arguidos - tal como o … - que por força da condição dos dois últimos, estes exerciam funções públicas, às quais estavam ligados através de especiais deveres de cumprimento estrito da legalidade e de prossecução do interesse público (art. 4º da L.29/87, de 30-06);

Sabiam ainda que decorrente dessa condição lhes não era devida qualquer outra remuneração pela prática dos compreendidos nas suas atribuições, para além dos vencimentos e abonos legalmente estipulados;

O … e o …. ao contratarem, pela forma atrás indicada, o … para execução das obras referidas fizeram-lhe crer que o seu pagamento estaria assegurado, determinando-o à realização completa dos trabalhos, sendo certo que naquele momento estavam perfeitamente cientes, dadas as carências de fundos na CM… da impossibilidade de satisfação dos seus compromissos monetários e que assim lhe causavam, como causaram, prejuízos equivalentes ao valor das obras, lucrando a CM… no valor correspondente;

A Comissões de Melhoramentos atrás referidas foram criadas por impulso dos arguidos… e …, não tendo na verdade desempenhado quaisquer funções de recolha de fundos para as obras a executar, como não tiveram quaisquer reuniões de trabalho, não acompanharam o planeamento ou a fiscalização das obras, não procederam a quaisquer contactos com os empreiteiros que as executavam;

III)

A CM… era proprietária de um terreno com a área de 350 hectares situado nas Dunas Florestais de …. - freguesia da …, desta comarca de …;

No decurso do ano de 1989 o arguido …, que estava associado neste projecto que agora se refere ao arguido…, apresentando-se como industrial, contactou com o arguido … na qualidade de Presidente da CM…conhecedor que era do interesse deste em alienar onerosamente uma parte do terreno acima referenciado, alegadamente em prol dos interesses do município, a fim de aí ser instalado um grandioso projecto turístico;

As negociações entre ambos, com pleno conhecimento e consentimento do arguido …, vêm a culminar numa proposta apresentada pelo…., ainda no decurso do ano de 1989, à qual responde o …, na qualidade de Presidente da Câmara, nos termos do ofício junto (a fls. 494 a 496, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido);

Em termos gerais, a CM…, através do seu Presidente, aceita alienar 171 hectares do referido terreno, contra o pagamento de 110.000.000$00, impondo, não obstante, a observância de determinadas condições ali expressas de conteúdo programático relativamente ao complexo turístico a instaurar no local;

Prevê que o pagamento seja efectuado no prazo de 5 anos, a partir da celebração da escritura, contra o pagamento, naquele acto, de 30.000.000$00 e apresentação de garantia bancária equivalente ao resto do preço;

Mais prevê que a celebração da escritura venha a ocorrer no primeiro trimestre de 1990;

Compete, porém, aqui referir que no decurso do mesmo ano (1989) a AM de … apreciou e aprovou uma proposta apresentada pelo Eng. … (fls. 313), para aquisição de um terreno adjacente ao Parque de Campismo, com a área de 170 hectares, a fim de aí ser instalado um empreendimento turístico, tendo aquela Assembleia deliberado proceder à requerida venda pelo preço de 650.000.000$00;

O processo negocial iniciado entre o… e o…, nos termos acima assinalados, não teve contudo sequência, muito embora os contactos entre ambos tivessem prosseguido;

Persistindo nos seus propósitos de alienar o …, o … acorda com o … em vender-lhe o referido terreno, aumentando a área a disponibilizar para 350 hectares, pelo preço de 280.000.000$00;

Todavia, nunca esteve nos planos do … e do … aí vir a instalar qualquer empreendimento turístico, para cuja construção não dispunham de capacidade financeira, antes pretendiam, logo que formalizada a promessa de venda pela CM…, cedê-lo a terceiro por preço assaz vantajoso para si;

O …, por seu turno, conhecia os planos do … e desde logo, com ele pactuando e valendo-se da sua posição de supremacia, enquanto Presidente da CM…, pretendia auferir para si através daquele e dos sucessivos negócios que viessem a incidir sobre o …., vantagens patrimoniais que lhe não eram devidas;

O arguido …., em 25-05-1990, apresenta na CM… em reunião do executivo camarário, a proposta de venda do … - uma área de terreno inserido na Zona Florestal, com 350 hectares - pela importância de 280.000.000$00 “devendo o pagamento ser feito no acto da escritura de acordo com o plano a acordar com o …ou a quem ele vier a indicar ...”;

A apresentação da proposta fora antecedida de uma exposição do Presidente …, precária e pouco esclarecedora, sem detalhes nem pormenores, o que levou os vereadores…., …. e … a absterem-se na votação, manifestando em acta a sua não concordância;

A qual contudo, veio a obter aprovação com os votos favoráveis do Presidente e dos vereadores …. e …., ora arguido;

Mais foi deliberado e aprovado que o terreno (…) deveria ser afectado aos fins constantes da proposta do… de acordo com a planta de zonamento apresentada e ainda que o assunto deveria ser submetido à aprovação da AM;

Subjacente à deliberação da CM… - onde foi apreciado - encontrava-se o apodado contrato proposta, nele figurando como outorgantes a CM…, representada pelo arguido …, e o arguido .. (o qual se encontra junto aos autos a fls. 4476/4477), sem conter as assinaturas de qualquer um dos co-celebrantes, sem data e sem indicação de local;

Nele se estabelecia um clausulado tendente a demonstrar a intenção da CM…em vender o … com a área, pelo preço e nas condições submetidas à apreciação da CM…em 25-05-1990, bem como a de futuramente se celebrar entre os intervenientes ou no caso do …, quem ele vier a indicar para esse efeito, o respectivo contrato promessa;

Este documento, designado por contrato proposta, mais não foi do que uma forma de desencadear todo o processo deliberativo das instâncias camarárias e assim conceder ao … direitos sobre o terreno do … a fim de o negociar lucrativa e marginalmente perante terceiros, sob a aparência ilusória de um negócio legítimo, daí vindo a usufruir patrimonialmente os dois arguidos;

Na sequência disso é elaborado o contrato de mandato outorgado pelo … em benefício do arguido …e de … (fls. 512), em 17-05-1990, a quem confere poderes para, em seu nome, poderem negociar o terreno do ..., do qual se intitula proprietário;

Em 29-06-1990, reúne a AM de …, onde o Presidente … comparece e expõe - inserido no 1º ponto da ordem de trabalhos - de forma confusa e incompleta, a natureza do empreendimento a construir no … e omitindo pormenores significativos, como sejam a referência ao potencial comprador do terreno (o P….) e referindo que o empreendimento ali a levar a cabo seria de uma sociedade mista Luso-suiça;

A AM por maioria - pesem embora as discordâncias dos deputados autárquicos … e …, com fundamento em não se encontrarem devidamente esclarecidos - deliberou aprovar aquele 1º ponto da ordem de trabalhos, sem no entanto conceder autorização para a venda;

Em 02-07-1990, no escritório do arguido …, sito na M….., este e o …, na qualidade de Presidente da CM… e o …, outorgam contrato-promessa de compra e venda do terreno do … nos termos em que se encontra redigido no original junto aos autos (fls. 509 a 511 e 4619 a 4621, cujo conteúdo se dá por reproduzido);

Nesse contrato se clausulam reiteradamente os termos constantes do contrato proposta no que respeita à área prometida vender (350 hectares), o fim a que se destina (empreendimento turístico), o preço a pagar pelo promitente comprador (280.000.000$00) e as demais obrigações, sob o aspecto técnico e administrativo de ambos os contraentes. Mais ali se convenciona que:

- o … pagara no acto de celebração daquele contrato, a título de sinal e princípio de pagamento, 30.000.000$00, da qual se dava imediata quitação (cl. 22ª);

- o restante do preço (250.000.000$00) seria pago no acto de celebração da escritura de compra e venda ;

- a CM….se obrigava a marcar a escritura de compra e venda até ao dia 20-06-1991;

- prazo esse que poderia ser prorrogado até 30-09-1991 na eventualidade de surgirem problemas ou atrasos de ordem burocrática em todo o processo de legalização;

- o …. se obrigava a outorgar, ou quem ele indicar, a escritura de compra e venda na data indicada pela CMV;

- em caso de incumprimento por parte do segundo outorgante, este perderia todas as quantias que tivesse prestado à primeira, obrigando-se ainda a indemnizá-lo em 30.000.000$00;

- no caso de o incumprimento ser imputável à primeira outorgante, esta obrigava-se a indemnizar o segundo na quantia de 500.000.000$00;

Muito embora no contrato se tivesse consignado a entrega pelo … da quantia de 30.000.000$00 à CM… e a correspondente quitação que esta lhe dá, o certo é que àquela data nenhuma importância entrou nos cofres da CM…por conta do sinal, sendo nessa parte o conteúdo da cláusula contrário à verdade;

Em rigor, o … emite e entrega ao …. para pagamento do referido sinal, em 02-07-1990, o cheque nº 11330356, sobre a conta nº 21495904, da agência de … do Banco Borges & Irmão – BB&I (fls. 719/3865/3866);

Todavia o arguido… sabia bem e de antemão que o cheque não tinha provisão, conforme resulta do teor da carta que lhe foi elaborada e entregue pelo…, nessa mesma data, a solicitação daquele, e cuja entrada não foi registada nos serviços administrativos camarários, mas sobre a qual aquele arguido exarou despacho por seu punho, igualmente nessa data (02-07-1990) classificando-a de confidencial, a fim de subtrair o conhecimento do seu conteúdo aos serviços da Câmara (cf. fls. 3864);

Este referido cheque nunca foi apresentado a pagamento;

Os dois arguidos … e … sabiam bem que assim actuando lesavam os interesses patrimoniais da CM…, impedindo-a de receber os 30.000.000$00 a que tinha direito e de cujo recebimento tinha dado quitação no contrato promessa, sabendo igualmente que desse modo lucrava o Paula em valor equivalente;

Temendo que a situação decorrente do não pagamento do sinal viesse a ser conhecida dos restantes órgãos autárquicos, o …insiste com o … solicitando-lhe a regularização da prestação dos 30.000.000$00, tendo este então emitido, em 25-07-1990, o cheque nº 08578057, naquele valor, sobre a mesma conta em depósito no BB&I, agência de …, o qual foi entregue ao primeiro em substituição do anterior que, por acordo de ambos foi “inutilizado” (fls. 4144);

Não obstante, este segundo cheque foi apresentado a pagamento sucessivas vezes na agência de … da CGD, tendo sempre sido devolvido por falta de provisão (fls. 4144);

Nunca o …, conhecendo as sucessivas devoluções, actuou no sentido de apresentar queixa-crime contra o …, junto das instâncias judiciais, por comissão de crime de emissão de cheque sem provisão;

Por fim, concomitantemente com a última apresentação a pagamento - em 04-09-1990 - é elaborada a “guia de receita” de folhas 3867, pelos serviços da CM… a qual serviu de base para lançar aquela receita na contabilidade da Câmara;

Todavia, como o cheque viesse, uma vez mais, a ser devolvido sem provisão, foi então elaborada pelos serviços administrativos da CM… o documento comprovativo do débito de folhas 91, destinada a justificar a não entrada da correspondente quantia monetária nos cofres da Câmara;

Só mais tarde, a 16-10-1990, o … vem a depositar na conta da CM… a quantia de 31.140.000$00 para pagamento do sinal convencionado, acrescida de juros e taxa de relaxe, através de dois cheques nos valores de 19.000.000$00 e de 12.140.000$00, bem como de 350.000$00, em numerário;

O propósito partilhado pelos dois arguidos (… e …) de obterem proventos materiais à custa do negócio, tendo como objecto o …, determinou o facto de o primeiro arguido ter subtraído o contrato-promessa, ao invés de lhe ter dado entrada nos arquivos da Câmara, retendo-o sempre em seu poder, para dessa forma evitar que fosse conhecido o não pagamento do sinal;

Dentro desse mesmo acordo e propósito se insere o facto de, como salvaguarda dos interesses do …, em detrimento dos interesses patrimoniais da CM.. o arguido … anuiu em introduzir no contrato-promessa a cláusula indemnizatória em benefício do primeiro, no caso de incumprimento imputável à CM… preconizando uma indemnização no valor de 500.000.000$00;

Sendo certo que, ainda não tinha sido celebrado o contrato promessa, e já o … procurava negociar o …., de parceria com o “sócio” de facto, o arguido … e com quem se comprometera a repartir equitativamente os lucros resultantes do negócio;

Agindo de comum acordo, estes dois arguidos contactam um tal … (fls.516) com quem pretendem celebrar um contrato de cessão de posição contratual, apresentando-lhe no dia 04-07-1990 uma minuta do mesmo, da qual resulta que o … cederia a sua posição resultante do contrato-promessa, pelo preço de 450.000.000$00 assumindo o primeiro todos os direitos e obrigações dali decorrentes para o … (fls. 516 a 518);

Estas negociações vieram a gorar-se porquanto, nesse meio tempo, o … conheceu a … (id. a fls. 519), perante quem revelou as suas negociações com a CM… bem como a sua posição a assumir no futuro contrato-promessa a celebrar com aquela entidade e a quem aliciou, através de futura cessão da sua posição contratual, com a perspectiva um bom negócio, no âmbito de um empreendimento turístico já em projecto, o qual, segundo afirmou, seria financiado por uma empresa suíça;

Entretanto, ainda em Outubro de 1993, o arguido … pugnava, na sua qualidade de Presidente da Câmara, pela desafectação do terreno daquele Regime Florestal junto da Administração Central, conforme o demonstra a correspondência trocada pela Câmara com as entidades governamentais tuteladoras desta área (constantes de fls. 1188, 1189, 1190 e 1195), bem como as fotocópias de correspondência oficial (de fls. 1173 a 1186);

Mais tarde, uma vez celebrado, em 02-07-1990, o contrato-promessa com a CM…, a fim de validamente poder ceder a sua posição contratual, vem o …. a garantir à …. que tinha pago o sinal devido pela compra prometida do terreno, tal como constava daquele contrato;

Convicta de que se encontrava perante um negócio honesto e que o … estava de boa-fé, em 30-07-1990, vem a outorgar, conjuntamente com o seu cônjuge, contrato de cessão de posição contratual, formalizado através de escrito particular (fls. 320 a 324 e 519 a 521), de cujo clausulado resulta que os cessionários assumiriam a posição que o cedente (…) ocupava no contrato promessa celebrado com a CM… contra o pagamento pelos primeiros da quantia de 500.000.000$00;

O arguido …teve imediato conhecimento desta cessão e com ela concordou, ficando também acordado entre este … e a … que em princípio o arguido … ficaria responsável pela coordenação dos projectos do empreendimento, inclusive o paisagístico e o de urbanização;

Para pagamento imediato deste preço, conforme acordado com o …, a … e o seu cônjuge, comprometeram-se, tal como fizeram, a emitir e a entregar àquele cheques pré-datados num total de sete, no valor acima apontado, sacados sobre o BP&SM, agência da …;

Ficando, no entanto, acordado com o….que tais cheques só seriam apresentados a pagamento quando tudo estivesse negociado com a CM… e ela comunicasse que os cheques podiam ser cobrados;

Não obstante a celebração do contrato de cessão celebrado com a …, pelo menos o arguido …, sem o conhecimento daquela, iniciou contactos com uns suecos no sentido de ele e estes executarem o projecto de construção do empreendimento turístico do …;

Posteriormente, a … vem a saber que o sinal não fora pago pelo … no acto de celebração do contrato-promessa, nem até àquela data;

Em Agosto de 1990, após a celebração do contrato de cessão de posição contratual com o …, a … vem a estabelecer contactos com a firma “…l”, com sede na …., através de alguns elementos do seu elenco societário - entre os quais figurava o oficial do exército, …, e ainda o assessor jurídico da firma, …, ambos conhecidas figuras públicas da vida política nacional - a quem convida a participar no empreendimento turístico a levar a cabo no …, formalizando-se um principio de acordo, conforme assim o revela o conteúdo do documento junto aos autos, datado de 11-08-1990 (fls. 2422, que se dá por reproduzido);

Entretanto, o oficial … e um outro sócio, o …, deslocaram-se a … onde, na CM…, conferenciaram com arguido …, que os informou das condições em que se encontrava o referido terreno, designadamente a sua afectação ao regime florestal;

Entretanto, tendo dúvidas quanto à viabilidade legal do processo de licenciamento e construção e temendo não poder avançar com o seu projecto, a … vem então a ordenar ao Banco sacado, em 29-08-1990, o não pagamento dos cheques (fls. 367 e 368), comunicando nessa mesma data a decisão ao … (fls. 369 a 371);

Por sua vez este, não cumprindo o acordado com a … conforme os termos contratuais, quanto às datas de apresentação a pagamento dos cheques e como meio de assim se locupletar com os respectivos valores neles inscritos, endossa parte deles ao …, com o valor global de 210.000.000$00, para pagamento, em parte, de uma dívida assumida para com este, nos termos que adiante se descreverão e, noutra parte, para pagamento do quinhão correspondente aos lucros do negócio do …, tendo-se este comprometido por escrito a não os apresentar a pagamento antes das datas neles apostas (cf. fls. 3734);

Sendo certo que nesta altura o arguido Hélio era conhecedor do acordo do… com a … relativo à não apresentação a pagamento dos cheques antes da autorização da…;

Tal como o… endossa à Advogada …, sócia do arguido …, um dos cheques, no valor de 40.000.000$00, para pagamento de serviços seus, o qual uma vez apresentado a pagamento vem a ser devolvido por falta de provisão, vindo aquela Advogada a apresentar queixa-crime contra a …;

Por seu turno ele mesmo, …, apresenta a pagamento os restantes cheques, os quais, tal como os anteriores, vieram a ser devolvidos por falta de provisão, o que o levou a apresentar queixa contra a … no Tribunal da Figueira da Foz, por onde foram emitidos mandados de detenção contra esta (fls. 4163 a 4172);

A … pede então ao … a devolução dos cheques por si emitidos (500.000.000$00), tendo ambos acordado em que aquela lhe entregaria 25.000.000$00, contra a entrega daqueles títulos, comprometendo-se o segundo a reaver todos os que havia endossado, nomeadamente ao …;

Vem assim a…. a emitir e entregar ao … dois cheques, nos valores de 15.000.000$00 e de 10.000.000$00, informando-o contudo que a respectiva conta bancária apenas seria provisionada quando ele lhe devolvesse os referidos títulos;

Todavia, o… não entregou ao… os cheques que este lhe havia endossado, razão pela qual o acordo referido supra não teve sequência;

Contudo, tal não impediu o … de movimentar o cheque de 15.000.000$00, entregando-o ao arguido …, o qual, por sua vez, a fim de não levantar suspeitas, solicitou o seu desconto através do já mencionado …., que o vem a depositar em conta sua existente no BESCL, em 24-10-1990, vindo, porém, a assistir à sua devolução por falta de provisão (cf. fls. 16, 18 e 45, do Anexo 27);

Para a entrega do cheque ao …, o arguido …. pediu àquele, através de outra pessoa, que se deslocasse à Câmara Municipal de …., onde depois pessoalmente lhe fez a entrega do cheque, pedindo-lhe que posteriormente, uma vez obtida a cobrança do cheque, lhe entregasse a quantia nele inscrita, ao que o …, por deferência para com a pessoa que era então o Presidente da Câmara, anuiu. Assim o … vem a depositar tal cheque em conta sua existente no BESCL, em 24-10-1990, vindo porém a assistir à sua devolução por falta de provisão (cf. fls. 16, 18 e 45, do Anexo 27);

Sendo certo que entre o …e o arguido … não havia, à data dos factos, qualquer relação pessoal, de negócios ou outra, nunca tendo antes o …. tido qualquer contacto directo com o arguido …. Apenas o …. era conhecido na CM… como pequeno empreiteiro da construção civil e simpatizante do partido P..

Tentando uma vez mais resolver a situação a seu contento, o … contacta de novo com a …, na agência do BESCL de …., onde, abordando-a, a convence a entregar-lhe, como entregou, a quantia de 17.285.000$00, titulada por cheque visado desse valor (em 11-10-1990 - fls. 4188 e 4190), sob o argumento de que o … só entregaria os cheques que detinha em seu poder, quando tivesse o dinheiro em mão;

A … compromete-se ainda a entregar-lhe o restante do valor, até perfazer os 25.000.000$00, quando o … lhe devolvesse os cheques relativos ao negócio do … (500.000.000$00) e bem como os dois acima referidos relativos ao primeiro acordo (25.000.000$00);

O … fez seu o montante daquele cheque (17.285.000$00), integrando-o no seu património e gastando-o em seu exclusivo proveito, não tendo obtido em contrapartida do … os cheques em poder deste, conforme tanto se comprometera, e facto esse que era condição da cobrança do cheque de 17.285.000$00;

Mais uma vez ludibriando a …, que lhe entregou aquela quantia e em contrapartida não obteve os cheques a cujo pagamento a mesma se destinava;

Entretanto o … apresenta os cheques endossados a pagamento, vindo eles a ser devolvidos, por falta de provisão, com fundamento na ordem dada ao Banco sacado pela ….;

Vem então aquele a apresentar queixa-crime contra a … por delito de emissão de cheque sem provisão, tendo as instâncias judiciais ordenado a detenção daquela, no âmbito de processo crime instaurado contra si, vendo-se na necessidade de fugir do país para evitar a prisão;

A fim de pôr termo ao processo, através de perdão, e assim poder viver em liberdade em Portugal, a …. teve previamente de ceder perante a exigência do… em lhe entregar 30.000.000$00;

Entregando-lhe esta quantia, que o … fez sua, vem este a emitir declaração de perdão que, uma vez junta ao inquérito, determinou o arquivamento do processo com fundamento na extinção do procedimento criminal e a inerente cobrança dos mandados de detenção;

Tal como atrás ficou referenciado, o … era devedor ao … da quantia de 6.600.000$00, fruto das suas relações estabelecidas no seio da “sociedade” firmada entre ambos com vista à negociação do …, bem como de empreendimentos com ele conexos, quantia essa que lhe fora emprestada através dos cheques emitidos sobre a CGD em 27-05-1990 (1.000.000$00); 04-06-1990 (5.000.000$00); 07-06-1990 (300.000$00) e 26-06-1990 (300.000$00) - cf. fls. 16/19, Anexo 3;

Bem como ainda da quantia de 25.000.000$00, entregue pelo … ao …, nas circunstâncias que a seguir se relatam;

Em 30-07-1990, o arguido …. emite e entrega ao arguido … 3 (três) cheques (fls. 513 a 515) sobre o BB&I, nos valores de 12.500.000$00 (fls. 384), 5.000.000$00 (fls. 383) e 2.000.000$00 (fls. 385) em benefício de …, sogro do arguido …e a pedido deste …;

Tal quantia, segundo lhe disse o .., destinar-se-ia a adquirir uma comparticipação na firma “…”, sedeada em … (fls. 428 a 433), da qual, através de contrato-promessa de cessão de quotas, o …. passaria a integrar a sociedade;

Todavia, só nominalmente este seria sócio, uma vez que na realidade apenas encobria a participação do … (fls. 1086 e segs.);

A quantia referida (no total de 19.500.000$00), de acordo com o estabelecido entre o … e o arguido …, destinava-se, na realidade, a gratificar o … pelas facilidades e favores por ele concedidos na celebração das negociações do …, que culminaram na feitura do contrato-promessa;

Como não dispusesse daquela importância, o …. vem a obtê-la através de empréstimo concedido pelo sócio …, que lha disponibiliza para o efeito (suprimiu-se o ponto 169), que passou para os factos não provados, como ponto 21-A);

170) Mais tarde, como os 30.000.000$00 relativos ao sinal não tivessem ainda dado entrado na CM.. e perante as pressões do …, ao exigir a satisfação do pagamento do que emprestara, o … em a exigir do … a devolução dos 19.500.000$00, acima referidos;

171) Em Maio de 1990, quando decorriam já as negociações entre ambos com vista à alienação, em prol do … e do …., do …, o arguido …. solicitou, através do arguido …, ao primeiro a quantia de 4.000.000$00, a fim de fazer face a um problema pontual;

172) Tal quantia constituía uma dádiva ao …, como pagamento das facilidades por este concedidas na negociação do ….;

173) Anuindo, o … emite e faz chegar ao …., por intermédio do …., o cheque nº 8908578074, sacado sobre o BB&I, agência de …, naquele valor, com a data de 22-05-1990 (fls. 523);

174) Não obstante, o …. informou o … de que o cheque deveria ter sido emitido à ordem do …, arguido este que por sua vez lhe faria chegar às mãos o respectivo numerário;

175) Anuindo, uma vez mais, o … vem a emitir o cheque nº 8008578075, sobre a mesma conta, com a mesma data e valor, em benefício do …, mas destinado ao …, enquanto este rasgou o primeiro daqueles cheques (de fls 524, que se dá como reproduzido), que tinha como beneficiário o próprio arguido …, cujos pedaços foram recuperados pelo primeiro e conservados em seu poder;

176) Por sua vez, o …. depositou o cheque na sua conta pessoal, com o acordo do …, já com o plano previamente traçado de o segundo vir a usufruir integralmente dessa quantia;

177) Assim, no dia 30-05-1990, o …, sempre com o acordo do … e com a finalidade de camuflar a dádiva dos 4.000.000$00, comparece no …, e ali adquire um veículo de marca BMW, com a matrícula …;

178) A aquisição é sinalizada com 200.000$00 (fls. 1490), através de cheque emitido pelo …;

179) No dia 08-06-1990, ali comparecem o … e o …, tendo o primeiro emitido e entregue no Stand um novo cheque para pagamento do restante do preço, no valor de 3.664.000$00;

180) O veículo foi, portanto, adquirido pelo …, que o fez registar em seu nome, com o produto do cheque inicialmente entregue pelo …, e passou a utilizá-lo (fls. 1429 e segs);

181) Em princípios de 1992, o …contactou a firma “…”, com sede em …, onde, na pessoa do seu gerente, propõe a exposição para venda do seu referido veículo, pelo preço de 2.500.000$00;

182) Algumas semanas após, a viatura é vendida pelo preço referido, a um terceiro, tendo o arguido … recebido todo aquele valor;

183) Em Março desse ano, de novo o …, acompanhado do sogro …, contacta aquela firma, propondo-se adquirir uma viatura nova da mesma marca;

184) O negócio vem a concretizar-se e a formalizar-se em 23-03-1992 (fls. 3709/3710), através da aquisição de um BMW, de matrícula …, pela “…”, a qual, nos termos do respectivo contrato de locação financeira, o vem a locar à firma “…”, já mencionada (fls. 434 a 437);

185) No entanto foi o … quem sempre o utilizou como coisa sua, como aliás era, vindo a viatura a ser registada em seu nome, em 05-08-1994 (fls. 437);

186) Tudo não passou de um estratagema por parte daquele arguido a fim de camuflar a aquisição da primeira viatura, pela forma atrás indicada, cuja posse e uso públicos poderia levantar suspeitas;

187) Gorando-se, pela forma atrás relatada, as negociações com a … tendo por objecto o …o arguido … prossegue os seus denodados esforços com vista a encontrar um terceiro que esteja na disposição de suceder ao segundo na posição contratual que este assume no contrato-promessa, de 02-07-1990;

188) Assim, o arguido … ensaia uma tentativa junto de … (id. fls. 4177), sócio gerente da firma “…”, no sentido de o convencer a suceder na posição contratual do …, no referido contrato;

189) Na sequência desses contactos, o … vem a endereçar ao …, em 22-10-1991 (fls. 1594 e 1595), uma minuta de contrato de cessão de posição contratual, de cujos termos decorre o preço a pagar pelo segundo, como cessionário, no equivalente a 66.600.000$00;

190) Todavia tal contrato nunca chegou a ser formalizado, uma vez que, entretanto, o …, no seu afã em transmitir a terceiros os direitos adquiridos sobre o … e assim poder concretizar lucrativamente a alienação do …, vem a contactar com … (id. a fls. 398) e … (id. a fls. 407), sócios da firma “…”, no decurso do ano de 1991, a quem propõe a sucessão desta firma na posição contratual que o arguido …. detém no contrato-promessa;

191) Convencionado o preço de 70.000.000$00 a pagar ao … pela cessão da sua posição e adquirindo a “…” todos os seus direitos e obrigações decorrentes do contrato-promessa e do contrato proposta (CM…/….), vêm os dois outorgantes, cedente e cessionário, a comunicar através de escritos autónomos dirigidos à CM… em 25-10-1991 (fls. 69 e 70) a realização do contrato de cessão, omitindo qualquer referência ao contrato-promessa de 02-07-1990;

192) Aliás, a …, no seu escrito, alude expressamente ao contrato-proposta de venda do …;

193) Nessa mesma data reuniu o executivo camarário, tendo o arguido … submetido imediatamente os dois ofícios à sua apreciação e aprovação;

194) Como decorre do conteúdo da acta da reunião de 25-10-1991, foi  deliberado aceitar a cessão da posição contratual do … à …, nos termos do contrato, bem como a data avançada por esta no que respeita à futura celebração da escritura (não antes de 30-10-1993), sendo nesse acto pago o remanescente do preço em dívida (250.000.000$00), e ainda que “a aceitação” ficaria “condicionada à concretização da autorização da desafectação do terreno a alienar, desobrigando-se esta CM de pagar qualquer indemnização ou juros relativos ao capital já entregue a título de sinal”;

195) Já após a realização das eleições autárquicas de Dezembro de 1993 e conhecidos os seus resultados, em 27-12-1993, a … faz chegar à CM… a carta/ofício de folhas 73 e seguintes, através da qual se insurge contra a deliberação de 25-10-1991, propondo a celebração do contrato-promessa, no prazo máximo de 15 dias, mediante a aceitação de cláusulas tais como:

- a obrigação da CM… em desafectar os 350 hectares de terreno, do …, no prazo máximo de 12 meses;

- a celebração da escritura no prazo máximo de dois meses após a notificação da desafectação total dos 350 hectares;

- a obrigação da CM… em indemnizar a … no valor correspondente ao triplo dos montantes já pagos a título de sinal e respectivos reforços, em caso de incumprimento imputável à Câmara;

- igual indemnização a cargo da … em caso da não celebração da escritura por facto que lhe seja imputável, levando-se no seu cômputo os valores por ela já pagos;

- mais se propõe efectuar sucessivos reforços por conta do sinal até à celebração da escritura;

196) Nesse mesmo dia, o arguido … profere despacho ordenando que a carta /ofício seja presente à reunião da CM…, no dia imediato (mesmo doc.);

197) Fora, aliás, o próprio arguido … quem, por sua iniciativa, desencadeara esta actuação da “…” ao exigir-lhe a prestação de um reforço do sinal;

198) Em 28-12-1993, o … submete a carta/ofício à apreciação da Câmara e, em introdução prévia, alerta para o facto da existência de contradição entre o conteúdo do contrato-proposta celebrado com o … e o conteúdo da deliberação da CM…, de 25-10-1991 e ainda para o facto de se não ter formalizado o contrato-promessa com a … “... passados que são 3 anos”, propondo que seja aceite:

- o reforço do sinal a prestar pela …;

- a formalização imediata do contrato promessa;

- a promoção no contrato promessa de um “equilíbrio das prestações";

- a aceitação das cláusulas propostas pela …;

199) Finda a exposição, a CM… delibera aprovar a proposta do arguido …, conferindo-lhe plenos poderes para outorgar no contrato-promessa de acordo com “as deliberações e minuta do contrato-promessa elaborado na reunião e ainda “que seja dada sem efeito a deliberação de 25-10-1991” (em tudo o mais se dá aqui por reproduzido o conteúdo da acta da reunião da CM… de 28-12-1993., constante de fls. 76/77);

200) Em 31-12-1993, a … deposita à ordem da CM… a quantia de 60.000.000$00, a título de reforço de sinal, conforme guia de receita junta (a fls. 92);

201) Na mesma data é formalizado o contrato promessa entre a CM… e a …, no Notário Privativo da Câmara (conforme consta de fls. 78 a 81, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido), ressaltando do seu clausulado os seguintes termos:

- o preço do terreno (280.000.000$00) - (cl. 1ª);

- o pagamento de 30.000.000$00, a título de sinal (cl. 2ª);

- o pagamento de 60.000.000$00, a título de reforço de sinal (cl. 3ª);

- a obrigação para a CM… em desafectar os 350 hectares de terreno, no prazo máximo de 18 meses (cl.5ª);

- a celebração da escritura no prazo máximo de 2 meses, após a desafectação do terreno (cl. 6ª);

- a obrigação de a CM… indemnizar a … no caso de, por facto imputável à primeira, a escritura não poder ser efectuada no prazo convencionado - na cl. 5ª - no valor equivalente ao dobro dos montantes pagos a título de sinal e sucessivos reforços;

202) No seu clausulado o contrato-promessa ora outorgado alude ao contrato proposta celebrado entre o … e a CM… como sendo aquele de onde advêm à … os direitos enquanto outorgante no contrato ora realizado, o qual se anexara a este instrumento (fls. 82 e 83);

203) Em todo o processo de alienação do terreno do …. e nas actuações que lhe estão conexas - na forma como ficou relatada - o arguido …. agiu sempre na sua condição de Presidente da Câmara de …;

204) Por seu turno, o arguido …. conhecia a qualidade do arguido …, bem como os deveres a que se encontrava legalmente vinculado;

205) À data dos factos não havia qualquer relação pessoal, de negócios ou outra, entre os arguidos … e … e o arguido … (ou o sogro deste). O contacto entre estes arguidos apenas se estabeleceu e se desenvolveu por causa das negociações sobre o terreno do …. e as relações entre eles nunca foram de outra ordem que não relacionadas com o …; 

206) Os dois arguidos, … e …., agiram sempre livre, voluntária e conscientemente em toda a sua actuação;

207) Os arguidos …. e …. actuaram de comum acordo para em conjunto usufruírem de vantagens patrimoniais marginais à revelia e em detrimento dos interesses de igual cariz da CM…

208) Sabendo o arguido …. que da sua conduta resultavam, como resultaram, danos patrimoniais para a …., que se viu despojada de cheques no valor global de 500.000.000$00, cujo pagamento efectivo só logrou evitar através da ordem de cancelamento emitida ao banco sacado, prejuízos esses que o … quis;

209) O que, motivando a sua devolução por falta de provisão, a fez incorrer em procedimento criminal, sob a arguição em juízo de comissão de crimes de emissão de cheque sem provisão, por via de apresentação de queixas-crime pelo …. e pelos endossados … e …, sendo que sobre ela foram emitidos mandados de detenção por ordem do Tribunal, levando-a a fugir do país a fim de evitar a prisão;

210) Situação a que apenas logrou por termo após entrega ao … e ao … das quantias, respectivamente, de 30.000.000$00 e 17.285.000$00, das quais se viu assim despojada, como consequência do malogrado negócio do …, artificiosamente provocado pelo …;

211) Aqueles arguidos, … e …, sob a aparência de um negócio legítimo - a celebração de um contrato-promessa de compra e venda entre a CM…e o … - fizeram-lhe criar a convicção de que iria adquirir o terreno do … e aí levar a cabo o projectado empreendimento turístico, omitindo-lhe o não pagamento do sinal devido pelo contrato-promessa e omitindo os contactos com outros interessados para a cessão da posição contratual;

212) Os arguidos … e …. estavam também plenamente cientes de que ao introduzirem no contrato-promessa de 02-07-1990 uma cláusula dando quitação ao segundo do pagamento do sinal, o seu conteúdo não correspondia à realidade, uma vez que aquele não fora efectivamente pago;

213) Agiram com o propósito de beneficiarem o …, em detrimento dos interesses da CM…, que assim se viu diminuída no seu património, muito embora a posteriori aquele tenha vindo a pagar o referido sinal;

214) Sabiam também - tal como o arguido … o sabia também - que ao …, enquanto Presidente da Câmara, não era devida qualquer remuneração particular pelo exercício da sua actividade oficial, pelo que recebendo das mãos do … os cheques atrás referidos - nos valores de 15.000.000$00, 19.500.000$00 e 4.000.000$00 - os mesmos se destinavam a premiar a sua conduta ilegítima e contrária ao conteúdo dos seus deveres funcionais por forma a beneficiar o segundo;

215) Contudo tal conhecimento não impediu o … de voluntariamente dar a sua colaboração ao …, contribuindo de forma eficaz e decisiva para que aquele viesse a receber os aludidos 4.000.000$00 do P…, mascarando toda a actuação a fim de a dissimular e manter oculta;

216) O arguido …, ao subtrair e conservar em seu poder quer o contrato promessa de 02-07-1990, quer a carta do …, quer a correspondência trocada entre a CM… e os departamentos governamentais alusiva à desafectação do terreno do …, assim actuou com a finalidade de ocultar tais documentos do conhecimento das instâncias camarárias e assim manter oculta a sua actividade ilícita, contra os interesses da CM…;

217) Ao não participar criminalmente o delito de emissão de cheque sem provisão praticado pelo … sabia que actuava contra o conteúdo dos seus deveres funcionais, com a finalidade de proteger aquele arguido e assim prejudicando a CM…;

218) O arguido …, ao conduzir todo o processo de alienação do …, quis condicionar as deliberações da CM e da AM, através de informações vagas e imprecisas, e levou a CM a aceitar a reclamação da …, de 27-12-1993, apresentada fora do prazo legal (artigo 28º LPTA), submetendo-a a apreciação e deliberação do executivo camarário, sem inclusão prévia e com inobservância do prazo legal na ordem do dia (artigo 18º nº 2º do CPA) e conduzindo-a à revogação da deliberação da CM, de 25-10-1991, ao arrepio da defesa da legalidade e com manifesta afronta da prossecução do interesse público. E ao negociar e introduzir cláusulas indemnizatórias (quer no contrato promessa celebrado com o …, quer no celebrado com a …) altamente lesivas para a CM… estabelecendo, no último caso, prazos consabidamente curtos para a celebração da escritura, condicionados pela desafectação do terreno - que sabia não depender de si, nem da administração autárquica, mas sim da actividade governamental - apenas com o fito de receber o reforço do sinal de 60.000.000$00, actuava em contrário das suas funções e contra os interesses da Câmara privilegiando em contrapartida quer o …, quer a …;

219) Por seu lado exclusivo, o … ao configurar perante a … a possibilidade de devolução dos cheques por ela emitidos e entregues no âmbito do contrato de cessão de posição contratual celebrado com aquele, determinou-a a entregar-lhe a quantia de 17.285.000$00, sabendo bem contudo que previamente tinha endossado alguns deles a terceiros, facto que só por si o impedia de cumprir o compromisso por si assumido, dessa forma causando prejuízos à ofendida naquele valor e lucrando ele em valor equivalente;

220) Por fim, o arguido …, agindo livre e conscientemente, conhecedor das circunstâncias em que a… havia emitido e entregue os cheques e sabedor da sua situação de ausência forçada do país em virtude da pendência do processo crime movido (entre outros) por si, aproveitando-se da situação em que estava a … e agindo com o propósito de assim auferir um ganho para o seu património, apenas acedeu em emitir declaração de perdão se acaso aquela lhe entregasse, como entregou, sem que existisse fundamento para tal, a quantia de 30.000.000$00, dessa forma enriquecendo à custa do constrangimento psicológico e do património da ofendida;

IV)

222) Os arguidos … e …, para além das funções oficiais como autarcas, desempenhavam ainda e paralelamente actividades partidárias, o primeiro como Presidente da Comissão Política Concelhia do Partido …. enquanto o segundo desempenhava funções como Vice-Presidente do mesmo órgão partidário;

223) O arguido …, durante o período de tempo em que aqueles exerceram os respectivos mandatos, assegurava a gestão e administração da “….”, sita em …, propriedade de seus progenitores;

224) Por alturas de meados de Novembro de 1993, o arguido …, acompanhado do arguido …, este agindo sob as instruções do arguido …, compareceu na oficina daquele estabelecimento, tendo solicitado ao … que lhes fornecesse um orçamento abarcando o custo de diverso material impresso alusivo a actividades da Câmara Municipal de …. Tal material seria composto por diversas revistas publicitando as obras públicas feitas no concelho pela Câmara cessante, com inclusão de fotografias do arguido … e diversos membros do Governo; autocolantes com a fotografia do mesmo arguido, cartazes com os dizeres “Ganhar o futuro” e respectivo texto consonante com cada uma das freguesias;

225) Cerca de 15 dias antes do acto eleitoral os arguidos … e …. de novo procuraram o …., vindo a acordar com este na execução daqueles trabalhos, mediante o pagamento do preço por este orçado;

226) Executada a obra encomendada, antes das eleições, foi o diverso material impresso transportado pelo arguido …, que compareceu na …., para o efeito, levando-o consigo;

227) Nessa oportunidade solicitou este …ao … que todo o custo do trabalho fosse facturado à CM…;

228) Logo após as eleições, o arguido … procura, uma vez mais, o …, em 15 de Dezembro, na … e, na presença, deste elabora por sua mão o manuscrito, que consta dos autos (a fls. 290, e cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido), mencionando a execução de trabalhos gráficos para a CM…e respectivos preços tais como cartazes das “misses” (250 contos), panfletos “misses” (150 contos), publicidade (320 contos), brochura/projecto educativo (340 contos), cartazes/inauguração pavilhão (320 contos), panfletos/inauguração pavilhão (190 contos) e calendários/inauguração pavilhão (150 contos), tudo totalizando a soma de 1.720.000$00, equivalente ao custo total devido à Gráfica relativamente à execução do material;

229) Seguidamente, acorda com o … em que este emita as facturas correspondentes à obra encomendada, dirigidas à CM…;

230) Anuindo à sua pretensão, o …l vem a emitir as facturas (cuja cópia consta de fls. 337 a 340, 346, 347 e 351, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido), dirigidas à CM.., mencionando os trabalhos, adaptando os valores ali indicados pelo … e acrescendo-lhes o correspondente ao IVA, tudo totalizando a soma de 2.148.320$00;

231) Seguidamente apresenta as facturas na CM…, as quais após visto do arguido …, foram mandadas pagar através das ordens de pagamento nºs 3327, de 21-12-1994, no valor 872.320$00 (fls. 336); 2743, de 10-11-1994, no valor de 371.200$00 (fls. 345), e 2568, de 31-12-1993, no valor de 904.800$00 (fls. 348);

232) As duas primeiras ordens de pagamento foram assinadas pelo actual Presidente da Câmara, …, e a última ainda pelo arguido …;

233) O arguido … fez suas aquelas quantias, integrando-as no seu património e gastando-as em seu benefício;

234) Os arguidos … e … agiram no exercício das suas funções, na condição de Presidente e Vereador da CM…, respectivamente;

235) Por seu turno o arguido … conhecia a qualidade dos dois co-arguidos;

V)

236) Os arguidos, reconhecendo no essencial os factos que têm suporte documental, negaram no entanto as intenções que lhe são assacadas, designadamente a de enganar, prejudicar alguém ou o Estado e falsificar documentos;

237) Todos os arguidos são de condição económica desafogada e social média, integrados socialmente, estimados pelas pessoas que os conhecem, com bom comportamento anterior e posterior aos factos;

238) Não são conhecidos antecedentes criminais aos arguidos, excepto o …, que foi, entretanto, condenado, por sentença de 24-07-2006, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, praticado em Maio de 1998, na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspenda na sua execução pelo período de 3 (três) anos (cfr. CRC de fls. 8899, 8912 e 8913);

239) Na sequência da necessidade de fugir do país para evitar o seu encarceramento, a demandante….viveu entre Abril de 91 (início) até 18 de Outubro de 92 na Europa, vivendo em hotéis, pensões e hospedarias;

240) Antes da sua saída do país, a demandante …andou também em fuga das autoridades, isto a partir de Se­tembro de 1990;

241) No período de permanência na Europa, a demandante … e seu marido despenderam uma quantia nunca inferi­or a 2.500.000$00, incluindo alimentação e estadia;

242) Em deslocações, a demandante … e seu marido despenderam uma quantia nunca inferior a 1.000.000$00, pois, procurando dar algum apoio à mulher, o demandante … deslocava-se com muita frequência para junto dela;

243) A demandante … encontrava-se à frente da sua empresa “…” (adiante desi­gnada por …..), da qual era sócia juntamente com o demandante, que era uma das mais conceituadas na sua área de actuação em toda a … e na zona centro do país;

244) A …tinha, no início de 1990, andado em negociação de um terreno denominado “…” com o seu proprietário e aí a …pretendia construir um empreendimento de considerável magnitude, negócio que foi conduzido pela …;

245) O volume de negócio da …era muito elevado, tendo margens de lucro também muito elevadas;

246) Durante o seu período de ausência, a …ficou entregue a uma sobrinha e, devido à ausência da demandante …, a …começou a ter dificuldades de gestão;

247) Em 1995, a … recorreu a um processo especial de recuperação de empresas que corre termos no Tribunal judicial da Figueira da Foz;

248) Além da …, a demandante era também dona da empresa “…ª”, e “…”;

249) O colapso destas empresas foi contemporâneo com o da…;

250) Todas as empresas de que a demandante era sócia e proprietária foram à falência ou encontram-se em estado de pré-falência;

251) Devido à necessidade de fugir do país a … foi forçada a abandonar a família (marido, e dois filhos), a abandonar o seu núcleo de amigos e conhecimentos;

252) A demandante vivia, antes de sair do país, com condições acima da média;

253) Em virtude da saída da demandante do país e o dinheiro que gastaram no decorrer de todo o processo que con­duziu ao arquivamento dos processos crimes, os demandantes gastaram parte substancial das suas economias, vivendo actualmente com algumas dificuldades;

254) Toda a situação da fuga da demandante foi muito falada na ….;

255) A demandante não mais foi a mesma desde o que se passou naqueles dois anos, pois ficou abatida e em depressão;

256) Por outro lado, o demandante sofreu também com toda a situação, tendo sido forçado a abandonar o seu estilo de vida, a sair frequentemente do país para acompanhar a mulher;

257) O arguido … fez distribuir, em 13 de Janeiro de 1992, o processo de arrolamento dos bens do … e da …, processo que correu termos com o nº 282/92 pelo 2.º Juízo do Tribunal de ….. (conf. doc. nº 13, junto com a contestação do arguido ..);

258) Deferido o arrolamento, intentou acção ordinária (Proc. 972/92) junto do Tribunal de Círculo de …, em que pedia a condenação do …  a reconhecerem que entre o arguido e o … havia sido constituída uma sociedade comercial irregular tendo por objecto a compra do prédio já referido à Câmara de …, loteamento do terreno e implantação de um projecto turístico para revenda, contrato de sociedade esse que deveria ser considerado nulo por vício de forma, devendo, no entanto, ser os então Réus condenados a reconhecerem ao … o direito a quinhoar nas perdas e nos lucros;

259) Quando o processo se encontrava na fase de julgamento, decorreram negociações entre as partes tendo em vista chegarem a acordo, tendo o arguido sido contactado pelo Senhor Advogado da sociedade “…”, o qual lhe apresentou, em 28 de Setembro de 1993, a seguinte proposta: pagamento imediato de Esc. 10.000.000$00 (dez milhões de escudos); Esc. 15.000.000$00 (quinze milhões de escudos) no prazo de um ano; Esc. 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos) a pagar pelo …, sociedade aquela que se apresentou também como credora da referida …, o que de facto era, uma vez que a ….. tinha contraído dívidas de centenas de milhares de contos com a dita sociedade, tendo dado como garantia alguns terrenos que aquela possuía na zona da …, pelo que a dita sociedade se propunha negociar com todos os outros credores da …, apenas faltando resolver o problema desta dívida com o arguido para que a falada … - entretanto declarada contumaz - pudesse outorgar a escritura relativa aos terrenos referido supra;

260) O arguido … aceitou ser pago pela sociedade ….de parte dos prejuízos que alegou sofrer com o negócio e das quantias que alegou ter desembolsado (cerca de Esc. 31.900.000$00) pelo montante de Esc. 30.000.000$00 (trinta milhões de escudos), tendo tal quantia sido paga mediante aceites bancários emitidos por aquela sociedade (docs 15 a 18, juntos com a contestação do arguido …), quantia esta (entre outras) que depois foi paga pela … à “…” através da venda de terrenos;

261) Tendo o arguido …, por força deste acordo, desistido das acções intentadas contra o … e das queixas crimes apresentadas contra a …;

262) Actualmente o arguido … encontra-se reformado da administração pública, exercendo a profissão de Advogado e dedicando-se também à investigação, sendo a sua mulher Professora do Ensino Secundário;

263) Não têm filhos, estando a sua sogra a cargo do casal, vivendo em casa de renda, no que despendem € 600,00 mensais;

264) O mesmo é tido pelas pessoas que com ele conviveram na altura dos factos e convivem actualmente como uma pessoa séria, educada, dinâmica, competente, trabalhadora e preocupada em promover o bem-estar dos seus concidadãos e o desenvolvimento do concelho de …;

265) Actualmente o arguido … é sócio e gerente de uma empresa de cuidados de saúde, sedeada em …, auferindo do exercício da gerência o vencimento de € 1.000,00 mensais, sendo também sócio de uma outra sociedade que explora um Snak-bar;

267) O mesmo encontra-se divorciado e tem dois filhos, de 25 e 17 anos de idade, que ainda estão a seu cargo, tendo um deles concluído a licenciatura e o outro frequenta ainda a Universidade;

268) Vive só, em casa de renda, pagando mensalmente a quantia de € 432,50;

269) Frequentou o ISCA, no curso de Economia, que não concluiu;

270) O mesmo é tido pelas pessoas que com ele convivem como um homem trabalhador e de bom carácter.
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Não se provaram outros factos com relevo, nomeadamente os seguintes:

(da pronúncia)

Que toda a conduta do arguido … na condução do processo de alienação do Parque de Campismo e área adjacente se norteou no sentido de beneficiar patrimonialmente o …e quis e fez com que a CM… deliberasse a admissão da proposta do …, e que o arguido … agiu em violação das regras do concurso e em conluio com advogado e arguido …;

Que o arguido … informou o … dos preços propostos pelos concorrentes, habilitando-o a apresentar uma proposta “ganhadora”;

Que o arguido … quis colaborar com o arguido … através da elaboração de um parecer jurídico exarado por forma a dar pretensa cobertura legal à “adjudicação” do parque ao …, assim propiciando o alcance dos fins prosseguidos pelo primeiro;

Que houve um projecto urdido entre o arguido … e o arguido … no sentido de este vir a beneficiar com a aquisição do … em detrimento dos interesses da Câmara;

Que o arguido o … contactou pessoalmente o empreiteiro de obras públicas … para a realização de quaisquer obras;

Que houve qualquer acordo com o …, favorecendo este, ao obter o pagamento do custo das obras que executara, que de outra forma se mostrava comprometido, pressupunha da parte deste, a entrega de 4.000.000$00, alegadamente para custear as despesas da campanha eleitoral, em benefício do P… local, conforme exigência nesse sentido feita pelo … e pelo …;

Que temendo não receber os 32.000.000$00 que lhe eram devidos, o … acorda livremente em entregar ao … a quantia solicitada, contra o pagamento integral da importância a que tinha direito;

Que o … e o … fizeram sua a quantia entregue pelo … ou de qualquer modo dela beneficiaram ou que o seu recebimento de destinou à prática de qualquer acto compreendido nas funções camarárias destes arguidos … e …;

Que os arguidos … e …., conluiadamente, solicitaram, o primeiro através do segundo, ao … a importância atrás mencionada com a finalidade de, repartindo-a, a integrarem no seu património, dando-lhe o destino que bem entenderam;

Que apresentaram ao … como contrapartida daquela retribuição monetária, o pagamento efectuado através de dinheiros públicos que a CM… disponibilizou para o efeito, da quantia a que este por força dos custos das obras executadas para a Câmara tinha direito;

Que o … e o … iludiram os membros da direcção da … quando estes emitiram os cheques contemplando no seu valor o correspondente aos custos daquela obra, na suposição criada pelos arguidos de que pagavam apenas a pavimentação da estrada da Alta Tensão e que os 8.000.000$00 em falta (do subsídio) seriam destinados ao pagamento da sua electrificação;

Que os subsídios atribuídos pela CM… se destinavam apenas à execução das obras de colocação de tapete e luz eléctrica na estrada designada de “Alta Tensão” e que do preenchimento de facturas pelo … resultou qualquer prejuízo para a CM… ou para a …; que os arguidos …, …, … e … quiseram, com o preenchimento das facturas relativas às obras realizadas pelo …, designadamente na Rua da …, prejudicar a CM.. ou beneficiar qualquer entidade ou pessoa, ou que tiveram consciência de assim haver prejuízo ou beneficio;

Que causaram os arguidos prejuízo, com a sua conduta, como bem queriam, à … no equivalente a 6.713.520$00 e beneficiando, em contrapartida, a CM.. em valor equivalente, que assim não disponibilizou, com o custo das obras da Rua da …;

Que ao contratarem com o … a realização de obras camarárias, os arguidos … e … quiseram causar  prejuízos equivalentes ao valor das obras, e que este, …, sofreu de facto prejuízos no valor equivalente ao valor das obras;

Que o arguido … agiu em consonância com os fins visados pelos … e … e conformando-se com os seus propósitos, ao desencadear a criação da …. e valendo-se da boa-fé dos restantes elementos da sua direcção, possibilitou as condições necessárias para que o plano urdido pelos dois últimos se concretizasse, como concretizou;

Que o arguido … apresentou-se ao arguido … como industrial dotado de grande experiência e saber e de largos recursos financeiros, com negócios de vulto em Portugal e nos USA;

Que o arguido … não revelou à …. que o referido terreno (do …) se encontrava incluído em zona da Reserva Ecológica Nacional e inserido no Regime Florestal;

Que mais afiançou o … à … que lhe garantiria um seguro de caução, celebrado com uma companhia de seguros (a Real), para o financiamento de 1.000.000.000$00, a fim de o mencionado projecto turístico poder ser levado a efeito, exibindo perante ela o documento de folhas 318, como prova dessa afirmação;

Que só posteriormente à celebração do contrato de cessão da posição contratual, a … vem a saber que o referido terreno do … se encontrava sujeito ao regime Florestal e inserido em zona da REN, e que o documento emitido pela Cª de Seguros Real (fls. 318) não possuía qualquer valor para o fim que lhe fora garantido;

Que o arguido … aconselhou os dois sócios da …r, que com ele contactaram, a não participarem no projecto proposto pela …, antevendo - segundo afirmou - que seria “desastroso” e oferecendo-lhes, em contrapartida, a aquisição de um outro terreno localizado noutra zona, a disponibilizar pela CM… e que em face desta intervenção do arguido … a …r desistiu do projecto dessa forma frustrando as expectativas da…;

Que foi perante este quadro que a … constata ter sido ludibriada pelo … e pelo … e por isso ordenou ao Banco sacado o não pagamento dos cheques;

21-A) Que a quantia de 19.500.000$00 (referida em 164) e 167) supra), somando os 25.000.000$00 (referidos em 163) supra) - entregue a coberto do cheque 8905592505, sobre o BB&I, datado de 06-08-1990 - fls. 20, Anexo 3 - tinha como único objectivo prover o … do quantitativo necessário ao pagamento do sinal consignado no contrato-promessa, outorgado por este e a CMV, em 02-07-1990 (30.000.000$00), o qual foi assim desviado do seu fim;

Que o arguido … se recusou a entregar os 19. 500.000$00 entregues pelo … e que este o ameaçou de que tornaria pública uma outra situação (referida nos pontos  171 e segs. da matéria de facto ), sendo certo que o … perante a ameaça lhe vem a devolver aquela quantia;

Que no dia 30-05-1990, o …, no Stand …., em Lisboa, referiu que o veiculo BMW se destinava ao …;

Que a aquisição é sinalizada com 200.000$00 (fls. 1490), através de cheque emitido pelo …;

Que o arguido … tenha, em conjunto com o arguido …, procurado parceiros para o negócio do …;

Que o arguido … teve qualquer contacto com a … ou de qualquer forma quis o prejuízo desta ou tomou conhecimento da actuação do … nas relações com a dita …;

Que os arguidos …. e …., ao mesmo tempo que pediram o orçamento e a execução de material de divulgação das actividades da CM…, solicitaram ao … que lhes fornecesse um orçamento abarcando o custo de diverso material impresso alusivo à campanha eleitoral do P… com vista às eleições autárquicas a decorrer em 12-12-1993 e que de tal material constariam cópias de boletins de voto simulados, assinalando o quadrado correspondente ao P…

Que o arguido … acordou com o … em que este emitisse as facturas correspondentes à obra encomendada, dirigidas à CM.. e nelas incluísse a realização de material de propaganda do P…;

Que o material de propaganda da campanha eleitoral do P… de … foi de qualquer forma pago pela CM…

Que os três arguidos (…, … e …) estavam plenamente cientes de que colaboravam na feitura de documentos cujo conteúdo não correspondia à verdade; sabiam também que, conforme era seu propósito comummente partilhado, a sua conduta lesava a CM… no valor acima indicado e que o P… seria beneficiado patrimonialmente, em igual montante, pela exclusão do pagamento que só por si era devido;

Que todo o estratagema por eles urdido, mascarando uma realidade a coberto de uma mentira eficaz, destinava-se, como se destinou, a ludibriar, como ludibriou, a CM… através dos respectivos serviços e seus funcionários responsáveis, os quais de nada suspeitando entregaram dinheiros públicos para pagamento de serviços privados;

(do pedido cível)

Que o arguido … agiu em comunhão de esforços com os arguidos … e … para prejudicar a … e que o plano consistiu em convencer a demandante … de que o terreno do … permitia a construção de um empreendimento que seria financiado por uma empresa suíça, pois só desse modo poderiam convencer a demandante e o marido a adquirir a posição contratual que o … tinha;
Que só depois de ter procedido à entrega dos cheques é que a demandante … vem a saber que o terreno do … estava inserido na zona da REN e que, como tal, não poderia construir qualquer empreendimento no referido terre­no e foi por isso que dá ordem ao banco emissor dos che­ques para os não pagar;
Que a demandante … vinha diversas vezes a Portugal para procurar resolver o seu problema, estabelecendo con­tacto com os demandados, designadamente com o …, também aqui ficando fora de casa para que não fosse capturada;

Que para esse negócio da “…”, a …havia-se associado com um indivíduo chamado … e foi designado o mês de Junho de 1991 para outorgar a escritura de compra do terreno, não tendo a … podido comparecer por se encontrar em fuga, pelo que perdeu o negócio, o qual ascendia a mais de 2.000.000.000$00, indo a …obter um lucro superior a 500.000.000$00, o que não aconteceu;

Que em virtude de a demandante ter andado em fuga, a …perdeu um outro negócio, a que se refere a acção judicial de indemnização em que o pedido é de 1.000.000.000$00 (proc. nº 67/93, Tribunal de Mira);
Que devido à ausência da … a … entrou em crise , com o despedimento de grande parte dos seus trabalhadores, com perda de contratos e negócios;
Que o colapso das demais empresas de que a … era sócia se deveu à conduta dos arguidos;
Que a actuação dos demandados causou aos demandantes e às suas empresas um prejuízo superior a 581.266.500$00;
Que toda a situação que teve lugar nos dois anos em que a demandante andou fugida provocou-lhe dois enfartes, pas­sando desde então a estar dependente de medicamentos, o que vai acontecer para o resto da vida;
(das contestações)

Que o arguido … só teve conhecimento posterior da cessão efectuada pelo … à …, uma vez que nunca participou nas negociações nem interveio no negócio nem com ele concordou, já que tinha pessoas e entidades - com credibilidade uma vez que já haviam efectuado projectos idênticos em Portugal - interessadas em com ele (…) participar no desenvolvimento do projecto;

Que o arguido … sempre pensou que o negócio se tinha formalizado com a … e que, em relação aos cheques que tinha na sua posse, o … ia respondendo com evasivas dizendo que também tinha sido enganado, até que o arguido se apercebeu que o … se preparava para, uma vez mais, negociar a posição contratual que obtivera;

Que o procedimento cautelar e a acção judicial foram intentados pelo arguido … contra o … por aquele saber que o … queria ceder a outros a posição contratual no negócio do … e que o … o enganara no dito negócio ou que lhe ocultara as relações e acordos com a …;

Quaisquer outros factos não compagináveis com os factos dados como provados.

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Para fixar a matéria de facto dada como provada, o Tribunal ponderou os seguintes meios de prova e as seguintes razões determinantes da convicção (transcrevendo-se integralmente a fundamentação de facto que o Tribunal Colectivo que efectuou o julgamento aduziu e ponderou, sendo depois enunciada a fundamentação da convicção do Tribunal Colectivo que procedeu à realização da audiência na sequência do determinado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, relativamente aos pontos concretos em discussão e à personalidade e actual situação pessoal, familiar e profissional dos arguidos …. e …):  

“- a análise dos diversos documentos juntos aos autos e referidos na matéria de facto (autos de busca e apreensão, pareceres, certidões da acções e decisões judiciais, facturas, cheques, contratos, guias de receita, actas camarárias, correspondência, etc), os quais evidenciam a sua existência e comprovam os factos que pretendem documentar (datas, quantias, endossos, destinatários, outorgantes, declarações negociais ou outras deles constantes, etc); 

- no essencial os arguidos que prestaram declarações e que são referidos como tendo intervindo nesses documentos confirmaram os factos atrás referidos - com excepção de quaisquer juízos de valor que os factos ou documentos possam conter; em especial os arguidos …, … e … confirmaram nas suas declarações a emissão dos cheques a que se alude na matéria de facto e em que tiveram intervenção;

- quanto à venda do Parque de Campismo da …, os arguidos … e … confirmaram as negociações havidas, a correspondência trocada, o teor dos contratos ;

-no que concerne à constituição das comissões de melhoramentos, subsídios atribuídos, relações entre a CMV e estas comissões: as declarações dos arguidos … e …;

- quanto ao papel das comissões de melhoramentos e actuação concreta no caso presente: as declarações objectivas de …., …., …, …, …, …, …, …, todos membros da C. M. …, que confirmaram a forma como a dita comissão foi constituída (apenas para as eleições) e o não funcionamento e actuação da mesma;

- quanto à actuação dos arguidos … e …na relação com o empreiteiro … e ao prejuízo deste: as declarações desta pessoa, depondo de forma objectiva e coerente;

- quanto à contratação das obras de melhoramento referidas no capítulo segundo da pronúncia, execução das mesmas, pagamentos efectuados: as declarações dos empreiteiros civis …e … e do arguido …;

- a entrega da quantia pelo arguido … aos arguidos … e … foi confirmada pelas declarações dos arguidos … e …, referindo tratar-se de contribuição pessoal para as despesas da campanha eleitoral do P…local;

- quanto à inexistência nos arquivos camarários do contrato promessa relativo ao …: as declarações objectivas e coerentes das seguintes pessoas e elementos: inspector do IGAE …, que procedeu a inquérito na C.M….; …., que foi advogado da CM…entre 1994 e 1995, tendo conhecimento directo de tal facto; ainda as declarações de …, notária privativa da CM..na altura dos factos, que confirmou não ter conhecimento da existência do contrato (não obstante ter certificado a sua existência, o que diz ter feito sem verificar tal facto); o facto de o documento ter sido encontrado em posse do arguido …; 

- quanto à venda do Parque de Campismo da …, os arguidos … e … confirmaram as negociações havidas, a correspondência trocada, o teor dos contratos;

- a testemunha …, em declarações objectivas e pormenorizadas esclareceu a sua relação com o arguido …, o pedido deste para depositar a quantia referida na matéria de facto e que tal quantia inscrita no cheque devia depois retornar à posse do arguido …;

- a análise da cláusula penal consignada no contrato de compra e venda do Parque de Campismo permite concluir que o arguido … representou o prejuízo da CM… e quis esse prejuízo. Dizendo em resumo (esta matéria será tratada na fundamentação de direito): a clara desproporção entre a dita cláusula (valor) e a contrapartida que poderia advir do eventual incumprimento por parte do comprador, estranhando-se que se ponha tal cláusula num contrato definitivo de compra e venda, que em principio só deve (devia) ser celebrado depois de garantida a transferência definitiva da propriedade; a celebração do contrato definitivo na pendência de um processo de recurso contencioso que se afigurava de ganho muito incerto para a CM…;

- do mesmo modo, a análise das cláusulas penais apostas nos contratos-promessa celebrado com o … e com a “….” (venda do …) permite concluir que o arguido … representou e quis o prejuízo da CM.. e o beneficio de outros: a mesma desproporção entre essas cláusulas e a eventual penalização pelo incumprimento contratual do comprador; o facto de o promitente comprador (…) não oferecer qualquer garantia de ter um projecto sólido e com garantias financeiras; o facto de este poder ceder livremente a sua posição contratual, o que, a acontecer, poderia deixar a CM… sem qualquer garantia de implementação do projecto turístico ou da sua viabilidade financeira; o facto de o …, não obstante o incumprimento do … na prestação do sinal de 30.000 cts (com cheques sem cobertura), não se ter preocupado em reforçar as garantias e ainda assim celebrou o contrato-promessa com uma cláusula penalizadora para a C.M….;

- há indícios objectivos e concordantes (prova indiciária) no sentido de o arguido … ter recebido as quantias referidas na factualidade como contrapartida da sua actuação favorecedora do arguido …. A saber, em síntese: o facto de à data dos factos não haver entre o arguido … (ou seu sogro) e os arguidos … ou … qualquer relação pessoal ou de negócios que justificasse um empréstimo num montante tão elevado (19.500.000$00), conjugando com a circunstância de precisamente tal empréstimo ser concedido por uma pessoa que estava em negociações com o arguido … para a compra do …; o facto de o … ter emitido um cheque de Esc. 4.000.000$00 a favor do arguido … e que, verificada esta nominalidade, o cheque foi rasgado e aparece então um segundo cheque, com a mesma data, tendo como beneficiário o arguido …, o qual depois «empresta» ao arguido … a mesma importância de Esc. 4.000.000$00 para suposta aquisição de uma viatura automóvel destinada ao arguido …, e ainda o facto de esta viatura e uma outra de marca BMW (supostamente destinada a uma firma) passarem a ser usadas exclusivamente pelo arguido … (uso que este mesmo reconheceu); o facto, extremamente significativo, de o arguido … ter pedido a uma pessoa que não conhecia - o …,  com quem não tinha qualquer tipo de relação que justificasse essa aproximação e intimidade - que depositasse numa conta desta um valor tão elevado, e que depois este devia restituir a quantia cobrada ao mesmo …: este estranho procedimento só pode consentir a conclusão de que se tratou de uma operação de branqueamento; 

- quanto às relações entre os arguidos … e …: as declarações destes mesmos arguidos;

- as declarações objectivas do tenente coronel … quanto às relações da “…r” com a … e ao contacto tido com o arguido …;

- as declarações objectivas de … quanto às relações da “…” com a C.M…., sendo ele sócio daquela , revelando conhecer os factos e depondo de forma objectiva e pormenorizada;

- quanto ao conhecimento pelo … dos acordos e relações que o arguido … tinha com a assistente … (inclusive quanto à altura em que os cheques pré-datados podiam ser apresentados a pagamento): as declarações da dita assistente e do marido, conhecedor dos factos, que neste particular se revelaram coerentes, objectivas e coincidentes;

- as declarações pormenorizadas, objectivas e coerentes da assistente … no que se refere às pressões dos arguidos … e … e às ameaças do  arguido …o, no sentido de esta lhe entregar as quantias  que pediu, e ainda as declarações da assistente …, do marido, da filha destes, …, todos evidenciando conhecer directamente os factos e depondo de forma objectiva, coerente e coincidente;

- no que toca à ausência da … no estrangeiro e aos prejuízos materiais dos assistentes: as declarações referidas no ponto anterior, pelas mesmas razões; ainda as declarações objectivas de …, amigo da família da assistente, que revelou conhecer os factos; essas mesmas declarações para o facto de a assistente, para obter o perdão, ter passado cheques no valor de milhares de contos, dos quais beneficiaram os arguidos … e …;

- as declarações referidas nos dois parágrafos anteriores para apurar os danos morais (depressão, afastamento familiar, etc), revelando os declarantes conhecer os factos e depondo de forma objectiva e pormenorizada;

- quanto às relações entre os arguidos … e …, de um lado, e o arguido .., de outro: as declarações do arguido … e os documentos juntos, comprovativos das relações;

- quanto às condições económicas e sociais dos arguidos: as declarações dos próprios arguidos …, …., …, …, … e …;

- as declarações de …, …, … quanto ao comportamento dos arguidos … e …, por terem conhecimento directo e pessoal dos factos: no conjunto das declarações das mesmas testemunhas para o comportamento e inserção social dos restantes arguidos, conhecendo-os directamente;

- quanto à intervenção da “…”: as declarações da assistente e da filha, confirmadas pelo depoimento de …, sócio-gerente de tal empresa, depondo de forma isenta e objectiva;

- quanto à situação económica e financeira das empresas da … e do casal dos assistentes: as declarações objectivas desta, da filha e do marido, bem como de … e de …, das relações pessoais daqueles, revelando conhecer os factos e depondo de forma objectiva e pormenorizada;

- nos certificados de registo criminal quanto aos antecedentes criminais;

- da prova produzida o tribunal formou a convicção, para além de qualquer duvida razoável, que os factos dados como provados foram praticados pelos arguido e com os propósitos assinalados.”

No que respeita concretamente ao ponto 167) supra, objecto de discussão na audiência após o reenvio do processo (sendo que as testemunhas inquiridas a esses respeito não revelaram conhecimento desses factos, já que nada presenciaram, o que é até natural nestas circunstâncias), importa ter em conta toda a factualidade já antes apurada e fixada a respeito da negociação do …, entre os arguidos … e …, tendo sido valoradas, particularmente, as declarações do arguido … prestadas, na fase de Inquérito, perante o JIC, que foram lidas em audiência (e por isso podem ser consideradas – arts. 355º e 357º nº 1 b) do CPP) e às quais se deu prevalência relativamente ao que agora disse em julgamento, já que aquelas foram prestadas em data mais próxima dos factos, tendo agora passado vários anos (o que naturalmente teve reflexos na sua postura perante tais factos), além de que têm apoio em outros elementos de prova indiciária relevantes (que a seguir se irão referir), que as tornam consistentes, sendo que o arguido nessas declarações perante o JIC esclareceu a razão da entrega daqueles três cheques, no total de 19.500 contos, referindo que ficou “tacitamente entendido por ambos (arguidos … e …) que esta importância não mais viria a ser cobrada se o negócio viesse a ser concretizado com bons lucros”, acrescentando que o arguido …, mais tarde, “deu a entender, inequivocamente, de que estava convencido de não ter de devolver tal importância”, como se depreende também da carta que então remeteu ao arguido … (doc. fls. 522), sendo também considerado o facto de o arguido … não ser, na altura, uma pessoa próxima do arguido …., apenas se conhecendo dessas negociações, que se iniciaram pouco antes, não sendo, por isso, normal aquele emprestar dinheiro a este, ainda para mais sem qualquer documento a titular esse “empréstimo”, sendo também de ter em conta que o arguido … dão tinha, como admitiu (também ao JIC - fls. 538 verso), disponibilidades financeiras, tanto mais que o próprio sinal do contrato-promessa não foi pago logo, como constava do contrato, vindo o cheque devolvido por falta de provisão da respectiva conta bancária, sendo o arguido … que lhe adiantou aquele montante de 19.500 contos, cuja devolução depois veio a exigir ao arguido …, como referiu igualmente naquelas declarações, de forma pormenorizada e que não suscitam quaisquer reservas quanto à sua veracidade (cfr. declarações de fls. 489 a 493, 538 e 539, aquelas confirmadas e estas prestadas perante o JIC, assumindo relevo o referido a este respeito a fls. 490 verso a 491 verso, 538 e 539). Em conjugação com tais elementos, importa ainda considerar a prova indiciária que resulta do facto de esses três cheques terem sido emitidos em nome de outra pessoa, sogro do arguido …, a pedido deste (docs. fls. 513 a 515), o facto de o arguido … ter mantido na sua posse, sem dar entrada nos Serviços da Câmara, o respectivo contrato-promessa, bem como o facto de o arguido … ser o único candidato à compra de tais terrenos, tudo levando a considerar, segundo as regras da experiência comum e a normalidade das coisas, que tal quantia foi efectivamente destinada a “presentear” o arguido … pela facilidades e favores concedidos ao arguido …as negociações do …. Tal juízo conclusivo não é prejudicado pelo facto de ter sido depois emitido um cheque nesse montante, pela CCAM de Vagos, à ordem de …, sogro do arguido …, que este exibiu em audiência e que se encontra junto aos autos (cfr. fls. 8917 e 8924); 

Quanto à actual situação pessoal e familiar dos arguidos … e … e à sua personalidade (factos 262) a 270) supra), foram valoradas as declarações dos próprios arguidos, que descreveram a sua situação pessoal, profissional e familiar, tendo-se também considerado os documentos juntos em audiência pelo último (fls. 8984 e segs.), bem como os depoimentos as testemunhas …, …, …, ., …, … e …todos conhecidos do arguido … e que referiram a sua personalidade e atitude como autarca (tendo o último prestado depoimento por escrito – fls. 8978), e o depoimento da testemunha …, conhecido do arguido …, que referiu a personalidade deste;

Consideraram-se também os CRC dos arguidos, de onde resulta a ausência de condenações por parte do arguido R…. e a acima mencionada (ponto 238) supra) por parte do arguido … (fls. 8899, 8912 e 8913).

Quanto aos factos não provados (escreveu-se no anterior acórdão, que agora se transcreve):

“- nenhuma prova foi feita em audiência relativamente a tais factos, e nenhuma prova existe nos autos que possa valer e seja confirmativa dos demais factos imputados na acusação; as testemunhas que se referiram a tais factos fizeram-no de uma forma não objectiva, sendo, nessa parte, as suas declarações pouco coerentes e convincentes, e por isso não foi possível estabelecer, para além de qualquer duvida razoável, que os arguidos agiram do modo descrito na pronúncia e/ou com os propósitos ali referidos”.

Relativamente aos factos agora dados comos não provados (descritos em 21-A) supra), tal resultou da ausência de prova da sua verificação, sendo que, perante a contradição enunciada pelo Tribunal da Relação, deu-se como assente o facto contrário (aludido em 167) supra), cuja prova que serviu para confirmar este serviu para infirmar aqueloutro.

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Fazendo a subsunção dos factos ao direito, importa ter presente o que foi decido pelo acórdão do Tribunal Colectivo, na parte em que não foi objecto de recurso, tendo o mesmo, por isso, transitado em julgado quanto aos arguidos não recorrentes, formando, nessa medida, caso julgado parcial (cfr. Ac. do STJ de 27-01-2005, CJ STJ I, 183). 

Assim, tendo sido absolvidos os arguidos …, … (quanto a este o crime de corrupção foi considerado prescrito), …, …, … e …, nada há agora a apreciar (cfr. dispositivo do acórdão – fls. 7095 verso a 7097). 

Por outro lado, importa ter em conta e acolher o que foi decidido pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, a cuja decisão deve obediência este Tribunal Colectivo, nos termos da lei (art. 4º nº 2 da LOFTJ, aprovada pela Lei 3/99, de 13-01).

Aí o arguido … foi absolvido dos crimes pelos quais foi condenado e o arguido … viu julgado extinto, por prescrição, o procedimento criminal relativo ao crime de extorsão que cometeu (fls. 8436 e 8437). 

Relativamente ao arguido …., foram considerados extintos, por prescrição do respectivo procedimento criminal, os dois crimes de subtracção de documento pelos quais foi condenado (e não apenas um crime, como, por lapso manifesto, se escreveu no dispositivo do acórdão da Relação, o que se extrai da respectiva fundamentação, onde se referem os documentos relacionados com a venda do terreno do … e da venda do PCV e se fala em “crimes” – fls. 8409, 8410 e 8436).

Também o arguido … foi aí absolvido do crime de falsificação de documento, de um dos crimes de prevaricação (relativamente às obras da estrada da Alta Tensão) e do crime de burla agravada (obras efectuadas pelo empreiteiro S…). 

Subsistem apenas, quanto ao arguido R…., em face do decidido pela Relação, dois crimes de prevaricação e o crime de corrupção passiva (este objecto do reenvio parcial).

Quanto ao arguido …, foi o mesmo absolvido da prática do crime de falsificação de documento e foi-lhe reduzida a pena do crime de burla agravada para 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, além de reenviado também o processo quanto ao crime de corrupção activa.

Vejamos, então, os crimes que subsistem relativamente aos arguidos JR e AP (únicos ainda com responsabilidades a apreciar nos autos).

Crimes (dois) de Prevaricação (arguido ….):

Dispõe o art. 11º da Lei 34/87, de 16-07, que “O titular de cargo político que conscientemente conduzir ou decidir contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém, será punido com prisão de dois a oito anos.” Pratica este tipo de ilícito criminal aquele que, desempenhando um cargo político, nomeadamente de “membro de órgão representativo de autarquia local” (art. 3º i) dessa Lei), e no exercício das suas funções e competências, actua, por acção ou omissão, em violação dos deveres funcionais decorrentes do cargo desempenhado (cfr. art. 2º da dita Lei 34/87).

Escreveu-se no anterior acórdão do Tribunal Colectivo que “agir contra direito é, neste quadro especifico dos crimes praticados por titulares de cargos políticos, essencialmente violar as normas legais positivas, materiais ou processuais, que vinculam quem tem de decidir e que, nessa decisão, contraria ou ignora o prescrito na lei, ou se desvia (caso particular das decisões proferidas no exercício de poderes discricionários) ou abusa da função. O elemento subjectivo, como se depreende pelo uso dos vocábulos «conscientemente» e «com intenção de», só se pode realizar na forma dolosa directa e com um dolo especifico, um “animus nocendi vel beneficiandi“, portanto com exclusão do dolo necessário ou eventual: o agente, conscientemente, conduz ou decide contra direito com intenção de prejudicar ou beneficiar alguém (neste sentido o Ac. do STJ, de 02-03-1994, CJ, Ano II, Tomo I, pág. 237 e segs., e Comentário Conimbricence do Código Penal, Volume III, págs. 654 e segs.).”    

Como já se referiu, o arguido … foi condenado no anterior acórdão do Tribunal Colectivo pela prática de três crimes de prevaricação, mas o Tribunal da Relação de Coimbra absolveu-o de um deles (o das obras da Estrada de Alta Tensão), mantendo-se, por isso, a condenação por dois desses crimes (factos relativos ao Parque de Campismo da … e ao terreno do …).

Não cabe aqui invocar novamente os argumentos para imputar ao arguido estes dois ilícitos, uma vez que tal foi feito no anterior acórdão e confirmado pelo Tribunal da Relação, cuja argumentação naturalmente tem de acolher-se (fls. 7078 a 7080, 7085 verso e 7086 e 8410 a 8414).

Crime de Burla Agravada (arguido AP ):

Comete o crime de burla quem “Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo, através de erro ou engano sobre factos, que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízos patrimoniais...” (art. 313º nº 1 do C. Penal, redacção do DL 400/82, de 23-09, em vigor à data dos factos – doravante C. Penal/82).

Dispõe o art. 314º c) do mesmo C. Penal/82 que “A prisão será de 1 a 10 anos se (…) O valor do prejuízo for consideravelmente elevado e não for reparado pelo agente, sem dano ilegítimo de terceiro, até ser instaurado o procedimento criminal.”

Idêntica definição típica se manteve, no que aqui releva, nas subsequentes alterações do Código Penal, designadamente pelo DL 48/95, de 15-03, e Lei 59/2007, de 04-09 (esta agora vigente), sendo que a moldura penal correspondente passou a ser de 2 a 8 anos de prisão (arts. 217º nº 1 e 218º nº 2 a) do actual C. Penal).

Escreveu-se no anterior acórdão que “são elementos deste tipo de ilícito: a obtenção para o agente ou para terceiro de um enriquecimento ilegítimo (este definido segundo o conceito de um enriquecimento sem causa do art. 473º do C. Civil); que o agente, para obtenção desse enriquecimento, astuciosamente induza em erro ou engano outrem; que, através desses meios, determine o ofendido à prática de actos causadores de prejuízos materiais.”

O crime de burla agravada reporta-se aos actos praticados pelo arguido … relativamente à assistente …. Também aqui não cabe invocar novamente os argumentos para imputar ao arguido tal ilícito, uma vez que isso já foi feito no anterior acórdão e confirmado pelo Tribunal da Relação (que aliás reduziu a pena), justificação essa que tem de se acolher (fls. 7089 a 7090 e 8425 a 8427).

Crimes de Corrupção passiva e activa (respectivamente arguidos JR e AP ):

A respeito da corrupção, dispõe o art. 16º da citada Lei 34/87, de 16-07, o seguinte:

“1. O titular de cargo político que no exercício das suas funções, por si ou interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar dinheiro, promessa de dinheiro ou qualquer vantagem patrimonial ou não patrimonial a que não tenha direito, para si ou para o seu cônjuge, parentes ou afins até ao 3.º grau, para a prática de acto que implique vio­lação dos deveres do seu cargo ou omissão de acto que tenha o dever de praticar e que, nomeadamente, con­sista:
Em dispensa de tratamento de favor a deter­minada pessoa, empresa ou organização;
Em intervenção em processo, tomada ou participação em decisão que impliquem obtenção de benefícios, recompensas, subvenções, empréstimos, adjudicação ou celebração de con­tratos e, em geral, reconhecimento ou atribui­ção de direitos, exclusão ou extinção de obri­gações, em qualquer caso com violação da lei;

será punido com prisão de dois a oito anos e multa de 100 a 200 dias.”

Por outro lado, dispõe o art. 423º nº 1 do C. Penal/82 (em vigor à data dos factos) que “Quem der ou prometer a funcionário, por si ou por interposta pessoa, dinheiro ou outra vantagem patrimonial que ao funcionário não sejam devidos, com os fins indicados nos artigos 420º e 421º será punido, segundo os casos, com as penas previstas em tais disposições.” 

Por sua vez, o art. 420º nº 1 do mesmo Código (que aqui releva) reporta-se ao “praticar acto que implique violação dos deveres do seu (do funcionário) cargo”, sendo a pena de “prisão de 1 a 6 anos e multa de 50 a 150 dias.”

O mesmo ilícito passou a ser previsto e punido pelo art. 374 nº 1 do C. Penal agora vigente (com as alterações do DL 48/95, de 15-03, e da Lei 59/2007, de 04-09), dispondo este preceito que “Quem por si, ou por interposta pessoa com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial que ao funcionário não seja devida, com o fim indicado no artigo 372º, é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.”

Esse art. 372º do C. Penal/95 tem por epígrafe “corrupção passiva para acto ilícito” e a conduta do funcionário aí enunciada tem a “contrapartida de acto ou de omissão contrários aos deveres do seu cargo” (nº 1 desse preceito).

A corrupção, no que aqui interessa, contempla as situações em que um funcionário solicita ou aceita uma vantagem patrimonial ou não patrimonial (ou a sua promessa) como contrapartida de um acto ilícito (passado ou futuro) que traduz o exercício efectivo do cargo ou função em que se encontra investido. Os aludidos normativos prevêem e punem a corrupção passiva e activa, expressões que designam a actividade do funcionário corrupto e do agente corruptor. No que respeita ao bem jurídico, considera-se que o mesmo consiste na autonomia intencional do Estado, traduzindo-se a corrupção numa manipulação do aparelho de Estado pelo funcionário, que, assim, viola aquela autonomia intencional estatal, ou seja, infringe as exigências de legalidade, objectividade e independência que, num Estado de Direito sempre têm de presidir ao desempenho das funções públicas (in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora, págs. 655 e 661).

No que respeita ao elemento subjectivo, a corrupção integra um crime doloso (arts. 13º e 14º do C. Penal).
Importa ainda referir que aquele ilícito de corrupção passiva é um crime específico próprio, na medida em que se exige uma certa qualidade para o agente desse crime. Contudo, se algum ou alguns dos agentes não detiverem essa qualidade, mas sabem que o seu comparticipante a detém, então verifica-se aquilo que se designa por «comunicabilidade» das qualidades e relações pessoais relativas ao ilícito, atentas as regras da ilicitude na comparticipação ínsitas no art. 28º do C. Penal (cfr. Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora, pág. 701, e Susana Aires de Sousa, “A Autoria nos Crimes Específicos: Algumas Considerações sobre o artigo 28º do Código Penal”, in RPCC, Ano 15, Nº 3, pág. 343).
Assim, quando o ilícito for cometido por titular de cargo político no exercício das suas funções, com flagrante desvio ou abuso de função ou com grave violação dos inerentes deveres, a pena para o comparticipante é agravada de um quarto nos seus limites mínimo e máximo (arts. 2º e 5º dessa Lei 34/87, ex vi art. 28º do C. Penal). 

Como já resulta do antes exposto sobre o decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, não estão novamente aqui em apreciação os factos relativos aos valores de 15.000.000$00 e 4.000.000$00 que o arguido … recebeu do arguido … e correspondentes motivação e finalidade dessa entrega (nessa parte decidiu a Relação manter os factos respectivos).

Da discussão da causa, na sequência do reenvio, resultou igualmente provado que a quantia de 19.500.000$00 (o total dos três cheques), destinava-se, de acordo com o estabelecido entre os arguidos … e …, a gratificar este pelas facilidades e favores por ele concedidos na celebração das negociações do …, que culminaram na feitura do contrato-promessa (ponto 167) supra).

Provou-se, assim, que o arguido … recebeu do arguido … (directamente e através do arguido …) os valores de 15.000.000$00, 19.500.000$00 (este em três cheques) e 4.000.000$00, e que os mesmos se destinavam a premiar a sua conduta ilegítima e contrária ao conteúdo dos seus deveres funcionais por forma a beneficiar o …, pois estas quantias destinavam-se a gratificar o Presidente … pelas facilidades e favores por ele concedidos na celebração das negociações do …, que culminaram na feitura desse contrato promessa (cfr. pontos 115), 116), 151), 152), 164), 167) e 171) a 186) supra).

O arguido … solicitou e aceitou aqueles montantes para, contra os seus deveres de imparcialidade e de cumprimento da legalidade, decidir num sentido favorável às pretensões do … e de, assim, este poder beneficiar patrimonialmente, pelo que cometeu o arguido … o crime de corrupção passiva para acto ilícito, já que se mostram verificados todos os seus elementos típicos (citado art. 16º nº 1 da Lei 34/87, de 16-07).

O mesmo se diga do arguido … uma vez que este, para obter do arguido … um tratamento de favor no processo de venda do … fez a entrega ao mesmo das quantias referidas (por si ou interposta pessoa), no total de 38.500.000$00 (€ 192.037,19).

Ambos os arguidos agiram de forma livre e consciente, sabendo da ilicitude penal das suas condutas, não se coibindo de as levar a cabo, agindo, por isso, com dolo directo (art. 14º nº 1 do C. Penal).

Contudo, tal como se considerou e decidiu no primeiro acórdão do Tribunal Colectivo, julga-se que o facto de toda a actuação dos arguidos … e … estar subordinada a uma única motivação, e não a várias resoluções criminosas, determina que apenas tenham cometido um crime de corrupção, respectivamente passiva e activa, e não três crimes, como vêm pronunciados. Efectivamente, apesar de haver um plúrimo preenchimento dos elementos típicos, em face das várias acções, havendo uma só resolução criminosa incorrem na autoria de um só crime que abarca todas essas condutas (arts. 20º e 30º nº 1 do C. Penal). 
Incorreu, assim, o arguido … na prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito (art. 16º nº 1 da Lei 34/87, de 16-07) e o arguido … num crime de corrupção activa, este previsto e punido pelo arts. 374º nº 1 do C. Penal/95 e 5º da Lei 34/87 (ex vi art. 28º do C. Penal), por ser mais favorável, atenta a menor gravidade da pena aplicável e inexistência de multa, optando-se, por isso, pela aplicação deste regime (art. 2º nº 4 do C. Penal).

Não se mostram verificadas quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa previstas na lei penal (arts. 31º a 39º do C. Penal).

(...)


Delimitação do objecto do recurso/cognoscibilidade

É pacífica a doutrina e jurisprudência[v] no sentido de que o âmbito do recurso delimita-se face às conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso[vi].

Enquanto forma de reacção a uma decisão com que não se concorda, é evidente que o exercício do direito ao recurso não pode ultrapassar o conteúdo da decisão impugnada, procurando colocar em crise outras decisões. Porém, é o que acontece manifestamente no recurso em apreço.

Como refere o magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo, a decisão recorrida tomou posição unicamente sobre os factos e crime indicados na decisão de reenvio parcial deste Tribunal da Relação proferida a 10/10/2006. Não existe, como expressamente deixou diversas vezes consignado o Tribunal Colectivo no acórdão de fls. 9011 a 9046, decisão em matéria de facto para além desse alcance, nem foi apreciado o cometimento de qualquer outro crime, por se entender, e bem, que tudo o mais encontra-se coberto pelo caso julgado formado pela supra referida decisão deste Tribunal da Relação.

Inexiste, assim, e de forma bem evidente, qualquer decisão por remissão para outra peça processual, como pretende fazer crer o recorrente no último período da 4ª conclusão. As referências constantes de fls. 9015, no início da indicação dos factos provados -  “reproduzem-se os factos que foram dados como assentes no anterior acórdão, mantendo-se também a respectiva numeração, ressalvado o que foi determinado pelo Tribunal da relação de Coimbra, que se apreciou nesta audiência, ainda que aqueles factos digam também respeito aos restantes arguidos e aos crimes de que estes foram absolvidos, cuja situação não está agora novamente em apreciação” – e 9036 vº, parte relativa à fundamentação da convicção do Tribunal - (transcrevendo-se integralmente a fundamentação de facto que o Tribunal Colectivo que efectuou o julgamento aduziu e ponderou, sendo depois enunciada a fundamentação da convicção do Tribunal Colectivo que procedeu à realização da audiência na sequência do determinado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, relativamente aos pontos concretos em discussão e à personalidade e actual situação pessoal, familiar e profissional dos arguidos JR e AP) – não deixam qualquer dúvida que o Tribunal Colectivo resolveu, para maior clareza, enunciar os factos que não subsistiam em discussão e inserir  nesse elenco, para facilitar a leitura da decisão, os factos que foram objecto de discussão na audiência e novo pronunciamento. Ora, a simples reprodução de outra decisão transitada em julgado não constitui nova decisão e em nada afecta a situação do arguido.

Então, e como resulta de fls. 9038 e 9038 vº, a decisão impugnada tomou posição, no domínio dos Factos, apenas quanto à matéria que consta dos pontos 167, 238 e 262 a 270 do elenco dos factos provados e 21-A do elenco dos factos não provados. No domínio do Direito, resulta à saciedade da parte decisória – aquela que interessa para a questão -, a fls. 9045, que foi apenas conhecido o crime de corrupção passiva para acto ilícito relativo ao …p. e p. pelo artº 16º da Lei 34/87, de 16/7, e, em função da respectiva pena, efectuado o devido cúmulo jurídico com as penas decorrentes do trânsito em julgado do referido acórdão desta Relação de 10/10/2006. Nada mais.

E não se argumente, como faz o recorrente no corpo das motivações[vii] (sem expressão nas conclusões) que, uma vez que essa anterior decisão (de 10/10/2006) não apreciou todo o objecto do processo, não constitui decisão final relativamente à parte em que manteve a decisão da 1ª instância, seja no plano dos factos como do Direito. Assim não acontece, como decorre da decisão do Sr. Juiz Conselheiro Vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ao indeferir a reclamação do ora recorrente exactamente por entender que havia sido proferida decisão final pelo Tribunal da Relação confirmatória da decisão da 1ª instância relativa a crimes com moldura penal não superior a oito anos de prisão. Daí a aplicação do  artº 400º, nº1, al. f) do CPP[viii] e a não admissão do recurso para o STJ.

Mais, o cotejo entre os termos do recurso ora em apreço e aquele que consta de fls. 8453 a 8481, em que se pretendeu, sem sucesso, impugnar o acórdão deste Tribunal da Relação de 10/10/2006, torna claro que o recorrente pretende, de forma transviada, repristinar esse recurso, obnubilando inteiramente a respectiva rejeição, por irrecorribilidade. Com efeito, a maior parte das motivações e das conclusões (6ª a 29ª e 31º a 34ª conclusões), constituem cópia integral daquele recurso interposto para o STJ[ix], quando o acórdão agora recorrido ainda não existia, revelando que verdadeiramente não se lhe referem.  

Assim, porque não incidem sobre a decisão recorrida mas sim sobre outra, para mais transitada em julgado e proferida por Tribunal no mesmo plano hierárquico, não pode este Tribunal conhecer do recurso na dimensão decorrente das conclusões 6ª a 29ª e 31º a 34ª.

Subsistem, face ao decidido, as seguintes questões a conhecer:
Prescrição do procedimento criminal;

Impugnação alargada da decisão em matéria de facto, com referência ao ponto 167 dos factos provados;

Consumpção do crime de prevaricação pelo crime de corrupção passiva.

Apreciação

Prescrição do procedimento criminal

A primeira questão colocada pelo recorrente prende-se com a argumentação de que o procedimento criminal prescreveu em 3/07/2007 relativamente aos crimes de prevaricação e de corrupção passiva para acto ilícito, por subsunção de factos relativos à negociação de terreno sito no ….. Considera que esses factos foram praticados em 02/07/90, sendo o prazo prescricional de 10 anos e não podendo a sua suspensão ultrapassar dois anos, pelo que teria sido ultrapassado o prazo prescricional com a passagem de dezassete anos sem decisão definitiva com trânsito em julgado.

Contrapõe o magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância que o crime de prevaricação transitou já em julgado, e não pode ser reapreciado, bem como que os últimos factos censurados no crime de corrupção foram cometidos em 23/03/92 pelo que o prazo prescricional só tem início nessa data. Então, o prazo máximo absoluto de dezassete anos só será atingido em 23/03/2009.

Conhecendo, cumpre desde logo referir, na linha do que acima se referiu, que a condenação pelo crime de prevaricação não integra o objecto da decisão recorrida e, inerentemente, escapa ao objecto cognoscível em recurso sobre a mesma incidente. Também aqui, verifica-se que a condenação transitou em julgado com a prolação da decisão deste Tribunal da Relação de fls. 8333 a 8437, em 10/10/2006. Estamos, novamente, perante procedimento criminal já terminado, porque transitada a decisão final sobre o seu objecto, e que não se repristina com a consideração da pena aplicada e da gravidade subjacente em decisão que opera o conhecimento do concurso de penas nos termos dos artsº 77º e 78º do CP.

Passando, então, ao único crime cuja condenação integra a decisão recorrida – corrupção passiva para acto ilícito – resulta claro da decisão, mormente do segmento integrado pelo ponto 167, conjugado com os pontos 115, 116, 151, 152, 164, 171 a 186, todos dos factos provados, que a mesma fundou-se na emissão e recebimento das quantias de 15.000.000$00, 19.500.000$00 (distribuídos em três cheques) e 4.000.000$00, no total de 38.400.000$00, equivalentes a €192.037,19. Todo esse complexo fáctico foi considerado derivar de uma única resolução criminosa e, então, susceptível integrar um – único – crime de corrupção passiva para acto ilícito.

De acordo com o disposto no artº 119º, nº1, do CP, o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto típico se tiver consumado, o que remete para a definição do momento em que o ilícito de corrupção passiva para acto ilícito atinge todos os seus elementos essenciais.

Ora, a doutrina e a jurisprudência encontram-se hoje sedimentadas na consideração da corrupção passiva como crime de dano, na medida em que consubstancia lesão da autonomia intencional do Estado, e também que a sua consumação acontece logo no momento do conhecimento da solicitação de vantagem (ou promessa) pelo agente integrado no conceito jurídico-penal relevante[x] pelo destinatário ou da sua aceitação, quando a iniciativa pertence a terceiro. Isto independentemente da concretização de vantagem patrimonial ou não patrimonial ou da realização da conduta ilícita mercadejada, circunstâncias que não constituem elementos essenciais do crime de corrupção[xi]. O funcionário ou titular de cargo político que solicita ou aceita a promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para a prática de acto ilícito comete o crime de corrupção mesmo que nada receba ou não execute a tarefa antijurídica acordada.

Tomando os factos constantes dos referidos segmentos dos factos provados, verificamos que os factos narrados nos pontos 151 e 152, em que se desenvolve a aceitação sucessiva de vantagem patrimonial e o mercadejar repetido da posição de Presidente da C.M…., como contrapartida de decisões favoráveis no processo relativo ao terreno do …, a coberto da referida resolução unitária (cfr. pontos 104, 111 e 214 dos factos provados). Esses factos tiveram lugar em 24/10/1990 e correspondem ao último acto de execução inscrito no iter criminis do crime de corrupção passiva.

Como se disse, o MºPº pretende projectar a consumação do crime para 23/03/92, mas sem razão. Essa data vem referida no ponto 184 dos factos provados e corresponde ao procedimento de venda de veículo adquirido com vantagem patrimonial ilegítima e recebimento do respectivo preço, seguido de locação financeira de outro. A independência da actuação desenvolvida em 1992 relativamente à concretização da vantagem patrimonial acordada em Maio de 1990, como resulta dos pontos 171 e 172, encontra esclarecimento cabal no ponto 186 dos factos provados:
186) Tudo não passou de um estratagema por parte daquele arguido a fim de camuflar a aquisição da primeira viatura, pela forma atrás indicada, cuja posse e uso públicos poderia levantar suspeitas;

Ao tempus delictii vigorava a versão original do CP (doravante referida por CP82) pelo que será, em primeira linha, em face desse regime que deve ser feita a apreciação desta questão e, caso subsista, perante o regime que lhe sucedeu, atento o disposto no artº 2º, nº4º do CP[xii].

Ao crime de corrupção passiva para acto ilícito p. e p. pelo artº 16º da Lei 34/87, de 16/7, na redacção anterior à Lei 108/2001, de 28/11, correspondia a pena de 2 a 8 anos de prisão e multa de 100 a 200 dias. Então, de acordo com o disposto no artº 117º nº1, al. b) do CP82, o prazo prescricional era de 10 anos. Esse prazo suspendeu-se com a notificação do despacho de pronúncia, situação em que se manteve durante 2 anos[xiii].

Ora, de acordo com o disposto no artº 120º, nº3, do CP82, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Então, sendo o prazo prescricional de 10 anos, o acréscimo do período de suspensão (2 anos), mais metade do prazo normal, perfaz 17 anos (dezassete) anos.

Feito este percurso, emerge inexorável a conclusão de que o prazo prescricional relativo ao crime de corrupção passiva para acto ilícito p. e p. pelo artº 16º da Lei 34/87, de 16/7, foi atingido em 24/10/2007, mostrando-se ultrapassado, com a consequente extinção do procedimento criminal nessa parte.

Procede, então, o recurso relativamente a esta questão, com a consequência de prejudicar o conhecimento das demais. Afastado o crime de corrupção, já não se perspectiva qualquer relação entre crimes, mormente a consumpção. Por outro lado, a pretendida modificação da decisão em matéria de facto apenas reveste utilidade no contexto do conhecimento do crime de corrupção passiva para acto ilícito indicado na decisão de reenvio pois, repete-se, em relação aos demais verificou-se o trânsito em julgado.


Do concurso de crimes

O recorrente não suscita em qualquer dessas conclusões formuladas a reapreciação do concurso bem como discordância relativamente à espécie ou medida das penas unitária e acessória, podendo tê-lo feito, tanto mais que propugnou pela prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime supra referido. Não obstante, sempre caberá reformular o concurso de penas, em função da retirada da pena correspondente ao crime de corrupção passiva – três anos de prisão e 150 dias de multa, à taxa diária de €15,00. Passemos, então, a apreciar a pena unitária, a segunda dimensão do objecto do processo que não obteve decisão final no Acórdão desta Relação de fls. 8333 a 8437, proferido a 10/10/2006.

Como refere Figueiredo Dias, na avaliação dessa a pena “Tudo deve passar-se ... como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária – do agente relevará, entretanto, a questão se saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”[xiv].

Nos termos do artº 77º, nº2, do CP, a moldura abstracta do concurso situa-se entre a pena concreta mais elevada – 4 anos de prisão – e a soma das penas concretas – 8 anos de prisão. Porém, nesta sede de recurso interposto pelo arguido, o princípio da proibição da reformatio in pejus , nos termos contemplados no artº 409º, nº1, do CPP, importa a consideração de que a pena unitária fixada na decisão recorrida constitui limite inultrapassável tanto na sua medida como na espécie da reacção penal. Encontra-se, por conseguinte, sedimentada a escolha da pena de substituição – suspensão da pena de prisão na sua execução – cingindo a questão ao quantum sancionatório.

O tribunal recorrido motivou a fixação do quantum sancionatório da pena unitária, nos seguintes termos:

Na graduação da pena unitária é de considerar a gravidade dos factos, bastante significativa, e a personalidade dos arguidos … e  ..., social, familiar e profissionalmente integrados, tendo-se ainda particularmente em conta a circunstâncias de todos esses factos estarem relacionados e terem ocorrido num período de tempo não muito dilatado, além de que decorreu já muito tempo desde a sua prática (os primeiros ocorreram há já 17 anos !), o que tem com consequência um esbatimento da necessidade social da pena (sendo que o decurso do tempo já levou a considerar prescritos vários dos crimes).

Assim, a moldura do concurso quanto às penas dos crimes de prevaricação e corrupção passiva aplicadas ao arguido … (terreno do …) tem como limite mínimo 4 anos de prisão e como limite máximo 7 anos de prisão e 150 dias de multa. Considerando as circunstâncias enunciadas, fixa-se a pena única quanto a esses dois crimes em 5 (cinco) anos de prisão, da qual se declara perdoado 1 (um) ano, nos termos da citada Lei 23/91.

Efectuando agora o cúmulo entre esta pena unitária parcial de 4 (quatro) anos e a pena igualmente de 4 (quatro) anos que lhe foi aplicada pelo outro crime de prevaricação (venda do PCV), tendo em conta os mesmos critérios e circunstâncias enunciadas, fixa-se a pena única ao arguido … em 5 (cinco) anos de prisão (sobre a qual poderá vir a incidir o perdão da Lei 15/94, como se dirá infra) e 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 15 00 no total de € 2.250 00 (dois mil duzentos e cinquenta euros).

Essas considerações mostram-se fundamentalmente correctas. O concurso absorve agora tão-somente duas penas por crimes de prevaricação mas comporta, ainda assim, gravidade muito importante e revela postura de proveito pessoal no exercício de múnus conferido pelos seus concidadãos, com efeitos fortemente lesivos da confiança dos cidadãos perante os titulares de órgãos autárquicos e, em geral, para com aqueles que exercem funções políticas. Por outro lado, emerge da conduta carência de probidade que não se confina a simples pluriocasionalidade desviantes, mormente face ao relevo social das funções de Presidente da Câmara Municipal de …. Num Estado de Direito Democrático, o poder – qualquer poder, incluindo aquele legitimado pelo voto – exerce-se no interesse da comunidade, pelo que a sua captura por interesses privados, designadamente para o benefício egoísta próprio, introduz profunda distorção nos fundamentos do nosso sistema constitucional.

Nessa medida, as exigências de prevenção geral positiva, na sua tríplice dimensão e efeitos – efeito de aprendizagem, motivada sociopedagogicamente; efeito de reposição da confiança decorrente do cidadão ver que o Direito é aplicado; efeito de pacificação, decorrente da tranquilização da consciência jurídica geral pela imposição de sanção adequada e consequente encerramento do conflito social com o autor[xv] - colocam-se num plano elevado, ainda que mitigado, importa reconhecer, pelo longo tempo decorrido sobre os factos.

Assim, ponderando igualmente não se denotarem especiais preocupações no domínio da prevenção especial de socialização – arguido primário e socialmente integrado -, mostra-se adequada compressão das penas englobadas no concurso próxima da repercussão de 1/3 da pena menos elevada[xvi], ou seja, a pena unitária de 4 (quatro) anos e 9 (meses) de prisão, já tendo em consideração a aplicação do perdão da Lei 23/91, incidente tão-somente relativamente ao crime atinente ao Areão.

Finalmente, e no que respeita à pena acessória, não se encontra razão para a sua modificação, sendo certo que, como se disse, o arguido nada refere nas conclusões a esse propósito.


Dispositivo

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em:

Julgar parcialmente procedente o recurso;

Declarar extinto, por prescrição, o procedimento criminal relativo ao crime de crime de corrupção passiva para acto ilícito (relativo ao …), p. e p. pelo art. 16° da Lei 34/87, de 16 de Julho, revogando a decisão recorrida nessa parte;

Declarar perdoado, nos termos do artº 14° n°s 1 b) e 3 da Lei 23/9, um 1 (um) ano da pena de prisão de 4 (quatro) anos pela prática de um crime de prevaricação (relativo ao …), p. e p. pelo artº 11 da Lei nº 34/87, de 16/7;

Tomar esse remanescente de 3 (três) anos de prisão e, em cúmulo jurídico com a pena de 4 (quatro) anos de prisão pela prática de outro crime de prevaricação (relativo ao PCV) p. e p. pelo artº 11 da Lei nº 34/87, de 16-7, e condenar o arguido … na pena unitária de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão;

Manter a suspensão da execução da pena unitária de prisão, pelo período de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses, bem como a condição de o arguido … entregar, como donativo, a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros) à "…", devendo comprovar nos autos, no prazo de 6 (seis) meses, a contar do trânsito em julgado, ter efectuado essa entrega. Na eventualidade da sua revogação, será efectuado o devido desconto da prisão preventiva do arguido e ponderados os perdões das Leis 15/94, de 11/5 e 29/99, de 12/5;

Manter a proibição de o arguido … exercer cargos públicos pelo período de 3 (três) anos (art 69º, nº1 do CP/82 e 66° n° 1 a) do C. Penal/95);

Condenar o arguido, pelo decaimento parcial no recurso, em 6 (seis) Ucs.

Notifique.



[i] Tal como se refere a fls. 9039, existe erro de escrita, evidenciado pela leitura integral da decisão, no dispositivo exarado a fls. 8436 relativamente ao número de crimes de subtracção de documento relativamente aos quais foi declarado extinto por prescrição.
[ii] O arguido esclareceu que assim acontecia através do requerimento de fls. 9087.
[iii] Cr. Rectificação de fls. 9093
[iv] Transcrição parcial.
[v] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2ª ed., Ed. Verbo, pág. 335 e Ac. do STJ de 99/03/24, in CJ (STJ), ano VII, tº 1, pág. 247.
[vi] Cfr., por exemplo, art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2, 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP e acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/95, publicado sob o n.º 7/95 em DR, I-A, de 28/12/95.
[vii] Cfr. §[6] supra.
[viii] De acordo com a redacção anterior àquela introduzida pela Lei 48/2007, de 29/8.
[ix] São várias as alusões ao Acórdão da Relação como “recorrido” e ao STJ como tribunal ad quem. Veja-se, por exemplo, a 32ª conclusão e o final do primeiro parágrafo da 4ª conclusão.
[x] Seja o conceito jurídico-penal de funcionário do artº 386º do CP, seja o de titular de cargo político do artº 3º da Lei nº34/87, de 16/7, como é o caso nestes autos.
[xi] Cfr. Ac do STJ de 13/05/98, BMJ 477, 380, Almeida Costa, Sobre o Crime de Corrupção, Coimbra Ed. 1987, pág. 95 e Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. III, Almedina, Coimbra Ed., 2001, pág. 661, Cláudia Santos, A Corrupção, compilação Liber Discipulorum para Figueiredo Dias, Coimbra Ed, 2003, 964 e segs.
[xii] Assento do STJ de 15/02/1989, DR, 1ª série, de 17/3.
[xiii] Tendo em atenção a irrecorribilidade consignada no artº 310º do CPP quando foi proferida a pronúncia. No sentido de que a extensão da suspensão para 3 anos prevista no nº2 do artº 119º do CP82 quando haja lugar a recurso tem aplicação tão-somente ao recurso do despacho de pronúncia, Ac. do STJ de 23/03/1995, CJ (STJ), ano III, Tº II, pág.164.
[xiv] Direito Penal Português – As consequências do Crime, Aequitas, 1993, págs. 291 e 292.
[xv] Cfr, Claus Roxin, Derecho Penal – Parte General – Tomo I, Civitas, Madrid, 1997.
[xvi] Sem que se pretenda seguir critérios simplesmente aritméticos mas sim entendimento na linha do que refere o Sr. Conselheiro Carmona no Ac. do STJ de 02-11-2006, Pº 06P3145, www.dgsi: “Sem, porém, que se visse nessa «operação valorativa» um mero «processo de fracções e somas», porventura «incompatível com a natureza própria da segunda fase do processo», na medida em que «fazer contas indica[ria] voltar às penas já medidas, ao passo que o sistema parece exigir um regresso aos próprios factos» (Cristina Líbano Monteiro, RPCC 16-1). É que o juiz – na prática - não poderá dispensar-se de «fazer contas» como forma de, numa primeira abordagem, obter um terceiro termo de referência (dentro da enorme latitude conferida pelos outros dois: o limite mínimo e o limite máximo). Ou seja, para alcançar, entre os extremos, aproximando-os, um ponto que centre, geometricamente, o «espaço de encontro» entre essas duas variáveis. Pois que, se «a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão (...) e tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes» (CP, art. 77.2), tudo se há-de passar, em termos práticos, como se o somatório das penas «menores» sofra, na sua adição à «maior», uma maior ou menor «compressão». Ora, na detecção desse terceiro termo de referência, a jurisprudência mais «permissiva» vem usando somar à «maior» um quarto - ou menos - das demais, enquanto que a mais «repressiva» vai ao ponto de adicionar metade - ou mais - das outras. Daí que, como ponto de partida, se possa, para harmonização dos métodos jurisprudenciais utilizados na obtenção (e tão só) desse terceiro termo de referência (9), somar-se, à pena «maior», 1/3 das «menores». Mas sem prejuízo, em segunda linha, de esse «factor [dito de] de compressão» (como aqui se justificaria) - atento o limite máximo de 25 anos fixado pelo art. 41. 2 e 3 do CP - subir tanto mais quanto maior for o somatório das penas «menores», pois que, de outro modo, o terceiro termo de referência tenderia a aproximar-se excessivamente do máximo da moldura do concurso, conduzindo à fixação no máximo (ou muito próximo dele: como aconteceu, no caso, com a pena única arbitrada pelas instâncias) de penas conjuntas decorrentes de penas parcelares de valor consideravelmente diverso (cfr. STJ 09-05-2002, recurso n.º 1259/02-5)”.