Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
222/11.9TBVZL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: SENTENÇA ESTRANGEIRA
EXECUÇÃO
DECLARAÇÃO DE EXECUTORIEDADE
TRÂNSITO EM JULGADO
Data do Acordão: 11/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VOUZELA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.47, 49 CPC, REGULAMENTO (CE) Nº 44/2001 DO CONSELHO DE 22/12/2000
Sumário: Proferida declaração de executoriedade de sentença estrangeira, nos termos do artigo 38º do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22-12-2000 (REGULAMENTO BRUXELAS I), deve ser indeferido liminarmente o requerimento de execução instaurada antes de aquela declaração ser notificada e ter transitado em julgado.
Decisão Texto Integral: ACORDAM O SEGUINTE NESTA RELAÇÃO DE COIMBRA:

I - Relatório:

“B (…), SA” intentou Acção de Reconhecimento de Decisão Estrangeira com o n.º 222/11.9TBVZL, contra J (…), residente em Vasconha, Queira, relativamente à sentença do Tribunal de Primeira Instância de Estugarda, proferida em 19.10.2009, que condenara este a pagar àquela sociedade a quantia de €27.897,04, acrescida de juros de oito pontos percentuais acima da taxa de juros aplicada pelo Banco Central Europeu nas suas operações de refinanciamento, contabilizados a partir de 09.07.2008.
Tal sentença alemã foi declarada executória pelo Tribunal Judicial de Vouzela, por decisão de 12.9.2011.

Veio seguidamente B (…), SA intentar por apenso a presente acção executiva contra J (…), apresentando como título executivo tal sentença alemã declarada executória, para pagamento da quantia total de € 32.095,06 (com juros incluídos).

Ao abrigo do disposto nos artigos 820º e 812-E, nº1, do CPC, o M. mo Juiz da execução proferiu o despacho que se transcreve:
(…) «Determina, efectivamente, o artigo 38º do Regulamento CE nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000 que “As decisões proferidas num Estado Membro e que nesse Estado tenham força executiva podem ser executadas noutro Estado Membro depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada.”
«Contudo, determina o artigo 43º que “qualquer das partes pode interpor recurso da decisão sobre o pedido de declaração de executoriedade”.
«Ou seja, e neste caso, porquanto foi proferida decisão que declarou executória a sentença proferida e que ora se pretende executar poderia ainda o executado interpor recurso da mesma nos termos do referido artigo 43º. Assim sendo, apenas a partir do momento em que se torne definitiva a decisão proferida ao abrigo do disposto no artigo 41º do Regulamento, portanto, decisão que declare a executoriedade da decisão proferida em outro Estado Membro, se pode considerar como existindo título executivo pois que até esse momento não se pode entender como preenchido o disposto no artigo 38º do Regulamento.
«Ora, na presente situação, e compulsado o Processo de Execução de Decisão Estrangeira a que os presentes autos se mostram apensos conclui-se que a decisão final ali proferida não transitou ainda em julgado sendo por isso ainda passível de recurso. Pelo exposto, nesse pressuposto tem de concluir-se que não existe ainda decisão definitiva que declare a executoriedade da sentença que o exequente indicou como título executivo.
«Assim sendo, tem de concluir-se não ter sido junto pela exequente título executivo bastante. Assim, nos termos do artigo 812-E, nº1, al. a), ex vi art. 820º do Código de Processo Civil, indefiro liminarmente a presente acção executiva por falta de título.
«Custas pelo exequente – artigo 446º, do CPC».

Inconformada com esta decisão, a exequente recorre de apelação, concluindo a sua alegação:
I- Nos termos conjugados dos artigos 41º, 44º, 45º, 47º do Regulamento CE n.º 44/2011, relativo à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, e artigo 47º, n.º 1 e 3 do CPC, nada obsta a que possa a execução de sentença estrangeira ser promovida independentemente de se ter concretizado: a notificação ao requerido da decisão que lhe concedeu força executiva ou o trânsito em julgado da mesma.
II- Ao ter indeferido liminarmente a acção executiva por falta de título executivo, violou o tribunal a quo as disposições legais supra referidas, pelo que, deve ser revogado o despacho recorrido e alterado o mesmo em conformidade com o que ficou exposto, determinando-se o prosseguimento da execução. Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento em toda a sua extensão, com as legais consequências.

Não há contra-alegação.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

II- Fundamentos:

A situação factual é a seguinte:
Em 19/10/2009, o Tribunal de primeira instância de Estugarda proferiu sentença condenatória, que transitou em julgado.
O tribunal de comarca a quo declarou executória em Portugal tal sentença e determinou a notificação do requerido, para que no prazo de um mês, pudesse exercer a faculdade de recurso que lhe é concedida no artigo 43º do citado Regulamento.
Sem aguardar pela efectivação daquela notificação ao requerido, a recorrente instaurou a presente acção executiva, com base na sentença alemã declarada executória, acabando depois o tribunal a quo por proferir o despacho agora sob recurso e acima reproduzido.

A questão que vem colocada consiste em saber se pode ser instaurada acção executiva, com base em sentença condenatória alemã que o tribunal de comarca português declarou executória, sem que o respectivo credor aguarde pela notificação e pelo trânsito em julgado da decisão que declarou a executoriedade da sentença alemã.
 O tribunal recorrido entendeu que, sem trânsito em julgado da declaração de executoriedade, a sentença alemã não é título executivo bastante e que assim falta o título executivo, e daí o indeferimento liminar da execução. A exequente discorda e vai mais longe: para executar, não é necessário o trânsito em julgado daquela declaração de executoriedade, nem sequer é necessária a notificação dessa decisão ao requerido.

As sentenças condenatórias são exequíveis, por força do art. 46º, nº 1, al. a), do CPC, e em princípio só podem ser dadas à execução depois de transitadas em julgado.

Porém, tratando-se de sentença proferida por tribunal estrangeiro, ainda que transitada em julgado, o artigo 49º do CPC preceitua:
1— Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, as sentenças proferidas por tribunais ou por árbitros em país estrangeiro só podem servir de base à execução depois de revistas e confirmadas pelo tribunal português competente.
2— Não carecem, porém, de revisão para ser exequíveis os títulos exarados em país estrangeiro.

O nº 2 refere-se apenas aos documentos autênticos ou particulares (cf. anotação ao art. 49º no CPC Anotado, 2008, de Lebre de Freitas).

O nº 1 contém a regra da necessidade de revisão e confirmação da sentença estrangeira, mediante processo especial (art. 1094º e segs do CPC), para que a sentença estrangeira condenatória seja exequível em Portugal, mas ressalva o que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais.

Deste modo, pretendendo o credor executar uma sentença condenatória proferida por tribunal estrangeiro, ele deverá, antes do mais, observar o que ao caso interesse em virtude de tratado, convenção, regulamento comunitário ou lei especial.
Especialmente relevantes são, em geral, a Convenção Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, assinada em 30.10.2007 (chamada CONVENÇÃO DE LUGANO II e que substituiu a Convenção de Lugano I celebrada em 16-9-88), celebrada entre os Estados da Comunidade Europeia e da Associação Europeia de Comércio Livre e aberta a outros Estados que fossem convidados a aderir, bem como – entre os Estados da União Europeia -- o Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22-12-2000 (REGULAMENTO BRUXELAS I), em vigor na UE desde 1.1.2010, e que veio substituir a anterior Convenção de Bruxelas de 27-9-68 ([1]). O Regulamento determina a competência judiciária, o reconhecimento e a execução das decisões em matéria civil e comercial nos países da União Europeia (UE). Os procedimentos aí regulados para reconhecimento e execução num Estado-Membro da EU, de uma decisão proferida noutro Estado-Membro, em matéria não excluída (artigo 1º), afastam a possibilidade de instauração do processo especial de revisão e confirmação de sentenças estrangeiras para que aquela decisão seja eficaz.
Têm aqui particular interesse os preceitos relativos ao reconhecimento e à executoriedade de sentença proferida em outro Estado-Membro da UE, ou seja, os dos seguintes artigos do Título III (“Reconhecimento e Execução”) desse Regulamento:
-- Sobre o reconhecimento (Secção 1):
Artigo 33º
1. As decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem necessidade de recurso a qualquer processo.
2. Em caso de impugnação, qualquer parte interessada que invoque o reconhecimento a título principal pode pedir, nos termos dos procedimentos previstos nas secções 2 e 3 do presente título, o reconhecimento da decisão.
3. Se o reconhecimento for invocado a título incidental perante um tribunal de um Estado-Membro, este será competente para dele conhecer.
Artigo 34º
Uma decisão não será reconhecida:
1. Se o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado-Membro requerido;
2. Se o acto que iniciou a instância ou acto equivalente não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão, embora tivesse possibilidade de o fazer;
3. Se for inconciliável com outra decisão proferida quanto às mesmas partes no Estado-Membro requerido;
4. Se for inconciliável com outra decisão anteriormente proferida noutro Estado-Membro ou num Estado terceiro entre as mesmas partes, em acção com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, desde que a decisão proferida anteriormente reúna as condições necessárias para ser reconhecida no Estado requerido.
Artigo 35º
1. Além disso, as decisões não serão reconhecidas se tiver sido desrespeitado o disposto nas secções 3, 4 e 6 do título II ou no caso previsto no artigo 72º.
2. Na apreciação das competências referidas no número anterior, a autoridade requerida estará vinculada às decisões sobre a matéria de facto com base nas quais o tribunal do Estado-Membro de origem tiver fundamentado a sua competência.
3. Sem prejuízo do disposto no nº 1, não pode proceder-se ao controlo da competência dos tribunais do Estado-Membro de origem. As regras relativas à competência não dizem respeito à ordem pública a que se refere o ponto 1 do artigo 34º.
Artigo 36º
As decisões estrangeiras não podem, em caso algum, ser objecto de revisão de mérito.
Artigo 37º
1. O tribunal de um Estado-Membro, perante o qual se invocar o reconhecimento de uma decisão proferida noutro Estado vinculado pela presente convenção, pode suspender a instância se essa decisão for objecto de recurso ordinário.
2. O tribunal de um Estado-Membro, perante o qual se invocar o reconhecimento de uma decisão proferida na Irlanda ou no Reino Unido e cuja execução for suspensa no Estado-Membro de origem por força de interposição de um recurso, pode suspender a instância.

-- Sobre execução (Secção 2):
Artigo 38º
1. As decisões proferidas num Estado-Membro e que nesse Estado tenham força executiva, podem ser executadas noutro Estado-Membro depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada.
2. Todavia, no Reino Unido, tais decisões são executadas em Inglaterra e no País de Gales, na Escócia e na Irlanda do Norte, depois de registadas para execução, a requerimento de qualquer parte interessada numa dessas regiões do Reino Unido.
Artigo 39º
1. O requerimento deve ser apresentado ao tribunal ou à autoridade competente indicados na lista constante do anexo II.
2. O tribunal territorialmente competente é determinado pelo domicílio da parte contra a qual a execução for promovida ou pelo lugar da execução.
Artigo 40º
1. A forma de apresentação do requerimento é regulado pela lei do Estado-Membro requerido.
2. O requerente deve escolher domicílio na área de jurisdição do tribunal em que tiver sido apresentado o requerimento. Todavia, se a lei do Estado-Membro requerido não previr a escolha de domicílio, o requerente designará um mandatário ad litem.
3. Os documentos referidos no artigo 53º devem ser juntos ao requerimento.
Artigo 41º
A decisão será imediatamente declarada executória quando estiverem cumpridos os trâmites previstos no artigo 53º, sem verificação dos motivos referidos nos artigos 34º e 35º. A parte contra a qual a execução é promovida não pode apresentar observações nesta fase do processo.
Artigo 42º
1. A decisão sobre o pedido de declaração de executoriedade será imediatamente levada ao conhecimento do requerente, na forma determinada pela lei do Estado-Membro requerido.
2. A declaração de executoriedade será notificada à parte contra quem é pedida a execução, sendo acompanhada da decisão se esta não tiver sido já notificada a essa parte.
Artigo 43º
1. Qualquer das partes pode interpor recurso da decisão sobre o pedido de declaração de executoriedade.
2. O recurso é interposto junto do tribunal indicado na lista constante do anexo III.
3. O recurso é tratado segundo as regras do processo contraditório.
4. Se a parte contra a qual a execução é promovida não comparecer perante o tribunal de recurso numa acção relativa a um recurso interposto pelo requerente, aplica-se o disposto nos nºs 2 a 4 do artigo 26º, mesmo que a parte contra a qual a execução é promovida não tenha domicílio no território de um Estado-Membro.
5. O recurso da declaração de executoriedade é interposto no prazo de um mês a contar da sua notificação. Se a parte contra a qual a execução é promovida tiver domicílio num Estado-Membro diferente daquele onde foi proferida a declaração de executoriedade, o prazo será de dois meses e começará a correr desde o dia em que tiver sido feita a notificação pessoal ou domiciliária. Este prazo não é susceptível de prorrogação em razão da distância.
Artigo 44º
A decisão proferida no recurso apenas pode ser objecto do recurso referido no anexo IV.
Artigo 45º
1. O tribunal onde foi interposto o recurso ao abrigo dos artigos 43º ou 44º apenas recusará ou revogará a declaração de executoriedade por um dos motivos especificados nos artigos 34º e 35º. O tribunal deve decidir sem demora.
2. As decisões estrangeiras não podem, em caso algum, ser objecto de revisão de mérito.
Artigo 46º
1. O tribunal onde foi interposto recurso ao abrigo dos artigos 43º ou 44º pode, a pedido da parte contra a qual a execução é promovida, suspender a instância, se a decisão estrangeira for, no Estado-Membro de origem, objecto de recurso ordinário ou se o prazo para o interpor não tiver terminado; neste caso, o tribunal pode fixar um prazo para a interposição desse recurso.
2. Quando a decisão tiver sido proferida na Irlanda ou no Reino Unido, qualquer via de recurso admissível no Estado-Membro de origem é considerada como recurso ordinário para efeitos de aplicação do nº 1.
3. O tribunal pode ainda sujeitar a execução à constituição de uma garantia por ele determinada.
Artigo 47º
1. Quando uma decisão tiver de ser reconhecida em conformidade com o presente regulamento, nada impede o requerente de recorrer a medidas provisórias, incluindo cautelares, nos termos da lei do Estado-Membro requerido, sem ser necessária a declaração de executoriedade prevista no artigo 41º.
2. A declaração de executoriedade implica a autorização para tomar tais medidas.
3. Durante o prazo de recurso previsto no nº 5 do artigo 43º contra a declaração de executoriedade e na pendência de decisão sobre o mesmo, só podem tomar-se medidas cautelares sobre os bens da parte contra a qual a execução for promovida.

No que aqui interessa, verifica-se que, pretendendo executar a decisão alemã, o credor deve previamente pedir, no tribunal de comarca competente, a declaração de executoriedade e esse tribunal deve imediatamente declarar a decisão executória quando estiverem cumpridos os trâmites previstos no artigo 53º (apresentação de cópia autêntica da decisão e a certidão referida no anexo V), sem que caiba a esse tribunal verificar os motivos referidos nos artigos 34º e 35º para a recusa dessa declaração, e sem observância do prévio contraditório – art. 38º, 39º e 41º do Regulamento.
No caso de ter sido declarada a executoriedade, como neste caso foi, o contraditório é post-cipado, mediante notificação dessa declaração, e exercitável mediante recurso para o Tribunal da Relação ([2]) – art. 42º e 43º e anexo III do Regulamento.

O cerne da questão sob este recurso reside na circunstância de, ao ter sido instaurada a execução, essa declaração de executoriedade (aliás emitida em processo autónomo) ainda não ter transitado em julgado e, mais ainda, nem sequer ter sido notificada ao executado.

Ora, mesmo na pendência do recurso que eventualmente seja interposto da decisão do tribunal de comarca para o tribunal da Relação ou deste para o STJ (arts. 43º e 44º e anexo IV do citado Regulamento), só podem ser requeridas medidas provisórias, incluindo cautelares (nos termos da lei portuguesa) sobre os bens do devedor, com base na declaração de executoriedade emitida em 1ª instância (arts. 47º, nºs 2 e 3, do Regulamento), sem prejuízo de, como ressalva o art. 47º/1 do Regulamento, independentemente dessa declaração se recorrer a tais medidas, nas condições em que a lei interna as permite. E note-se que o recurso para o tribunal da Relação (sobre a declaração de executoriedade) pode ser interposto no prazo de 1 mês contado da notificação da decisão do tribunal de comarca (ou dois meses quando a parte contra a qual se pretende mover a execução resida em outro Estado-Membro) e tal recurso é sempre admissível (art. 43º/1 do Regulamento) ([3]).

Só podem tomar-se medidas provisórias, incluindo cautelares – diz o art. 47º/3 do regulamento. Logo, não pode ser instaurada a acção executiva, pois que esta não é medida provisória ou cautelar. Também a penhora não é uma medida cautelar nessas condições, pois que só pode efectuar-se numa acção executiva instaurada.

É que, se para ser intentada execução é necessário obter previamente a declaração de executoriedade e se esta declaração pode ser revogada no recurso que pode vir a ser interposto, é evidente que antes do trânsito em julgado o preenchimento daquela condição regulamentar não está assegurado.
A apelante invoca o artigo 47º/1 do CPC, onde se preceitua: «A sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo».

Note-se que, diversamente do que a recorrente alega, a ressalva do artigo 47º/1 do CPC (que excepcionalmente permite a instauração de execução com base em sentença de que penda recurso com efeito meramente devolutivo) não é aqui aplicável. Esse preceito refere-se a sentenças proferidas por tribunal português; tratando-se de sentença estrangeira, o preceito a eleger é sim o do artigo 49º/1 do CPC acima aludido. Mas a regra daquele preceito («A sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado») pode aplicar-se extensivamente às decisões proferidas por tribunal português que constituam condição de execução de sentença estrangeira (como são as declarações de executoriedade), sempre que, como é o caso, sobre esse aspecto haja omissão na Convenção ou Regulamento aplicável.

Inexiste norma a permitir que, antes do trânsito em julgado de decisão sobre a executoriedade de sentença estrangeira, esta possa ser provisoriamente dada à execução em Portugal, ainda que mediante prestação de caução pelo exequente. Para efeitos internos vale a regra geral da necessidade do trânsito em julgado, regra essa que consta do artigo 47º/1 do CPC para as sentenças proferidas por tribunais portugueses e é aplicável, por igualdade de razão, às decisões portuguesas que constituem condição de execução de sentenças estrangeiras.

Não se argumente – como faz a apelante -- com o controlo meramente formal a efectuar pelo tribunal de comarca ou com a impossibilidade de revisão de mérito da sentença estrangeira. É o próprio Regulamento a permitir o recurso e, sendo este interposto e admitido, o tribunal de recurso poderá recusar a executoriedade, designadamente com algum dos fundamentos previstos no artigo 34º ou no artigo 35º do Regulamento. E, se for recusada a executoriedade, a sentença estrangeira é ineficaz, não podendo ser executada – art. 38º/1 do Regulamento.
Também não se argumente – como faz a apelante -- com o facto de a decisão proferida pelo tribunal alemão ter transitado em julgado.
O que se passa é que o Regulamento salvaguarda, em certos aspectos, a soberania nacional do Estado-Membro em que se pretenda executar a decisão estrangeira. Pode suceder, por hipótese, que a decisão estrangeira ofenda a ordem pública do Estado-Membro requerido ou se verifique algum outro motivo de recusa de reconhecimento previsto nos art. 34º e 35º do Regulamento.
Argumenta a recorrente, na defesa da sua tese, que «mal se compreenderia o inverso, se o autor tivesse de aguardar por tempo indefinido o trânsito em julgado daquela sentença».

Todavia, a recorrente não tem de aguardar pelo trânsito em julgado da decisão de executoriedade para acautelar o seu direito de crédito, pois que, tal como o Regulamento prevê e faculta, o credor podia entretanto ter intentado alguma providência cautelar, vg. arresto ou arrolamento, conforme entendesse possível e necessário.

Mais refere a apelante, para defender a inocuidade do recurso sobre a exequibilidade da sentença, que «mesmo o recurso que o requerido venha a interpor da sentença que declarou a executoriedade será sempre um recurso restrito a matéria de direito – art. 44º do regulamento».

Sucede que o recurso a que se refere o artigo 44º é o recurso interposto sobre a decisão proferida no recurso aludido no artigo 43º. Ou seja, trata-se do recurso interposto para o Supremo sobre a decisão da Relação. Mas em qualquer dos recursos pode suceder que seja negada a executoriedade da sentença estrangeira. Ora, quando seja definitivamente recusada a executoriedade da sentença estrangeira, esta não pode servir de base à execução em Portugal.

Daí que seja necessário aguardar pela notificação ([4]) e pelo trânsito em julgado da declaração de executoriedade, antes de ser instaurada a execução da sentença estrangeira.

No caso, instaurada prematuramente a execução, o requerimento executivo deve ser, como foi, indeferido liminarmente. É certo que o caso não é de falta de título executivo, mas sim de insuficiência do título (por falta de preenchimento de uma condição da acção, o trânsito em julgado da declaração de executoriedade). Porém, o efeito é o mesmo.


Em síntese final:
Proferida declaração de executoriedade de sentença estrangeira, nos termos do artigo 38º do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22-12-2000 (REGULAMENTO BRUXELAS I), deve ser indeferido liminarmente o requerimento de execução instaurada antes de aquela declaração ser notificada e ter transitado em julgado.

III- Decisão:
Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Virgílio Mateus ( Relator )
António Carvalho Martins
Carlos Moreira

[1] O citado Regulamento (que aliás sofreu algumas alterações) representa uma evolução em relação à Convenção de Bruxelas de 27.9.1968 e em relação à Convenção de Lugano I. A Convenção de Lugano II veio harmonizar-se com o conteúdo do dito Regulamento, correspondendo no essencial os artigos 1º a 61º daquela aos artigos 1º a 61º deste. Sobre a matéria e para melhor interpretação tem especial interesse o Relatório explicativo do Professor Fausto Pocar (acessível na net através da busca em “Convenção de Lugano”, -» Ponto de Contacto de Portugal, -» Relatório explicativo do Professor Fausto Pocar).


[2] É nesse recurso que, conforme art. 45º, a declaração de executoriedade pode ser recusada ou revogada por um dos motivos especificados nos artigos 34º e 35º. Sem prejuízo de eventual recurso para o STJ. Note-se que os citados art. 41º e 45º contêm uma alteração substancial em relação à Convenção de Lugano I, pois que no âmbito desta o tribunal de 1ª instância (então o tribunal de círculo) podia recusar a declaração de executoriedade com base no estipulado nos seus artigos 27º e 28º (correspondentes em grande parte aos artigos 34º e 35º da Convenção de Lugano II e do citado Regulamento).
[3] Neste sentido, vd. José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5ª ed, 2009, pág. 47. Todavia, este Autor refere normas da Convenção de Lugano I e não da Convenção de Lugano II. Sobre as medidas cautelares no âmbito da Convenção de Lugano II, vd. citado Relatório explicativo do Professor Fausto Pocar, sob os nºs 161 a 164.

[4] No sentido da necessidade da notificação para que seja concedido o exequator, ver Acórdão da Relação do Porto de 8.01.2004 na CJ-2004, t. I, pág. 165. Note-se que a C.J. denomina o caso como sendo de “Revisão de sentença estrangeira”, quando efectivamente se trata de declaração de executoriedade, como o texto mostra.