Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1162/03.0TBCNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL
DANO INDEMNIZÁVEL
Data do Acordão: 04/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE CANTANHEDE - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 227º, Nº 1, DO C.CIV.
Sumário: I – A responsabilidade civil pré-contratual ou pré-negocial ou da culpa in contrahendo, encontra-se consagrada entre nós no artº 227º, nº 1, do C.Civ., onde se dispõe que “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

II – Subjacente a este instituto está não só a consideração de interesses particulares mas também de interesses públicos. Nos primeiros visa-se tutelar a confiança fundada de cada uma das partes em que a outra conduza as negociações segundo a boa fé e, por conseguinte, tutelar as expectativas legítimas que a mesma lhe crie, não só quanto à validade do próprio negócio, mas também quanto à sua futura celebração. No que concerne aos segundos está naturalmente a preocupação da defesa dos valores sociais da segurança e da facilitação do comércio jurídico.

III – É hoje consensual que, emergindo do referido conceito de boa fé com que as partes devem actuar, em qualquer das fases da formação dos contratos, surgem para elas uma série de deveres, tais como os deveres de informação, de lealdade, de probidade, de honestidade, de correcção, de lisura, e até mesmo de conservação e cuidado.

III – Daí que a violação (culposa) por uma das partes desse dever de confiança seja susceptível de a responsabilizar pelos danos que tal conduta possa causar à contraparte (obrigação de natureza extracontratual).

IV – A aludida responsabilidade impõe apenas a obrigação de indemnizar o chamado “dano ou interesse negativo ou de confiança”, ou seja, o dano resultante da violação da confiança.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. As autoras, A... (doravante também designada por 1ª autora), e B... (doravante também designada por 2ª autora), instauraram contra a ré, C... (anteriormente denominada D...), pedindo, a final, que a última fosse condenada a pagar à 1ª A. a quantia total de esc. 37.472135$00/€186.910,22 e à 2ª A. a quantia total de esc. 93.600$00/€ 466,87, sendo cada uma dessas importâncias acrescidas dos respectivos juros de mora, vencidos desde a data da citação da ultima, à taxa legal.
Para o efeito, alegou, em síntese, o seguinte:
Entre as autoras, representadas por interlocutor comum, e a ré foram encetadas negociações com vista à compra pelas 1ªs das instalações fabris da última.
Negociações essas que se prolongaram por longo período temporal. Porém, depois de terem sido dados passos significativos com vista à formalização do negócio final (tendo inclusive chegado a acordo quanto ao preço e outras condições em que o negócio se realizaria, chegando a ser elaborada uma proposta ou minuta do respectivo contra-promessa do contrato definitivo) e de se ter criado entre as partes a convicção que o referido negócio se iria concluir, a ré, a dada altura, de forma unilateral e culposa, rompeu tais negociações com as autoras, vindo, mais tarde, a realizar aquele negócio com uma outra terceira entidade.
Situação essa que acarretou para as autoras prejuízos ou danos de vária ordem (descriminados na pi), que totalizam as importâncias indemnizatórias acima referidas e cujo pagamento reclamam da ré a título de responsabilidade pré-contratual.

2. A ré contestou, defendendo-se, para aquilo que ora nos interessa, alegando, em síntese, que a ruptura das negociações com vista à celebração do aludido negócio é da exclusiva responsabilidade das autoras, já que a dada altura, passaram a exigir uma redução do preço (que antes fora acordado) como condição para a realização o negócio, exigência essa que a ré não aceitou, dando então por encerradas as negociações com aquelas.
Mas mesmo que porventura alguma responsabilidade possa ser atribuída à ré na ruptura de tais negociações, então sempre se teria de considerar que as autoras contribuíram com as suas condutas para o agravamento dos danos que invocam.
Pelo que terminou pedindo a improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido, e, subsidiariamente, e para a hipótese de tal não acontecer, então se deveria julgar considerando que as AA contribuíram culposamente para os danos que invocam.

3. No despacho saneador, afirmou-se a validade e a regularidade da instância, tendo-se depois elaborado a selecção da matéria de facto, a qual se fixou depois de ter sido objecto de reclamação, totalmente atendida, por parte da ré.

4. Mais tarde, procedeu-se à realização do julgamento – com a gravação da audiência.

5. Seguiu-se a prolação da sentença que, a final, julgou a acção improcedente, absolvendo a ré dos pedidos.

6. Não se tendo conformado com tal decisão, as autoras delas interpuseram recurso, o qual foi admitido como apelação.

7. Nas alegações de recurso que apresentaram as AA concluíram as mesmas (numa síntese feita referente à impugnação da decisão da matéria) no seguintes termos:
[…]

8. A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência total do recurso e pela manutenção do julgado.

9. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
***
II- Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso.
Como é sabido é pelas conclusões das alegações dos recursos que se fixa e delimita o objecto dos mesmos.
Ora, calcorreando as conclusões das alegações do presente recurso, verifica-se que as questões que, verdadeiramente, importa aqui apreciar e decidir são as seguintes:
a) Da alteração ou não da matéria de facto.
b) Da existência ou não dos pressupostos legais que permitam responsabilizar pré-contratualmente a ré e, em caso afirmativo, quantificar os termos dessa responsabilidade.
***
2. Quanto à 1ª questão.
[…]

***


3. Os factos.

Devem, assim, ter-se como assentes, por provados, o seguintes factos (seguindo-se a ordem de descrição feita pelo tribunal da 1ª instância, sendo que letra e os números que precedem a indicação de cada um dos factos correspondem, respectivamente, às alíneas ou quesitos da selecção cão matéria de facto donde emergiram):


[…]
***
4. Quanto à 2ª questão.
4.1 Da existência ou não dos pressupostos legais que permitam responsabilizar pré-contratualmente a ré e, em caso afirmativo, quantificar os termos dessa responsabilidade.
Tal questão tem, assim, a ver com o fundo ou o mérito da causa.
No caso presente as AA/apelantes pretendem ser indemnizadas pelos danos que alegadamente terão sofrido em consequência da ruptura, por parte da ré, das negociações que com ela vinham mantendo com vista à celebração do negócio descrito no autos, e relacionado com a aquisição à última, grosso modo, de uma fábrica (envolvendo as suas instalações, equipamentos e terrenos adjacentes).
Tal transporta-nos para o instituto da responsabilidade pré-contratual (como é mais vulgarmente conhecido) ou pré-negocial (designação essa porventura com mais sentido de rigor) ou da culpa in contrahendo (designação essa com que começou por ser conhecida tal responsabilidade).
É sabido que o verdadeiro estudo desse instituto foi iniciado por Jhering (um dos mais insignes construtores do direito moderno), a propósito da boa fé dos contraentes na celebração de um negócio nulo ou anulável, não parando desde então, e devido à própria dinâmica da realidade contemporânea que teve de enfrentar o comércio jurídico, de alargar os seus horizontes de tal forma que passaram a englobar-se no seu conceito, quer as hipóteses de negócio válido ou ineficaz, quer aquelas em que se haja estipulado um negócio válido e eficaz, surgindo, contudo, do processo formativo danos a reparar, quer, ainda, as situações em que não se tenha sequer chegado a celebrar qualquer negócio, por virtude de ruptura da fase negociatória ou decisória.
Responsabilidade essa que entre nós se encontra consagrada no artº 227 do C. Civil, ao dispor, no seu nº 1, que “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.”
Subjacente a tal instituto está não só a consideração de interesses particulares mas também de interesses públicos. Nos primeiros visa-se directamente tutelar a confiança fundada de cada uma das partes em que a outra conduza as negociações segundo a boa fé e, por conseguinte, tutelar as expectativas legítimas que a mesma lhe crie, não só quanto à validade do próprio negócio, mas também quanto à sua futura celebração. No que concerne aos segundos está naturalmente a preocupação da defesa dos valores sociais da segurança e da facilitação do comércio jurídico.
Do próprio citado artº 227 é possível descortinar que prévia ou anteriormente à fase da formação dos contratos existem outras duas fases ou ciclos: a) uma fase negociatória, integrada pelos actos preparatórios realizados sem marcada intenção vinculante, desde os primeiros contactos das partes até à formação da proposta contratual definitiva, que, visa, assim, preparação do conteúdo do acordo; b) e uma fase decisória, que é constituída por duas declarações de vontade que ambas as partes emitem com vista a vincular-se ao futuro acordo que negociaram, ou seja, pela proposta e pela aceitação do contrato.
A boa fé de que se fala no aludido normativo legal, ao contrário do que sucede em outras situações em que tal conceito é igualmente empregue, é marcado por um sentido vincadamente ético das condutas do agentes envolvidos, que vai muito para além do elemento ou significado psicológico que normalmente lhe está associado. Muito embora se trate de com conceito indeterminado, deverá, todavia, ser apreciado e concretizado casuisticamente, ou seja, segundo a justiça de cada caso concreto, e sempre à luz de critérios objectivos.
De qualquer modo, e nessa perspectiva, é hoje cada vez mais consensual que emergindo do referido conceito de boa fé com que as partes devem actuar, em qualquer das fases da formação dos contratos, surgem para elas uma série de deveres que se mostrem, perante cada caso, relevantes para a decisão de contratar, tais como os deveres de informação, de lealdade, de probidade, de honestidade, de correcção, de lisura, e até mesmo de conservação e cuidado. Aliás, deve mesmo dizer-se que nos tempos hodiernos, e perante a cada vez maior complexidade do mundo negocial, vem cada vez ganhando mais adeptos a corrente que defende a imposição, nesse domínio, aos contraentes não só de uma atitude de correcção traduzida em obrigações de escopo negativo - visando impedir toda e qualquer lesão na esfera jurídica de outrem -, mas inclusive também uma colaboração activa, no sentido da satisfação das expectativas que entretanto foram criadas.
Como vimos, com a chamada responsabilidade pré-contratual visa o direito proteger directamente a confiança recíproca de cada uma das partes em que a outra conduza as negociações segundo a boa fé, ou seja, num plano de proibidade, lealdade e seriedade de propósitos, e capaz de levar razoavelmente à expectativa (objectiva e fundada) de que tal possa conduzir à conclusão de um negócio.
E dai que a violação (culposa) por uma das partes desse dever de confiança seja susceptível de a responsabilizar pelos danos que tal conduta possa causar à contraparte.
Vem hoje constituindo entendimento dominante – alicerçado fundamentalmente em razões de ordem histórica, sistemática e de evolução do próprio instituto - que obrigação decorrente de tal responsabilidade é índole ou natureza extracontratual, pelo que em qualquer situação susceptível de gerar a responsabilidade pré-contratual necessário se torna a presença ou o preenchimento dos requisitos específicos de que atrás falámos e bem como ainda daqueles outros que disciplinam e são constitutivos da responsabilidade civil extracontratual (e nomeadamente que a conduta de um dos contraentes seja ilícita à luz dos princípios de que supra falámos em que assenta a responsabilidade pré-contratual, que seja culposa, e que tenha adequadamente causado danos).
Importa ainda também sublinhar constituir hoje igualmente entendimento dominante entre nós que a aludida responsabilidade que vimos abordando impõe apenas a obrigação de indemnizar o chamado dano ou interesse negativo ou de confiança (ou seja, o dano resultante da violação da confiança, e por forma a colocar um dos contraentes prejudicados na situação em que se encontraria se não tivesse entrado nas negociações e sido levado a confiar na contraparte violadora dessa confiança, evitando, desse modo, os prejuízos que, por via de tal, veio a ter) – nele se incluindo quer o dano emergente, quer o lucro cessante – e que só em casos muito excepcionais poderá estender-se ao chamado dano ou interesse positivo ou de cumprimento.
A propósito da problemática do tipo de responsabilidade que temos vindo abordando vidé, entre outros, e para maior e melhor desenvolvimento, o prof. Mário Júlio Almeida Costa, in “Direito das Obrigações, 10ª ed. reelaborada, Almedina 2006, págs. 298/312” e in “Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações Preparatórias de um Contrato, Coimbra Editora, 1984, págs. 30 e ss”; Heinrich Ewald Hörster, in “A Parte Geral do Código Civil Português, Almedina, 2ª reimpressão, págs. 473/476”; Francesco Benattti, traduzido por Vera Jardim e Miguel Caeiro, in “A Responsabilidade Pré-Contratual, Livraria Almedina, págs. 47 e ss”; os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª. ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, págs. 215/216”; Ana Prata, in “Notas Sobre Responsabilidade Pré-Contratual, Lisboa 91”; Ac. do STJ de 22/5/1996, in “BMJ 457 – 308”: Ac. RLx de 28/10/1998, in “CJ, Ano XXIII, T4 – 132” e Ac. RE de 11/11/1999, in “CJ, Ano XIV; T5 – 262”),
4.2 Postos tais considerandos, de cariz mais geral, aproximemo-nos mais ainda do caso em apreço.
Como já acima deixámos exarado as AA./apelantes fundamentam o direito a ser indemnizada pelos danos que alegadamente sofreram em consequência da ruptura unilateral, por parte da ré, das negociações que com ela vinham mantendo com vista à aquisição de um fábrica desta (envolvendo as suas instalações, equipamentos e terrenos adjacentes).
Importa, todavia, começar por salientar que na responsabilidade pré-contratual estão em confronto ou conflito e ponderação, por um lado, o interesse da liberdade negocial (nomeadamente de conclusão) – que se encontra consagrado no artº 405 do CC e que é uma emanação do principio constitucional inserto no artº 61 da nossa Lei Fundamental - ou seja, a vantagem que pode haver em que os negociadores conservem intacta a sua autonomia deliberativa até à formação do contrato (e portanto ainda mesmo depois da emissão da oferta) e, por outro, o interesse do fomento da boa fé e da protecção da confiança em face das expectativas criadas durante a fase pré-negocial, e que, por via de regra, vão crescendo à medida que o iter contratual vai progredindo e avançando no tempo.
Como escreve o prof. Mário Júlio Almeida Costa (in “Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações Preparatórias de um Contrato, pág. 53”) a responsabilidade pré-contratual por abandono ou ruptura das negociações, desdobra-se, desde logo e antes do mais, em dois particulares requisitos cumulativos:
a) Que existam efectivas negociações e que elas tenham permitido ao contratante em relação ao qual se realiza a sua interrupção formar uma razoável base de confiança (de que o negócio se iria celebrar ou concluir).
Confiança essa que deve, pois, ser objectivamente fundada.
b) Que a ruptura das negociações seja ilegítima.
Conceito esse entendido no sentido dessa ruptura se apresentar arbitrária, intempestiva, sem justa causa ou profundamente desleal.
Tudo, porém, conceitos indeterminados e que deverão ser apreciados à luz de cada situação concreta.
Ora, transpondo-nos para o caso em apreço e calcorreando toda a materialidade factual descrita como assente, facilmente, a nosso ver, será de concluir que o primeiro daqueles requisitos se mostra preenchido.
Na verdade, da conjugação dos factos assentes é possível constatar que desde data não concretamente apurada do ano de 1998 as autoras e a ré, através dos seus representantes legais ou interlocutores mandatados para esse efeito, encetaram conversações negociais (envolvendo inclusive troca de vária correspondência e entrega de diversa documentação) com vista à aquisição pelas primeiras (ou de uma delas) à segunda, de uma fábrica industrial sita em Benavente (envolvendo as suas instalações, equipamentos e terrenos adjacentes). Negociações essas que se prolongaram, de forma constante, até meados do ano de 1999, e com tal carácter de seriedade que a dada altura (ainda em finais do ano de 1998) acabaram com uma proposta concreta de compra, pelo preço de esc. 68.000.000$00/€ 339.182,57, apresentada pela 1ª autora e que foi aceite pela ré.
É, assim, indubitável que existiram efectivas negociações e que elas criaram em cada uma das partes uma recíproca e fundada confiança de que elas conduziriam à conclusão ou celebração final do negócio que a elas esteve subjacente.
Só que entretanto surgiram problemas relacionados com o processo de licenciamento ou legalização de algumas edificações conexiadas com a tal fábrica e que grosso modo estavam relacionados com o facto de algumas delas excederem a área de construção prevista pelo PDM local, sendo que de uma área total de construção de 3.000.m2, somente 1.145m2 se encontravam licenciados. Problemas com os quais foram não só surpreendidas as AA. como também a própria ré, o que levou, todavia, ao protelamento da formalização e conclusão definitiva do negócio. Tendo a ré dado conhecimento às autoras dos referidos problemas, e postas ao corrente do que se estava a passar, estas continuaram, todavia, a manter interesse na celebração do negócio, tendo mesmo ambas as partes acordado em encetarem iniciativas (à semelhança do que já antes vinha fazendo a ré), de carácter técnico, junto da Câmara local no sentido da resolução e ultrapassagem dos aludidos problemas burocráticos de cariz administrativo, sendo que no decurso desse processo a ré foi dando cumprimento ou acolhimento a todas as sugestões/imposições apresentadas pela referida Câmara com vista a conseguir-se o sobredito licenciamento, tendo-se nomeadamente, a dada altura, comprometido a demolir alguns das construções se e no caso daquela edilidade o vir no futuro a ordenar.
Porém, como as autoras tivessem pressa e interesse em formalizar o sobredito negócio, e na sequência de uma reunião que tal foi discutido, a ré enviou, em 21/6/1999 um minuta do contrato-promessa referente àquele negócio, contendo o clausulado cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.
Todavia, a 2ª autora (que figurava no aludido contrato como promitente compradora), em documento enviado à ré em 25/6/1999 - cujo teor aqui se dá também por inteiramente reproduzido -, não aceitou algumas das clausulas exaradas na minuta do aludido contrato-promessa, propondo alteração do teor de algumas e a fixação de umas outras, dando ainda a entender não aceitar o preço que antes fora acordado, propondo, com base nos fundamentos ali aduzidos, que o mesmo fosse revisto.
Foi então que, em documento resposta de 8/7/1999 - cujo teor aqui se dá igualmente por inteiramente reproduzido –, a ré dando conta, por um lado, não aceitar qualquer redução do preço que inicialmente fora acordado (considerando-o indiscutível), por outro, não aceitar a alteração do clausulado proposta por aquela autora, e, por fim, que a necessidade de definir urgentemente a situação da dita fábrica que se propõem vender não se compadecer com mais renegociações, informa então dar por encerradas as negociações que vinha mantendo com as autoras, especialmente com 2ª autora, desistindo, assim, de fazer com ela o negócio da venda da mencionada fábrica.
Diga-se ainda que, mais tarde, a ré veio a conseguir o licenciamento ou legalização de que supra falámos, acabando por vender a dita fábrica, em 26/10/2000, a uma outra sociedade, pelo preço global de esc. 75.000.000$00/€ 374.098,42.
Aqui chegados, cumpre a assinalar e concluir que, face aos factos apurados, até ao sobredito momento do rompimento das negociações o comportamento de todas as partes envolvidas no processo negocial se pautou pela observância dos ditames da regras impostas pela boa fé de que atrás falámos, e nomeadamente ao nível dos deveres de correcção, lisura, lealdade, informação e colaboração activa.
Mas será que, perante os factos supra referidos, se deverá concluir que a ruptura da negociações por parte da ré foi ilegítima, nomeadamente por violação daqueles deveres ou regras de conduta, a ponto de se considerar a mesma como arbitrária, intempestiva, sem justa casa ou profundamente desleal ou violadora dos mais elementares princípios éticos?
Salvo sempre o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se-nos que não. Independentemente de se justificar ou não no caso uma redução do preço que inicialmente fora já acordado, e tendo em conta o respeito do principio da liberdade contratual e nomeadamente no que diz respeito à conclusão dos negócios, assiste à ré, nessa fase negocial, o direito de fixar o preço, isto é, de vender um bem seu pelo preço que entender por conveniente e, sobretudo, se ele já fora fixado por acordo, não se lhe podendo impor que aceitasse a redução do mesmo. Diferentemente seria se o negócio ou contrato já tivesse sido efectivamente concluído, situação essa em que, como é consabido, se lhe poderia impor, contra a sua vontade, uma redução do preço que fora antes estipulado por acordo das partes, desde que ocorressem situações supervenientes legalmente previstas que o justificassem. Preço esse que, nos negócios onerosos, é um elemento essencial e determinante da vontade de contratar ou não.
Não se pode assim, a nosso ver, considerar que, perante o circunstancialismo factual acima descrito consubstanciador das razões que a levaram a tal, tenha sido ilegítima ou arbitrária a ruptura das negociações levada a efeito pela ré, afigurando-se-nos mesmo que, perante as novas exigências que lhe foram impostas pela contraparte (e note-se que não se questiona aqui a bondade ou não das mesmas), lhe assistia o direito de não continuar com tais negociações, sendo certo essa intenção foi oportunamente, e de forma correcta e fundamentada, comunicada à contraparte.
Pelo que, não sendo ilegítima tal ruptura das negociações por parte da ré, falta, assim, e desde logo, um dos pressupostos em que assentava a obrigação de indemnização por parte da ré, ou, por outras palavras, em que assentava o direito de indemnização aqui reclamado pelas autoras
Termos, pois, em que, desde logo, se decide julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença da 1ª instância.
***
III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença da 1ª instância.
Custas pelas apelantes.

Coimbra, 2008/04/08