Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9/14.7TALMG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: VIOLAÇÃO DE NORMAS DE EXECUÇÃO ORÇAMENTAL;
BEM JURÍDICO PROTEGIDO;
TIPO SUBJECTIVO;
DOLO DIRECTO;
ELEMENTO VOLITIVO DO DOLO
Data do Acordão: 06/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE LAMEGO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 14.º DA LEI N.º 34/87, DE 16-07; ART. 14.º DO CP
Sumário:
I – O bem jurídico protegido pelo tipo de crime de violação de normas de execução orçamental, p. e p. pelo artigo 14.º da Lei n.º 34/87, de 16-07, é o respeito pelas leis orçamentais, que se traduz na transparência e legalidade das despesas públicas, assegurando-se que o titular do cargo político que tem competência para gerir um orçamento e administrar dinheiro público actue com fidelidade, rigor e transparência, zelando pelos interesses públicos patrimoniais, com salvaguarda do erário público.
II – O artigo referido [14.º da Lei n.º 38/87], ao usar a expressão “conscientemente”, não prevê a punibilidade das condutas nele previstas a título de dolo eventual.
III – O dolo - tão só directo - traduz-se no conhecimento e na vontade de o agente actuar em desconformidade com as regras estabelecidas naquele normativo.
IV – Não descrevendo a matéria de facto provada o elemento volitivo do dolo - deficiência congénita de que padecia já a acusação pública -, consistente na direcção da vontade do agente à realização do facto típico, contido na usual fórmula alargada “o arguido agiu de forma livre, voluntária e deliberadamente, com consciência de todas as circunstâncias do facto”, o único veredicto legalmente admissível é o de absolvição.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


I - RELATÓRIO
No processo comum n.º 9/14.7TALMG supra identificado, após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu:
- condenar o arguido A…, como autor material de um crime de violação de normas de execução orçamental, na forma continuada, p. e p. pelo art. 14.º, als. a) e c), da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, em conjugação com os artigos 30.º, n.º 2 e 79.º, estes do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão; pena de prisão esta que se substitui por 150 dias de multa à taxa diária de € 6,00, o que perfaz o montante de € 900,00.
***
O arguido não se conformou com a decisão proferida em 1ª instância, e dela interpôs o presente recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões:
(…)
nestes termos, deve o arguido ser absolvido.
*
A Magistrada do Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido, acompanhando a resposta do MP na 1ª instância.
Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, o arguido respondeu mantendo o alegado na motivação do recurso.
Os autos tiveram os vistos legais.
***
II- FUNDAMENTAÇÃO
Consta da sentença recorrida (por transcrição):
(…)
*
III- FACTOS NÃO PROVADOS:
Com relevância para a decisão da causa da audiência de julgamento não se provou que:
(…)
*
IV- MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente (artigo 127º, Código Processo Penal).
O Tribunal norteou a sua convicção, quer quanto à matéria de facto provada quer quanto à matéria de facto não provada, pelo princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço sério e empenhado para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova que teve ao seu alcance e procurando harmonizá-los e confrontá-los criticamente entre si de acordo com os princípios da experiência comum, pois, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador, inexistindo, portanto, quaisquer critérios pré-definidores do valor a atribuir aos diferentes elementos probatórios, salvo quando a lei dispuser diferentemente (juízos técnicos).
Na verdade, o princípio da livre convicção constitui regra de apreciação da prova em Direito Penal, e efectivamente, para conduzir à condenação, tal prova deve ser plena, pelo que, na decisão de factos incertos, a dúvida determina necessariamente a absolvição, de harmonia com o Princípio da Inocência que enforma também o direito processual penal e tem consagração constitucional.
Note-se que, como é sabido, a verdade material absoluta é, em regra, inalcançável pela via judicial na sua tarefa de reconstrução dos factos da vida real, logrando-se apenas uma verdade processualmente válida, fundamentada e plausível, sendo que, por outro lado, o relato de um facto pelo ser humano é um processo que comporta diversas etapas, a saber: a percepção dos factos, a memorização – que, muitas vezes, é acompanhada de uma racionalização dos eventos percepcionados conducente à sua distorção – e a sua reprodução, sem olvidar que o julgador não é um receptáculo acrítico dos relatos que são produzidos em audiência.
É que esta “verdade” é o resultado de um labor judicial que se baseia nas declarações de quem vivenciou os factos, mas não despreza outros contributos quiçá mais relevantes (documentos, exames periciais e a própria experiência do julgador).
Com efeito, é ponto assente que a comunicação não se estabelece apenas por palavras mas também pelo tom de voz e postura corporal dos interlocutores e que estas devem ser apreciadas no contexto da mensagem em que se integram, no que radica o princípio da imediação da prova.
Trata-se de um acervo de informação não-verbal e dificilmente documentável, e nem sequer traduzível por palavras, face aos meios disponíveis mas rica, imprescindível e incindível para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras de experiência comum e lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
O juiz não é uma mera caixa receptora de tudo o que a testemunha diz ou de tudo o que resulta de um documento e a sua apreciação funda-se numa valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos enformada por uma convicção pessoal.
Assim, a convicção do tribunal formou-se com base na conjugação:
(…)
***
APRECIANDO
O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação (art. 412º, n.º 1 do CPP), sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, como sejam os vícios e nulidades a que aludem os n.ºs 2 e 3 do artigo 410º do mesmo diploma.
Assim, atendendo ao texto da motivação e respectivas conclusões, as questões colocadas à apreciação deste Tribunal, tal como foram sintetizadas pelo recorrente são:
- a nulidade da acusação;
- a nulidade da sentença;
- o erro de julgamento;
- o crime continuado;
- a espécie da pena; e,
- a inconstitucionalidade da Lei.
*
Correcção da sentença:
Refere o recorrente na motivação de recurso: Prima faccie deve ser corrigido o ponto 5 da página 1 da douta sentença, quando refere “procedeu-se a julgamento em estrito cumprimento do formalismo legal, na ‘ausência’ do arguido”, uma vez que este não faltou a nenhuma das sessões, bastando consultar as actas.
Tem razão o recorrente. Com efeito,
Resulta das actas da audiência de discussão e julgamento que o arguido esteve presente em todas as sessões – cfr. fls. 1137/1143; 1408/1412; 1415/1417; 1050/1055; 1061/1062; 1070/1071; 1072/1073; 1097/1101 e 1108/1109 (esta sequência numérica poderá suscitar alguma dúvida, tal se devendo a errada numeração de fls. do processo a partir de fls. 1467, tendo a fls. seguinte o n.º 1048).
Por conseguinte, teremos de concluir que tal menção no Relatório da sentença de que “Procedeu-se a julgamento em estrito cumprimento do formalismo legal, na ausência do arguido”, se deveu a mero lapso do tribunal, cuja rectificação não importa modificação essencial, cabendo a este tribunal de recurso, proceder à correcção da sentença, nos termos do que dispõe o artigo 380º, n.ºs 1, al. b) e 2 do CPP.
Assim, na sentença recorrida (no ponto 5 do Relatório, a fls. 1111) deverá eliminar-se a menção “na ausência do arguido”.
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A- Da nulidade da acusação
Sustenta o recorrente que a acusação deduzida nos autos é nula, por:
1. Não indicar as normas incriminadoras
2. Falta de narração dos factos
3. Por ininteligibilidade da sua narração.
Esta invocada nulidade, entroncando nas alíneas b) e c) do nº 3 do Art. 283º do Cód. Proc. Penal, determinariam a rejeição da acusação, por manifestamente infundada, nos termos do Art. 311º, nº 2, al. a) ex vi das als. b) e c) do nº 3 do mesmo normativo do CPP.
Deveria ter sido apreciada pela Distinta Julgadora no saneamento do processo.
Contudo, mesmo não o tendo sido, nada impedia que fosse apreciada em sede de sentença – a rejeição da acusação.
A acusação deve conter todas as referências indicadas no n.º 3 do artigo 283º do CPP. E, quanto à narração dos factos, estes abrangem necessariamente aqueles que integram todos os elementos típicos do crime – objectivos e subjectivos – e ainda, os que possam relevar como circunstâncias agravantes ou atenuantes, para a determinação da medida da pena, nos termos do n.º 2 do artigo 71º do CP.
E, quando a acusação não cumprir as exigências determinadas no n.º 3 do citado artigo 283º, a mesma é nula; nulidade relativa que segue o regime dos artigos 120º e 121º do CPP.
A arguição deverá fazer-se perante o próprio magistrado que deduziu a acusação, cabendo reclamação hierárquica da decisão. Arguição que in casu não se verificou.
Ou seja, a nulidade da acusação depende de arguição, no prazo de cinco dias após a sua notificação ou, sendo requerida a instrução, até ao encerramento do debate instrutório.
No caso vertente, não tendo havido instrução, recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que desde logo possa conhecer (n.º 1 do art. 311º). E, sobre a eventualidade de a acusação ser nula, nos termos do n.º 2, al. a), deste preceito, o juiz deve rejeitar a acusação se a considerar manifestamente infundada.
Nos termos do n.º 3, a acusação considera-se manifestamente infundada: a) quando não contenha a identificação do arguido; b) quando não contenha a narração dos factos; c) se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam; ou, d) se os factos não constituírem crime.
Deste modo, e face à questão suscitada pelo recorrente, a acusação devia ter sido rejeitada, por ser manifestamente infundada, desde logo porque não descreve factos que integrem o elemento subjectivo do crime imputado ao arguido e, tratando-se de crime doloso, porque não descreve factos integradores do dolo.
Contrariamente ao que acontecia no CPP de 1929 (art. 351º), não pode agora (por inexistência de normativo correspondente) o juiz de julgamento ordenar a remessa dos autos ao MP para reformular a acusação.
Assim, no caso vertente, tendo o processo sido despachado para julgamento, sem ter passado pela instrução, o juiz presidente deveria ter rejeitado a acusação, não só por a mesma ser nula, nos termos do artigo 283º, n.º 3, al. b), mas também por ser manifestamente infundada (por falta de narração de factos), de acordo com o disposto no artigo 311º, n.ºs 2, al. a) e 3, al. b), ambos do CPP.
Ora, por despacho transitado em julgado, a Mmª Juiz a quo recebeu (fls. 721) a acusação do Ministério Público nos termos do disposto no artigo 311º do CPP, tendo designado data para a audiência, e realizada esta veio a ser proferida a sentença ora impugnada.
Por conseguinte, não tendo sido arguida a nulidade da acusação, nem tendo tal questão sido apreciada oficiosamente aquando da prolação do despacho a que alude o artigo 311º do CPP, não tinha a Mmª a quo em sede de sentença, de se pronunciar sobre a rejeição da acusação. Sendo certo que, “a detecção de um vício congénito da acusação, há-de-conduzir, em sede de sentença, à absolvição” – Ac. RC, de 7-12-2016, no Proc. 402/12.0TAPBL.C1.
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B- Da nulidade da sentença
Vem o recorrente arguir a nulidade da sentença por, em seu entender, não indicar na parte respeitante à qualificação jurídica, as normas incriminadoras e, por não dar como provado o elemento subjectivo da imputação (princípio da tipicidade).
A regra da tipicidade das infracções é consequência do princípio da legalidade consagrado no n.º 1 do artigo 29º da CRP. Ora, a tipicidade é a correspondência entre os factos concretos e o tipo legal de crime.
Foi o arguido acusado e condenado pela prática de um crime de violação de normas de execução orçamental, na forma continuada, p. e p. pelo artigo 14.º, als. a) e c), da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, em conjugação com os artigos 30.º, n.º 2 e 79.º, estes do Código Penal.
Estabelece o artigo 14º da citada Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, que: «O titular de cargo político a quem, por dever do seu cargo, incumba dar cumprimento a normas de execução orçamental e conscientemente as viole:
a) Contraindo encargos não permitidos por lei;
b) Autorizando pagamentos sem o visto do Tribunal de Contas legalmente exigido;
c) Autorizando ou promovendo operações de tesouraria ou alterações orçamentais proibidas por lei;
d) Utilizando dotações ou fundos secretos, com violação das regras da universalidade e especificação legalmente previstas;
será punido com prisão até um ano.»
O bem jurídico protegido pela norma é o respeito pelas leis orçamentais, que se traduz na “transparência e legalidade das despesas públicas”, assegurando-se que o titular do cargo político que tem competência para gerir um orçamento e administrar dinheiros públicos, actue com fidelidade, rigor e transparência, zelando pelos interesses públicos patrimoniais, salvaguardando-se o erário público, por forma a merecer a confiança dos cidadãos.
E quanto ao elemento subjectivo do referido ilícito, cumpre sublinhar:
- afigura-se-nos que, o corpo do artigo 14º ao usar a expressão “conscientemente” vem afastar a punibilidade das condutas descritas no preceito, quando realizadas com dolo eventual. Porquanto, actuando com dolo eventual, o titular do cargo político que apenas represente como possível a violação da norma de execução orçamental não preenche o tipo subjectivo previsto no artigo 14º ( - Neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário das Leis Penais Extravagantes, Vol. 1, pág. 767.).
- logo, se a conduta proibida se reconduz ao desrespeito de determinadas regras, deve entender-se que o dolo (directo) deve traduzir-se no conhecimento e na vontade de actuar em desconformidade com as disposições a que o titular do cargo político se encontra adstrito.
Para justificar o preenchimento do elemento subjectivo da infracção em causa, a Exmª Juiz deixou consignado na sentença recorrida:
a) aquando da fundamentação da decisão de facto:
Ora, perante todo o quadro atrás referido, é perfeitamente legítima a inferência de que o arguido, ao agir como agiu, não podia deixar de representar a ilicitude da sua conduta, e querer essa mesma conduta de forma livre e deliberada, quer dizer, consciente.
Assim, da conjugação de todos os elementos vertidos nos documentos acima discriminados, da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento acima referida e descrita e ainda das regras de experiência comum, fica-nos a convicção da verificação dos factos dados como provados.

b) aquando da fundamentação de direito:
“Ora, resultou provado que, pelo menos, entre 22 de Junho de 2012 e 29 de Setembro de 2013, foi assumida despesa para qual sabia que a Junta de Freguesia não possuía fundos disponíveis para a liquidar - face à execução orçamental anterior e à dívida acumulada -, como não liquidou, no montante global de, pelo menos, €126.580,26.
Sabia o arguido, que, nos anos de 2012 e 2013 do seu mandato, a despesa por si ordenada e assumida, global ou individualmente, não podia ser paga, nem sequer tinha os fundos disponíveis para tal, tanto que o arguido não pagou €126.580,26 da dívida contraída.
Bem como sabia que tinha de dar instruções para que fossem registados os fundos disponíveis, os compromissos, os passivos, as contas a pagar e os pagamentos em atraso, especificados pela respectiva data de vencimento, o que também não fez.
O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.”

Entendemos que tal fundamentação, de facto e de direito, visou ultrapassar a inexistência, nos factos provados, da descrição de factos integradores do elemento subjectivo, cuja falta já se verificava na acusação.
Deste modo, tendo sido dado como provado que:
24. Sabia o arguido, que, nos anos de 2012 e 2013 do seu mandato, a despesa por si ordenada e assumida, global ou individualmente, não podia ser paga, nem sequer tinha os fundos disponíveis para tal, tanto que o arguido não pagou €126.580,26 da dívida contraída.
25. Com as suas condutas o arguido, no ano de 2012 visou autorizar, promover operações de tesouraria e alterações orçamentais que sabia serem proibidas por lei, mormente, pelo artigo 5.º da Lei 8/2012, de 21 de Fevereiro, e por não ter visto a sua conduta sancionada, beneficiando da circunstância da sua actuação não ser atempada e eficazmente sancionada, renovou este comportamento no ano de 2013.
26. Bem como sabia que tinha de dar instruções para que fossem registados os fundos disponíveis, os compromissos, os passivos, as contas a pagar e os pagamentos em atraso, especificados pela respectiva data de vencimento, o que também não fez.
27. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
concluímos que é deficiente a descrição dos factos dados como provados, no que respeita aos elementos constitutivos do tipo subjectivo do crime. Aliás, não constando os mesmos na acusação, também não poderiam ser aditados, em julgamento, por via do mecanismo previsto no artigo 358º, n.º 1 do CPP, por a tanto se opor o AFJ n.º 1/2015.
Em conformidade, neste particular, assiste razão ao recorrente.
Na verdade,
Não existem presunções de dolo e, assim sendo, não é possível afirmar a sua existência simplesmente a partir de circunstâncias externas da acção concreta.
A estrutura do dolo abrange o elemento intelectual e o elemento volitivo, consistindo o primeiro “na representação pelo agente, no momento em que pratica a conduta, de todos os elementos ou circunstâncias constitutivas do tipo de ilícito objectivo” e, pressupondo o segundo “que o agente dirija a sua vontade ou, pelo menos, se conforme com a realização do facto típico ” ( - Taipa de Carvalho in Direito Penal, Parte Geral, Questões Fundamentais, Teoria Geral do Crime, 2ª ed., 2008, págs 321 e 325.).
Ainda quanto ao elemento volitivo, em função da diversa atitude do agente, conforme o disposto no artigo 14º do CP, serão diversas as espécies de dolo, a saber: dolo directo (a intenção de realizar o facto), dolo necessário (a previsão do facto como consequência necessária da conduta) e o dolo eventual (a conformação da realização do facto como consequência possível da conduta).
Como vem sublinhado no já citado Acórdão do STJ n.º 1/2015 (publicado no DR, I Série, n.º 18, de 27-1-2015) “o que tradicionalmente se engloba nos elementos subjectivos do crime, costuma ser expresso na acusação por uma fórmula em que se imputa ao agente o ter actuado de forma livre (isto é, podendo ele agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever-ser jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo represen­tado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude).” (são nossos os sublinhados)
Na situação em análise, à excepção da consciência da ilicitude, resulta da leitura da factualidade dada como assente na sentença recorrida, que – à semelhança do que é exigido para a acusação, seja pública, seja particular – falta a descrição fáctica (completa) do elemento subjectivo do crime imputado ao arguido.
Por consequência, a inexistência, como provados, de todos os factos integradores do tipo subjectivo do crime imputado ao arguido, impede que se considere a apurada conduta do arguido, como uma conduta típica, ilícita e culposa, a constituir crime, impondo-se a absolvição do arguido.
*****
III- DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:
- Julgar procedente o recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida, absolvendo o arguido A..., da prática do crime de violação de normas de execução orçamental que lhe fora imputado.
Sem tributação.

Coimbra, 27 de Junho de 2018

Elisa Sales (relatora)

Jorge Jacob (adjunto)