Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
280/07.0TBLSA-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: RECLAMAÇÃO
DESPACHO DE NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
SUA TRAMITAÇÃO A PARTIR DE 1/01/2008
PROCEDIMENTO CAUTELAR PROPOSTO EM 2008 E NA PENDÊNCIA DE ACÇÃO DECLARATIVA PROPOSTA EM 2007
TRAMITAÇÃO RECURSÓRIA APLICÁVEL.
Data do Acordão: 06/16/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA LOUSÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO ARTº 688 CPC
Decisão: DEFERIDA
Legislação Nacional: ARTºS 688º CPC; 11º, Nº 1, DO D. L.Nº 303/2007, DE 24/08
Sumário: I – A reclamação contra um despacho de não admissão de um recurso, que entenda ser aplicável o regime de recursos decorrente das alterações introduzidas pelo DL nº 303/2007, de 24/08, segue a tramitação prevista no artº 688º do CPC, resultante das alterações introduzidas neste pelo referido DL (reclamação para o próprio Tribunal de recurso e não para o Presidente deste), mesmo que a questão a decidir seja a da determinação da aplicabilidade ao caso das alterações introduzidas pelo referido diploma.

II – O despacho reclamado cria a aparência do direito adjectivo aplicável, sendo com base nessa aparência que se soluciona a questão da admissibilidade desse recurso.

III – Um procedimento cautelar proposto em 2008, como dependente de uma acção proposta em 2007, funciona, para efeito do disposto no artº 11º, nº 1, do D.L. nº 303/2007, como processo já pendente em 1/01/2008, não lhe sendo aplicável a tramitação recursória introduzida pelo DL 303/2007, designadamente a necessidade de apresentação simultânea do requerimento de interposição e da respectiva alegação.

Decisão Texto Integral:

Despacho do Relator

(artigo 688º, nº 4 do Código de Processo Civil)


            1. Refere-se a presente reclamação ao despacho certificado a fls. 20, que não admitiu o recurso pretendido interpor, através do requerimento certificado a fls. 19[1], pela ora Reclamante, A.... Tal despacho, considerando aplicável à situação o regime instituído pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, indeferiu liminarmente esse recurso, por omissão da inclusão da alegação respectiva no requerimento de interposição, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 684º-B, nº 2 e 685º-C, nº 2, alínea c) do Código de Processo Civil (CPC).

            Considerou o Senhor Juiz a quo tratar-se de processo instaurado posteriormente a 1 de Janeiro de 2008[2] e, como tal – dentro dos pressupostos argumentativos expressos no despacho reclamado –, sujeito ao regime de recursos decorrente do mencionado DL 303/2007.

            A Reclamante entende, por sua vez, que embora esteja em causa um procedimento cautelar instaurado posteriormente a 01/01/2008 – ou seja, em 10/04/2008 –, a circunstância de o mesmo ter sido proposto como dependência e por apenso a uma acção instaurada em 10/03/2007 (em obediência ao disposto no artigo 383º, nº 3 do CPC), significa tratar-se, para efeitos de determinação do regime de recursos aplicável, de processo pendente à data da entrada em vigor do DL 303/2007.

            2. Tomando como dados relevantes os mencionados no item que antecede (designadamente as datas da instauração do procedimento cautelar e da acção principal, aquele em 2008 e esta em 2007), sublinhar-se-á que interessa aqui o disposto no artigo 12º, nº 1 do DL 303/2007 – “[o] presente decreto-lei entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2008” –, em conjugação com o nº 1 do artigo 11º do mesmo Diploma – “[…] as disposições do presente decreto-lei não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor”.

            2.1. Entretanto, importa aqui abrir um parêntese argumentativo, para sublinhar que a presente reclamação será tramitada nos termos decorrentes do artigo 688º do CPC na redacção introduzida pelo DL 303/2007, como justamente entendeu o Exmo. Presidente desta Relação no despacho de fls. 24. Com efeito, independentemente do sentido da solução que adiante venha a ser fixada quanto ao regime recursório aplicável, vale aqui a aparência de aplicação do regime do DL 303/2007, criada pelo despacho reclamado, funcionando esta mesma aparência como factor desencadeante e conformador da presente reclamação.

            2.2. Assente isto, dir-se-á que a questão colocada se refere ao sentido teleológico da expressão “processos pendentes” à data da entrada em vigor do DL 303/2007, na situação em que o processo do qual emerge o recurso foi proposto por apenso (porque necessariamente teria de o ser) a um processo (principal) instaurado anteriormente a 01/01/2008.

Ora, nestes casos[3], formando o apenso uma unidade orgânica com uma acção principal anteriormente proposta, em termos que nos permitem a caracterização desta (da acção principal) como processo preponderante e matricial daquele (do apenso), cremos que o objectivo de alcançar uma unidade coerente da tramitação de um processo por referência à globalidade do ordenamento processual em vigor aquando do começo desse mesmo processo, é plenamente alcançada com a consideração do processo principal – rectius, da data de instauração deste – como factor decisivo na determinação do regime de recursos globalmente aplicável.

            Cumpre-se assim, através desta interpretação do mencionado trecho do artigo 11º nº 1 do DL 303/2007, o objectivo presente na opção legislativa aqui em causa, em matéria de aplicação da lei no tempo, de alcançar uma tramitação unitária e indubitável dos processos, desde o seu começo até ao seu fim, abrangendo a fase dos recursos ordinários[4], independentemente das respectivas vicissitudes processuais. E vale aqui a consideração de que esse mesmo objectivo de certeza quanto ao regime adjectivo, assenta em motivos de segurança jurídica e de tutela de legítimas expectativas determinantes de relevantes investimentos de confiança[5]. Enfim, tudo situações que não são indiferentes de um ponto de vista constitucional, como justamente sublinha Armindo Ribeiro Mendes a propósito das soluções de Direito Transitório, no caso do confronto entre o Direito Processual novo e o antigo em matéria de recursos[6]. Aliás, a mesma teleologia subjaz ao critério estabelecido no nº 3 do artigo 24º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, no que respeita à modificação das alçadas.

            3. Assim, decidindo a reclamação, considera-se aplicável à presente situação o regime de recursos anterior ao DL 303/2007, determinando-se, em substituição do entendimento expresso no despacho de fls. 20, o tratamento do requerimento certificado a fls. 19, como recurso interposto num processo pendente em 01/01/2008.

            Sem custas.

            Notifique.

            Coimbra,


(J. A. Teles Pereira)


             


[1] Traduz este a interposição de um recurso (agravo), nos termos previstos no Código de Processo Civil na versão anterior à decorrente do DL 303/2007, sem oferecimento da alegação no próprio requerimento de interposição (v., no regime anterior ao DL 303/2007, os artigos 687º, nº 1 e 743º, nº 1 e, no regime posterior ao mesmo Diploma, o artigo 684º-B, nº 2, todos eles do Código de Processo Civil).
[2] No despacho reclamado indica-se como data da instauração do procedimento cautelar a de 10/04/2008.
[3] E a instauração de um procedimento cautelar como dependência de uma acção já proposta constitui um destes casos, tal como sucede, por exemplo, com a dedução de oposição à execução (artigo 817º, nº 1 do CPC).
[4] Já não quanto aos recursos extraordinários (neste sentido, cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil. Novo Regime, Coimbra, 2007, reimpressão de 2008, pp. 14/15 e Miguel Teixeira de Sousa, Reflexões sobre a reforma dos recursos em processo civil, texto disponível no sítio desta Relação em http://www.trc.pt/doc/confintmts.pdf, p. 3).
[5] Fundamentalmente aquilo que António Santos Abrantes Geraldes, indica constituírem “[…] sérios argumentos de ordem racional […]” (Recursos…, cit., p. 15).
[6] “As Disposições Transitórias dos Diplomas da Reforma do Processo Civil”, in Aspectos do Novo Processo Civil, Lisboa, 1997, pp. 17/18.