Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
329/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
MARCHA ATRÁS
DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
Data do Acordão: 04/26/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - 4º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 35º E 46º, Nº 1, DO CÓDIGO DA ESTRADA.
Sumário: I – A marcha-atrás representa um perigo acrescido na circulação rodoviária, de tal forma que a lei só a permite como manobra auxiliar ou de recurso, devendo efectuar-se lentamente, no menor trajecto possível e apenas em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito .
II – O reconhecimento da violação do artº 35º do C.E. tem implícito o reconhecimento da violação da regra geral do artº 3º, nº 2, do C. E., como princípio geral orientador daquele .

III – Em caso de concurso de culpas entre um condutor que violou o artº 35º do C. E., e um peão que violou os artºs 99º, nº 1, e 101º, nº 4, do mesmo código, ponderando a medida da responsabilidade de cada um desses intervenientes no acidente, afigura-se ser de repartir o grau de culpas na proporção de 80% para o condutor e 20% para o peão .

IV – Tendo o sinistrado ficado com uma IPP de 15%, o que implica um maior esforço em todas as tarefas que levar a cabo, incluindo as tarefas laborais, é indiscutível que se verifica um dano patrimonial futuro, passível de ser indemnizado .

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I – RELATÓRIO

1.1. - A Autora – A... - instaurou na Comarca de Leiria acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra a Ré – B....
Alegou, em resumo:
No dia 29 de Agosto de 2000, na Rua Adelaide Félix, Praia de Pedrógão, a Autora foi atropelada pelo veículo de matrícula 90-70-OR, conduzido pelo seu proprietário, C..., que transferida a sua responsabilidade para a Ré.
O embate ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo, no momento em que efectuava uma manobra auxiliar de marcha-atrás, sem a assinalar devidamente, vindo a colher a Autora que se encontrava na retaguarda, sofrendo em consequência danos patrimoniais e não patrimoniais.
Pediu a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 38.384,67, posteriormente ampliado para € 43,857,67, acrescida de juros à taxa legal desde 21 de Fevereiro de 2001 e até pagamento.
Contestou a Ré, imputando a principal responsabilidade do acidente à Autora, devendo apenas ser condenada a pagar não mais de 25% do danos que se provarem.
1.2. - Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, decidiu condenar a Ré a pagar à Autora:
a) – A quantia de € 6.613,95 (seis mil seiscentos e treze euros e noventa e cinco cêntimos), a título de reparação de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal sucessivamente em vigor, actualmente de 4% ao ano, a contar da data de 20 de Fevereiro de 2001 e até efectivo pagamento;
b) – A quantia de € 8.100,00 (oito mil e cem euros), a título de reparação de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal sucessivamente em vigor, actualmente de 4% ao ano, a contar da presente data e até efectivo pagamento;
c) – A quantia que vier a ser liquidada, relativamente a despesas médicas e medicamentosas relacionadas com a luxação meniscal sofrida pela autora, ao nível do malar direito, na proporção de 90% das aludidas despesas.
1.3. - Inconformadas, recorreram de apelação tanto a Autora, como a Ré.
1.3.1. - Recurso da Autora – síntese das conclusões:
1º) - Tendo em conta os factos provados, a culpa do acidente deve ser imputada exclusivamente ao condutor do veículo.
2º) - A Autora não concorreu culposamente para a produção do acidente, tanto mais que observou os cuidados exigíveis.
3º) - Não impendia sobre a Autora o dever imposto no art.101 nº1 do CE, de olhar para a retaguarda.
4º) - Caso assim se não entenda, deve ser atribuída à Autora apenas a proporção de 5%.
5º) - A indemnização de € 5.000,00, atribuída na sentença quanto ao dano patrimonial futuro, é miserabilista, devendo ser atribuída a indemnização de € 27.433,88.
6º) - Atendendo aos factos provados, o montante de € 9.000,00, a título de danos não patrimoniais, é escasso, devendo ser-lhe fixado o valor de € 13.978,36.
7º) - A sentença recorrida violou as normas constantes dos arts.3º nº2, 99 e 101 do CE e arts.496 nº1, 562 a 566 do CC.
Contra-alegou a Ré, preconizando a improcedência do recurso.
1.3.2. - Recurso da Ré – síntese das conclusões:
1º) - Não é correcta a repartição das culpas fixada na sentença ( 90% para o condutor e 10% para a Autora ).
2º) - A aplicação das regras do CE aos factos provados conduz a um maior juízo de censura por parte da Autora, tendo sido a principal responsável do acidente por haver violado grosseiramente os deveres de cuidado previstos nos arts.99 e 101 do CE.
3º) - O condutor do veículo não transgrediu o disposto nos arts.3º e 46º do CE, não lhe sendo exigível que buzinasse para evitar o perigo que ignorava e nem a sinalização dos piscas seria causa adequada a evitar o embate, visto que a Autora estava de costas.
4º) - Deve ser alterada a proporção das culpas concorrentes, atribuindo-se 75% à Autora e 25% ao condutor.
5º) - A quantia de € 5.000,00, a título de danos patrimoniais por ter um maior esforço na execução das tarefas carece de fundamento legal, dado que a Autora não perdeu rendimentos.
6º) - A sentença violou o disposto nos arts.3º, 46º, 99º e 101º do CE e arts.496º, 562º e 564º do CC.
II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – Delimitação do objecto do recurso:
Considerando que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões, as questões essenciais que importa decidir são as seguintes:
a) - O problema da culpa na produção do acidente;
b) - A indemnização pelo dano patrimonial futuro;
c) - A indemnização pelo dano não patrimonial.

2.2. – Os factos provados:
1) - No dia 29 de Agosto de 2000, pelas 10 horas, teve lugar um acidente de viação na Rua Adelaide Félix, na Praia do Pedrógão, freguesia de Coimbrão, concelho de Leiria, tendo sido intervenientes no mesmo o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 90-70-OR, conduzido por C..., e a autora, enquanto peão – alínea A) da especificação.
2) - Ao tempo do acidente, o referido automóvel encontrava-se seguro na ré, para onde fora transferida a responsabilidade perante terceiros pela apólice n.º 310001188342 – alínea B) da especificação.
3) - A autora circulava na Rua Adelaide Félix no sentido norte/sul, enquanto o automóvel seguia no sentido sul/norte – alínea C) da especificação.
4) - O condutor do veículo automóvel 90-70-OR, momentos antes, ao chegar ao cruzamento com a Travessa Jesuíno Grilo, parou e fez marcha-atrás, vindo a embater com a traseira do veículo na autora – alínea D) da especificação.
5) - O veículo automóvel acima referido passou pela autora, que circulava a pé seguindo o rumo oposto e a cerca de 25/30 centímetros da berma direita, encostada por isso, e a essa distância, da linha delimitadora do parque de estacionamento assinalado no croqui de fls. 20 que aqui se dá por reproduzido – alínea E) da especificação.
6) - O condutor do veículo automóvel 90-70-OR dispunha-se a estacionar no dito parque e atrás de um veículo já aí estacionado – alínea F) da especificação.
7) - A autora dispunha-se a falar com uma pessoa que naquela altura se encontrava dentro de um carro estacionado no parque de estacionamento referido na alínea E) e quando já tinha passado pela autora o veículo automóvel 90-70-OR – alínea F) da especificação.
8) - O condutor do veículo automóvel 90-70-OR parou já próximo do cruzamento da Travessa Jesuíno Grilo para proceder à manobra de marcha-atrás – resposta ao 3º quesito.
9) - Fazendo essa manobra sem assinalar a mesma por apito ou sinal luminoso – resposta ao 4º quesito.
10) - A autora, após ter sido colidida pela traseira do 90-70-OR, veio a ser arrojada em cerca de um metro e meio pela calçada de pedra, iniciando-se esse arrojamento a cerca de vinte centímetros da linha delimitadora do parque e onde se deu a colisão, terminando cerca de metro e meio mais para sul, ficando riscos sobre as pedras dos seus sapatos e, sobretudo, do peixe que acabara de comprar – respostas aos quesitos 9º, 10º e 11º.
11) - Tal deu origem a que a autora ficasse de imediato caída sobre a estrada e inanimada – resposta ao 12º quesito.
12) - A autora não se apercebeu da movimentação do veículo 90-70-OR quando este descrevia a manobra de marcha-atrás – resposta ao 13º quesito.
13) - Quando a manobra de marcha atrás do veículo 90-70-OR foi iniciada, a autora estava de costas para este veículo – resposta ao 14º quesito.
14) - A Rua Adelaide Félix tinha passeios à data do acidente – resposta ao 15º quesito.
15) - O condutor do 90-70-OR não se apercebeu da presença da autora a transitar na faixa de rodagem – resposta ao 17º quesito.
16) - A autora, antes de sair do passeio para a via, olhou para a sua frente, apercebendo-se da inexistência de carros a circular, não tendo olhado para a sua retaguarda – resposta ao 18º quesito.
17) - Do acidente resultou a perda total do vestuário da autora, discriminando-se o mesmo num Kispo no valor de 20.000$00 (vinte mil escudos), correspondente a € 99,76 (noventa e nove euros e setenta e seis cêntimos), umas calças no valor de 10.000$00 (dez mil escudos), correspondente a € 49,88 (quarenta e nove euros e oitenta e oito cêntimos), uma T-shirt no valor de 8.000$00 (oito mil escudos), correspondente a € 39,90 (trinta e nove euros e noventa cêntimos) e um par de sapatos no valor de 8.000$00 (oito mil escudos), correspondente a € 39,94 (trinta e nove euros e noventa cêntimos) – resposta ao quesito 19º.
18) - Resultou ainda o estrago dos óculos da autora, de montante não apurado, bem como a necessidade de consulta médica na especialidade de oftalmologia para verificação de eventuais lesões e prescrição de lentes de correcção, no valor de 10.000$00 (dez mil escudos), correspondente a € 49,88 (quarenta e nove euros e oitenta e oito cêntimos) – respostas aos quesitos 20º e 21º.
19) - A autora deu entrada imediata no Hospital de Santo André, em Leiria, tendo recebido alta no dia 31 de Agosto de 2000 – resposta ao 22º quesito.
20) - Durante a sua permanência no Hospital de Santo André, em Leiria, a autora foi sujeita a diversos exames e tratamentos que, em conjunto, perfizeram o montante de 8.900$00 (oito mil e novecentos escudos), correspondente a € 44,39 (quarenta e quatro euros e trinta e nove cêntimos) – resposta ao 23º quesito.
21) - Foram receitados à autora, por prescrições hospitalares, medicamentos, incluindo Ben-U-Ron, 500 mg, de forma a fazer face às dores, o que lhe importou um custo de 2.233$00 (dois mil duzentos e trinta e três escudos), correspondente a € 11,14 (onze euros e catorze cêntimos) resposta ao quesito 24º.
22) - Do acidente resultou para a autora um traumatismo crânio-encefálico com perda imediata de conhecimento que perdurou por seis horas, bem como contusão frontal posterior direita justa cortical a nível de média complexidade – respostas aos quesitos 25º e 26º.
23) - Do acidente resultou também rotura de ligamentos da articulação tíbio társica esquerda, escoriações na face e fractura das falanges do polegar direito – resposta ao 27º quesito.
24) - A autora foi acompanhada por médico da especialidade de neurologia, que a acompanhou, consultou e requereu um exame de TAC ao crânio encefálico, despesas que no conjunto perfizeram o montante de 26.400$00 (vinte e seis mil e quatrocentos escudos), correspondente a € 131,68 (cento e trinta e um euros e sessenta e oito cêntimos) – resposta ao 28º quesito.
25) - Para beneficiar do referido acompanhamento médico, a autora teve que se deslocar por duas vezes a Coimbra para consulta de neurologia, o que implicou que percorresse 312 quilómetros, tendo despendido a autora nessas viagens 1.040$00 (mil e quarenta escudos), correspondente a € 5,19 (cinco euros e dezanove cêntimos), no pagamento de portagens – respostas aos quesitos 29º e 30º.
26) - Em virtude do descrito acidente, a autora sofreu lesões que lhe causavam dores intensas ao nível do tornozelo esquerdo – resposta ao 31º quesito.
27) - Tal implicou que recorresse a um médico especialista na área de Ortopedia e Traumatologia, por intermédio do S.A.M.S., que importou a quantia de Esc. 1.100$00 (mil e cem escudos), correspondente a € 5,49 (cinco euros e quarenta e nove cêntimos) – resposta ao 32º quesito.
28) - A autora teve de andar durante cerca de um mês apoiada em canadianas, o que lhe causou incómodo – resposta ao 33º quesito.
29) - Só podendo a autora subir através de elevador para sua casa – resposta ao 34º quesito.
30) - Todo o calçado que a autora usava era desajustado a essa circunstância – resposta ao 35º quesito.
31) - Durante três semanas, a autora não pode permanecer de pé, sendo ajudada pelo seu marido e por uma sua irmã – resposta ao 36º quesito.
32) - A autora socorreu-se de apoio médico na área de Ortopedia no Centro Hospitalar de São Francisco, cuja consulta foi no valor de 7.000$00 (sete mil escudos), correspondente a € 34,92 (trinta e quatro euros e noventa e dois cêntimos) – resposta ao 37º quesito.
33) - E submeteu-se a um RX da tíbio társica esquerda, do pé esquerdo e da mão direita, com a finalidade de diagnóstico, e que lhe importou um custo de 870$00 (oitocentos e setenta escudos), correspondente a € 4,34 (quatro euros e trinta e quatro cêntimos) – resposta ao 38º quesito.
34) - Foram ainda prescritos à autora dois medicamentos, Airtal e Neurobion, que visaram diminuir as dores, e que tiveram um custo, em conjunto, de 860$00 (oitocentos e sessenta escudos), correspondente a € 4,29 (quatro euros e vinte e nove cêntimos) – resposta ao 39º quesito.
35) - A autora foi a uma consulta num médico de Cirurgia Geral por via do sucedido no pé esquerdo, no valor de 10.000$00 (dez mil escudos), correspondente a € 49,88 (quarenta e nove euros e oitenta e oito cêntimos) – resposta ao 40º quesito.
36) - E outra consulta num médico de Clínica Geral, em Leiria, no valor de PTE 8.000$00 (oito mil escudos), correspondente a € 39,90 (trinta e nove euros e noventa cêntimos), por causa das cefaleias constantes de que é acometida – resposta ao 41º quesito.
37) - A seguir, a autora fez 15 sessões de fisioterapia, de acordo com prescrição e relatório médicos, em que se visava a recuperação do traumatismo ao nível do tornozelo esquerdo, e que consistiu na utilização dos métodos de parafina, ultra sons, massagens e Jobstresposta ao 42º quesito.
38) - As 15 sessões de fisioterapia constituíram um custo de 18.750$00 (dezoito mil setecentos e cinquenta escudos), correspondente a € 93,53 (noventa e três euros e cinquenta e três cêntimos), para a autora – resposta ao 43º quesito.
39) - Não tendo sido alcançados ainda os efeitos pretendidos com a fisioterapia, foi recomendado à autora, sob prescrição médica, o prolongamento da terapia por mais 9 sessões, continuando a consistir na utilização dos métodos de parafina, ultra sons, Jobst e massagem manual – resposta ao 44º quesito.
40) - Tais 9 sessões tiveram um custo de 11.250$00 (onze mil duzentos e cinquenta escudos), correspondente a € 56,12 (cinquenta e seis euros e doze cêntimos) – resposta ao 45º quesito.
41) - Como resultado directo do atropelamento, a autora deu entrada no serviço de Urgências do H.S.A. de Leiria no dia 29 de Agosto de 2000, pelas 10 horas e 50 minutos – resposta ao 46º quesito.
42) - Tendo-lhe sido diagnosticado traumatismo crânio-encefálico com perda de conhecimento, amnésia para o acidente e escoriações da região temporo-malar direita, punho direito e tíbio-társica esquerda – resposta ao 47º quesito.
43) - A autora ainda hoje se queixa de cefaleias, nervosismo, alterações de memória e da concentração, e de insónia, situação que antes não acontecia – resposta ao 48º quesito.
44) - Bem como de dores ao nível do pé esquerdo, com impossibilidade do uso de calçado que usava habitualmente antes do acidente – resposta ao 49º quesito.
45) - E ainda de receios de que venha algum carro e lhe bata por detrás, o que a leva a voltar-se com frequência – resposta ao 50º quesito.
46) - A autora esteve sujeita a um período de incapacidade temporária genérica total de 3 dias, do dia 29 até 31 de Agosto de 2000 – resposta ao 51º quesito.
47) - Durante o período compreendido entre 1 e 30 de Setembro de 2000, a autora padeceu de uma incapacidade temporária genérica parcial de 60% (sessenta por cento) – respostas aos quesitos 52º e 56º.
48) - Entre as datas de 1 de Outubro de 2000 e 2 de Fevereiro de 2001, a autora padeceu de uma incapacidade temporária genérica parcial de 30% (trinta por cento) – resposta aos quesitos 54º e 56º.
49) - A autora é reformada – resposta ao 57º quesito.
50) - A autora, tendo sido contabilista, continua a executar trabalhos de contabilidade, em regime liberal – resposta ao 58º quesito.
51) - Devido às lesões descritas, e entre 29 de Setembro de 2000 e 2 de Fevereiro de 2001, a autora ficou impossibilitada de executar algumas tarefas que desempenhava à altura do acidente – resposta ao 59º quesito.
52) - À data do acidente, a autora continuava a exercer contabilidade para algumas empresas e particulares – resposta ao 60º quesito.
53) - O seu rendimento como aposentada era, na altura, de PTE 144.840$00 (cento e quarenta e quatro mil oitocentos e quarenta escudos), correspondente a € 722,64 (setecentos e vinte e dois euros e sessenta e quatro cêntimos) – resposta ao 61º quesito.
54) - Durante o período de incapacidade temporária, o quantum doloris da autora foi moderado (dentro do seguinte escalonamento: Grau 1 – muito ligeiro; Grau 2 – ligeiro; Grau 3 – moderado; Grau 4 – médio; Grau 5 – Considerável; Grau 6 – Importante; Grau 7 – Muito Importante) – resposta ao 62º quesito.
55) - Em consequência das lesões resultantes do acidente a que se reportam os autos, a autora passou a sofrer de incapacidade parcial permanente de 15% (quinze por centro) – resposta ao 63º quesito.
56) - A autora, em consequência da incapacidade, terá que fazer maior esforço em todas as tarefas que levar a cabo, incluindo vestir-se, calçar-se ou andar – resposta ao 64º quesito.
57) - À data do acidente, a autora tinha 51 anos – resposta ao 65º quesito.
58) - A autora é muitas vezes acometida de receios de andar na rua, pânico e grande cansaço – resposta ao 66º quesito.
59) - O seu pé esquerdo incha com frequência – resposta ao 67º quesito.
60) - As dores no pé esquerdo, o seu inchaço e as dores na sua mão direita agravam-se com as mudanças de tempo – resposta ao 68º quesito.
61) - As lesões sofridas pela autora são irreversíveis – resposta ao 69º quesito.
62) - Por carta registada com aviso de recepção, datado este de 20 de Fevereiro de 2001, a autora pediu à ré a quantia de 9.159.703$00 (nove milhões cento e cinquenta e nove mil setecentos e três escudos), correspondente a € 45.688,41 (quarenta e cinco mil seiscentos e oitenta e oito euros e quarenta e um cêntimos), a título de indemnização pelos danos sofridos – resposta ao 70º quesito.
63) - Em consequência do acidente de viação relatado nos autos, a autora caiu ao chão com a cabeça e a face do lado direito – resposta ao 71º quesito.
64) - Tendo ficado com escoriações na região temporo-malar desse lado direito – resposta ao 72º quesito.
65) - Em meados do ano de 2001, a autora passou a sentir dores ao nível do malar direito, apanhando essas dores a zona da cabeça desse lado, bem como o ouvido – resposta ao 73º quesito.
66) - Como a situação permanecesse e as dores na cara e cabeça aumentassem, a autora foi a um dentista em Pombal em Abril de 2002, que lhe diagnosticou um desnível dos maxilares – resposta ao 74º quesito.
67) - Sendo essa a causa de a autora sentir com frequência esticões ao nível do malar direito com um efeito de dormência da face desse lado e dores com as mudanças de tempo – resposta ao 75º quesito.
68) - A autora apresenta uma luxação meniscal irredutível do lado direito confirmada com axiografia e exame clínico, que é compatível com uma história de traumatismo a nível do malar direito – resposta ao 76º quesito.
69) - As lesões descritas nos quesitos 73º a 76º foram causadas pelo acidente relatado nos autos – resposta ao 77º quesito.
70) - Em consequência das mesmas, a autora submeteu-se a um tratamento de equilíbrio oclusal clínico em Abril de 2002, tendo despendido no mesmo a quantia de € 473,00 (quatrocentos e setenta e três euros) – resposta ao 78º quesito.
71) - A situação decorrente da lesão descrita no quesito 76º manter-se-á no futuro – resposta ao 79º quesito.
72) - Caso a autora não siga tratamentos de controlo, as dores com as mudanças de tempo aumentarão – resposta ao 80º quesito.

2.3. – 1ª QUESTÃO / O problema da culpa:
A sentença recorrida, na ponderação da dinâmica factual do acidente, concluiu pela existência de culpas concorrentes, na proporção de 90% para o condutor do veículo automóvel e 10% para a Autora/lesada ( peão ).
O condutor do veículo por ter efectuado a manobra de marcha a trás, com violação das regras dos arts.3º, 35º, e 46º do CE, e a Autora por haver infringido os arts.99º e 101º do mesmo diploma legal.
Reconhece a Ré/apelante a violação do art.35 do CE, por parte do condutor, rejeitando, porém, a infracção aos arts.3º e 46 do CE, e, imputando a principal responsabilidade à Autora, reclama a alteração da estabelecida proporção de culpas ( 75% para a Autora e 25% para o condutor ).
Em contrapartida, considera a Autora/apelante não ter violado o normativo citado, logo deve ter-se por excluída a sua culpa, ou subsidiariamente ser diminuído o grau de culpa para a percentagem de 5%.
Circulando na Rua Adelaide Félix ( sentido sul/norte ), momentos antes de chegar à Travessa Jesuíno Grilo, o condutor do veículo automóvel ( Hélder Calixto ) parou e fez marcha-atrás, a fim de estacionar num parque de estacionamento situado do lado direito.
O acidente ocorreu no decurso dessa manobra, colidindo com a parte traseira na Autora, arrojando-a alguns metros, depois desta haver saído do passeio para a faixa de rodagem, a fim de falar com uma pessoa que estava no interior de um veículo estacionado no dito parque.
A marcha–atrás representa um perigo acrescido na circulação rodoviária, de tal forma que a lei só a permite como manobra auxiliar ou de recurso, devendo efectuar-se “lentamente e no menor trajecto possível” e apenas “ em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito”, como resulta da conjugação dos arts.35º e 46 nº1 do CE.
Para além da obrigatoriedade das luzes de perigo, luz de marcha atrás destinada a iluminar a retaguarda do veículo e avisar os outros utentes ( art.60 nº1 f) do CE ), a lei actual ( art.20 nº1 do CE ) não prevê expressamente a obrigação de sinalização desta manobra, tal como constava do correspondente art.13º nº2 do CE/1954 ( “… depois de feitos os sinais regulamentares e tomadas as precauções necessárias “).
Contudo, a obrigação de sinalizar decorre dos princípio geral contido no art.35º do CE, por consubstanciar um meio adequado a evitar o perigo ou embaraço, e mais explicitamente do art.12º nº1 do mesmo diploma legal, ao pressupor que ao iniciar ou retomar marcha, logo se incluindo a marcha-atrás, o condutor deve assinalar com a necessária antecedência a sua intenção e adoptar as precauções necessárias, constituindo ambas as normas um claro afloramento do princípio geral do dever de cuidado ou de prevenção do perigo inerente à circulação rodoviária.
Sendo assim, dada a caracterização da própria manobra em si, a sinalização adequada tanto pode ser a luminosa, através das luzes de perigo ( art.60 nº1 e) do CE ), como inclusive a sonora ( art.21º nº2 a) do CE ), em caso de perigo iminente, sobretudo quando a manobra de marcha-atrás se apresenta como manobra de recurso, pois apresentando-se como auxiliar, o condutor está imperativamente vinculado à sinalética da manobra principal, que com aquela procura alcançar.
No caso concreto, a marcha-atrás traduziu-se como manobra auxiliar ou preparatória da de estacionamento ( art.48 do CE ), também qualificada como manobra especial, como, aliás, resulta da própria inserção sistemática, e sendo ambas permitidas no local, o certo é que sobre o respectivo condutor impendia a obrigação de sinalizar a “manobra-principal “, utilizando a luz de mudança de direcção prevista na alínea d) do nº1 do art.60 do CE, agora directamente imposta pelo art.20 nº1 do CE e art.105 nº1 do Regulamento de Sinalização do Trânsito ( Dec. Regulamentar nº22-A/98 de 1/10 ).
Sucede que o condutor do veículo não fez qualquer sinalização luminosa ou sonora ao efectuar tal manobra, a que estava adstrito.
Por outro lado, tal como se justificou na sentença recorrida, foi também violada a regra do art.46 nº1 do CE, extraindo-se da dinâmica factual do acidente que a manobra de marcha atrás não ocorreu lentamente, como decorre do facto de, após o embate, a Autora haver sido arrojada durante uma distância de cerca de metro e meio, com marcas no pavimento.
A isso não obsta, contrariamente ao preconizado pela Ré/apelante, a circunstância de não se ter provado que a manobra fora feita repentinamente ( versão da Autora ) ( cf. resposta restritiva ao quesito 4º e resposta negativa ao quesito 6º ), ou que o condutor a realizou lentamente, a uma velocidade não superior a 5/10 Km/h ( versão da Ré ) ( cf. resposta negativa ao quesito 16º ).
É que, conforme orientação jurisprudencial uniforme, a resposta negativa a um quesito não corresponde à prova do contrário, tudo se passando como se o facto não fosse alegado.
Considerou-se na sentença recorrida ainda a violação do art.3º nº2 do CE, tendo subjacente que nele se postula um princípio geral do dever de diligência ou de cuidado, objectando a Ré/apelante com a errada aplicação, visto não ter sido afectada a liberdade de circulação da Autora, tanto mais que fazia uso ilegal da faixa de rodagem.
Como resulta da própria sistemática, esta norma insere-se no âmbito dos princípios gerais do Código da Estrada, à semelhança do antecedente art.1º nº2 do CE/54, visando tutelar a liberdade de trânsito ou de circulação de quaisquer utentes das vias, condutores ou não, impondo um dever geral de abstenção dirigido a todas as pessoas ( sujeitos activos ).
O conteúdo deste dever abrange os actos que impeçam ou embaracem o trânsito rodoviário, a segurança e comodidade dos utentes das vias, ou seja, um dever geral de cuidado ou de prevenção do perigo, de que o art.35º constitui uma concretização específica para determinadas manobras.
Adoptando-se esta ampla concepção, que pode ser corroborada pelo argumento teleológico e sistemático, o reconhecimento pela Ré da violação do art.35º do CE leva implícito também a violação da regra do art.3º nº2 do CE, como princípio geral orientador daquele.
Nesta perspectiva, para além de omitir o respectivo dever de sinalização, é evidente que o condutor do veículo automóvel omitiu também e sobretudo o dever geral de cuidado ao realizar tais manobras, já que não diligenciou, independentemente das características do veículo e do posicionamento da Autora, no sentido de apurar se a estrada à sua retaguarda estava desimpedida, para as realizar em segurança e sem perigo.
Mas também a Autora concorreu culposamente para o acidente, como se fundamentou consistentemente na sentença impugnada, com manifesta violação dos arts.99 nº1 e 101 nº4 do CE.
Na verdade, o acidente ocorreu na faixa de rodagem, para onde se deslocou a Autora, onde lhe era vedado circular ou parar.
Ao deixar o passeio e entrar na faixa de rodagem, a Autora não cumpriu, em toda sua plenitude, o dever geral de cuidado, imposto pelo art.3º nº2 do CE, pois limitou-se apenas a olhar para a frente, no sentido em que se dirigia, sendo-lhe exigível que o fizesse para ambos os lados da via, a fim de se certificar previamente a ausência de perigo.
Concorrendo a conduta culposa da própria lesada para a eclosão do sinistro, impõe-se ponderar a medida da responsabilidade de cada um dos intervenientes no acidente para efeitos do cálculo indemnizatório, segundo o critério do nº1 do art.570 do CC, cuja ratio é explicitada pela ideia jurídica de uma autoresponsabilidade do lesado.
Ao prever a total concessão, redução ou mesmo exclusão, o preceito está a considerar o valor total dos danos e em caso de redução, que aqui se evidencia adequada e proporcional, deve ser feita em função do grau de responsabilidade de cada um dos intervenientes, tarefa difícil que não pode limitar-se a uma mera “geometria “, pressupondo uma valoração comparativa das condutas fácticas do lesante e do lesado, na perspectiva da sua própria intensidade e o recurso a outros factores relevantes, não bastando, por si só, a natureza da norma violada e o espectro da sua tutela ou a pluralidade de infracções.
Porém, a respectiva fixação não tem por base apenas a “gravidade das culpas”, mas também as “ consequências que dela resultarem “, ou seja, é necessário determinar em que medida as culpas efectivas contribuíram para a gravidade, maior ou menor dos danos produzidos ( cf., por ex., Ac do STJ de 25/1/83, BMJ 323, pág.385, de 9/1/86, BMJ 353, pág.411 ).
Pois bem, na ponderação global da dinâmica do acidente, patenteia-se que a gravidade da culpa é manifestamente superior para o condutor do veículo automóvel, já que a sua actuação é passível de um juízo de censura ético-jurídico mais intenso, e, por outro lado, os danos produzidos por um embate são tanto mais graves quanto maior é o impacto resultante da maior potencialidade danosa do veículo automóvel no confronto com o peão.
Neste contexto, consideramos mais adequada a repartição das culpas na proporção de 80% para o condutor do veículo e 20% para a Autora.

2.4. – 2ª QUESTÃO / A indemnização pelo dano patrimonial futuro:
A sentença recorrida fixou a indemnização pelo dano patrimonial futuro no montante € 5.000,00, reclamando a Autora a quantificação de € 27.433,88.
Por seu turno, a Ré entende não ser ressarcível o dano, em virtude de não haver perda de rendimento.
Para além de um período de incapacidade temporária ( desde a data do acidente até 2/2/2001), a Autora ficou com uma IPP de 15%, o que implica um maior esforço em todas as tarefas que levar a cabo, incluindo vestir-se, calçar e andar.
Estando em causa não só o maior esforço despendido na actividade laboral, visto que apesar de reformada continua a trabalhar em contabilidade, em regime liberal, mas também a actividade da lesada como pessoa, afectada por uma incapacidade fisiológica significativa, ou seja, a sua incapacidade funcional, é hoje indiscutível tratar-se de uma dano patrimonial futuro ( art.564 nº2 do CC ).
Na verdade, a afectação da pessoa do ponto de vista funcional, na envolvência do que vem sendo designado por dano biológico, determinante de consequências negativas a nível da sua actividade geral, justifica a indemnização no âmbito do dano patrimonial, para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial ( cf., por ex., Ac do STJ de 21/9/94, de 7/10/04, de 13/1/2005, in www dgsi.pt/jstj ).
Muito embora as regras gerais do processo indemnizatório, designadamente a “ teoria da diferença “, se ajustem mais facilmente, à diminuição da capacidade de ganho, o certo é que a incapacidade funcional ou “ dano fisiológico”, numa perspectiva sistémica da teoria geral da indemnização, implica a ressarcibilidade, enquanto dano patrimonial futuro ( cf. ÁLVARO DIAS, Dano Corporal - Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Coimbra - Almedina - 2001, págs. 255 a 265 ).
Nos casos em que o lesado não exerce qualquer actividade profissional remunerada ou exercendo-a não houve perda de salário ou de rendimento, tanto a doutrina como a jurisprudência é hoje unânime no sentido da ressarcibilidade do dano ( cf., neste sentido, VAZ, RLJ ano 102, pág.296, ANTUNES VARELA, Obrigações, vol.I, pág.910; Ac STJ de 5/2/87, BMJ 364, pág.819, de 17/5/94, C.J. ano II, tomo II, pág.101, de 6/4/04, de 21/9/04, www dgsi.pt/jstj ).
Para a quantificação do dano corporal, serão convocadas as normas dos arts.564 e 563 nº3 do Código Civil, onde se extrai a legitimação do recurso à equidade ( art.4 do Código Civil ) e a desvinculação relativamente a puros critérios de legalidade estrita, pois não está instituído ainda em Portugal um sistema tarifado, semelhante à “ baremación “, vigente em Espanha, com a Ley nº30/1995 de 8/11, vinculativo para os tribunais, ou o modelo francês das “ barèmes “.
Nesta medida, o direito equitativo não se compadece com uma construção apriorística, emergindo, porém, do “ facto concreto ”, como elemento da própria compreensão do direito, rectius, um direito de resultado, em que releva a força criativa da jurisprudência, verdadeira law in action, com o imprescindível recurso ao “ pensamento tópico” que irá presidir à solução dos concretos problemas da vida.
Reportado especificamente à quantificação da indemnização através de juízos de equidade, LARENZ afirma que se exige do juiz a formulação de “ juízos de valor “, devendo orientar-se “ em primeiro lugar por casos singulares e sua apreciação na jurisprudência, mas seguindo para além disso, a sua própria intuição axiológica ( Metodologia da Ciência do Direito, pág.335 ).
Nos casos em que há perda da capacidade aquisitiva, a indemnização deve ser calculada em atenção ao tempo provável da esperança média de vida, de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final desse período.
Estando em causa a indemnização pelo dano corporal, sem diminuição de rendimento, a jurisprudência tem-se socorrido de idêntico critério ( teoria da diferença ) para aferir do juízo de equidade.
Como é sabido, têm sido vários os critérios utilizados para o cálculo da indemnização, mas quaisquer tabelas financeiras para o cálculo indemnizatório não são vinculativas, apenas servindo como critério geral de orientação para a determinação equitativa do dano (art.566 nº3 Código Civil), sendo, por isso, de repudiar a utilização pura e simples de critérios mais positivistas, assentes em equações de complexidade variável, como determinadas fórmulas matemáticas utilizadas em alguns arestos, encontrando-se criticamente comentadas no estudo do Cons. SOUSA DINIS, “ Dano Corporal em Acidente de Viação “, publicado na C.J. do STJ ano V, tomo II, pág.11, e mais recentemente na C.J. ano IX, tomo I, pág.6 e segs.
Neste contexto, tendo por base os princípios gerais exposto, para a determinação equitativa do dano patrimonial futuro do lesado, relevam, designadamente, os seguintes tópicos: mantendo-se o dano fisiológico para além da vida activa, é razoável que, no juízo de equidade sobre o dano patrimonial futuro, se apele à esperança média de vida, que, segundo as estatísticas, no nosso país se situa em 71,40 anos para os homens e 78,65 anos para as mulheres; a evolução profissional e os reflexos a nível remuneratório, quer se trabalhe por conta própria ou de outrem, ou até as duas actividades em simultâneo; a taxa de inflação e a taxa de rentabilidade do capital, baseadas num juízo de previsibilidade; a percentagem de IPP e a natureza das lesões.
A Autora tinha 51 anos de idade à data do acidente, traduzindo-se a esperança média de vida em mais 27 anos.
Não se apurando concretamente o rendimento auferido na actividade liberal de contabilista, para o cálculo do dano patrimonial futuro vamos tomar como referência apenas o rendimento anual da reforma ( € 10.116,96 ) e considerando a IPP de 15%, implicaria uma perda de rendimento que ascende a € 1.517,54, o que permite alcançar ao fim dos 27 anos o valor de € 40.973,58.
Contudo, esta importância, não vinculativa, sempre teria de sofrer um ajustamento, já que a lesada vai receber de uma só vez, aquilo, que em princípio deveria receber em fracções anuais, para se evitar uma situação de injustificado enriquecimento à custa alheia.
Acrescem outros factores que, sendo projectados no futuro, não é possível quantificar, como, por exemplo, a evolução dos rendimentos, a inflação e variabilidade das taxas de capitalização, sabendo-se, no entanto, que as lesões são irreversíveis.
Em juízo de equidade, estima-se o dano no valor de € 28.000,00, reduzido com a proporção da culpa ( 80% ) ao montante de € 22.400,00.

2.5. - 3ª QUESTÃO / Os danos não patrimoniais:
A sentença recorrida fixou em € 8.100,00 a indemnização correspondente aos danos não patrimoniais, levando em conta já o grau de responsabilidade da Ré, quantia que esta considera exagerada e a Autora pretende o seu aumento para o montante de € 13.978,36.
A indemnização pelos danos não patrimoniais não visa reconstituir a situação que existiria se não ocorresse o evento, mas sim compensar o lesado, tendo também uma função sancionatória sobre o lesante.
A doutrina e a jurisprudência têm teorizado sobre os modos de expressão do dano não patrimonial, distinguindo-se, como mais significativos, o chamado “ quantum doloris “, ou seja, as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária; o “ dano estético “, o “ prejuízo de afirmação pessoal “, dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes, o prejuízo da “ saúde geral e longevidade, que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar, o “ pretium juventutis “.
Como critério de determinação equitativa para o equivalente económico do dano não patrimonial ( arts.496 nº3 e 494 do Código Civil ), há que atender à natureza e intensidade do dano, ao grau de culpa, à situação económica do lesado e do responsável, bem como ao valor actual da moeda e aos padrões jurisprudenciais.
Segundo os elementos factuais disponíveis, ressalta, desde logo, o maior grau de culpa do condutor do veículo seguro na Ré autor da lesão e quanto à situação económica concreta do Autora sabe-se que era reformada, exercendo a actividade de contabilista.
Por outro lado, é de realçar sobremaneira a natureza e intensidade dos danos, conforme resulta dos factos descritos.
Em consequência do acidente, a Autora, então com 51 anos de idade, sofreu traumatismo crânio-encefálico com perda imediata de conhecimento que perdurou por seis horas, bem como contusão frontal posterior direita justa cortical a nível de média complexidade e também rotura de ligamentos da articulação tíbio társica esquerda, escoriações na face e fractura das falanges do polegar direito.
Esteve hospitalizada e foi sujeita a diversos exames e tratamentos, ficando afectada com uma IPP de 15%, pelo que terá que fazer maior esforço em todas as tarefas que levar a cabo, incluindo vestir-se, calçar-se ou andar.
É muitas vezes acometida de receios de andar na rua, pânico e grande cansaço, inchando com frequência o pé esquerdo e tem dores na mão direita, agravadas com as mudanças de tempo.
Ainda hoje se queixa de cefaleias, nervosismo, alterações de memória e da concentração, e de insónia, situação que antes não acontecia, bem como de dores ao nível do pé esquerdo, com impossibilidade do uso de calçado que usava habitualmente antes do acidente.
Em matéria de acidentes de viação, assistiu-se nas últimas décadas a uma evolução significativa quanto aos padrões da indemnização, a fim de se evitarem prejuízos irreparáveis aos lesados.
De resto, nesta linha de evolução, entre outros tópicos, apela-se, por exemplo, aos critérios da convergência real das economias no seio da União Europeia, facto notório, na carecido de alegação ou prova ( art.514 do CPC ), aos montantes mínimos do seguro automóvel obrigatório fixados pelo DL 3/96 de 25/1, em aplicação da Directiva do Conselho, 84/5 de 30/12/83 ( Segunda Directiva-Seguros ), aos seus constantes aumentos e dos respectivos prémios, como índices emergentes da preocupação legal de protecção dos lesados em matéria de acidentes de viação ( cf. por ex., Ac STJ de 1/3/2001, anotado por CALVÃO DA SILVA, na RLJ ano 134, pág.112 e segs.).

Nesta perspectiva, e porque os danos não patrimoniais devem ser dignamente compensados, a indemnização, adrede estabelecida na 1ª instância, não se mostra, salvo o devido respeito, adequada à gravidade do dano, mesmo levando em conta a proporção das culpas, estimando-se equitativamente o dano em € 13.000,00, actualizado à data da prolação da sentença.
Considerando que os danos patrimoniais emergentes importaram em € 1.793,27, correspondendo 80% a € 1.434,61, a soma total dos danos liquidados ascende ao valor global de € 36.834,61.
Em resumo, improcede a apelação da Ré, procedendo parcialmente a da Autora, alterando-se em conformidade a douta sentença recorrida.


III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar improcedente a apelação da Ré.
2)
Condenar a Ré nas custas da sua apelação.
3)
Julgar parcialmente procedente a apelação da Autora e alterando-se a sentença recorrida, condena-se a Ré a pagar à Autora:
a) – A quantia de € 23.834,61 (vinte e três mil oitocentos e trinta e quatro euros e sessenta e um cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal sucessivamente em vigor, actualmente de 4% ao ano, a contar da data de 20 de Fevereiro de 2001 e até efectivo pagamento;
b) – A quantia de € 13.000,00 ( treze mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal sucessivamente em vigor, actualmente de 4% ao ano, a contar de 9 de Junho de 2004 ( data da prolação da sentença ) e até efectivo pagamento;
c) – A quantia que vier a ser liquidada, relativamente a despesas médicas e medicamentosas relacionadas com a luxação meniscal sofrida pela autora, ao nível do malar direito, na proporção de 80% ( oitenta por cento ) das aludidas despesas.
3)
Condenar a Autora nas custas da apelação, na proporção do decaimento.
4)
As custas da 1ª instância serão suportadas pela Autora e Ré na proporção do decaimento.
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COIMBRA, 26 de Abril de 2005.