Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1359/09.0TBTMR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
RELAÇÃO DE CRÉDITOS
ASSEMBLEIA DE CREDORES
Data do Acordão: 03/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.52, 53, 73, 76, 129, 130, 154 CIRE
Sumário: 1. - Os credores podem, na primeira assembleia de credores realizada após a nomeação administrador da insolvência, eleger para exercer este cargo outra pessoa, mas isso só é viável, nos termos do n.º 1 do artigo 53.º do CIRE, se for junta aos autos declaração de aceitação por parte do administrador proposto.

2. - O prazo de 15 dias previsto no n.º 1 do artigo 129.º do CIRE não é peremptório nem cominatório, podendo e devendo o administrador juntar a lista dos credores reconhecidos e não reconhecidos após aquele prazo ter decorrido.

3. - Se o administrador não reconhecer alguns dos créditos na apreciação que fez para efeitos do n.º 1 do artigo 129.º do CIRE e essa mesma posição for levada à assembleia de credores, os credores cujos créditos não sejam reconhecidos não têm direito a votar na assembleia, por força do disposto na al. b), do n. 1, do artigo 73.º do CIRE.

Decisão Texto Integral: 1.º Recurso.

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2.ª secção cível):


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Recorrente  G (…) S.A., com sede (…) .

Recorrido…S (…), Ld.ª, com sede em (…), .


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I. Relatório.

a) O presente processo respeita à apresentação à insolvência requerida S (…) Ld.ª, a qual foi declarada em estado de insolvência por sentença que já transitou em julgado.

No decurso da assembleia de credores, realizada no dia 24 de Setembro de 2010, na qual se apreciou o relatório do administrador, a recorrente G (…)., pediu a substituição do administrador da insolvência nomeado, por um novo administrador, cujo nome indicou.

Por despacho de 27 de Setembro de 2010 foi indeferida a pretensão da requerente, por não se ter encontrado qualquer motivo justificativo para a substituição.

b) A recorrente alega, em síntese, que, em seu entender, o tribunal não podia ter deixado de proceder à substituição, na medida em que foi requerida pela maioria dos credores presentes na assembleia, tendo o apoio da lei, na medida em que o n.º 1 do artigo 53.º do CIRE determina, precisamente, que «…os credores podem, na primeira assembleia realizada após a designação do Administrador da Insolvência, eleger para exercer o cargo outra pessoa, inscrita ou não na lista oficial...».

Por sua vez, o n.º 3 deste artigo diz que «O Juiz só pode deixar de nomear como administrador da Insolvência a pessoa eleita pelos credores, em substituição do administrador em funções se considerar que a mesma não tem idoneidade ou aptidão para o exercício do cargo, que é manifestamente excessiva a retribuição aprovada pelos credores ou, quando se trate de pessoa não inscrita na lista oficial, que não se verifica nenhuma das circunstâncias previstas no número anterior».

Devendo, por conseguinte, ser revogado tal despacho para que possa ser nomeado o administrador indicado.

O magistrado do Ministério Público contra-alegou para sustentar que a recorrente não tem razão, na medida em que o requerimento em questão para ter êxito carecia de ser secundado por uma declaração de aceitação do administrador indicado, como vem referido no n.º 1 do artigo 53.º da CIRE.

c) O objecto deste primeiro recurso consiste, por conseguinte, em saber se o juiz devia ter procedido à substituição do administrador face ao pedido feito ou se o êxito do pedido dependia de prévia aceitação por parte do administrador indigitado e junção ao processo de documento contendo essa declaração.

II. Fundamentação.

1. A matéria provada relevante para a questão a decidir é a que ficou indicada no relatório que antecede.

2 - Passando à análise da questão objecto do recurso.

A resolução da questão colocada pelo recurso vem resolvida no artigo 53.º do CIRE, onde se disciplina a «escolha de outro administrador pelos credores», cuja redacção é a seguinte:

«1 - Sob condição de que previamente à votação se junte aos autos a aceitação do proposto, os credores podem, na primeira assembleia realizada após a designação do administrador da insolvência, eleger para exercer o cargo outra pessoa, inscrita ou não na lista oficial, e prover sobre a remuneração respectiva, por deliberação que obtenha a aprovação da maioria dos votantes e dos votos emitidos, não sendo consideradas as abstenções.

2 - A eleição de pessoa não inscrita na lista oficial apenas pode ocorrer em casos devidamente justificados pela especial dimensão da empresa compreendida na massa insolvente, pela especificidade do ramo de actividade da mesma ou pela complexidade do processo.

3 - O juiz só pode deixar de nomear como administrador da insolvência a pessoa eleita pelos credores, em substituição do administrador em funções, se considerar que a mesma não tem idoneidade ou aptidão para o exercício do cargo, que é manifestamente excessiva a retribuição aprovada pelos credores ou, quando se trate de pessoa não inscrita na lista oficial, que não se verifica nenhuma das circunstâncias previstas no número anterior».

Verifica-se face a esta norma que os credores podem, na assembleia de credores, eleger para exercer o cargo de administrador da insolvência pessoa diversa da nomeada pelo tribunal.

Porém, como sustenta o Ministério Público, a lei exige uma condição: «que previamente à votação se junte aos autos a aceitação do proposto».

Significa isto que, antes de feito o pedido ou ao mesmo tempo, esteja no processo um documento em que o administrador proposto declare que aceita o cargo de administrador, no caso de ser proposto e eleito pelos credores.

Ora, tal declaração não se encontrava nem se encontra nos autos, pelo que, a condição prévia exigida para a eventual substituição do administrador nomeado não foi preenchia.

Por conseguinte, a decisão do tribunal não podia ter deixado de ser a de indeferimento.

É certo que o tribunal se baseou para o indeferimento noutras razões, mas a decisão tomada é a que se impunha no caso, como resulta do exposto.

Improcede, pois, o recurso.

III. Decisão.

Considerando o exposto, embora com fundamento diverso, confirma-se o despacho recorrido  e julga-se o recurso improcedente.

Custas pela recorrente.


***

2.º Recurso.

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Recorrente  G (…) S.A., com sede (…) .

………………W (…) Ld.ª, melhor identificada nos autos.

………………WS (…), Ld.ª, melhor identificada nos autos.

Recorrido…S (…), Ld.ª, com sede (…), .


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I. Relatório.

a) No âmbito da sentença de insolvência proferida neste processo, em 23 de Julho de 2010, publicada em Diário da República de 12 de Agosto de 2010, o prazo para a apresentação das reclamações de créditos foi fixado em 30 dias e terminou em 13 de Setembro de 2010.

Nos termos do n.º 1 do artigo 129.º do CIRE, nos quinze dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador de insolvência deve apresentar duas listas por ordem alfabética de todos os créditos reconhecidos e não reconhecidos.

No dia 24 de Setembro de 2010 realizou-se a reunião da assembleia de credores tendo o administrador da insolvência apresentado o relatório e feito uma exposição sobre o mesmo, tendo concluído pelo encerramento e liquidação do activo.

A continuação da assembleia em curso acabou por ser transferida nesse dia para o dia 8 de Outubro e, mais tarde, por despacho, para o dia 13 do mesmo mês, devido ao facto da insolvente ter referido, através do seu mandatário, que havia bens móveis e se ter prontificado a fornecer os elementos contabilísticos ao administrador, aos quais este ainda não tinha tido acesso.

No relatório apresentado à assembleia constava sob o título «Créditos Reclamados e Reconhecidos (Lista Provisória à data de 17-09-2010)», como credores, o Serviço de Finanças de ..., com um crédito de €313 181,30 euros; a sociedade G (…)S.A. com um crédito de €115 570,05 euros; a sociedade W (…) por €126 846,89 euros e a sociedade W S (…) com um crédito de €79 776,43 euros.

Não consta da acta da assembleia qualquer referência a estes créditos.

Na reunião da assembleia de credores de 13 de Outubro foi proferido despacho a ordenar que se desse conhecimento aos credores da lista constante de folhas 2 a 6 do apenso da reclamação de créditos, relativas aos créditos reconhecidos e não reconhecidos pelo administrador, da qual resulta que o administrador apenas reconheceu o crédito do Serviço de Finanças de ..., mas não os créditos das sociedades G (…), W (…) e WS (…).

O tribunal decidiu ainda considerar apenas como credores com direito de voto nessa assembleia os credores dos créditos não impugnados, isto é, apenas admitiu como credor com direito de voto o Serviço de Finanças de ....

b) É desta decisão que as recorrentes interpuseram o presente recurso, com o qual pretendem a sua revogação, com o fim de serem admitidas a votar na assembleia de credores.

c) Argumentam, em síntese, da seguinte forma:

1 - Na assembleia de 24 de Setembro de 2010 não houve oposição aos créditos então apresentados, nomeadamente os indicados no relatório que ao tempo foi apresentado.

Não foram apresentadas impugnações das listas apresentadas pelo administrador da insolvência.

O prazo para a apresentação da relação dos créditos reclamados reconhecidos e não reconhecidos terminou em 1 de Outubro de 2010.

Destes factos resulta que o tribunal tinha de ter homologado a lista dos credores reconhecidos, tal como foi apresentada pelo administrador da insolvência, graduando os créditos em função dessa lista.

Esta conclusão estriba-se no n.º 3 do artigo 130.º do ClRE, onde se dispõe que «Se não houver impugnações, é de imediato proferida a sentença de verificação e graduação de créditos, em que salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo Administrador da Insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista».

Tendo sido homologadas as listas de créditos reconhecidos e não reconhecidos apresentadas pelo administrador da insolvência, na assembleia de credores, realizada em 24 de Setembro de 2010, não podia, depois, aceitar as novas listas apresentadas pelo administrador da insolvência, em assembleia de credores realizada em 13 de Outubro de 2010.

Porque, repete-se, o prazo para a impugnação, por qualquer credor, da lista de créditos reconhecidos, havia terminado em 11 de Setembro de 2010.

Daí que a admissão das listas apresentadas pelo administrador da insolvência, na assembleia de credores de 13 de Outubro de 2010, tenha violado o disposto nos artigos 129.º e 130.º do CIRE.

2 – No caso hipotético da admissão da nova lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos.

a) Nesta hipótese, encontrava-se ainda a correr o prazo para as credoras ora recorrentes poderem impugnar ainda a referida lista de créditos reconhecidos.

Com efeito, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 130.º do CIRE, a lista de credores reconhecidos pode ser impugnada nos 10 dias seguintes ao prazo de 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações de créditos.

A lista de créditos reconhecidos apresentada pelo administrador da insolvência foi impugnada pelas ora recorrentes.

b) As recorrentes pediram para ser admitidas a votar na assembleia de credores sem limitação de voto, ficando a limitação de voto dependente do resultado do vencimento da impugnação porquanto, em resultado de vencimento da respectiva impugnação, entendem os credores que não fará sentido retomar o inicio da assembleia.

c) A «alteração» da posição do administrador da insolvência foi orientada para evitar a sua substituição.

Com efeito, na assembleia do dia 24 de Setembro de 2010, os credores que dispunham da maioria dos créditos então reconhecidos, solicitaram a substituição do administrador da insolvência.

O juiz entendeu, sem mais e sem voto ou pronúncia dos credores, determinar o adiamento da assembleia de credores (quando estavam reunidos os elementos que permitiam deliberar sobre o relatório do administrador).

Nesse intervalo de tempo, o administrador da insolvência, que de antemão sabia do pedido para a sua substituição, veio a «criar» razões para o não reconhecimento dos créditos, evitando assim que os credores que pretendiam a sua substituição pudessem fazer vencimento sobre o crédito da Fazenda Nacional.

d) A votação ocorrida na Assembleia de Credores, realizada no dia 13 de Outubro de 2010, é nula.

Foi requerida a substituição do administrador da insolvência na assembleia de credores, realizada em 24 de Setembro de 2010, pelo que, tal facto, por si só, justifica a actuação (posterior) do administrador da insolvência (encontrando-se pendente um recurso no Tribunal da Relação de Coimbra), na medida em que os argumentos apresentados para o não reconhecimento dos créditos das credoras ora recorrentes não se encontram devidamente fundamentados.

e) Os prazos constantes dos artigos 129.º e 130.º do CIRE foram largamente ultrapassados pelo Administrador da Insolvência e pela credora Fazenda Nacional. As recorrentes impugnaram as listas apresentadas pelo Administrador da insolvência em 13 de Outubro de 2010.

O crédito reclamado pela credora G (…), S.A., é um crédito comum, não dispondo o tribunal de elementos diversos.

Competia ao tribunal admitir as Credoras e ora Recorrentes a votar na assembleia de credores realizada no dia 13 de Outubro de 2010.

 6 – As conclusões constantes das alíneas OO) e seguintes não respeitam ao mérito deste recurso e, por isso, não se alude agora ao seu teor.

c) O Ministério Público respondeu referindo em síntese:

Na assembleia realizada no dia 24 de Setembro de 2010 não houve qualquer acto de votação e a mesma foi adiada para o dia 13 de Outubro com o consentimento de todos os interessados.

Na lista de credores definitiva apresentada pelo administrador em 13 de Outubro as recorrentes já não constavam da lista como credores reconhecidos e por essa razão não foram admitidos a votar, decisão esta da qual, nos termos do artigo 75.º, n.º 5, não cabe recurso.

Quanto ao mérito dos créditos das recorrentes trata-se de matéria a avaliar não em sede de recurso, mas sim no apenso da verificação e reclamação de créditos.

Concluiu pela improcedência do recurso.

d) O objecto deste segundo recurso consiste, por conseguinte, em saber se:

O decurso do prazo previsto no n.º 1 do artigo 129.º do CIRE para o administrador apresentar uma lista com os créditos que reconhece e com os que não reconhece, o impede de, mais tarde, juntar essa lista e do seu teor ser considerado para efeitos de saber que credores são admitidos a votar na assembleia de credores.

II. Fundamentação.

1. A matéria provada relevante para a questão a decidir é a que ficou indicada no relatório que antecede.

2 - A questão prática que emerge do recurso consiste em saber se as recorrentes deviam ou não deviam ter sido admitidas a votar na assembleia de credores que se realizou no dia 13 de Setembro de 2010.

As recorrentes sustentam que sim, com base no facto de terem sido reconhecidos os seus créditos no primeiro relatório do administrador e de ter decorrido parte da assembleia de credores no dia 24 de Setembro de 2010 sem que os seus créditos tenham sido impugnados, tendo-se esgotado o prazo para essa impugnação sem que tivessem sido impugnados, pelo que, quando se realizou a assembleia de credores de 13 de Setembro, as recorrentes não podiam ter deixado de ser admitidas a votar.

Passando à análise da questão objecto do recurso.

1.ª Questão.

O prazo para a reclamação de créditos foi fixado em 30 dias, pelo que terminou em 13 de Setembro de 2010.

Nos termos do n.º 1 do artigo 129.º do CIRE, «Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento».

Estes 15 dias esgotaram-se no dia 28 de Setembro de 2010.

Segundo se depreende das alegações das recorrentes este prazo findou sem que o administrador tenha junto a «relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos» a que se refere o n.º 1 do artigo 129.º do CIRE.

Daqui retiram a conclusão de que é obrigatório considerar como reconhecidos os créditos que constam da lista provisória de credores apresentada pelo administrador nos autos, juntamente com o relatório, antes da reunião da assembleia de credores que teve lugar em 24 de Setembro de 2010.

Não se afigura que as recorrentes tenham razão.

Antes de prosseguir cumpre referir que não consta dos autos a data em que o administrador juntou ao processo a «relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos» a que se refere o n.º 1 do artigo 129.º do CIRE.

Afigura-se, no entanto, que se pode prescindir dessa informação por se ter por irrelevante, como se vai procurar mostrar.

O administrador é um «órgão da insolvência», como resulta do disposto no artigo 52.º do CIRE.

Não pode ser equiparado a um «interessado», isto é, não tem um estatuto de parte processual.

Por conseguinte, a falta de cumprimento do prazo de 15 dias a que alude o artigo 129.º do CIRE não pode ter efeitos nem preclusivos, nem cominatórios.

Preclusivos no sentido de já não poder apresentar mais tarde, já fora do prazo, a «relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos».

Cominatórios no sentido de se considerarem reconhecidos os créditos, pelo menos no confronto com o administrador, ainda que não o possam ser face a outros credores que porventura deduzam impugnação.

Os mecanismos da preclusão e cominação se sanções com efeitos processuais só têm razão de ser entre as partes, por este motivo:

Só as partes são ou os titulares dos direitos ou os sujeitos passivos desses mesmos direitos que dão causa ao processo.

Sendo assim, só estas devem sofrer as consequências da respectiva actuação processual.

Por conseguinte, a falta de cumprimento de um prazo por quem não é parte no processo, não pode gerar efeitos substantivos sobre alguma das partes ou interessados, seja através da preclusão da prática do acto, seja do reconhecimento de um facto, no caso, o reconhecimento da existência dos créditos.

Salvo se a lei dispuser de forma diversa, o que não é o caso.

No caso em apreço, verifica-se, sim, que o CIRE não estabelece qualquer cominação para o facto do administrador deixar passar o prazo de 15 dias, previsto no n.º 1 do artigo 129.º, sem apresentar a «relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos».

A lei não proíbe que esta relação seja junta depois do prazo, nem atribui qualquer efeito substantivo ou processual a essa omissão, salvo no que respeita à responsabilização pessoal do administrador.

Se fosse essa a consequência, dada a gravidade dos efeitos, tê-la-ia previsto expressamente, o que não fez.

A lei pressupõe, sim, que a junção de tal relação de créditos seja algo de obrigatório, como resulta do disposto nos n.º 1 e 3 do artigo 130.º do CIRE, onde se diz, respectivamente, que pode «…qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos…» (n.º 1) e, se não houver impugnações, é homologada «…a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência…» (n.º 3).

Vê-se pela redacção deste n.º 3 que a lei pretende que exista sempre uma «relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos», pelo que só se consegue atingir tal objectivo se se admitir que a apresentação da relação possa ter lugar mesmo para além do prazo de 15 dias referido no n.º 1 do artigo 129.º do CIRE ([1]).

Conclui-se, por conseguinte, que é indiferente para a análise do objecto do recurso a questão de saber se o administrador apresentou ou não a indicada «relação» dentro ou fora do prazo que lhe é assinalado da lei, uma vez que tal relação produzirá sempre efeitos, mesmo que apresentada depois do prazo.

Com esta conclusão, bem como com o abaixo mencionado, responde-se também ao argumento das recorrentes que pretendem atribuir valor à relação provisória dos créditos elaborada pelo administrador antes da reunião da assembleia de credores realizada a 24 de Setembro de 2010, para efeitos de se saber quem é admitido a votar na assembleia, como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 73.º do CIRE, relativo ao direito de voto dos credores na assembleia, cujo teor é o seguinte:

«Os créditos conferem um voto por cada euro ou fracção se já estiverem reconhecidos por decisão definitiva proferida no apenso de verificação e graduação de créditos ou em acção de verificação ulterior, ou se, cumulativamente:

a) O credor já os tiver reclamado no processo, ou, se não estiver já esgotado o prazo fixado na sentença para as reclamações de créditos, os reclamar na própria assembleia, para efeito apenas da participação na reunião;

b) Não forem objecto de impugnação na assembleia por parte do administrador da insolvência ou de algum credor com direito de voto».

Como se vê pelo teor da alínea b) que antecede, se o administrador impugnar os créditos os seus titulares não são admitidos a votar na assembleia.

Foi o que sucedeu no caso dos autos.

A assembleia de credores realizou-se num momento em que já se encontrava nos autos a posição actualizada do administrador acerca do reconhecimento ou não reconhecimento dos créditos e, no decurso da assembleia os credores, estes foram notificados da posição do administrador quanto aos créditos reclamados no processo.

A posição do administrador foi no sentido de apenas reconhecer o crédito da Fazenda Nacional, pelo que, apenas foi admitido a votar o Ministério Público, seu representante.

Nada há a objectar ao ocorrido.

Em primeiro lugar, a posição do administrador que conta é aquela que for expressa na assembleia de credores e essa foi a que ele fez juntar ao apenso da reclamação de créditos, nos termos da qual apenas reconheceu o crédito da Fazenda Nacional.

Em segundo lugar, esta apreciação dos créditos já é fruto de uma análise ao mérito dos créditos, o que não sucede com a primeira relação de credores e de créditos.

Com efeito, esta primeira «relação» de créditos, como resulta do n.º 1 do artigo 154.º do CIRE, é elaborada sem que o administrador analise o mérito dos créditos, isto é, sem ajuizar se devem ou não devem ser reconhecidos como tal.

Na verdade, refere-se nesta norma que o administrador da insolvência elabora uma lista provisória dos credores que (1) constem da contabilidade do devedor, (2) tenham reclamado os seus créditos ou (3) sejam por outra forma do seu conhecimento.

Não há neste momento uma apreciação crítica sobre a real existência destes créditos.

Ao invés, a relação de créditos elaborada nos termos do artigo 129.º do CIRE já é feita depois do administrador avaliar se tais créditos devem ou não ser reconhecidos.

Em regra, na altura da reunião da assembleia de credores existirá apenas a lista provisória de credores referida no artigo 154.º do CIRE, já que esta assembleia decorrerá por norma antes do administrador se pronunciar sobre os créditos reclamados, podendo ou não o administrador ter elementos ou para se pronunciar sobre os créditos no decurso da assembleia.

Mas se tal assembleia ocorrer depois do prazo previsto para o administrador se pronunciar sobre os créditos reclamados, como é o caso dos autos, claro está que o tribunal deve levar em consideração a posição que o administrador tomou acerca dos créditos reclamados, desde que seja levada ao conhecimento dos intervenientes na assembleia, como também foi o caso.

Em resumo: o que releva é a efectiva posição do administrador na assembleia de credores na altura em que se estabelece quem é que tem ou não tem direito a votar e não têm esse direito aqueles cujos créditos não forem reconhecidos pelo administrador.

Não há, por conseguinte, qualquer fundamento para que na dita assembleia fossem considerados como credores com direito a votar os que constavam da relação provisória inicialmente elaborada.


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Cumpre ainda referir que na assembleia de credores realizada no dia 24 de Setembro de 2010 não foram apreciados os créditos para efeitos de se saber quem teria direito a votar, pois, a assembleia foi adiada sem que esta matéria tivesse sido abordada.

Por conseguinte, nenhum efeito se pode retirar de tal assembleia, nomeadamente o efeito de se considerarem não impugnados os créditos constantes dessa relação provisória.

Como a assembleia foi adiada, tudo o que não foi então feito e devia ter lugar transferiu-se para a nova data, como foi o caso da determinação dos credores que iriam ter direito de voto.

Por outro lado, a suspensão dos trabalhos da assembleia está prevista no artigo 76.º do CIRE, onde se diz que «O juiz pode, por uma única vez, decidir a suspensão dos trabalhos da assembleia e determinar que eles sejam retomados num dos cinco dias úteis seguintes».

Além disso, não houve qualquer oposição à suspensão do acto por parte das credoras recorrentes.


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Outro aspecto a considerar tem a ver com a alegação de que o administrador impugnou os créditos das recorrentes para estas não votarem a sua substituição.

Nada nos autos permite concluir neste sentido, pelo que tal questão não assume qualquer relevo.


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Por fim, resta considerar que impugnação feita nas alegações quanto aos créditos do Serviço de Finanças não tem relevância para o mérito do recurso, pelo que, nada mais se diz a seu respeito.

III. Decisão.

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e confirma-se o despacho recorrido.

Custas deste recurso pelas recorrentes.


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Alberto Ruço ( Relator )
Judite Pires
Carlos Gil

[1] Da consulta às bases de dados jurisprudenciais apenas se encontrou referência a esta problemática no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 15-10-2009, em http://www.gdsi.pt, processo n.º 2637/08.0TBVCT-Q, onde se pode ler: «Não entendemos qual o exacto alcance da afirmação dos Recorrentes, de que o prazo do artigo 129.º, n.º 1 é um prazo peremptório, como desconhecemos em que é que baseia para o afirmarem uma vez que o não dizem; o que pensamos é que se não poderá pretender é que, a não apresentação das listas pelo administrador nesse prazo, tenha como consequência que os créditos tenham que ser por ele necessariamente reconhecidos tal como foram reclamados, uma vez que se fosse esta a ideia do legislador, este não teria deixado de o referir expressamente no normativo, mesmo tendo em atenção o alcance substancial da situação».