Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
225/11.3GAPCV-A
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
FORMALISMO
PEDIDO INFERIOR AO VALOR DA ALÇADA DO TRIBUNAL
Data do Acordão: 09/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PENACOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 76º Nº 1 E 77º Nº 1 E 4 CPP
Sumário: Quando em razão do valor do pedido não é obrigatória a constituição de advogado, o requerimento do pedido de indemnização civil não está sujeito a formalidades especiais.
Decisão Texto Integral: 1.

Nos presentes autos o assistente A... deduziu acusação, por mandatário judicial, contra B... e C... imputando-lhes a prática de factos integradores do crime de injúrias, do art. 181º do Código Penal.

Requereu, ainda, a condenação dos arguidos a pagarem-lhe a quantia de 1.500 € a título de indemnização por danos morais.

A srª juíza não admitiu o pedido de indemnização deduzido por entender que o mesmo não cumpria o formalismo imposto no nº 1 do art. 77º do C.P.P.

2.

Inconformado, o assistente recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões:

«1. Determinou o Mmo. Juíz a quo que o pedido de indemnização cível formulado nos autos pelo recorrente não cumpria os termos e formalismos ordenados pelo nº 1 do art. 77º do CPP.

2. Nesse sentido, decidiu pela sua não admissão.

3. O referido pedido cível foi formulado nos seguintes termos:

“Pedido civil:

o assistente requer que os arguidos sejam solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia de € 1.500 (mil e quinhentos euros), a título de compensação por danos morais, nos termos dos arts. 72º, e 75º do CP.P., 129º do CP. e 483º e 496º do C.C.

Testemunhas:

1 - … , empregada de limpeza, casada, residente na Rua … Penacova;

2 - …, empregado do comércio, casado, residente na Rua … Penacova;

3 - … , doméstica, casada, residente na Rua … Penacova;

4 - … , doméstica, casada, residente no  … Penacova;

5 - … , professora, solteira, residente na  …

4. O pedido cível é de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).

5. Não pode o arguido estar de acordo com tal decisão, porquanto, determina o nº 4 do mesmo art. 77º do CPP que: ''Quando, em razão do valor do pedido, se deduzido em separado, não fosse obrigatória a constituição de advogado, o lesado, nos prazos estabelecidos nos números anteriores, pode requerer que lhe seja arbitrada a indemnização civil. O requerimento não está sujeito a formalidades especiais e pode consistir em declaração em auto, com indicação do prejuízo sofrido e das provas.".

6. Dúvidas não podem restar de que o arguido aqui nos presentes autos é, igualmente, lesado nos precisos termos em que o nº 1 do art. 74º do CPP o entende, ou seja: "O pedido de indemnização civil é deduzido pelo lesado, entendendo-se como tal a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído ou não possa constituir-se assistente" (sublinhado e negrito nossos)

7. Quer tal significar que, salvo melhor opinião, e somente para este efeito - (o do formalismo do próprio pedido), o lesado será sempre lesado, independentemente de se constituir assistente, ou não.

8. O facto determinante para o legislador é o valor do pedido que, não ultrapassando, ou sendo inferior ao da alçada do tribunal de primeira instância, como é manifestamente o caso, tal requerimento não está sujeito a formalidades especiais.

9. Para tanto, importa a aplicação simples da formulação que se revisita do nº 4 do art. 77º do CPP que entende que: "(... em razão do valor do pedido, se deduzido em separado, não fosse obrigatória a constituição de advogado, o lesado, nos prazos estabelecidos nos números anteriores, pode requerer que lhe seja arbitrada a indemnizarão civil. O requerimento não está sujeito a formalidades especiais e pode consistir em declaração em auto, com indicação do prejuízo sofrido e das provas”:

10. Da leitura do pedido de indemnização cível remetida pelo lesado A..., facilmente se extrai a indicação do prejuízo sofrido bem como das provas que ofereceu.

11. Violou, salvo o devido respeito, o Mmo. Juiz a quo o preceituado no nº 4 do art. 77º do CPP ao decidir como decidiu.

12. Deve, portanto, o despacho que não admitiu a pedido de indemnização cível do recorrente ser revogado por violação frontal do estatuído no nº 1 do art. 77º bem como do nº 1 do art. 74º do C.P.P.».

3.

O recurso foi admitido.

4.

O Ministério Público respondeu, defendendo o provimento do recurso, ao abrigo do nº 4 do art. 77º do C.P.P..

5.

Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.

Realizada a conferência cumpre decidir.

 


*


FACTOS PROVADOS

6.

Dos autos resultam os seguintes elementos, essenciais à decisão:

1º - a fls. 124 e 125 do processo principal o assistente A... juntou aos autos o seguinte requerimento, subscrito por mandatário judicial:

«A... … vem, nos termos do nº 1 do art. 285º e do art. 283º, ambos do C.P.P., requerer o julgamento em processo comum com tribunal singular, de B... e de C... …

Porquanto

No dia … , ao entardecer, junto à residência do queixoso, foi por estes, sem qualquer motivo aparente, agredido fisicamente de forma extremamente violenta bem como ofendido na sua integridade moral.

Ambos os arguidos infligiram cabeçadas, murros e pontapés em várias partes do corpo do queixoso.

Enquanto agrediam violentamente o queixoso, proferiam os arguidos expressões que atentavam contra a honra e consideração daquele, chamando-lhe “filho da puta, cabrão de merda, bêbedo, ordinário, ladrão …”, fazendo-o de voz alta de modo a serem ouvidos por várias pessoas, pelo que se considera ofendido na sua honra e consideração.

O queixoso é de provecta idade (79 anos), respeitado por todos os que o conhecem e há longos anos com ele convivem.

Os arguidos agiram de forma livre e consciente, bem sabendo que tais condutas não lhes eram permitidas.

Cometeram, assim, em co-autoria material e na forma consumada, um crime de injúrias, p. e p. pelo nº 1 do art. 181º do Código Penal, violando também os nº 1 do art. 25º e 1 do art. 26º da C.R.P. e nº 1 do art. 70º do Código Civil.

Pedido Civil:

O assistente requer que os arguidos sejam solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia de € 1.500 (mil e quinhentos euros), a título de compensação por danos morais, nos termos dos art. 72º e 75º do C.P.P., 129º do C.P. e 483º e 496º do C.C.

Testemunhas …».

2º - sobre este pedido foi proferido o seguinte despacho:

«… Já não admito o pedido de indemnização cível formulado a fls. 125 porquanto, de acordo com o disposto no art. 77º, nº 1, do Cód. Processo Penal, o pedido de indemnização civil é deduzido em requerimento articulado.

Significa tal preceito que o pedido de indemnização deve conter, separadamente e por artigos, os seguintes elementos: as razões de facto e de direito que sustentam a responsabilidade civil dos demandados e, sendo caso disso, os meios de prova e de obtenção de prova cuja junção, produção ou exame são requeridos e os factos que através deles se espera provar.

Ora, no caso do pedido formulado a fls. 125 do mesmo não consta qualquer dos mencionados elementos, sendo constituído por requerimento onde o demandante solicita a condenação dos arguidos por danos morais, no entanto não alega quaisquer danos.

Assim, e pelo exposto, não admito o mencionado pedido de indemnização cível …».


*

*


DECISÃO

Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

Por via dessa delimitação a questão a decidir respeita à conformidade com a lei do pedido de indemnização formulado pelo assistente A....


*


            O art. 77º do C.P.P., inserido no Título V relativo às partes civis, versa sobre a formulação do pedido de indemnização civil.

            Diz a norma, no seu nº 1, que «quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido é deduzido na acusação ou, em requerimento articulado, no prazo em que esta deve ser formulado».

            Daqui conclui Paulo Pinto de Albuquerque [1] que o pedido deve ser formulado por artigos e conter as razões de facto e de direito que sustentam a responsabilidade civil dos demandados, bem como os meios de prova e de obtenção de prova a utilizar.

            Mas a norma contempla, no seu nº 4, a possibilidade de o pedido de indemnização, se deduzido em separado, poder não ser formulado por advogado atendendo ao valor em causa.

            Assim, diz ela que «quando, em razão do valor do pedido, se deduzido em separado, não fosse obrigatória a constituição de advogado, o lesado, nos prazos estabelecidos nos números anteriores, pode requerer que lhe seja arbitrada a indemnização civil. O requerimento não está sujeito a formalidades especiais e pode consistir em declaração em auto, com indicação do prejuízo sofrido e das provas».

            Para melhor compreendermos esta norma teremos que ver a anterior, constante do art. 76º, que diz, no seu nº 1, que «o lesado pode fazer-se representar por advogado, sendo obrigatória a representação sempre que, em razão do valor do pedido, se deduzido em separado, fosse obrigatória a constituição de advogado, nos termos da lei do processo civil».

            Por seu turno o art. 32º do C.P.C., cuja epígrafe é “constituição obrigatória de advogado”, diz no seu nº 1 que «é obrigatória a constituição de advogado:

a) Nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário;
b) Nas causas em que seja sempre admissível recurso, independentemente do valor;

c) Nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores».

            Sobre as alçadas, dispõe o art. 24º, nº 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais que «em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de € 30 000 e a dos tribunais de 1.ª instância é de € 5000».

            Finalmente, o art. 678º, nº 1, do C.P.C. diz que «o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa».

            Do exposto resulta que é obrigatória a intervenção de advogado na formulação de pedidos de indemnização civil de valor superior a 5.000 €.

            No caso o pedido formulado pelo recorrente ascende a 1.500 €, caso em que não é obrigatória a intervenção de advogado.

            E quando não é obrigatória a intervenção de advogado o pedido de indemnização «não está sujeito a formalidades especiais», ou seja, não está sujeito às formalidades impostas no nº 1 do art. 76º e pode consistir, apenas adiantamos nós, «em declaração em auto, com indicação do prejuízo sofrido e das provas».

            E o facto de, em tais situações, o pedido ser formulado por advogado não tem a virtualidade de alterar a norma aplicável.

            Portanto, o formalismo enunciado no nº 1 do art. 77º do C.P.P., que determinou a decisão de não recebimento do pedido de indemnização deduzido pelo recorrente, não se aplica ao caso em análise. Dado que o valor do pedido é inferior a 5.000€ ele não está sujeito a qualquer formalismo e, no limite, pode consistir tão só numa declaração com indicação do valor.


*

DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos, e na procedência do recurso, anula-se o despacho recorrido e determina-se a sua substituição por outro que admita o pedido de indemnização formulado pelo assistente A..., constante de fls. 125 do processo.


Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P.

Coimbra, 2012-09-19


[1] Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 1ª ed., pág. 229.