Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
24/16.6JAGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: CONCURSO DE CRIMES
CONCURSO EFECTIVO
FURTO
VIOLÊNCIA DEPOIS DA SUBTRACÇÃO
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
Data do Acordão: 06/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (JUÍZO DE COMPETÊNCIA CÍVEL E CRIMINAL DA GUARDA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 30.º, N.º 1, 203.º, N.º 1, E 211.º DO CP; ART. 86º, N.º 1, ALÍNEAS C) E D), DO DL 17/2009, DE 06-05
Sumário: I – Com o n.º 1 do artigo 30.º do CP, o legislador optou por criar, na determinação do número de crimes efectivamente cometidos, um critério baseado na consideração dos tipos legais violados, ou seja, apontou decisivamente para a consagração de um critério teleológico referido ao bem jurídico.
II – A criminalização da detenção de arma proibida acautela os valores da ordem, segurança e tranquilidade pública.

III – Por sua vez, no tipo de crime de violência após a subtracção estão em causa os valores da propriedade e da integridade física de quem é desapossado de determinado objecto.

IV – Mesmo quando a arma constitui o objecto da subtracção, existe concurso efectivo entre os dois referidos ilícitos penais (no caso versado nos autos, o crime de violência após a subtracção consumiu o crime de furto da arma de fogo).

Decisão Texto Integral:




Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                                                                                                            

            I. Relatório:                                                 

           A) No âmbito do processo comum (tribunal coletivo) n.º 24/16.6JAGRD que corre termos na Comarca da Guarda – Guarda – Instância Central – Secção Cível e Criminal – J1, no dia 6/2/2017, foi proferido Acórdão, cujo Dispositivo é o seguinte: 

“VIII. Decisão

Por tudo o exposto, acórdão os Juízes que compõem este Tribunal Coletivo em:

-condenar o arguido A... pela prática, em autoria material, de 1 (um) crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º, 131º, 132º nsº1 e 2, alíneas e) e g) do Código Penal e pelo artigo 86º, nsº3 e 4 da Lei N.º5/2006 de 23 de Fevereiro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;

-condenar o arguido A... pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203º, nº1 do Código Penal na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos);

-condenar o arguido A... pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº1 alíneas c) e d) do DL 17/2009 de 6 de Maio, na pena de 260 (duzentos e sessenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos);

-operando o cúmulo jurídico, condenar o arguido A... na pena única de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no montante global de €2200,00, a cumular materialmente com a sobredita pena de 5 anos de prisão, que se decide suspender na sua execução, por idêntico período, sujeita a um apertado regime de prova, fiscalizado e apoiado pelos serviços de reinserção social, que deve incidir em particular na inserção laboral do arguido, complementado com regras de conduta que passam pela proibição de contactos, por si ou interposta pessoa, com o ofendido e sua família, bem como de não ter em seu poder quaisquer armas ou objetos suscetíveis de atuar como tal;

-absolver o arguido A... da prática, em coautoria, de 1 (um) crime de ofensa à integridade física grave, previsto e punido pelo artigo 144º, alínea a), do Código Penal;

-absolver o arguido A... da prática, em coautoria, de mais um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº1, alíneas c) e d) do DL 17/2009, de 6 de Maio;

-condenar o arguido B... pela prática, na forma consumada, de 1 (um) crime de violência depois da subtração, p. e p. pelo art.º 211º do Código Penal, em concurso aparente com 1 (um) crime de furto, p. e p. pelo art.º 203º, n.º1 do CP e 1 (um) crime de ofensa à integridade física grave, previsto e punido pelo artigo 144º, alínea b), do CP, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

-condenar o arguido B... pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº1, alíneas c) e d) do DL 17/2009, de 6 de Maio, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

-operando o cúmulo jurídico, condenar o arguido B... na pena única de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão;

-absolver o arguido B... da prática em concurso real com os sobreditos ilícitos de 1 (um) crime de ofensa à integridade física grave, previsto e punido pelo artigo 144º, alínea a) do Código Penal e 1 (um) crime de furto p. e p. pelo art.º 203º, n.º1 do CP;

-absolver o arguido B... da prática em coautoria de 1 (um) crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º, 131º, 132º nº1 e 2, alíneas e) e g) do Código Penal e pelo artigo 86º, nsº3 e 4 da Lei N.º5/2006 de 23 de Fevereiro;

-absolver o arguido B... da prática, em coautoria, de mais um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº1, alíneas c) e d) do DL 17/2009 de 6 de Maio;

-condenar os arguidos no pagamento das custas criminais do processo, nomeadamente em taxa de justiça que se fixa em 4 UC´s, nos termos dos artigos 513º, nº 1 do CPP e 8º do RCP e respetiva tabela III anexa;

-condenar ambos os demandados B... e A... ao pagamento de €3429,46 (três mil quatrocentos e vinte e nove euros e quarenta e seis cêntimos) ao demandante Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, EPE, pelos cuidados de saúde prestados ao ofendido, acrescido de juros vincendos após a notificação do pedido formulado nos autos, até efetivo e integral pagamento;

-condenar o demandado B... ao pagamento ao demandante C... , de indemnização por danos não patrimoniais, do montante de €20000,00 (vinte mil euros), absolvendo-se o mesmo do mais contra si peticionado a título de danos não patrimoniais;

-condenar o demandado A... ao pagamento ao demandante C..., de indemnização por danos não patrimoniais, do montante de €15000,00 (quinze mil euros), no mais se absolvendo este demandado do contra si peticionado a título de danos não patrimoniais;

-condenar ambos os demandados ao pagamento solidário ao demandante C... , de indemnização por danos patrimoniais, do montante de €1500,00 (mil e quinhentos euros);

-condenar o demandante C... e demandados nas custas cíveis do processo, nos termos dos artigos 377º, ns.º3 e 4; 523º e 524º do CPP; 527º, ns.º 1 e 2 do CPC; 4º, n.º1, al. n) a contrario e 6º do RCP e respetiva tabela anexa, devendo ainda ter-se em atenção o disposto no art.º 15º, n.º2 do referido RCP;

-condenar os demandados nas custas cíveis do pedido formulado pelo demandante CHUC, EPE, nos termos dos artigos 377º, ns.º3 e 4; 523º e 524º do CPP; 527º, ns.º 1 e 2 do CPC; 4º, n.º1, al. n) a contrario e 6º do RCP e respetiva tabela anexa.

Nos termos do art.º 214º, n.º1, al. e) as medidas de coação apenas se irão extinguir com o trânsito em julgado do presente acórdão.

Não obstante a recente revisão do estatuto coativo dos arguidos, importa rever o mesmo, sendo que não se julga necessário auscultar previamente nesta matéria o Ministério Público, cfr. n.º3 do art.º 213º do CPP, já se tendo pronunciado recentemente o arguido B... , nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

Começando pela análise da situação do arguido B... temos que, como se alcança do processado, está ligado a outro processo em cumprimento de pena de prisão efetiva, motivo pelo qual a medida aplicada nos autos se não mostra em execução, aguardando que seja novamente ligado a estes autos para o efeito.

Todavia, como tal situação se não mostra ressalvada legalmente (pelo menos de forma expressa), entendemos avaliar da manutenção dos seus pressupostos.

Com efeito, segundo o comando emanado pelo artigo 213º, n.º1 do CPP, nas suas als. a) e b), o juiz procede oficiosamente ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, decidindo se elas são de manter ou devem ser substituídas ou revogadas:

a) No prazo máximo de três meses, a contar da data da sua aplicação ou do último reexame; e

b) Quando no processo forem proferidos despacho de acusação ou de pronúncia ou decisão que conheça, a final, do objecto do processo e não determine a extinção da medida aplicada.

Ora, para que se verificasse justificada a cessação da prisão preventiva anteriormente aplicada ao arguido B... necessário seria que a mesma tivesse sido aplicada fora das hipóteses ou das condições previstas na lei; terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação; ou ainda que se verificasse uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coação, justificando-se a sua substituição por outra menos grave ou uma forma menos gravosa da sua execução.

Como se vê dos dispositivos transcritos, a revogação ou substituição de uma medida de coação imposta, pressupõe a verificação de factos donde resulte existir uma atenuação das exigências cautelares que basearam a sua aplicação ou que as circunstâncias que determinaram a sua aplicação deixaram de se verificar.

Com efeito, “tratando-se de despacho que procede ao reexame dos pressupostos de anterior decisão, o dever de fundamentação reporta-se às circunstâncias que possam levar à alteração dos pressupostos dessa anterior decisão que constituem o objecto de reexame, pois que só essa alteração constitui objecto do despacho de reexame” (cfr. Ac. da R. de Coimbra de 18.11.2009, Proc. n.º355/09.1JAAVR-B.C1, in www.dgsi.pt).

Ora, concluindo pela admissibilidade e legalidade da prisão preventiva aplicada a B... face aos factos que reputamos agora provados nos autos (cfr. arts.º 202º, n.º1, al. a); 213º, n.º1 e 215º, ns.º 1, al. d) e 2, ambos do CPP), porque dentro das hipóteses e dos prazos previstos na lei, importa apenas reter que inexistem novos factos (que não incidindo sobre a factualidade objeto do processo) donde resulte uma atenuação das exigências cautelares que basearam a sua aplicação ou novas circunstâncias que invalidem as que a determinaram.

Pelo contrário, o próprio relatório ora junto visando avaliar da possibilidade de vigilância eletrónica de uma eventual obrigação de permanência na habitação é negativo, inviabilizando, também por aqui, a pretensão deste arguido.

Considerando ainda que a decisão que impõe esta medida se deve considerar sujeita à condição rebus sic stantibus, enquanto subsistirem os pressupostos que a ditaram (vide Acórdãos da Relação do Porto de 3.12.1993 e de Coimbra de 22.09.1993, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XVIII, Tomo I, p.247 e BMJ 461-349, respetivamente), podemos concluir que tais pressupostos se não se alteraram.

Como acima foi sublinhado, “tratando-se, como é o caso, de despacho que procede ao reexame dos pressupostos da aplicação de medida de coacção previamente decretada, o dever de fundamentação reporta-se, naturalmente, ao objecto da decisão: a superveniência de circunstâncias que possam levar à alteração da anterior decisão, transitada em julgado, cujos pressupostos se reapreciam” Ac. da R. Coimbra de 16.12.2009, Proc. n.º135/09.4PAPBL-A.CI, in www.dgsi.pt.

Uma vez que tal se não verificou importa decidir em conformidade, não se mostrando justificado, ou mesmo viável em função do atual cumprimento de pena a que este arguido está sujeito, bem como do parecer negativo da DGRS que antecede, a sua substituição pela obrigação de permanência na habitação, com ou sem recurso a vigilância eletrónica (conforme propugnado pelo mesmo).

Em suma, considerando o circunstancialismo e gravidade dos ilícitos criminais em causa, é imperioso concluir que as exigências cautelares dos autos impõem, de forma adequada e proporcional à situação em apreço, a manutenção das medidas de coação aplicadas ao arguido B... , cfr. art.º 213º, n.º 1, al. b) do CPP, embora não esteja atualmente em execução a prisão preventiva.

Consigna-se que se mostram respeitados os prazos máximos desta medida de coação.

Já quanto ao arguido A... , atento o teor da decisão que antecede, no sentido da aplicação ao mesmo de pena de multa cumulada com uma pena de prisão suspensa na sua execução, determina-se a cessação da atual medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (cfr. n.º3 do art.º 214º do CPP).

           D.N.

*

Após trânsito, remetam-se boletins à DSICC (artigo 374º, nº 3, al. d) do CPP).

Oportunamente proceda à recolha das impressões digitais dos arguidos e das suas assinaturas, com vista à organização do respetivo ficheiro datiloscópico e que, oportunamente, se remeta em conformidade ao registo criminal, nos termos da Lei n.º 37/2015, de 5.05.

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Uma vez verificado o trânsito em julgado do acórdão que antecede, e uma vez confirmada a condenação dos arguidos em pena de prisão superior a 3 anos, determina-se a recolha aos arguidos do perfil de ADN (ácido desoxirribonucleico) para fins de investigação (ns.º 1 e 2 do art.º 8º da Lei n.º 5/2008, de 12.02).

Antes da recolha deverá ser cumprido o direito à informação dos referidos arguidos (cfr. als. a) a e) do art.º 9º da Lei n.º 5/2008 de 12.02).

O perfil deverá ser incluído na base de dados de perfis de ADN (n.º3 do art.º 18º da Lei n.º 5/2008).

Comunique ao Instituto Nacional de Medicina Legal.
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Após trânsito cumpra-se o disposto no art.º 186º do CPP relativamente aos bens apreendidos à ordem dos autos.

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Diligencie nos termos do art.º 494º do CPP.

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Considerando as medidas de coação a que o arguido A... esteve sujeito nos autos e o disposto no art.º 80º do Código Penal, notifique este arguido para, após trânsito em julgado desta decisão, em 10 dias se pronunciar quanto ao desconto de tal período na pena única de multa a cumprir nestes autos, sendo que o seu silêncio será assumido com anuência nesse sentido.

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Lido, vai o presente acórdão ser depositado na secretaria deste Tribunal – cfr. artigos 372º, n.º 5 e 373º nº 2 do CPP.”

                                                           ****

B) Inconformado com a decisão recorrida, dela recorreu, em 8/3/2017, o arguido B... , extraindo da motivação as seguintes Conclusões:

1. O arguido não se conforma com a decisão recorrida entendendo que a mesma não analisou convenientemente a questão do concurso aparente entre o crime de furto (posteriormente consumido pelo crime de violência depois da subtração) e o crime de detenção de arma proibida.

2. Entende também o arguido que a pena que lhe foi concretamente aplicada no que ao crime de violência depois da subtração previsto e punível pelo artigo 211º do C. Penal diz respeito é exagerada tendo em consideração os factos dados como provados na sentença recorrida.

3. O arguido considera que o Tribunal “a quo” andou mal quando considerou existir concurso efetivo entre os crimes de furto (posteriormente consumido pelo crime de violência depois da subtração) e o crime de detenção de arma proibida pois analisando o comportamento ilícito do arguido na sua globalidade, o que dele retiramos é uma unidade da sua conduta e resolução criminosa da qual resultaram factos abstratamente subsumíveis a mais que um tipo legal.

4. O tipo legal do crime de furto exige a apropriação de um bem alheio o que implica necessariamente a detenção desse mesmo bem; no caso concreto tendo o furto por objeto uma arma é evidente que furto leva, inelutavelmente, à detenção da arma pelo que apesar da unidade de conduta os factos acabam por, abstratamente, se subsumir a dois tipos legais.

5. Os factos dados como provados na sentença a este respeito – cfr. pontos 7. e 17. – não autonomizam em momento algum uma conduta do arguido B... que consubstancie um crime de detenção de arma proibida enquanto resolução criminosa daquela que conduziu ao furto da arma.

6. Atento o exposto, deve ser considerado que o crime de furto (e consequentemente o crime de violência depois da subtração) está numa relação de concurso aparente com o crime de detenção de arma proibida, tendo havido má interpretação do Tribunal do disposto no artigo 30º do C. Penal.

7. Quanto à medida da pena concretamente aplicada cremos ter existido uma má interpretação do artigo 71º do C. Penal e do artigo 40º do C. Penal.

8. Nomeadamente, porque o facto enunciado em 9. dos Factos Provados é elucidativo quanto à reduzida culpa do arguido e à imprevisibilidade das consequências da sua conduta, que são facto notório e conhecido de todos pois desferir um murro estando o agente sentado não é adequado a produzir o efeito que efetivamente veio a ser a consequência daquela conduta; por outro lado, no que ao elemento subjetivo do crime diz respeito, o referido em 19. não é suficiente de modo a considerar que houve um dolo intenso do arguido, nomeadamente que houve intenção de o mesmo produzir os resultados que vieram a ser consequência da sua conduta.

9. O arguido não se conforma com o facto de o arguido ter subsumido a sua conduta ao tipo legal previsto no artigo 144º do C. Penal em vez de o ter feito ao vertido no nº 2 do artigo 147º do C. Penal pois o que resulta da sua conduta foi uma intenção de ofender a integridade física do ofendido – cfr. ponto 19 dos Factos Provados – as quais tiveram um resultado não esperado e grave.

10. O grau de culpa do arguido, tendo em atenção o acima referenciado, é manifestamente reduzido em relação ao tipo legal que lhe foi aplicado uma vez que não teve intenção de provocar o resultado que veio a ser consequência da sua ação, nem o mesmo era previsível, nem sequer o representou como uma hipótese não tendo podido conformar-se com ela, e devendo em consequência a sua pena aproximar-se do mínimo legal previsto na moldura da pena.

11. No crime de violência depois da subtração previsto e punível pelo artigo 211º do C. Penal deveriam estar consumidos os crimes de furto previsto e punível pelo artigo 203º do C. Penal e de ofensas à integridade física simples agravado pelo resultado previsto e punível pelo nº 1 do artigo 143º e pelo nº 2 do artigo 147º do C. Penal.

12. O que teria que resultar numa pena concreta mais reduzida que aquela que foi concretamente aplicada ao arguido.

13. O arguido deve ser condenado por um único crime de violência depois da subtração p. e p. pelo artigo 211º do C. Penal o qual deverá consumir os crimes de furto p. e p. pelo artigo 203º do C. Penal, de ofensas à integridade física simples agravado pelo resultado p. e p. pelo nº 1 do artigo 143º conjugado com o nº 2 do artigo 147º do C. Penal e ainda pelo crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86º do Regime Jurídico das Armas e das Munições.

Termos em que requer a V. Exas., Venerandos Desembargadores da Relação de Coimbra, a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por uma outra que vá de encontro aos fundamentos apresentados pelo arguido melhor elencados nas conclusões que antecedem.

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            C) O recurso, em 10/3/2017, foi admitido.

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            D) O Ministério Público, em 6/4/2017, respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência, terminando do seguinte modo:

1 – O recorrente foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de violência depois da substração, p. e p. no art. 211º, do Código Penal e, em coautoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. no art. 86º, n.º 1, als. c) e d), do RJAM.

2- A coautoria consiste na execução conjunta do facto por uma ou mais pessoas com base num acordo dos agentes sobre a divisão de tarefas com vista à realização do facto.

3 – Tendo o arguido B... sido condenado como coautor material da prática do crime de detenção de arma proibida, para a consumação do crime, não se exige a prática por este arguido de todos os atos que integram a detenção material da arma, pois que, a execução é conjunta com o coarguido A... .

4 - O crime de detenção ilegal de arma visa a proteção antecipada dos bens jurídicos que esta pode colocar em risco, pelo que, a mera detenção preenche o tipo legal de crime; por sua vez, o crime de furto protege a propriedade da arma e das munições que de o ofendido foi desapossado pela ação dos arguidos.

5 – Não existe identidade quer na execução do facto típico quer nos bens jurídicos protegidos pelos crimes de violência depois da subtração e de detenção de arma proibida.

6 - Assim sendo, entendemos que bem andou a douta decisão recorrida ao considerar que, no presente caso, existe uma relação de concurso efetivo entre os crimes de violência depois da substração e o crime de detenção de arma proibida.

7 - A medida concreta da pena aplicada ao recorrente pela prática do crime de violência depois da subtração mostra-se justa, equilibrada e adequada ao caso, não merecendo qualquer censura.

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            E) Nesta Relação, o Digníssimo Procurador-Geral Adjunto, em 24/4/2017, emitiu douto parecer no sentido do recurso não merecer provimento.

Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.

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F) Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar a legal conferência, cumprindo apreciar e decidir.

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            II – Decisão recorrida:

“(…).

II. Factos Provados

Da audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos:

Da acusação,

1. No dia 5.02.2016, pelas 16 horas, os arguidos B... e A... , deslocaram-se no interior do veículo automóvel de marca Opel, modelo Vivaro, de cor azul, com a matrícula (...) TR, à Quinta D. André, localizada em Prados – Freixedas, propriedade dos pais de C... .

           2. Ali chegados, os arguidos, ambos de etnia cigana, abeiraram- se dos pais do ofendido e informaram-nos que faziam o conserto de arreios para animais, questionando-os se não teria alguns para conserto.

                    3. Os pais do ofendido C... , na sua boa-fé, aceitaram que aqueles arguidos levassem para conserto alguns arreios, tendo os arguidos se comprometido a devolvê-los no dia seguinte, devidamente consertados, o que veio a suceder.

           4. Os arguidos também utilizaram tal pretexto para conhecerem o interior da quinta, bem como se inteirarem de bens e objetos de valor que ali se encontrassem, concretamente se a mesma era ou não habitada, ganharem a confiança dos habitantes e delinearem uma estratégia, em comunhão de esforços e intenções, para se apoderarem de bens ou quantias pecuniárias ali existentes.

           5. Em execução desses intentos, no dia seguinte, 6.02.2016, por volta das 18 horas, os arguidos B... e A... , utilizando o mesmo veículo automóvel deslocaram-se de novo à Quinta D. André, munidos dos arreios já consertados que entregaram aos pais do ofendido, tendo estes pago aos arguidos a quantia de 30 euros acrescida de batatas.

           6. Por volta das 22 horas, o ofendido C... juntamente com os arguidos, e na viatura utilizada por aqueles, saíram da Quinta D. André em direção a Alverca da Beira, tendo-se dirigido a um café́, pertença de G..., onde permaneceram até cerca das 00h00, altura em que regressaram os três à Quinta.

          7. Naquela Quinta e concretamente no interior de um anexo ali existente, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, em execução dos intentos referidos em 4., o arguido A... , enquanto o arguido B... distraía o ofendido, subtraiu a este uma arma de fogo (caçadeira), de calibre 12, de marca Browning, que se encontrava no interior do anexo da Quinta, atrás da porta, bem como uma caixa de cartuchos calibre 12, que se encontrava em cima da mesa, cuja existência havia detetado durante a permanência no anexo.

          8. Quando ambos os arguidos se preparavam para abandonar o local na posse da caçadeira, o ofendido C... deu por falta da sua arma de fogo e dirigindo-se ao arguido B... acusou os arguidos de lha terem furtado.

          9. Ato seguido, por tal motivo, o arguido B... envolveu-se numa breve contenta verbal com o ofendido tendo desde o interior da carrinha onde estava e através da janela do condutor, junto da qual estava o ofendido, desferido um murro no rosto daquele, que lhe atingiu concretamente o olho esquerdo, fazendo-o cair ao solo.

         10. Com a conduta referida causou o arguido B... ao ofendido as seguintes lesões “cefaleia fronto-temporal à esquerda, dores no olho esquerdo com diminuição da acuidade visual e com perda total da visão do olho esquerdo; traumatismo ocular”.

         11. O ofendido foi submetido a tratamento médico hipotensor ocular e cirurgia (na urgência), tendo sido efectuada remoção intra capsular do cristalino por via límbica, iridectomia e encerramento das feridas.

         12.  Do evento resultou ausência permanente de visão no olho esquerdo, afectando a capacidade de visão global do ofendido C... .

         13. Tais lesões determinaram 58 dias para a consolidação médico-legal, com afetação da capacidade para o trabalho geral e para o trabalho profissional.

         14. Como o ofendido C... se conseguiu erguer, o arguido A... , ao se perceber disso, e estando a cerca de 6 metros de distância daquele, empunhou a caçadeira que instantes antes municiou com os cartuchos que igualmente tinham furtado ao ofendido e apontando-a na direção daquele disparou dois tiros com o intuito de o atingir mortalmente.

          15. Os disparos dos chumbos produzidos pela arma caçadeira só não atingiram órgãos vitais e como tal não se tornaram fatais para a vida do ofendido, por razões alheias à vontade daquele, nomeadamente porque o ofendido conseguiu entrar e refugiar-se para no interior do anexo e desse modo resguardar as partes vitais do seu corpo.

           16. Os disparos acabaram, assim, por atingir, os membros superiores, mão e antebraço direito e esquerdo, tendo provocado uma deformação no antebraço direito com aparente limitação funcional dos dedos da mão direita do ofendido, causando-lhe “feridas abrasivas sangrantes”, e as paredes exteriores do edifício.

          17. Após o sucedido, e quando conseguiram desatolar a carrinha que havia ficado presa na lama, cerca de 6 metros em frente ao dito anexo onde estava estacionada, na posse da arma e munições, os arguidos colocaram-se então em fuga.

         18. Os arguidos conheciam e sabiam das potencialidades e características da arma de fogo que o arguido A... municiou e quis utilizar contra a vida do ofendido, não ignorando que a mesma não estava manifestada e registada em seu nome, nem tinham licença de uso e porte de arma de fogo.

         19. Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, sempre em comunhão de esforços e intenções de forma a melhor alcançarem os seus intentos e de encobrirem a sua responsabilidade criminal, querendo o arguido B... atentar contra a integridade física do ofendido e o arguido A... causar a morte do mesmo, demonstrando frieza na sua execução, com total indiferença pela vida humana, efetuando o arguido A... disparos com arma de fogo (caçadeira) a curta distância e na direção do corpo daquele, sabendo que assim podia atingir órgãos vitais do corpo do ofendido, e dessa forma tirar–lhe a vida, o que só não conseguiu por factos alheios à sua vontade, tudo apenas para levarem a bom termo o abandono do local com a arma e munições que já haviam subtraído e escusarem-se à ação da justiça.

        20. Sabiam os arguidos serem as suas descritas condutas proibidas e punidas por lei.

        Do pedido de indemnização cível deduzido pelo CHUC, EPE,

        21. No dia 9.02.2016 deu entrada no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra EPE C... , tendo sido assistido no Serviço de Urgência, a que se seguiu internamento de 9.02.2016 a 17.02.2016 e de 22.02.2016 a 23.02.2016, consulta externa de cirurgia implanto refrativa em 19.02.2016, realização de exames em 5.04.2016 e consultas externas na especialidade de oftalmologia-cirurgia vítreo retina em 29.02.2016, 8.03.2016 e 5.04.2016.

          22. A assistência que lhe foi prestada foi originada pelos ferimentos apresentados pelo assistido em consequência das agressões ocorridas no dia 6.02.2016, pela 22h00, no interior de um anexo à Quinta D. André, em Prados – Freixedas, propriedade de C... e praticada pelos arguidos B... e A... , nos termos acima dados como provados.

         23. Os encargos com a assistência prestada ao ofendido importam na quantia de €3429,46, ainda em débito, conforme a factura junta a fls. 703 (cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).

          Do pedido de indemnização cível deduzido por C... ,

         24.  O demandante apenas conheceu os arguidos no dia anterior aos factos e com estes esteve algumas horas.

         25. Em consequência do demandante se ter dado conta da subtração da arma do interior da sua “habitação” o mesmo confrontou os arguidos que se encontravam no exterior da mesma.

         26. Tendo em consequência o arguido B... lhe desferido um murro no rosto, que lhe atingiu concretamente o olho esquerdo, o que fez com que caísse.

         27. Em consequência do murro que lhe atingiu o olho esquerdo sofreu o demandante de cefaleia fronto-temporal à esquerda, dores no olho esquerdo com diminuição de acuidade visual e com perda total de visão do olho esquerdo, traumatismo ocular.

         28. O ofendido foi submetido a tratamento médico hipotensor ocular e cirurgia (na urgência), tendo sido efetuada remoção intra-capsular do cristalino por via límbica, iridectomia e encerramento de feridas (cfr. fls. 516 a 529 e 543 e 544, que aqui se dão por reproduzidas).

        29. Em consequência daquela agressão resultou ausência permanente de visão global do demandante (cfr. relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal de fls. 493 e ss. e 570 e ss., que se dá por reproduzido).

        30. Os disparos da arma atingiram os membros superiores, mão e antebraço direito e esquerdo, tendo provocado uma deformação no antebraço direito com a aparente limitação funcional dos dedos da mão direita do ofendido, causando-lhe “feridas abrasivas”.

        31. Tais lesões determinaram 58 dias para a consolidação médico-legal com afectação da capacidade para o trabalho geral e profissional.

        32. Os arguidos atuaram de forma deliberada, livre e consciente, pretendendo e conseguindo atingir a saúde física e o corpo do demandante.

        33. Na sequência das agressões de que foi vítima o demandante recebeu assistência médica no local pelo serviço de emergência médica (INEM), que ali foi chamado telefonicamente por terceiros.

        34. Atenta a gravidade das lesões foi o mesmo transportado para o serviço de urgência do Hospital da Guarda e posteriormente para o Hospital Universitário de Coimbra, onde permaneceu e foi intervencionado.

       35. Os demandados agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era punida por lei penal e que constituía crime, entre outros, com o propósito de agredir e ofender o demandante como efetivamente fizeram quer física, quer psicologicamente.

       36. Objetivo amplamente alcançado uma vez que o demandante ainda hoje se sente com dores pelas agressões de que foi vítima.

       37. Em consequência das agressões infligidas ao demandado ficou o mesmo privado permanentemente da visão do olho esquerdo, tendo em consequência enjoos, tonturas e fortes cefaleias associadas ao desconforto de privação da visão.

      38. O demandante ainda hoje não consegue efetuar com a mesma facilidade tarefas diárias como as das sua higienização.

      39. Em consequência dos disparos o demandante viu o seu corpo (membros superiores) afetados, não conseguindo desde então realizar de igual forma as mesmas tarefas profissionais –agricultura- que até então realizava, sentindo dores e desconforto quando as tenta executar.

      40. O demandante sente revolta de ter sido agredido pelos demandados e sente enorme receio que os demandados concretizem os seus intentos.

      41. Com o seu procedimento os demandantes ofenderam o demandante, que sentiu, além de dores físicas, uma profunda tristeza, angústia e vexame.

      42. O ofendido teve dores intensas que se prolongaram por mais de 58 dias.

      43. O referido de 27. a 42. foi consequência direta e necessária da conduta dos arguidos.

      44. Após ter sido agredido fisicamente quando se ergueu e de forma a refugiar-se na habitação para não ser novamente agredido foi, a cerca de 6 metros de distância, vítima de dois disparos que contra si foram disparados.

      45. Os disparos só não o atingiram nos órgãos vitais e como tal não se tornaram fatais para a vida do ofendido porque este conseguiu entrar no interior do anexo.

     46. A intenção do arguido A... ao carregar a arma com munições e a uma distância de cerca de 6 metros disparar dois tiros contra o demandante era de matar o ofendido, atingindo-o em órgãos vitais o que só não conseguiu concretizar por motivos alheios à sua vontade.

     47. Os arguidos sabiam que o arguido vivia numa quinta isolada e que atenta a hora em que decidiram executar a sua conduta ninguém lhe prestaria socorro.

     48. Momentos após o sucedido abandonaram o local sem saberem se o demandante se encontrava ainda vivo e o estado de gravidade das lesões de que havia sido vítima.

     49. O demandante quando se refugiou e permaneceu dentro da “habitação” fê-lo com intenção de salvar a sua vida e integridade física e de não ser atingido com mais disparos, receoso que o atingissem desta vez em órgãos vitais.

     50. O demandante teve receio que se manteve nos momentos que se seguiram e em que os arguidos o incentivaram a sair da habitação sob ameaça de que caso contrário o matariam e em que que junto das janelas o tentavam avistar, o que não sucedeu porque se refugiou num compartimento sem janelas.

    51. O demandante viveu momentos de pânico que se mantiveram enquanto os arguidos ali permaneceram.

    52. O demandante refugiado em casa e em pânico telefonou a um amigo pedindo socorro e relatando-lhe o que havia sucedido.

    53. O demandante receia que situações semelhantes à que vivenciou se repitam, tendo em consequência colocado grades em todas as janelas e porta da referida “habitação”, mudando hábitos e rotinas.

    54. Desde o dia dos factos o demandante não mais conseguiu dormir naquele local, passando desde então a viver permanentemente com familiares na casa daqueles, situação que se mantém.

    55. Os arguidos em união de esforços e executando um plano traçado de comum acordo acabaram por subtrair do interior do anexo do demandante a caçadeira de calibre 12, marca Browning, bem como uma “carta” de cartuchos calibre 12 que ali se encontravam, apropriando-se dos mesmos e levando-os consigo quando abandonaram o local no veículo em que se faziam transportar.

    56. O demandante ficou assim privado da arma e munições que até à data não recuperou.

    57. A arma de fogo atentas as características e bom estado de conservação à data dos factos tinha o valor comercial de €1500,00.

Da contestação do arguido B... ,

   58. Foi essa a primeira ocasião em que o arguido B... visitou o anexo do demandante.

    Das condições pessoais dos arguidos, 

    59. O arguido B... nasceu em  15.03.1980, num agregado familiar de etnia cigana, radicado em Ansul (Almeida) há vários anos, onde cresceram os 7 irmãos, 2 deles já falecidos; o pai comercializava gado, atividade de que subsistiam com dificuldades, sendo a dinâmica familiar reputa como positiva, mas sem particulares preocupações educativas, tendo o arguido frequentado a escola sem regularidade, sendo que aos 16 anos encetou relação marital com H..., de quem tem 5 filhos; após o nascimento da filha mais velha, o casal começou a fazer as campanhas agrícolas em Espanha (Logronho e Estremadura), onde passavam vários meses, mantendo os mesmos patrões de ano para ano, que lhes forneciam alojamento e as crianças frequentavam as creches e escolas para famílias de trabalhadores sazonais, sendo que em Portugal permaneciam pouco tempo, requerendo o Rendimento Social de Inserção, prestação que lhe foi algumas vezes cessada por falta de comparência às entrevistas e ausências prolongadas do agregado, trabalhando o arguido ocasionalmente na agricultura para pessoas da localidade.

     60. Contrariamente aos pais, que sempre mantiveram adequada integração social, B... e alguns dos seus irmãos têm registado problemas, sendo que a imagem do arguido na comunidade de origem suscita algumas reservas, quer ao nível do trato interpessoal, quer devido a suspeitas e condenações por furtos, apresentando contato com o sistema judicial em 1999 e depois a partir de 2003, maioritariamente por condução sem habilitação legal e furtos, tendo já cumprido penas de prisão efetiva em Espanha (fins de semana) e em Portugal entre Março 2011 e Fevereiro 2012, no EPR Guarda, onde manteve boa conduta e completou o 1º ciclo e iniciou o 2º através de curso de pintura da construção civil.

      61. Desde que saiu em liberdade em 2012 B... tem registado mobilidade habitacional, embora com permanência mais demorada em Ansul (onde fica a casa da mãe), tendo vivido por curtos períodos em Freixo de Espada à Cinta (por motivos laborais) e em 2015 em Abrunhosa do Mato, Mangualde, sendo que à data dos factos em causa residia há cerca de um mês em Pinhel, em casa arrendada, sendo o agregado familiar nessa fase constituído pelo casal, os 5 filhos, o companheiro da filha mais velha (coarguido nos autos) e um neto bebé; a relação familiar é coesa e harmoniosa, tendo o arguido relativamente aos filhos, em particular a mais nova, preocupação e inexistindo indicadores de hábitos aditivos por parte do arguido, apenas pontualmente consumos de álcool em ocasiões especiais.

        62. Nos últimos anos o arguido tem trabalhado de forma irregular na agricultura, em campanhas sazonais nas vinhas, amêndoa e azeitona; ocasionalmente negociava em gado equino e sucata e por vezes fazia biscates a limpar mato e na construção civil; apesar de inscrito no Centro de Emprego de Pinhel e no de Viseu (enquanto viveu em Mangualde) foram raras as propostas de trabalho e apesar de ter ido a algumas entrevistas, nenhuma colocação se concretizou; à data destes factos, quando regressou a Pinhel, trabalhou uns dias na construção civil e em reparação de arreios, sendo a subsistência do agregado sido assegurada pelo Rendimento Social de Inserção e os abonos de família dos menores, embora a prestação tenha sido suspensa em algumas ocasiões devido às alterações de domicílio sem comunicação prévia, como sucedeu quando mudaram para Pinhel.

        63. Após a prisão preventiva o seu agregado familiar estabeleceu-se na Guarda para evitar despesas nas deslocações ao Estabelecimento Prisional e também porque a mulher tem aqui familiares que lhe prestam apoio, tendo arrendado uma casa; atualmente a companheira e os 4 filhos de B... (de 15, 11, 8 anos e 21 meses) subsistem do RSI (550€) e dos abonos de família (cerca 350€); têm apoio de uma cantina social que lhes fornece refeições e as crianças frequentam a escola/creche; no âmbito das medidas probatórias a que tem estado sujeito desde 2012 (Proc. 76/08.2GAFCR e 9/08.6GBMDR) a articulação do arguido com os Serviços de Reinserção Social foi globalmente regular, comparecendo às entrevistas e mostrando-se aparentemente atento às orientações, registando contudo algumas falhas na comunicação atempada das alterações de residência e subsistindo a sua instabilidade laboral.

         64. Atualmente em cumprimento de uma pena de 2 anos de prisão tem mantido comportamento correto no EP, frequenta a escola através de um curso de dupla certificação (2º ciclo e pintura da construção civil) e faz trabalhos manuais, recebe visitas muito frequentes da companheira, filhos e mãe.

        65. O arguido A... nasceu em 8.01.1997, em agregado familiar de etnia de cigana, radicado há mais de 30 anos na aldeia de (...) , sendo que além do arguido, mais velho, integravam a família os outros 5 irmãos, residentes num espaço com humilde, sendo a principal fonte de receita familiar os apoios da segurança social, nomeadamente o RSI, que complementavam com agricultura de subsistência e criação de animais; evidenciando o arguido sentimentos de pertença e vínculos afetivos com os pais e irmãos, para além da família alargada; frequentou a escola, revelando algum absentismo, dificuldades de aprendizagem e problemas comportamentais que não evoluíram para situações disciplinares, sendo que através de um sistema de ensino adaptado a jovens com estas características completou o 6º ano, com 17 anos, após retenção por faltas no ano lectivo 2014/15, mantendo, ainda assim, um percurso de vida tendencialmente ajustado às regras sociais e uma interação adequada no contexto familiar e social.

       66. Em 2012 o arguido começa um namoro com uma jovem, menor de idade, da mesma etnia e contrariando a vontade dos pais, ambos “fogem” de casa, tendo os pais daquela apresentado queixa do arguido, o qual foi alvo de um processo tutelar pelo crime de abuso sexual de menor; sendo que em 2014 retomou aquela relação, passando a coabitar com dos pais da namorada; desde que se ausentou do agregado familiar dos pais, até à data do envolvimento neste processo, o arguido, conjuntamente com a companheira e filho de ambos (à data da reclusão tinha cerca de 1 ano), integravam o agregado dos “sogros” (o sogro é coarguido), residindo em várias localidades, sendo que com o sogro costumavam fazer consertos de artefactos para animais e muito pontualmente trabalhos agrícolas; como fazia parte integrante deste agregado, o valor correspondente à sua parte, da companheira e filho era englobado no cálculo do RSI atribuído à família, não tendo todavia acesso à quantia que lhe era destinada, sendo a sua manutenção assumida pelos pais da companheira.

       67. Embora se revele colaborante, é imaturo na forma como perceciona as obrigações judicias decorrentes da medida de coação; não retém/comunica as notificações de diligências policiais ou processuais, regista pequenas transposições do espaço, conforme reportado em relatórios periódicos, mas sem incidentes graves; na aldeia de origem, onde se encontra atualmente com a família, encontra-se inserido socialmente, não se registando comportamentos que o desabonem ou consumos de álcool ou estupefacientes.

      68. O arguido B... já foi condenado por decisão de 25.01.1999, na pena de 80 dias de multa, pela prática, em 25.01.1999, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal; foi condenado por decisão de 1.04.2003, transitada em julgado em 28.04.2003, na pena única de 180 dias de multa, pela prática, em 5.03.2003, de um crime de furto e um crime de falsidade de depoimento ou declaração; foi condenado por decisão proferida em Espanha em 16.05.2006, transitada em julgado em 28.03.2007, na pena de privação de liberdade em 24 fins de semana, pela prática, em 14.06.2004, dos crimes de furto e roubo, na forma tentada; foi condenado por decisão de 23.01.2008, transitada em julgado em 2.03.2009, na pena de 210 dias de multa, pela prática, em 09.02.2006, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal; foi condenado por decisão de 6.02.2007, transitada em julgado em 4.05.2009, na pena única de 1 ano e 8 meses de prisão efetiva e na pena acessória de 2 anos de proibição de conduzir veículos motorizados, pela prática, em 16.09.2005; 24.06.2003; 16.06.2005; 16.06.2005 e 4.08.2003, respetivamente, de um crime de desobediência; três crimes de condução de veículo sem habilitação legal e uma contra-ordenação, p. e p. art.º 82º, n.º1 do CE; foi condenado por decisão de 17.10.2008, transitada em julgado em 11.01.2010, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, pela prática, em 06.09.2005, de um crime de furto qualificado; foi condenado por decisão de 17.07.2009, transitada em julgado em 16.05.2011, na pena de 2 anos e 11 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, pela prática, em 16.10.2007, de mais um crime de furto qualificado; foi condenado por decisão de 26.10.2011, transitada em julgado em 9.11.2011, na pena de 5 meses de prisão, pela prática, em 22.07.2008, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal; foi condenado por decisão de 23.01.2008, transitada em julgado em 2.03.2009, na pena de 210 dias de multa, pela prática, em 09.02.2006, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, sendo que nestes autos (76/08.2GAFCR) foram cumuladas as anteriores três condenações, tendo sido aplicada ao arguido a pena única de 4 anos e 8 meses de prisão, suspensa pelo mesmo período, sujeita a regime de prova; foi condenado por decisão de 29.04.2014, transitada em julgado em 11.06.2014, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova, pela prática, em 27.01.2008, de um crime de falsificação de documento, sendo que nestes autos (9/08.6GBMDR) foram cumuladas as anteriores condenações, tendo sido aplicada ao arguido a pena única de 5 anos de prisão, suspensa pelo mesmo período, sujeita a regime de prova; foi condenado por decisão de 27.10.2015, transitada em julgado em 27.06.2016, na pena de 2 anos de prisão, pela prática, em 18.01.2014, de mais um crime de furto qualificado; foi condenado por decisão de 18.03.2015, transitada em julgado em 4.05.2015, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €5,00, pela prática, em 19.11.2013, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (cfr. CRC de fls. 843 a 861, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

    69. O arguido A... não tem antecedentes criminais.

*
III. Factos não provados

Não se provou que:

Da acusação,

a) a quinta referida em 1. fosse propriedade do ofendido C... ;

b) o referido em 2. e 3. tenha sido acordado diretamente com o ofendido;

c) o referido em 5. tenha ocorrido diretamente com o ofendido;

d) a arma referida em 7. estivesse pendurada na parede;

e) o referido em 9. tenha sido protagonizado (também) por A... e que tenha envolvido vários murros;

f) o arguido A... tenha causado o referido em 10.;

g) o referido em 14. tenha sido protagonizado pelo arguido B... ;

h) o referido em 15. sucedeu porque o ofendido viu o gesto e comportamento do arguido B... ou do arguido A... ;

i) a fuga referida em 17. tenha sido para Espanha, de onde os arguidos só regressaram quando julgavam estar a salvo de procedimento criminal pelos factos descritos;

j) ambos os arguidos municiaram e quiseram de comum acordo utilizar a arma contra a vida do ofendido;

k) o arguido B... tenha pretendido a morte do ofendido e levado a cabo os atos relacionados com os disparos nos moldes descritos em 19.;

Do pedido de indemnização cível de C... ,

l) os arguidos em união de esforços e usando meios comuns na execução de um plano previamente arquitetado por ambos, deslocaram-se à Quinta D. André onde C... reside sozinho com o claro e específico propósito de furtarem a arma de fogo caçadeira de calibre 12, de marca Browning bem como uma caixa de cartuchos calibre 12, que se encontrava em cima de mesa;

m) o arguido mais velho tenha desferido “vários murros” no demandante e que o demandante tenha sido ao mesmo tempo rasteirado pelo arguido mais novo, o que fez com que caísse;

n) ambos os arguidos tenham municiado a arma e disparado contra o demandante com clara intenção de o atingir mortalmente;

o) o referido em 45. ocorreu porque o ofendido viu o gesto e o comportamento do arguido mais novo;

p) a intenção do arguido B... ao carregar a arma com munições e a uma distância de cerca de 6 metros disparar dois tiros contra o demandante era de matar o ofendido, atingindo-o em órgãos vitais o que só não conseguiu concretizar por motivos alheios à sua vontade;

q) os arguidos sabiam que o ofendido vivia sozinho;

r) o demandante habitasse sozinho naquele anexo, sempre ali dormindo e fazendo toda a sua vida doméstica;

Da contestação do arguido B... ,

s) na sequência do negócio o ofendido convidou o arguido B... para “beber uns copos” a para ir a sua casa comer uma chouriça;

t) o que se veio a passar de seguida fugiu totalmente ao controlo e vontade do arguido B... .

                                                                       *

Quanto ao demais alegado nas contestações e nos pedidos de indemnização cível, não obstante o seu relevo nos respectivos articulados, por se tratar de repetição dos factos constantes da acusação ou de considerações de direito ou conclusivas, sobre o mesmo não pôde recair qualquer juízo probatório.

Em particular quanto ao teor da contestação do arguido B... , como se refere no Ac. da R. de Guimarães de 31.05.2004 (Proc. N.º 1861/04-1, in www.dgsi.pt) “A questão da fixação ao acervo fáctico negativo deve, actualmente, considerar-se pacificada no sentido de que a necessidade de especificação dos factos não provados não é absoluta, mas relativa em função do seu eventual significado para a qualificação jurídico-penal, por um lado, e da necessidade resultante de tal não prova não ser, por imperativo lógico, deduzida da declaração positiva da prova de tacto oposto.

Há desnecessidade de qualquer tomada de posição quanto à prova, positiva ou negativa, relativamente aos chamados factos inócuos e não se exige expressa declaração da não prova aos factos negativos contrários aos positivos dados como provados” (sublinhado nosso).

No mesmo sentido acompanhamos o Ac. da R. de Évora de 16.10.2012 (Proc. N.º 495/11.7GBTBABF.E1, in www.dgsi.pt) onde se decidiu que “Se os factos alegados pela defesa representam apenas a versão negativa dos factos provados, é dispensável o tratamento expresso destes factos negativos” (veja-se, neste conspecto, também o estudo do Dr. Sérgio Poças, in “Da sentença penal – fundamentação de facto”, Revista Julgar, n.º3, págs. 24 e 25).

                                                                       *
IV. Motivação da decisão de facto

Nos termos e para os efeitos dos artigos 97º e 374º nº 2, ambos do Código de Processo Penal, fundou o Tribunal a sua convicção no conjunto das declarações e prova testemunhal produzida em julgamento com os documentos e perícias juntas aos autos, conjugada com regras de experiência comum e do normal acontecer (cfr. art.º 127º do CPP).

Em primeiro lugar, o Tribunal considerou a prova documental junta aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, em particular:

 -a cópia de licença de uso e porte de arma de fls. 21;

 -o livrete de manifesto de armas de fls. 22;

 -o relatório para a polícia elaborado pela ULS de Guarda, a fls. 23;

 -as fichas biográficas de fls. 36 a 39;

 -a ficha de registo automóvel relativa ao veículo em que os arguidos se faziam transportar, a fls. 40;

 -o auto negativo de reconhecimento fotográfico de fls. 43, o que se compreende atendendo ao depoimento de G... a que infra aludiremos;

 -a cota relativa ao agravamento do estado clínico do ofendido, a fls. 44;

 -os autos de reconhecimento fotográfico de fls. 50 a 55, donde resulta que I... identificou, embora com alguma reserva, os arguidos como sendo as pessoas que estiveram em sua casa entregando arreios no dia 6.02.2016 e que depois se ausentaram para o café na companhia do seu irmão, aqui demandante;

 –as fotografias das lesões visíveis no ofendido C... , juntas de fls. 110 a 113;

 -o auto de reconhecimento fotográfico de fls. 129, em que o ofendido identificou, embora com algumas reservas, os arguidos como sendo os autores dos factos em causa nos autos;

 -os autos de busca e apreensão a casa e interior do veículo do arguido B... , a fls. 134 e 135;

 -o auto de busca e apreensão a casa do arguido A... , a fls. 137;

 -o auto de reconhecimento pessoal por parte do ofendido, que logrou identificar os arguidos B... e A... peremptoriamente e de forma inequívoca como os autores dos factos em causa, cfr. fls. 148 a 152;

 -o relatório de episódio de urgência de fls. 213 a 216 e 516 a 519;

 -o auto de apreensão de veículo utilizado pelos arguidos e respetivo documento único automóvel, a fls. 282 e 283;

 -os registos fotográficos ao referido veículo juntos de fls. 338 a 341;

 -a reportagem fotográfica realizada no local dos factos, com a colaboração ativa do ofendido (exemplificando o sucedido), junta de fls. 369 a 384;

 -a informação clínica do CHUC junta de fls. 520 a 529;

 -o relatório clínico do centro de responsabilidade integrado de oftalmologia – CRIO de fls. 543 a 544;

-a factura de prestação de cuidados de saúde de fls. 703;

-a documentação clínica relativa ao ofendido junta de fls. 735 a 739, donde resultam evidentes as sequelas para o mesmo decorrentes dos disparos realizados na sua direção;

-o relatório social relativo ao arguido A... junto de fls. 838 a 841;

-o relatório social relativo ao arguido B... , junto de fls. 865 a 868;

-os CRC´s dos arguidos juntos a fls. 217; 219 a 234; 646; 764 e 843 a 861.

A restante prova documental oferecida, na medida em que compreendia essencialmente declarações colhidas pelo OPC e relatos do observado por estes (aqui testemunhas) não foi naturalmente considerada.

Quanto às interceções telefónicas ao arguido B... extraídas dos autos de Inquérito n.º 136/15.3T9MGL, instruídas com os respetivos suportes técnicos, a fls. 188 a 192 e, essencialmente, de fls. 386 a 489, entendemos não poder valorar as mesmas na medida em que, compulsados várias vezes os autos, não identificamos no seu suporte material o despacho a que se reporta o art.º 187º, n.º8 do CPP (não sendo manifestamente o caso do vertido a fls. 411), onde caberia fazer a avaliação dos pressupostos a que alude o n.º7 do mesmo preceito legal e de que depende a valoração de conversações em processo diverso daquele onde foram intercetadas (cfr. entre outros o Ac. da R. de Coimbra de 22.10.2014, Proc. N.º 174/12.8JACBR.C1, in www.dgsi.pt).

Ainda que assim não se entenda, certo é que esse registo se mostrar de escassa relevância na medida em que, por um lado compreende um período bem anterior à data dos factos e, por outro, estaria em causa a tentativa de venda, por parte do arguido B... , de uma arma de 7.65 mm, e depois de várias pistolas, com referência a um coldre (logo não a caçadeira em causa nos autos), embora depois, numa conversa em 9.02.2016, exista a alusão a um tiro dado na zona dos factos em causa nestes autos (cuja autoria, ao contrário do constante dos resumos, não se mostra percetível na interceção em causa).

Ao nível pericial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o Tribunal considerou:

-o relatório de exame pericial de fls. 93 a 109, e respetivo registo fotográfico, donde resulta que foram encontrados dois cartuchos de calibre 12 deflagrados no local, em frente ao anexo, um outro por deflagrar e tinta num poste em pedra, para além dos vestígios hemáticos e outros colhidos no interior do referido anexo;

-os relatórios da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal realizada ao demandante, juntos de fls. 209 a 211; 492 a 494 e 570 a 572, donde resulta, entre o mais, em ausência de visão do olho esquerdo (definitivamente sem utilização de qualquer prótese);

-o relatório de exame pericial ao veículo apreendido nos autos, de fls. 342 a 346;

-o relatório de exame pericial aos vestígios biológicos a fls. 608 a 609;

-o relatório de exame pericial aos vestígios colhidos no local junto de fls. 616 a 619, concluindo-se pela respetiva identidade com o veículo apreendido nos autos.

 Da análise da prova documental e pericial recolhida resulta cabalmente sustentada quer a factualidade acima dada como provada relativa às lesões sofridas pelo ofendido e sua dimensão, bem como as condutas que as provocaram.

 Neste particular é relevante reter que a existência e características dos ferimentos ao nível dos membros superiores não se mostra compatível com a versão do arguido A... , a que aludiremos infra (o mesmo valendo quanto ao referido pelo arguido B... ).

 Aliás, se de um “acidente” decorrente de uma altercação se tratasse a própria conduta posterior dos arguidos e as circunstâncias em que o ofendido é encontrado seriam naturalmente diversas.

 Igualmente contrário à versão do arguido é a circunstância deste, claramente faltando à verdade (como a análise dos registos vídeo o comprova) ter indicado um local de desaparecimento distinto (parte traseira da central) daquele onde efetivamente estava e tinha o veículo imobilizado (junto à praia fluvial).

Todavia, por uma questão cronológica, importa referir que o arguido B... começou por não pretender prestar declarações.

Pelo contrário, o arguido A... tendo confirmado o vertido na acusação até ao momento em que se dá uma altercação com o ofendido, entendeu sustentar uma versão do sucedido que não só desafia a lógica e normal acontecer, como se mostra absolutamente desprovida de sustentação na demais prova coligida.

Com efeito, tendo começado por referir que a quinta a que se dirigiu por decisão do pai da sua namorada, no veículo de que é proprietário, embora conduzido por aquele, aqui coarguido, e onde depois apareceu o ofendido é do pai deste, sendo que o acordo relativamente ao arranjo dos arreios foi realizado com os pais daquele.

Negando qualquer propósito de virem a realizar ali furtos, referiu que após terem devolvido aqueles utensílios arranjados, o ofendido os acompanhou a um café em Alverca de onde voltaram pelas 24:00, tendo deixado o ofendido em casa, altura em que este lhes diz que dorme numa outra parte da quinta, um anexo, onde o levam e aí os convida para irem beber uns copos e comer uma chouriça, tendo o seu “sogro” estacionado a carrinha mesmo à porta.

Instado sobre o que sucedeu de seguida refere que saiu para fazer necessidades (não sabendo explicar porque não utilizou a casa de banho, ainda para mais num dia chuvoso em que a carrinha inclusive vem a ficar atolada na lama) e que depois do B... já estar na carrinha o ofendido o chama e discutem, sendo que aquele se fazia munir de uma caçadeira de dois canos (quando o livrete refere que se trata de uma arma de um cano).

Não sabendo precisar sobre o que discutiram (o que muito se estranha) afirmou que o ofendido dá um tiro para o ar (!) altura em que o aborda, lhe tira a arma e dá um soco, após o que aquele vai buscar outra arma (!) dentro do anexo, igual à anterior, e ele para se defender dá um tiro que acerta no aro da porta, enquanto o ofendido também disparou.

Instado a explicitar o teor da inopinada mudança de atitude do ofendido e a (necessariamente breve) discussão que teria tido com o seu “sogro” referiu que apenas ouviu o ofendido dizer “à ciganos de um raio”.

Nesta curiosa sequência aduziu que a carrinha entretanto ficou atolada na lama e tiveram que a tirar de lá com a ajuda de um trator, no que despenderam cerca de 15 minutos, ficando por explicar como o fizeram enquanto o ofendido estaria no interior da casa com uma segunda arma municiada que, note-se, nunca foi encontrada.

Para culminar este relato extraordinário o arguido refere que já à saída da propriedade deitou a arma fora, para junto do caminho (onde estranhamente nunca foi encontrada), não sabendo dar qualquer explicação para a circunstância de após terem sido vítimas de tal atitude do ofendido, não terem chamado a polícia…

Após o sucedido refere que voltaram para casa em Pinhel sendo que dois dias depois vão para Espanha para o seu “sogro” ajudar uma irmã com alguns documentos…

Instado a explicitar alguns pormenores referiu, entre o mais, que conseguiu abordar o ofendido porque ele estava de lado para si, sendo que ao agarrar a arma lhe deu simultaneamente um soco (!), sendo que confrontado com os registos fotográficos juntos de fls. 94 a 98 reconheceu os mesmos como correspondendo ao local onde tudo se passou, mais tendo confirmado o teor de fls. 102, 104 e 190, assumindo que estiveram sempre os três naquela divisão, até que o próprio saiu para fazer necessidades, não tendo visto quaisquer cartuchos de cima da mesa e imaginando que a caçadeira estivesse atrás da porta (ficando por explicar onde pensa que o ofendido teria a outra que agarrou com igual prontidão…).

Curiosa a explicação do arguido de que quando estava agarrado ao ofendido (que lembremos na sua versão havia acabado de disparar um tiro) o seu “sogro” ao invés de o ajudar, como seria natural e normal, vai para a traseira da carrinha (!) e é quando o sogro está a desatolar a mesma que o ofendido volta a sair com outra arma, gritando este arguido para o mesmo não sair de casa.

Note-se que este arguido acrescentou que antes de ir para a carrinha deu um outro disparo, ainda dentro da quinta, a cerca de 50 metros do anexo, apenas para assustar o ofendido (o que, como veremos, nem sequer coincide com a segunda versão do arguido B... ).

Estamos, pois, perante um relato verdadeiramente extraordinário em que o ofendido inopinadamente aparece com uma arma e dispara e este arguido, sem qualquer receio, o aborda, consegue tirar-lhe a arma e dar-lhe um soco (não sabe bem como) e o ofendido ainda tem tempo para ir ao anexo buscar outra arma e vir cá fora fazer novo disparo.

Ora, não só inexistem cartuchos no local que atestem tantos disparos, como na carrinha não ficaram quaisquer vestígios do alegado segundo disparo do ofendido, como ainda, e mais extraordinário, não se identificou qualquer segunda arma no local (a qual teria ficado na posse do ofendido segundo a versão deste arguido)…

Por outro lado, reconhecendo que teve receio não soube explicar como fez para se aproximar do ofendido sem ser atingido.

Naturalmente que a relação “familiar” que tem com o coarguido e a circunstância de não ter antecedentes criminais foram decisivas para que procurasse arcar com a responsabilidade de todos os atos em causa nos autos, sendo evidente o ascendente do “sogro” sobre a sua pessoa.

Não mais verosímeis foram as declarações do primeiro arguido B... que, após as declarações do demandante e no início da segunda sessão, decidiu relatar a sua versão do sucedido.

Tendo principiado em moldes bastante semelhantes aos do arguido A... , o arguido B... faz uma descrição em dois atos.

Um primeiro em que refere que abordaram os pais do ofendido em casa deles, tendo acordado com estes o arranjo de utensílios, altura em que apareceu o ofendido e o conheceram, sendo que tendo regressado no dia seguinte com o material arranjado o ofendido lhes pediu para o levarem a Alverca a um café para comprar tabaco, ao que assentiram, tendo primeiro passado a fazer mais umas entregas de arreios.

Explicando que beberam mais uns copos no café, menos o A... que bebia pouco, voltaram para a quinta dos pais do ofendido, onde este referiu que iria pernoitar num anexo, onde o levaram, tendo estacionado entre o poste e o trator que ali estavam (como se alcança do registo fotográfico e assim bem perto da porta do referido anexo), sustentando que então aquele insistiu que entrassem para beberem mais uns copos.

Refere que tendo seu “genro” se levantado para ir fazer necessidades à rua (tão pouco explicando porque não utilizou a casa de banho ali existente), o ofendido voltou a abordar uma conversa sobre um cigano que o estava a incomodar, altura em que também este arguido decide sair do anexo e entrar na carrinha.

Referiu que então, e quando já estava na carrinha, o ofendido o abordou, tendo inclusive aberto a porta da carrinha, batendo assim com esta numa pedra, ao que este arguido responde com um empurrão, pensando que ofendido caiu nessa sequência.

Ao contrário da versão do coarguido A... , nesta o ofendido levanta-se e ainda entra na casa donde regressa agora com uma arma, disparando um tiro para o ar e dizendo que o irmão estava a caminho.

É aqui que a descrição deste arguido se torna particularmente curiosa (ou melhor criativa), pois que instado sobre a sua reação refere apenas que lhe disse “ó Pedro arrecada isso” e se escondeu atrás das pedras, tendo o seu genro vindo por de trás (e não de lado com o próprio explicitou, embora depois “emendasse” esse pormenor) e lhe tira a arma e dá um soco, tudo isto enquanto o arguido B... se desinteressa do que acontece entre um homem armado, alegadamente alcoolizado, e o namorado da sua filha e apenas se preocupa em ver os estragos da carrinha e depois a desatolar…

Bem poderíamos ficar por aqui quanto à verosimilhança desta descrição, mas há mais.

É que no decurso desta contenda, que poderia perfeitamente acabar com a realização de mais disparos, e em que este afirma que “andaram os dois aos socos”, o arguido B... descreve que apenas se ocupou de desatolar a carrinha com recurso ao trator que ali estava e um cordel (com todo o vagar que a situação proporcionava…), após o que chamou o seu genro, que vem a recuar com a arma (sendo a primeira vez que diz que o vê com a mesma, o que leva a concluir que nem se teria assegurado que o genro retirou a arma antes de tratar da carrinha), após o que o A... faz mais um disparo e manda a arma para o chão, para perto da vinha (onde, relembramos, nunca veio a ser encontrada).

Aliás, confrontado com a singularidade da história que conta refere, com algum trejeito humorístico, que a sua preocupação era a carrinha, tendo andado com um isqueiro a inspecionar a porta da mesma para avaliar o estrago…

Mais referiu que no dia 9 foi para Espanha, não tendo dado qualquer justificação para o coarguido o ter acompanhado.

Note-se que confrontado com a dinâmica do seu relato confirma que deve ter sido o A... a dar o tiro que acertou na casa e no ofendido.

O segundo ato (ou versão) deste arguido surge quando o mesmo é confrontado com a referência do coarguido A... a uma segunda arma na posse do ofendido, à qual este no primeiro e demorado relato não fez qualquer referência.

De forma indisfarçavelmente atrapalhada quando perguntado sobre uma segunda arma, o arguido B... respondeu afirmativamente, procurando justificar-se, acrescentando que se esqueceu de tal situação (!), sendo que não a chegou a ver bem…

Com efeito, refere que apenas quando já saía com a carrinha da propriedade o ofendido assomou à porta com o que lhe pareceu um cano e fez mais um disparo (logo de forma totalmente distinta da descrita pelo seu “genro” que situa esta segunda arma em momento bem anterior, que inclusive o teria levado a disparar na direção do ofendido).

Assim, na versão que depois ganhou forma, o seu “genro” já estava dentro da carrinha, depois de sair primeiro do anexo, quando o próprio ali chegou (o que já torna difícil que estivesse atrás ou de lado do ofendido quando este o confronta), sendo que só após o primeiro tiro (por parte do ofendido) o A... sai da carrinha.

Salientou que ouviu mais tiros, sendo que só após o segundo disparo é que vai com o trator desatolar a carrinha, isto porque então o ofendido vai para o interior da casa e o próprio diz-lhe para não sair de casa…

Reconhecendo os locais constantes dos registos fotográficos de fls. 94, 371 e 374 confirma que a carrinha estará estacionada a 7/8 metros da porta, sendo que tudo ocorreu durante uma hora e meia.

Instado confirmou que tinha o vidro da janela da carrinha aberto (o que foi de encontro ao descrito pelo ofendido), reiterando apenas um empurrão no peito ou ombro do demandante, sendo que o ofendido não lhe disse nada sobre ter outra arma.

Temos assim que nenhuma das versões preconizadas pelos arguidos se mostram lógicas, coerentes entre si ou mesmo sustentadas na demais prova coligida.

Note-se que relativamente à sua inserção socioeconómica, o Tribunal fundou-se nos relatórios sociais acima referidos, tendo os arguidos confirmado o seu teor.

No mais, foram também consideradas as declarações e depoimentos prestados, sendo que nesta produção probatória sobrelevaram-se o conhecimento pessoal e direto dos factos perguntados, a postura denotada pelas testemunhas, bem como a convicção e transparência dos depoimentos.

Assim, as declarações prestadas pelo demandante C... mostraram-se objetivas, detalhadas, lógicas, coerentes e sustentadas na prova mobilizada nos autos.

Tendo sido confrontado com as fotografias de fls. 104, 107, 339 a 345 e 36 verso e 39 verso, as quais confirmou, explicitando o seu teor e contexto, o demandante fez uma descrição lógica do sucedido, nos termos aliás acima dados como provados, explicitando que efetivamente forma os seus pais a contratar o arranjo dos arreios, por €30,00 mais batatas, sendo que no dia seguinte, ao arrepio do conselho da sua mãe, decidiu acompanhá-los a pedido dos mesmos, numa ida aos Prados, para fazerem mais duas entregas.

Explicou que fizeram essas entregas, sendo que uma das pessoas inclusive só lhes abriu a porta porque lhe reconheceu a voz, após o que foram a um café em Alverca, do G... , para comprar tabaco e eles ficaram de o voltar a trazer a casa, o que sucedeu já depois da meia noite, tendo antes bebido 3 “rodadas” de cerveja.

Chegados ao anexo onde por vezes dormia, por sua indicação, referiu que o arguido B... insistiu em entrar para beberem mais, ao que aquele acabou por assentir, tendo ali estado cerca de uma hora, altura em que o A... diz que vai lá fora, sendo que como estava de costas não reparou no que fez, após o que, de repente, o B... se levanta e diz até amanhã, altura em que o próprio se levanta e vê casacos no chão atrás de si, dando conta que a arma que ali estava ao alto, debaixo daqueles casacos (e que tinha estado a limpar nessa manhã), havia desaparecido.

Referindo que a arma estava descarregada e a munição pousada de cima de outra mesa na cozinha (a qual identificou com recurso às fotografias), explicou que veio cá fora e os abordou na carrinha, onde o B... já estava, dizendo que lhe tinham roubado a arma.

Como aquele tinha o vidro da sua porta rebaixado, insistiu com o mesmo para lhe devolver a arma, após o que aquele lhe desfere um murro junto ao olho esquerdo, que de imediato o projeta ao solo, tentando em ato contínuo fugir para o interior do anexo, que distava 4 ou 5 metros do local onde caiu (sendo que a carrinha estava muito perto do anexo).

Afirmou que é quando está a entrar e no ato de fechar a porta (que abre para dentro) que se dão dois disparos, sendo que um deles ainda o atinge nos braços e mãos (em particular na mão direita), tendo ficado muito do chumbo no cimento.

Referiu que então consegue fechar a porta à chave, tendo ambos os arguidos começado a rondar a casa, por alguns momentos, inclusive junto às janelas, altura em que decide telefonar a um amigo ( D... ), que inicialmente não queria acreditar mas depois providenciou por ajuda junto da sua cunhada.

Tendo ido esconder-se na casa de banho, às escuras, referiu ter ouvido dizer “abre a porta zé senão matamos-te”, após que ouviu a carrinha dos arguidos a funcionar e se apercebeu da manobra com o trator, até que saíram dali, tenho o auxílio chegado pelas 2:00 ou 2:30.

Instado referiu que nunca mais viu a sua arma, tendo procurado pela mesma debalde (o que infirma a versão dos arguidos da mesma ter sido atirada ao chão ainda na quinta), salientando que não viu quem fez os disparos, porque não chegou a ver nenhum dos arguidos com a arma (embora da sua descrição e do referido pelos arguidos não restem dúvidas que foi o A... a realizá-los, à sobredita distância).

Aliás, o demandante foi absolutamente perentório ao afirmar que nessa noite não chegou sequer a pegar na arma, assim como não viu mais o arguido A... (mais novo), o que claramente o coloca, atenta a dinâmica do sucedido (referindo o ofendido que passaram apenas segundos entre o murro que levou do B... e os tiros), como o autor dos disparos.

Confrontado com as fotografias de fls. 104, descreveu o espaço em termos conformes com tais registos, sendo absolutamente verosímil que, estando o ofendido sentado de costas para a porta, não visse o arguido A... retirar a arma que estava junto à mesma.

Tendo reconhecido a carrinha examinada e apreendida nos autos, quando novamente instado sobre os momentos subsequentes ao murro, referiu que teve a impressão de ter sido rasteirado o que, todavia não pôde garantir.

Da mesma forma não tem a certeza que o A... estivesse dentro da carrinha quando foi abordar o B... por causa da arma.

Salientou que apenas ouviu dois tiros, o que é absolutamente compatível com os cartuchos deflagrados encontrados no local, sendo que os arguidos o devem ter ouvido ao telemóvel no interior do anexo, chamando por ajuda, o que os deve ter afugentado (acrescentando que a sua cunhada lhe ligou várias vezes enquanto ali esteve).

Explicou que receou e ainda receia pela sua vida na sequência do sucedido, tendo dores no braço e mãos, derivado dos vários chumbos com que foi atingido, o que lhe dificulta o seu trabalho com os animais e agrícola, sendo que não vê nada do olho afetado.

Mais referiu que depois do sucedido não voltou a dormir naquele seu anexo, vivendo agora sempre com os pais, tendo ainda colocado uma grade em ferro e vedado a quinta, inclusive com um cadeado.

Nos dias seguintes ao sucedido explicou que foi uma cunhada que o tratou e lavou, o sucedeu durante cerca de 30 dias.

Mais importa referir que o mesmo em momento algum aludiu a uma segunda arma, afirmando ser a única que tinha, o que associado ao resultado das buscas levadas a cabo irremediavelmente afasta a versão dos arguidos.

Mostrou-se, pois, isento, objetivo e sustentado na sua descrição dos factos.

Como acima referido, foram ainda considerados os depoimentos realizados em audiência, sendo que o primeiro foi protagonizado por M... , nascido em 16.07.1972, elemento da Guarda Nacional Republicana em exercício de funções no Posto da GNR da Guarda, o qual referiu que quando acorreu ao local encontrou o ofendido em mau estado, sangrando das mãos e rosto, nervoso e com queixas, tendo encontrado cartuchos no local e vestígios de disparos na porta da casa.

Acrescentou que o ofendido logo aludiu ao furto de uma arma e que tinha sido essa arma a ser disparada, sendo que não referiu qualquer outra, salientando que apesar das buscas encetadas para a encontrar (inclusive no caminho junto ao qual os arguidos referiram que foi projetada) a mesma não apareceu (assim como qualquer outra)[1].

Foi igualmente relevante o depoimento de J... , nascido em 13.12.67, pensionista por invalidez, residente em (...) , Freixedas, o qual esclareceu que foi a primeira vez que conheceu os arguidos e ser irmão do demandante.

A testemunha referiu que os arguidos vieram entregar uns utensílios que haviam arranjado para os pais e o seu irmão foi com eles beber uns copos aos Prados, nada mais sabendo esclarecer sobre o sucedido nessa noite, invocando que toma medicação para a depressão e não acordou, não obstante viver a cerca de um quilómetro do anexo onde estava o irmão.

Neste particular apenas soube referir que encontrou o irmão ensanguentado e a queixar-se de dores.

Quanto ao mais referiu que nunca entrou naquele anexo, desconhecendo se o irmão ali dormia muitas vezes, ou quantas armas teria, apenas podendo confirmar que o ofendido esteve uns tempos com o seu irmão Aníbal, que com a mulher o tratou.

Instado referiu que o irmão passou a ter dificuldades no seu trabalho do campo, inclusive deixando de vindimar, sendo hoje uma pessoa com muito receio dos arguidos.

Pouco relevo teve o depoimento de G... , nascido em 06.03.66, proprietário de um café em Alverca da Beira, onde vive, o qual aos costumes nada disse, esclarecendo que foi a primeira vez que conheceu os arguidos, embora já conhecesse o ofendido.

Com efeito, a testemunha limitou-se a referir recordar que o ofendido esteve com dois indivíduos de etnia cigana no seu café, sendo que nem os reconhece pois quando chegou estavam eles a sair.

Maio relevância revestiu o depoimento de F..., nascido em 30.10.75, residente na Covilhã, Inspetor da Polícia Judiciária em exercício de funções na Guarda desde 2004, que disse éter feito a exemplificação do sucedido com o ofendido, o qual disse mostrar então muito receio dos arguidos.

A testemunha referiu que em face dos vestígios encontrados no local ficaram com a certeza que os disparos foram realizados na direção da porta, com uma trajetória paralela à da carrinha (o que vai de encontro à descrição do ofendido).

Explicou que não obstante as buscas não encontraram no local ou nas imediações qualquer arma de fogo.

Mais referiu que encontraram vestígios de tinta num poste e verificaram depois pericialmente tratar-se da mesma tinta da carrinha apreendida, embora não tenham logrado descobrir onde se deu a transferência pois o veículo está muito danificado.

Com uma razão de ciência muito restrita, a testemunha E... , nascido em 12.08.71, residente em Freixedas e que aos costumes disse apenas ser vizinho do demandante, descreveu o telefonema que recebeu daquele, na madrugada dos factos, que inicialmente pensou tratar-se de uma brincadeira e que o levou, depois, a telefonar à cunhada do ofendido, e... , que providenciou por ajuda.

Instado referiu que o ofendido lhe pediu socorro, afirmando que estava a ser assaltado, sendo que apenas o viu no dia seguinte, apresentando-se combalido, com ligaduras nas mãos, após o que esteve uns tempos a viver com um irmão, sendo que deixou de ver de um olho.

Por último foi considerado o depoimento de E..., nascida em 30.03.81, ajudante de lar, residente em Freixedas, que disse ser cunhada do demandante, nada a impedindo de dizer a verdade.

A testemunha descreveu primeiro com tomou conta do sucedido, através de um telefonema da anterior testemunha, após o chamou ajuda e tentou falar com o ofendido, o que acabou por conseguir após algumas tentativas, tendo este lhe dito várias vezes “deixas-me morrer”, assegurando que o mesmo estava em pânico, acrescentando que “eles” andavam em volta da casa, ao que aquela retorquia para ele se esconder.

Depois descreveu todas as sequelas e dificuldades com que o ofendido se deparou, bem como a assistência que teve de lhe prestar durante 2 meses, em sua casa, nos termos acima dados com provados.

Mais descreveu o receio permanente com que vive o ofendido e os investimentos de segurança que sentiu necessidade de fazer.

Em particular no que se refere à arma que lhe retiraram explicou que era um bem que o ofendido muito valorizava (apelidando-a de “princesinha”), sendo a única que tinha para exercer a caça, embora tivesse outra arma guardada na casas dos pais, sendo que a tinha adquirido nova, não sabendo há quanto tempo, tendo-lhe dito que custou entre €300,00 a €400,00.

Dúvidas inexistem pois que os factos vertidos no libelo acusatório, pedidos cíveis e contestação, com as exceções relativas aos dados como não provados, correspondem à verdade, sendo que nenhuma prova se fez suscetível de questionar ou por em causa o descrito pelo ofendido e, não já assim, como vimos reiteradamente, quanto às versões (não inteiramente coincidentes) dos arguidos.

Assim, a prova produzida revela, de forma evidente, quer o motivo, quer a forma como os arguidos agiram, assim como as consequências da sua conduta para o ofendido, a vários níveis, sendo que apesar de não se saber se irá ser possível o mesmo recuperar, e em que medida, a visão do olho afetado, é inquestionável que a perdeu em termos naturais, na sequência do sucedido.

Ao nível do furto da arma, existem elementos que permitem concluir que tal desiderato motivou a ida a casa dos pais do arguido, onde os arguidos pensavam voltar nessa noite trazendo o ofendido (e o que apenas não sucedeu porque este os guiou ao anexo), sendo particularmente evidente que tal intenção e execução conjunta se verificou quanto à arma e munições que o arguido A... encontrou e subtraiu do anexo onde estavam com o ofendido, enquanto este falava com o arguido B... .

Note-se, aliás, que o sucedido demonstra que a insistência do arguido B... em entrarem àquela hora no anexo do ofendido compreendia já tal propósito, embora na altura não projetado naquela concreta arma e munições que, naturalmente, ainda desconheciam ali estarem.

Da mesma forma, sabendo ambos que em causa estava a apropriação de uma arma e munições para cuja detenção não estavam habilitados, evidente se torna que quiseram alcançar com a sua conduta tal resultado, nos termos vertidos na matéria de facto julgada provada.

Note-se que a circunstância de inicialmente se terem apresentado e terem sido vistos juntos com o ofendido em nada infirma esta conclusão, até porque a própria forma de subtração da arma e munições, antes de serem surpreendidos, inculca claramente uma ideia de furto “discreto”, que in casu terminou de forma inesperada para estes.

Já o demais sucedido após o ofendido se ter dado conta da subtração da arma não pode deixar de ser assacado a cada um dos arguidos e àquilo que individualmente entenderam fazer quando surpreendidos pelo demandante.

É pois evidente, em face de toda a análise acima vertida da prova mobilizada nos autos, que o arguido B... desferiu o murro junto ao olho do ofendido e que o arguido A... produziu os subsequentes disparos, na direção daquele, já quando o mesmo se procurava refugiar na casa e àquela curta distância.

Inexistiu, pois, qualquer acordo, prévio ou subsequente, expresso ou tácito, entre os arguidos relativamente à execução destes atos que surgem num contexto de imediatismo e imprevisibilidade.

Assim, e quanto aos factos de índole subjetiva dados como provados, haverá apenas que sublinhar, para além do acima já considerado, o recurso às regras de presunção natural, uma vez que os factos objetivos dados como provados permitem e impõem concluir pela sua verificação.

Com efeito, no que concerne aos factos atinentes à intenção e motivação do arguido, convém recordar a lição de Cavaleiro Ferreira (Curso de Processo Penal, vol. L 1981, pág. 292), quando refere que existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta como são todos os elementos de estrutura psicológica, aos quais apenas se poderá aceder através de prova indirecta (presunções naturais não jurídicas), a extrair de factos materiais comuns e objectivos dados como provados, o que sucedeu in casu (cfr., a propósito, Malatesta “A Lógica das provas em matéria Criminal”, pág. 172 e ss.).

Neste sentido não tivemos dúvidas quanto à intenção de matar do arguido A... (e já não assim do arguido B... ).

Neste particular importa reter que, conforme decidido no Ac. do S.T.J. de 12.03.2209 (Proc. N.º07P1769, in www.dgsi.pt) “A intenção de matar constitui matéria de facto, em princípio imodificável, a apurar pelo tribunal em função da prova ao seu alcance, e esta, salvo quando a lei dispõe diversamente, é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador; não é por ser um facto psicológico que a intenção deixa de ser um facto, e a conclusão de ter ocorrido intenção de matar deduz-se de factos externos que a revelem – cfr., entre outros, Acs. do STJ de 25-05-2006, Proc. n.º 1183/06-5.ª, de 13-09-2006, Proc. n.º 1934/06-3.ª, de 02-11-2006, Proc. n.º 3841/06-5.ª, de 17-10-2007, Proc. n.º 3395/07-3.ª, de 03-04-2008, Proc. n.º 132/08-5.ª, de 18-07-2008, Proc. n.º 102/08-5.ª, de 16-10-2008, Proc. n.º 2851/08-5.ª, e de 22-10-2008, Proc. n.º 3274/08-3.ª”.

Assim, deduzindo-se a intenção de matar dos elementos materiais, conjugados com as regras da experiência comum, onde a presunção natural tem especial relevância (cfr. Ac. da R. do Porto de 6.04.2001, Proc. N.º 0141381, in ww.dgsi.pt) temos de concluir existirem, de forma evidente e incontornável, tais elementos materiais no caso vertente (corroborados inclusive ao nível pericial se atentarmos nos locais onde se alojaram os projeteis e o contexto em que se produzem os disparos, seu número e direção e proximidade em relação ao visado pelo seu autor).

Do cotejo da prova recolhida e sopesando os sobreditos considerandos, entende o Tribunal que a intenção homicida vertida na acusação reveste as características de suficiência e certeza necessariamente subjacentes ao juízo judicial probatório, embora restringida ao arguido A... , o mesmo sucedendo quanto à agressão protagonizada pelo arguido B... e suas consequências.

Inexiste, pois, qualquer dúvida nos autos capaz de integrar os requisitos de que depende a aplicação do princípio in dubio pro reo (dúvidas insanáveis, razoáveis e objectivas) relativamente à factualidade que acima demos como provada.

Quanto aos demais factos não provados, em particular os constantes do pedido de indemnização deduzida pelo demandante e da contestação, e para além do acima já consignado, importa apenas reter não se ter produzido prova nesse sentido, em termos tais que se impusesse ao Tribunal decisão diversa.

No que ao pedido cível formulado pelo ofendido respeita, é manifesta, por um lado, a ausência de prova de que o ofendido residisse sozinho no sobredito anexo (embora por vezes ali dormisse) ou que os arguidos soubessem previamente de tal circunstância; que os arguidos em união de esforços e usando meios comuns na execução de um plano previamente arquitetado ali se tenham deslocado com o propósito claro e específico de furtarem aquela caçadeira e cartuchos (pois se foi a primeira vez que ali entraram…), embora já seja evidente que ali foram àquela hora para ver se encontravam alguma coisa de útil para furtarem; que o arguido B... tenha desferido “vários murros” no demandante e que o demandante tenha sido mesmo tempo rasteirado pelo arguido A... , o que fez com que caísse; que ambos os arguidos tenham municiado a arma e disparado contra o demandante, sendo evidente que apenas um deles o fez, assim como o fez sem que tenha havido qualquer tipo de provocação por parte do visado (que inclusive se estava a refugiar na casa depois de ter sido agredido).

De igual forma, e por reporte à contestação do arguido B... , resultou contrariado pela demais prova produzida que na sequência do negócio o ofendido tenha convidado aquele arguido ( B... ) para “beber uns copos” e para ir a sua casa comer uma chouriça ou que o que se passou de seguida fugiu totalmente ao controlo e vontade do arguido B... (pelo menos no que diz respeito aos atos que o próprio protagonizou).

Uma última nota para referir que o valor reputado à arma furtada resultou não apenas do referido a propósito pela última testemunha mas também da pesquisa que efetuamos aos valores porque são comercializadas armas com características semelhantes às constantes do livrete apreendido nos autos, resultando ser compatível tal valor com os mesmos.

Nestes elementos, normas e princípios assentou, pois, a convicção do Tribunal.

*
V. Enquadramento jurídico

Do crime de furto,

Decorre do nº 1, do artigo 203º, do Código Penal que: Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

Do referido normativo extrai-se que são elementos típicos do crime de furto os seguintes: I) ilegítima intenção de apropriação; II) subtração; III) coisa móvel alheia; IV) o dolo. A estes elementos expressos há ainda que acrescentar um elemento implícito: V) o valor patrimonial da coisa.

Delimitemos conceptualmente os seus elementos: o primeiro, intenção de apropriação – que para além de tudo a lei ainda exige que seja ilegítima, isto é, contrária ao direito – deve ser visto e valorado como a vontade intencional do agente de se comportar, relativamente a coisa móvel, que sabe não ser sua, como seu proprietário, querendo, assim, integrá-la na sua esfera patrimonial ou na de outrem, manifestando, assim, em primeiro lugar, uma intenção de (des)apropriar terceiro” (cfr. José de Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, T.II, pág. 33, § 27).

Trata-se de um elemento subjetivo do tipo objetivo de ilícito, que faz do furto um crime intencional, mas não de um dolo específico, e que deve ser acoplado ao elemento dolo, do tipo subjetivo de ilícito.

O crime de furto é um crime essencialmente doloso, no entanto, “há uma indesmentível dimensão subjectiva na intenção de apropriação. Isto é: ao primeiro momento lógico em que se tem de verificar uma intencionalidade exclusivamente virada para a (des)apropriação outra tem de seguir imediatamente no sentido de apropriação” (cfr. Faria Costa, in op. cit., p. 46, § 60).

O dolo, por sua vez, deve cobrir todos os elementos do tipo objetivo de ilícito e, assim, para além dos elementos do tipo fundamental (furto simples), os seus elementos qualificadores (furto qualificado).

No crime de furto não basta que haja intenção de apropriação de coisa móvel alheia para que estejam preenchidos todos os elementos típicos do crime de furto. É necessário ainda, tal como para qualquer outro tipo legal de crime, que haja uma exteriorização objetivável daquele animus.

A subtração, por sua vez, traduz-se numa conduta “que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor. Implica a eliminação do domínio de facto que outrem pratica sobre a coisa” (cfr. Faria Costa, in op. cit., p.43, § 54).

A coisa tem de ser subtraída “à esfera, real ou potencial, de utilidades de quem dela usufruía (sem ser em sentido civilístico rigoroso: isto é, quem de modo legítimo estava apto a retirar da coisa utilidades com relevância jurídica) e entrar, sendo suficiente um modo precário, ou mesmo passageiro, na esfera de utilidade e de disponibilidade do próprio delinquente, não sendo, no entanto, necessário, obviamente, que retire da coisa subtraída real e efectivo proveito” (Faria Costa, in Crimes contra o Património, Lições ao 5ºano, FDUC). Por outro lado, são irrelevantes as formas por que se concretize tal subtração, já que o artigo não descreve a modalidade de ação (trata-se de um crime de realização livre).

Coisa é toda a substância material suscetível de apreensão com carácter jurídico relevante. Porém, o furto só pode ter lugar relativamente a coisas móveis - “É móvel toda e qualquer coisa que seja susceptível de ser deslocada espacialmente” (Faria Costa, op. cit., p. 40, § 47) – e alheias – “é alheia toda a coisa que esteja ligada, por uma relação de interesse, a uma pessoa diferente daquela que pratica a infracção (cfr. Faria Costa, in op. cit., p. 41, § 49[2]).

Por outro lado, o elemento coisa previsto na infração que se comenta “tem de ultrapassar um limiar mínimo de valor, para que desse jeito, a sua protecção, enquanto coisa alheia, ascenda à dignidade penal” (cfr. Faria Costa, in op. cit., p. 44, § 57).

Vertendo estes considerandos para o caso concreto termos estar provado que os arguidos tendo levado a cabo o vertido de 1. a 3. dos factos provados (cujo teor aqui se dá por reproduzido) utilizaram tal pretexto também para conhecerem o interior da Quinta, bem como se inteirarem de bens e objetos de valor que ali se encontrassem, concretamente se a mesma era ou não habitada, ganharem a confiança dos habitantes e delinearem uma estratégia, em comunhão de esforços e intenções, para se apoderarem de bens ou quantias pecuniárias ali existentes; em execução desses intentos, no dia seguinte, 6.02.2016, por volta das 18 horas, B... e A... , utilizando o mesmo veículo automóvel deslocaram-se de novo à Quinta D. André, munidos dos arreios já consertados que entregaram aos pais do ofendido, tendo estes pago aos arguidos a quantia de 30 euros acrescida de batatas; por volta das 22 horas, o ofendido C... juntamente com os arguidos, e na viatura utilizada por aqueles, saíram da Quinta D. André em direcção a Alverca da Beira, tendo-se dirigido a um café, pertença de G... , onde permaneceram até cerca das 00h00, altura em que regressaram os três à quinta, na qual e concretamente no interior de um anexo ali existente, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, em execução dos intentos referidos em 4., o arguido A... , enquanto o arguido B... distraía o ofendido, subtraiu a este uma arma de fogo (caçadeira), de calibre 12, de marca Browning, que se encontrava no interior do anexo da Quinta, atrás da porta, bem como uma caixa de cartuchos calibre 12, que se encontrava em cima da mesa, cuja existência havia detetado durante a permanência no anexo, sendo que quando ambos os arguidos se preparavam para abandonar o local na posse da caçadeira, o ofendido C... deu por falta da sua arma de fogo e dirigindo-se ao arguido B... acusou os arguidos de lha terem furtado; após o sucedido de 9. a 16., e quando conseguiram desatolar a carrinha que havia ficado presa na lama, cerca de 6 metros em frente ao dito anexo onde estava estacionada, na posse da arma e munições, os arguidos colocaram-se então em fuga; os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, sempre em comunhão de esforços e intenções de forma a melhor alcançarem os seus intentos e de encobrirem a sua responsabilidade criminal, tudo apenas para levarem a bom termo o abandono do local com a arma e munições que já haviam subtraído e escusarem-se à ação da justiça, sendo que mais sabiam os arguidos serem as suas descritas condutas proibidas e punidas por lei (cfr. factos provados de 1. a 8.; 17.; 19. e 20.).

Ora, em face desta factualidade apresenta-se como claro o preenchimento, por parte de ambos os arguidos, com a sua conduta, do tipo legal em causa, nos seus elementos objetivos e subjetivos, em evidente coautoria.

Do crime de ofensa à integridade física grave,

É também imputada aos arguidos a prática de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo art.º 144º, al. a) do Código Penal.

Decorre de tal preceito legal que “Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a:

a) Privá-lo de importante órgão ou membro, ou a desfigurá-lo grave e permanentemente;

b) Tirar-lhe ou afectar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais, de procriação ou de fruição sexual, ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem;

c) Provocar-lhe doença particularmente dolorosa ou permanente, ou anomalia psíquica grave ou incurável; ou

d) Provocar-lhe perigo para a vida;

é punido com pena de prisão de dois a dez anos”.

Este tipo legal representa um plus em relação ao tipo legal base previsto no art.º 143º do Código Penal donde decorre que comete o crime em causa desde logo “Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa (…)”.

Esta tipificação penal é expressão do direito à integridade física e moral prevista no artigo 25º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

O direito à integridade física visa tutelar qualquer ofensa do corpo ou da saúde, entendendo-se a primeira como toda a alteração ou perturbação da integridade corporal, do bem-estar físico ou da morfologia do organismo, e a segunda como toda a alteração ou perturbação do normal funcionamento do organismo – cfr. Maia Gonçalves, Código Penal Português, Almedina, 18ª Edição, 2007, p. 562.

Note-se que uma simples bofetada, mesmo que não desencadeie uma lesão (o que não é o caso dos autos), uma dor ou uma incapacidade para o trabalho, pode consubstanciar a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, de acordo com a jurisprudência firmada com a prolação do assento do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 1991 (in DR, I série-A, de 8.02.1992).

Trata-se de um crime material, de dano e de realização instantânea, sendo o resultado típico a lesão do corpo ou da saúde de outrem, imputado objectivamente à conduta do agente de acordo com as regras gerais – cfr. Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Coimbra Editora, 1999, Tomo I, pág. 204.

O ilícito em apreço comporta os seguintes elementos constitutivos da ação típica: objectivamente, a ação adequada à produção do resultado ofensa do corpo (corpo físico) ou da saúde (bem estar) de outrem; e subjetivamente, o dolo, em qualquer das suas modalidades referidas nos artigos 14º do Código Penal.

Ora, dos factos provados em audiência resulta inequívoco que a conduta do arguido B... é subsumível à previsão normativa base em referência, sendo que atentando na factualidade provada de 7. a 13., 19. e 20. (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) é manifesto o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo legal em causa, inclusive na sua vertente agravada.

Assim, estando provado que com a conduta referida em 9. dos factos provados causou o arguido B... ao ofendido as seguintes lesões “cefaleia fronto-temporal à esquerda, dores no olho esquerdo com diminuição da acuidade visual e com perda total da visão do olho esquerdo; traumatismo ocular”; que o ofendido foi submetido a tratamento médico hipotensor ocular e cirurgia (na urgência), tendo sido efectuada remoção intra capsular do cristalino por via límbica, iridectomia e encerramento das feridas; que do evento resultou ausência permanente de visão no olho esquerdo, afectando a capacidade de visão global do ofendido C... (sendo que tais lesões determinaram 58 dias para a consolidação médico-legal, com afetação da capacidade para o trabalho geral e para o trabalho profissional) parece razoavelmente claro que o arguido B... , com a sua conduta, privou o ofendido da função proporcionada pelo olho afetado.

Como recentemente se decidiu no Ac. da R. de Coimbra de 7.12.2016 (Proc. N.º 205/13.4GACNF.C1, in www.dgsi.pt) em situação semelhante, embora menos grave na perspetiva da capacidade visual afectada, “A diminuição irreversível, em 50%, da acuidade visual do olho direito da vítima e da visão desta em geral, geradora de dificuldades visuais permanentes, traduz grave afectação da possibilidade de utilização do referido órgão.

Consequentemente, a ofensa à integridade física determinante das lesões conducentes ao referido resultado constitui o crime previsto no artigo 144.º, al. b), do CP”.

Neste aresto entendeu-se que estando em causa a privação do sentido da visão seria aplicável o disposto na al. b) do referido art.º 144º e não, como aqui propugnado pelo Ministério Público, o previsto na al. a) relativo à privação de órgão.

Em face da sobredita factualidade propendemos a acompanhar esta qualificação em detrimento da preconizada na acusação, como fizemos já constar de despacho prévio.

Como se pode ler na anotação a este preceito legal do Comentário Conimbricense do Código Penal (cfr. Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, na página 228) “(…)Em causa tanto poderá estar a perda completa dessas faculdades, como parece indicar a expressão “tirar-lhe”, como a sua diminuição, ou seja, perdas da ordem de percentagem, de capacidade de visão, auditiva, de trabalho, etc. Quer a perda quer a diminuição terão que ser graves, ou seja, não poderão ser insignificantes, transitórias, muito embora não se exija a permanência das lesões”.

Sendo que, como se pode ler na mesma obra, a pág. 230, “Há a perda de um sentido quando se verifica a privação absoluta do mesmo sentido. (…)

A par da impossibilidade da utilização de um sentido surgem as diminuições funcionais. Aqui se devem incluir as lesões que conduzem à perda de um dos olhos da vítima, sem que todavia, e compreensivelmente, se possa falar de cegueira total, ou a diminuições da capacidade visual de ambos os olhos. O mesmo vale em relação ao órgão auditivo que pode ser afetado (reduções percentuais da capacidade auditiva) sem que possa falar-se de perda completa de audição”.

Ainda que a acuidade visual possa ser tratada com o uso de lentes corretivas, implantes de lentes intraoculares e óculos de grau, quando for de nível baixo, decorre com clareza que no caso vertente a mesma se mostra comprometida permanentemente.

Todavia, e ainda que assim não se entendesse, como referem Miguez Garcia e Castela Rio (in CP Parte Geral e Especial, Almedina, 2015, 2ª Ed., pág. 607) “Exige-se a perda ou a afetação de maneira grave dessas mesmas capacidades, mas tal facto não tem de ser acompanhado da permanência das lesões, que podem ser curáveis”.

Deverá, assim, o arguido B... ser condenado pela prática do crime de que vem acusado, embora não pelo preenchimento da alínea a) do referido art.º 144º mas antes pela alínea b) do mesmo tipo legal (o que todavia não implica que este venha a ser punido nestes termos).

Já não assim quanto ao arguido A... , relativamente ao qual inexistem factos, de cariz objetivo e subjetivo, que o impliquem como autor ou coautor dos mesmos, situação a que voltaremos infra.

Do crime de homicídio qualificado, na forma tentada,

Está também imputada aos arguidos a prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º, 131º, 132º nº1 e 2 alíneas e) e g) do Código Penal e pelo artigo 86º nsº3 e 4 da Lei N.º5/2006 de 23 de Fevereiro.

Em conformidade com o disposto no artigo 131º do Código Penal “quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos”.

O bem jurídico protegido é o direito à vida, sendo que, na hierarquia dos valores sociais e individuais, a vida e o correspondente direito à mesma, assumem-se como valor dominante, merecedor de tutela constitucional.

Do ponto de vista objetivo o tipo exige a verificação de um ato que seja causa da morte de alguém, tratando-se, assim, de um crime de dano e de resultado.

Subjetivamente exige-se vontade de praticar o ato causal da morte e o conhecimento de que essa conduta causa a morte, tendo, assim, a conduta do agente de ser dolosa (revista ela a modalidade de dolo direto, dolo necessário ou dolo eventual – cfr. artigo 14º do Código Penal).

Neste sentido aponta também Figueiredo Dias (in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Vol. I, em anotação aos artigos 131º e 132º) ao referir que “O homicídio qualificado é, tal como o homicídio simples, um tipo unicamente punível a título de dolo sob qualquer uma das suas formas inscritas no artigo 14º: intencional, directo ou eventual.

No caso vertente importa ainda reter que decorre do artigo 132º do Código Penal que:

1. Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos.

2. É susceptível de revelar especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: (…)

e) Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil; (…)

g) Ter em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime, facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime.

Quer no artigo 131º, quer no artigo 132º, ambos do Código Penal, o bem jurídico protegido é o direito à vida, sendo que na hierarquia dos valores sociais e individuais, a vida e o correspondente direito à mesma, assume-se como valor dominante, merecedor de tutela constitucional.

Do ponto de vista objetivo o tipo exige a verificação de um ato que seja causa da morte de alguém.

Subjetivamente exige-se vontade de praticar o ato causal da morte e o conhecimento de que essa conduta causa a morte.

Tem, assim, a conduta do agente de ser dolosa (revista ela a modalidade de dolo direto, dolo necessário ou dolo eventual – cfr. artigo 14º do Código Penal).

No supra citado artigo 132º do Código Penal encontra-se previsto o crime de homicídio qualificado, sendo que para a verificação deste ilícito a lei exige uma maior culpabilidade do agente, isto é, a conduta tem de se rodear sempre de circunstâncias que demonstrem uma especial censurabilidade ou perversidade do agente.

Tais circunstâncias encontram-se exemplificadas no citado normativo e não são de funcionamento automático.

Com efeito, o legislador, no artigo 132º do Código Penal, lançou mão da técnica dos exemplos-padrão, circunstâncias estas que dependem do caso concreto (neste sentido vide Figueiredo Dias, Direito Penal Português, pág. 203 a 205 e os Acórdãos do STJ de 13.02.1997, Proc. Nº 986/96; de 21 de Maio de 1997, Proc. Nº 188/97 e de 18.02.1998, Proc. nº 1086/97).

Temos que, as circunstâncias enunciadas a título exemplificativo, são meros elementos constitutivos da culpa (do desvalor da atitude do agente), não funcionando automaticamente, implicando, por essa via, um exame global dos factos de modo a chegar ou não à conclusão da existência de especial censurabilidade ou perversidade (neste sentido vide Acórdãos do STJ de 03.06.1998, Proc. nº301/98; de 07.12.1999, in CJ, T3, pág. 234 e de 07.07.2005, in www.dgsi.pt).

Com efeito, o entendimento prevalecente na doutrina e na jurisprudência é o de que na nossa ordem jurídico-penal a qualificação do homicídio opera, exclusivamente, ao nível da culpa, ou seja, deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral: a especial perversidade ou censurabilidade do agente.

Para que estejamos perante um ilícito de homicídio qualificado é essencial que as circunstâncias em que o agente comete o crime revelem uma especial censurabilidade ou perversidade pela sua anormal gravidade (cfr. a interseção dos três eixos preconizada por Margarida Silva Pereira, in "Os Homicídios" pág. 40).

Assim, ocorrendo alguma das circunstâncias exemplificativamente elencadas no n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal (ou outras situações valorativamente análogas às expressamente previstas), tem-se por indiciado, concretizado aquele tipo de culpa agravado.

Uma das circunstâncias enunciadas no nº 2 do artigo 132º do Código Penal, e ao que aqui nos interessa, diz respeito ao facto de o agente ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil, cfr. al. e) do n.º2 do art.º 132º do CP.

O Professor Figueiredo Dias (in “Comentário Conimbricense…”, I, 32) define o motivo torpe ou fútil como aquele que, “avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito”.

A este respeito importa citar o vertido no Ac. do STJ de 18.01.2012 (Proc. N.º 306/10.0JAPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt), onde muito claramente se refere que “Motivo fútil é o motivo de importância mínima. Será também o motivo “frívolo, leviano, a ninharia” que leva o agente à prática desse grave crime, na inteira desproporção entre o motivo e a extrema reacção homicida, o que se apresenta notoriamente desadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime praticado; o que traduz uma desconformidade manifesta entre a gravidade e as consequências da acção cometida e o que impeliu o agente a essa comissão, que acentua o desvalor da conduta por via do desvalor daquilo que impulsionou a sua prática.

Casos existem em que o homicídio surge numa situação em que de todo não era expectável, porquanto os motivos que lhe estão na base são mínimos; são razões menores. A prática do crime surge aqui como resultado de um processo pautado pela ilógica, ou de plena irracionalidade, em que uma culpa do agente acentuada por um alto grau de censurabilidade leva a tirar a vida a alguém por razões fúteis”.

Como se decidiu no Ac. do STJ de 7.12.2011 (in CJ STJ, 2011, T.III, pág.227) “Motivo torpe é aquele que se considera comummente repugnante ou baixo, sendo motivo fútil aquele que não se pode razoavelmente explicar ou justificar, sem qualquer tipo de valor ou em que este se mostre insignificante ou irrelevante” (cfr. no mesmo sentido o Ac. do STJ de 6.05.1993, in CJ, acs. do STJ, XII, 2, 204).

Podemos assim sintetizar, com o Ac. do STJ de 18.09.2013 (Proc. N.º 110/11.9JAGRD.C1.S1, in www.dgsi.pt) que “O motivo fútil tem sido caracterizado pela jurisprudência como o motivo frívolo, leviano, ou mesmo o motivo que não tem qualquer relevo, o que não chega sequer a ser motivo”.

Ora, não é este, comprovadamente, o caso dos autos, em que a motivação do arguido está patente nos factos provados em 18. e 19.  (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) e a qual se reconduz à sua avidez.

Com efeito, não se entendendo estar em causa um fútil, embora seja discutível se se trata de motivo torpe, parece-nos o circunstancialismo apurado mais se reconduzir à avidez, enquanto “…um desejo de ganho “a qualquer preço”, ainda que seja ao preço de uma vida humana. O criminoso atua por avidez quando, para ter o que quer, viola as mais elementares exigências de autodomínio“, cfr. Miguez Garcia (in “O direito Penal Passo a Passo, Vol. I, 2015º, 2ª ed., pág. 93).

No mesmo sentido se pronuncia Paulo Pinto de Albuquerque (in op. cit. pág. 350), sustentando que “A motivação da avidez (…) inclui, não apenas a vontade do agente de obter vantagens patrimoniais indevidas, mas também a vontade do agente de manter vantagens patrimoniais já recebidas, mas legitimamente postas em causa pela vítima, e a vontade de se libertar de dívidas e obrigações para com a vítima”.

É assim de considerar preenchida esta qualificativa no caso vertente.

Por último, é também particularmente censurada a atuação que tenha em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime, facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime.

A circunstância qualificadora prevista na al. g), do n.º2, do art.º 132º do CP remete-nos também para a factualidade provada de 18. a 20. (cujo teor se dá por integralmente reproduzido), assumindo particular destaque que o arguido A... , no seu âmbito de atuação, assim procedeu apenas para levar a bom termo o abandono do local com a arma e munições que já haviam subtraído e escusar-se à ação da justiça.

Entendemos pois estar também preenchida esta qualificativa.

Sucede que está igualmente imputada a agravante prevista no artigo 86º, nsº3 e 4, da Lei N.º5/2006 de 23 de Fevereiro (RJAM).

Decorre de tal preceito legal, no seu n.º3, que “As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma”.

Mais prevê o n.º4 que “Para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente”.

“O art. 86º nº 3 do RJAM (Regime Jurídico das Armas e Munições) atribui expressamente caráter subsidiário á circunstância nele prevista e fá-lo de forma abstrata e não por referência á punição concreta do agente, pois refere-se ao uso e porte de arma como elemento do tipo legal ou como circunstância agravante prevista na lei de forma abstrata independentemente de qualificar o crime em concreto.

Ou seja, o legislador terá pretendido introduzir uma qualificativa genérica, para qualquer crime, salvaguardando a aplicação dos regimes legais estabelecidos para determinados tipos penais, em especial, que integrassem já o uso e porte de arma na descrição típica do crime matriz, do crime base, ou de tipos qualificados”, cfr. Ac. da R. de Évora de 21.05.2013, in www.pgdlisboa.pt.

Como se decidiu no Ac. da R. de Lisboa de 22.05.2013 (Proc. N.º 455/12.0PCLSB.L1-3, in www.dgsi.pt) “A agravação do nº 3 do artº 86º da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02, alterada pela Lei 17/2009 de 6/05), encontrando fundamento num maior grau de ilicitude, tem sempre lugar se o crime for cometido com arma, só afastada nos casos em que o uso ou porte de arma seja elemento do respectivo tipo de crime ou dê lugar, por outra via, a uma agravação mais elevada”.

Em face da factualidade provada e de que acima demos conta, apresenta-se, pois, como razoavelmente claro que, por contraponto com o tipo legal em causa, tal agravação deverá operar in casu[3].

Naturalmente que, atento o desfecho desta situação, o crime não passou a fase da tentativa.

Ora, a tentativa do cometimento do homicídio é sempre punível por força do disposto no art.º 23º, n.º1 do Código Penal.

Nos termos do art.º 22º, nº 1, do CP há tentativa quando o agente praticar atos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se.

São atos de execução: a) os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime; b) os que forem idóneos a produzirem o resultado típico; c) os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam atos das espécies indicados nas alíneas anteriores.

Como refere o Prof. Germano Marques da Silva (in Direito Penal, II, 1998, pág. 232), a propósito da distinção destes actos dos preparatórios, estes últimos são já actos externos que preparam ou facilitam a execução, mas ainda não são actos de execução. O seu conceito delimita-se, aliás, pela definição dos actos de execução do crime: o critério legal para a distinção entre actos preparatórios e actos de execução é um critério objectivo; os actos de execução hão-de conter já, eles próprios, um momento de ilicitude, pois ainda que não produzam a lesão do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora do crime consumado, produzem já uma situação de perigo para esse bem. Acto executivo, portanto, é o acto dotado de idoneidade (capacidade potencial de produção do evento) plusinequivocidade. E acto preparatório é o acto que, além de inidóneo, deverá apresentar-se como equívoco, isto é, ambíguo (ibidem).

Em síntese e acompanhando o expendido no Acórdão da R. do Porto de 21.01.2009 (Proc. N.º 0845984, in BDJUR), a tentativa é um crime incompleto, um minus relativamente ao crime consumado, sendo que do ponto de vista estrutural, a tentativa é um crime perfeito porque apresenta todos os elementos da estrutura essencial do crime em geral.

No plano normativo, a tentativa constitui pois um título autónomo de crime, caracterizado pelo evento ofensivo que lhe é próprio (perigo), embora conservando o mesmo nomenjuris do crime consumado (tipo) a que se refere e de que constitui execução incompleta.

No caso vertente, olhando a factualidade acima reproduzida, parece razoavelmente claro que a mesma permite e impõe ter por preenchido o tipo legal qualificado tentado imputado ao arguido A... , não já assim quanto ao arguido B... , relativamente ao qual inexistem factos que o comprometam com a sobredita conduta daquele coarguido.
Nestes termos, inexistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, temos que o arguido A... praticou um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131º e 132º n.º1 e n.º2 alíneas e) e g) todos do Código Penal e 86º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 5/2006, de 23.02.

Dos crimes de detenção de arma proibida,

Está ainda imputada aos arguidos a prática, em coautoria, de dois crimes de detenção de arma proibida, um previsto e punido pelo artigo 86º, nº1 alínea c) e o outro previsto e punido pelo artigo 86º, nº1 alínea d) do DL 17/2009 de 6 de Maio (RJAM).

Estabelece o nº 1 do art.º 86º do referido acervo normativo e ao que aqui interessa, que: “1- Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo: (…)

c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, ou arma de fogo transformada ou modificada, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;

d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, bem como munições de armas de fogo independentemente do tipo de projéctil utilizado, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias”.

As alterações introduzidas pela Lei n.º 50/2013, de 24/07, não relevam in casu.

Nos termos do nº 2 do mesmo normativo “A detenção de arma não registada ou manifestada, quando obrigatório, constitui, para efeitos do número anterior, detenção de arma fora das condições legais”.

Por seu turno, decorre do art.º 3º do mesmo diploma, naquilo que aqui interessa que:

1- As armas e as munições são classificadas nas classes A, B, B1, C, D, E, F e G, de acordo com o grau de perigosidade, o fim a que se destinam e a sua utilização.

3- Munições das armas de fogo e seus componentes:

p) «Munição de arma de fogo» o cartucho ou invólucro ou outro dispositivo contendo o conjunto de componentes que permitem o disparo do projétil ou de múltiplos projéteis, quando introduzidos numa arma de fogo.

Analisando o tipo em causa, facilmente concluímos que nos encontramos perante um crime de perigo comum abstracto, uma vez que as condutas descritas por este tipo legal não lesam de forma direta e imediata qualquer bem jurídico, apenas implicam a probabilidade de um dano contra um objecto indeterminado, dano esse que a verificar-se será não raras vezes gravíssimo. Trata-se de uma infracção de mera atividade, bastando-se para o seu preenchimento a verificação de uma das situações supra referidas.

O perigo não constitui ele próprio elemento do tipo mas “motivo da proibição”.

Como explica Paula Ribeiro de Faria (in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, pág. 891 e ss.), relativamente ao revogado art.º 275º do referido código, cujos considerandos aqui merecem total acolhimento, com este tipo legal o legislador pretendeu evitar toda a actividade idónea a perturbar a convivência social pacífica e garantir através da punição destes comportamentos potencialmente perigosos, a defesa da ordem e segurança públicas contra o cometimento de crimes, em particular contra a vida e a integridade física.

O bem jurídico protegido é por conseguinte a segurança da comunidade face aos riscos (em última instância para bens jurídicos individuais), da livre circulação e detenção de armas proibidas, engenhos e matérias explosivas.

O legislador, ao encontro do que já sucedia com o revogado art. 275º do Código Penal, formulou esta norma como uma “norma penal em branco”, a preencher mediante o apelo a normas e disposições de carácter administrativo. Será preciso, por conseguinte, ter presente as disposições legais vigentes nesta matéria, sendo de considerar crime toda a conduta integrante de uma das formas de actuação descritas no tipo por referência às restantes normas daquela lei.

É necessário o dolo do agente em relação a todos os elementos do tipo objectivo de ilícito, sendo suficiente o dolo eventual. O dolo é genérico, consistindo na consciência e vontade de deter (transportar, usar, etc…) a arma ilegalmente.

Tendo estes considerandos presentes, e vertendo os mesmos para a factualidade provada em 7.; 8. e 14. a 20., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, resulta claro o preenchimento, por ambos os arguidos, dos elementos objetivo e subjetivo do tipo legal em causa, por reporte à caçadeira e munições de que se apropriaram e passaram a deter.

Com efeito, as caçadeiras são armas de um ou de dois canos, de alma lisa, variando os calibres desde o 12 até ao 20. Apesar de serem armas vocacionadas para caça menor em virtude de poderem disparar munições (cartuchos) de tipos diferentes carregados com chumbo, (também de tamanhos distintos conforme o tipo de animais que se pretende caçar) são igualmente utilizadas na caça maior com alguma frequência, principalmente quando se trata de atirar a distâncias relativamente curtas (até aos 40 metros).

Importante é reter que se utilizam nestas armas diferentes ações de carregamento (semiautomático ou manual), pelo que a sua inserção nos parece mais correta na categoria D.

Resulta, assim, evidente, que naquelas circunstâncias de tempo e lugar os arguidos se apropriaram e trouxeram com eles, nos termos censurados pelo referido artigo 86º, n.º1, als. c) e d), a arma municiada acima referida, tendo-a mesmo o arguido A... deflagrado, sendo razoavelmente claro o preenchimento do elemento objectivo e subjetivo do tipo legal em causa.

Acompanhamos a qualificação de tal conduta preconizada em sede de alegações pelo Ministério Público e pelos arguidos, também relativamente à al. d), por reporte à munição, na medida em que, conforme referido no Ac. da R. de Coimbra de 22.01.2014 (Proc. N.º 82/13.5GCFVN.C1, in www.dgsi.pt) “Não obstante as diversas categorias e distintas previsões legais dos objectos em causa - ambos punidos nos termos do artigo 86.º, n.º 1, da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção da Lei 12/2011, de 27 de Abril: na alínea c), o primeiro; na alínea d), o segundo -, configura apenas um crime a detenção, na mesma ocasião, de uma arma de fogo - calibre 7,5 mm, com a coronha cortada -, e de dois cartuchos, com invólucro metálico, de igual calibre”.

Como claramente se refere no Ac. da R. do Porto de 12.05.2010 (in www.dgsi.pt): “O facto de o agente desse ilícito deter mais do que uma arma aí descrita apenas pode significar uma culpa mais intensa, que terá relevância na determinação da pena [40.º, 71.º, n.º 1 C. Penal] e não que tenha cometido tantos crimes quantas armas tivesse em seu poder.

O mesmo se passa em relação à conduta do mesmo agente, que, mediante o mesmo desígnio criminoso, por deter armas de diversa natureza e classificação legal, tipifica os diversos sub-tipos do art. 86.º, da Lei n.º 5/2006, a que correspondem quatro molduras penais distintas.

Nestes casos existe um concurso aparente de infracções, pois tipificando-se o crime de detenção ilegal de arma, num dos seus subtipos mais grave, não tem cabimento, face ao princípio da especialidade, que se pune tal conduta ainda por outro sub-tipo desse crime cuja moldura penal seja menos grave”.

Inexistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, impõe-se, pois, a condenação dos arguidos pela prática, em coautoria, de um só crime de detenção de arma proibida, in casu o punido pela al. c).

*

Relativamente ao concurso real, como preconizado na acusação, dos vários crimes em causa nos autos, temos que entre o crime de homicídio qualificado e o de detenção de arma proibida existe um manifesto concurso efetivo.

Como se decidiu no Ac. da R. do Porto de 30.09.2015 (Proc. N.º 1223/14.0JAPRT.P1, in www.dgsi.pt) “I- Entre o crime de homicídio tentado e o crime de detenção de arma existe um concurso efectivo, se a arguida cometeu aquele crime de homicídio com uma arma que estava na sua posse há cerca de 3 anos.

II- Entre a detenção da arma e o homicídio não existe nesse caso a unidade de sentido social do acontecimento ilícito global ou qualquer outro factor de conexão entre os crimes.

III- A pena do crime de homicídio é agravada pela previsão do art.º 86º 3 da Lei 5/2006 que tem o seu fundamento num maior grau de ilicitude do facto, a qual só é afastada se o uso da arma for elemento do tipo ou der lugar a uma agravação mais elevada”.

O mesmo vale quanto ao crime de furto e o crime de detenção de arma proibida.

Embora se compreenda a sustentação levada a cabo pelo Ilustre defensor do arguido B... , no sentido de que o ato de subtração compreende a detenção da arma e munições em causa, certo é que, à semelhança do que a jurisprudência vem entendendo (de forma claramente maioritária) quanto à relação do crime de detenção de arma proibida com outros crimes contra o património e as pessoas (maxime no caso do crime de roubo e furto qualificado), também aqui quer a execução do facto, quer o bem jurídico em causa, não são coincidentes e/ou sobrepostos, em termos tais que possa falar numa relação de concurso aparente.

Com efeito, no caso das armas o legislador optou por uma tutela antecipada dos bens jurídicos que estas podem pôr em risco, pelo que a sua mera detenção preenche o tipo legal em causa, enquanto que o furto visa tutelar a propriedade, neste caso, da arma e munições.

Por ouro lado, importa não esquecer que detenção subsequente e mesmo a utilização da arma excedem o ato de subtração e apropriação que caracteriza o crime de furto, cfr. factos provados em 17. e 18.

Desta forma, entendemos verificar-se um concurso real e efetivo entre o crime de furto e o crime de detenção de arma proibida, não se verificando a dupla incriminação ou violação do princípio non bis in idem, pois que o crime de detenção de arma proibida consuma-se logo que o agente detém a arma, independentemente da forma como o faz (seja por cessão voluntária, coação ou furto).

Por último, dúvidas inexistem, a nosso ver, quanto à relação de concurso efetivo entre o crime de detenção ilegal de arma e o crime de ofensa à integridade física grave.

*

Importa agora atentar na participação de cada um dos arguidos no ilícitos acima analisados.

“A co-autoria baseia-se no princípio do actuar em divisão de trabalho e na distribuição funcional dos papéis. Todo o colaborador é aqui, como parceiro dos mesmos direitos, co-titular da resolução comum para o facto e da realização comunitária do tipo, de forma que as contribuições individuais completam-se em um todo unitário e o resultado total deve ser imputado a todos os participantes”, cfr. Johannes Wessels, Direito Penal, Parte Geral (Aspectos Fundamentais), Porto Alegre, 1976, págs. 121 e 129.

Recuperando os considerandos vertidos no Ac. da R. de Coimbra de 29.09.2010 (Proc. N.º 557/09.0JAPRT.C1, in www.dgsi.pt), na esteira do já antes consignado no Ac. do STJ de 15.04.2009 (Proc. N.º 09P0583, in www.dgsi.pt) “São elementos da comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria os seguintes:

-a intervenção directa na fase de execução do crime («execução conjunta do facto»);

-o acordo para a realização conjunta do facto; acordo que não pressupõe a participação de todos na elaboração do plano comum de execução do facto; que não tem de ser expresso, podendo manifestar-se através de qualquer comportamento concludente; e que não tem de ser prévio ao início da prestação do contributo do respectivo co-autor;

-o domínio funcional do facto, no sentido de o agente «deter e exercer o domínio positivo do facto típico» ou seja o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do tipo, de tal forma que, numa perspectiva ex ante, a omissão desse contributo impediria a realização do facto típico na forma planeada.

No que respeita à execução propriamente dita, não é indispensável nem necessário que cada um dos agentes cometa integralmente o facto punível, que execute todos os factos correspondentes ao preceito incriminador, que intervenha em todos os actos a praticar para obtenção do resultado pretendido, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado”.

Entendemos, assim, que em face dos factos acima enunciados como provados a participação destes arguidos nessa factualidade merece adequada integração na coautoria preconizada na acusação no que concerne aos crimes de furto e detenção de arma proibida.

Já quanto aos crimes de ofensa à integridade física grave e homicídio qualificado na forma tentada a conclusão é diversa, acompanhando-se o expendido a propósito pelo Ilustre Defensor do arguido B... .

Com efeito, o que resulta da factualidade que provada ficou (maxime de 8. a 20.) é que após terem sido abordados pelo ofendido, no sentido de terem furtado a sua arma, cada um dos arguidos agiu como entendeu, já fora do desígnio conjunto subjacente ao furto e detenção da arma em causa, sendo que o arguido B... procedeu no contexto de uma discussão com o ofendido e o arguido A... , sem qualquer intervenção naquele momento, decide disparar contra o ofendido em momento subsequente à agressão do B... .

Assim, não se verifica in casu quer a intervenção conjunta para o cometimento de qualquer destes crimes; o acordo para essa realização conjunta (seja ele expresso ou derivado de atos concludentes) ou mesmo que a omissão do contributo de cada um (que preenche de per se cada um dos tipos legais) impediria a realização dos distintos factos típicos praticados pelo outro.            Sucede que, como salientámos no despacho que antecede, o Tribunal considera que os factos integradores dos crimes de furto e ofensa à integridade física grave podem merecer um enquadramento diverso.

Da violência depois da subtração,

Decorre do art.º 211º do Código Penal que “As penas previstas no artigo anterior são, conforme os casos, aplicáveis a quem utilizar os meios previstos no mesmo artigo para, quando encontrado em flagrante delito de furto, conservar ou não restituir as coisas subtraídas”.

Por sua vez decorre do artigo precedente que:

1- Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

2- A pena é a de prisão de 3 a 15 anos se:

a) Qualquer dos agentes produzir perigo para a vida da vítima ou lhe infligir, pelo menos por negligência, ofensa à integridade física grave; ou

b) Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.os 1 e 2 do artigo 204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo.

3- Se do facto resultar a morte de outra pessoa, o agente é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos.

Acompanhando a síntese expendida no Ac. do STJ de 2.04.2008 (Proc. N.º 07P803, in www.dgsi.pt) “No crime de violência depois da subtracção, também denominado de roubo impróprio, protegem-se os mesmos bens jurídicos tutelados no crime de roubo. De facto, entendeu-se que se deviam equiparar as situações em que a violência (em sentido amplo) é meio para subtrair ou constranger à entrega de uma coisa móvel alheia e aquelas em que constitui meio para conservar ou não restituir o objecto. Trata-se, assim, da defesa do bem furtado através dos meios do roubo. O presente tipo legal consome o furto praticado e a coacção (violência, ameaça ou colocação na impossibilidade de resistir para se conservar o objecto furtado), unindo o conteúdo do ilícito dos dois crimes (neste sentido S/S/Eser § 252 1); consome ainda as ofensas corporais ínsitas na violência, as ofensas corporais graves e o homicídio negligente, nos mesmos moldes que o crime de roubo (Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, pág. 193). (…)

De qualquer modo, o crime de violência depois da subtracção só se pode verificar na sequência de um crime de furto e não de um crime de roubo ou de qualquer outro. Entendimento diverso colidiria com o princípio da tipicidade, sendo certo, ainda, que não faria sentido aplicar as penas do roubo ao autor de um crime de roubo, já que, por esse facto, a elas já está sujeito – cf. Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, 18.ª ed., pág. 772, e, em sentido contrário, Conceição Ferreira da Cunha, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, pág. 198.

O crime de violência depois da subtracção entra numa relação de concurso aparente com o furto, qualificado ou não, que tiver ocorrido. Esta relação será de consunção, uma vez que na previsão do art. 211.º do CP já está acautelada a protecção tanto do bem jurídico patrimonial como dos bens jurídicos pessoais atingidos com os meios violentos”.

Sucede, assim, nas palavras de Miguez Garcia e Castela Rio (in CP Parte Geral e especial, Almedina, 2015, 2ª Ed., pág. 933 e 934) que “O Código trata o desenvolvimento do que fora um simples furto como se fosse um roubo do art.º 210º, com base na correspondente perigosidade”.

Como refere Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código Penal, Univ. Cat. Edtª, 2008, pág. 583) “O flagrante delito tem o sentido lhe dá a lei processual penal (…) Isto é, a utilização de meios violentos ocorre quando o agente acabou de cometer o crime de furto, quando o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou quando o agente é encontrado com objectos que demonstrem que acabou de o cometer”.

Chama-se, pois, à colação o disposto no art.º 256º do CPP, donde é flagrante delito todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer, reputando-se também flagrante delito o caso em que o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objetos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou nele participar.

Ora, é para nós evidente ser esta a qualificação jurídica que melhor assenta na factualidade constante de acusação e provada nos autos, por reporte ao arguido B... (pois que a conduta do arguido A... extravasa já este tipo legal, implicando a autonomização quer do homicídio tentado, quer consequentemente do furto).

Têm-se assim como consumidos pelo crime de violência após a subtração os crimes de furto e de ofensa à integridade física grave cometidos pelo arguido B... , não já assim quanto ao crime de homicídio qualificado tentado cometido pelo arguido A... e o crime de detenção de arma proibida cometido por ambos os arguidos.

Em síntese, cometeram os arguidos os seguintes crimes:

-o arguido B... um crime de violência depois da subtração, p. e p. pelo art.º 211º do Código penal, em relação de concurso aparente com um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203º, nº1 do Código Penal e um crime de ofensa à integridade física grave, previsto e punido pelo artigo 144º. alínea b) do Código Penal;

-ambos os arguidos um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº1 alíneas c) e d) do DL 17/2009 de 6 de Maio;

-o arguido A... um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 131º, 132º nº1 e 2 alíneas e) e g) do Código Penal e 86º, nsº3 e 4 da Lei N.º5/2006 de 23 de Fevereiro;

-o arguido A... um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203º, nº1 do Código Penal.

*

VI. Da escolha e medida das penas

Subsumidos os factos à sua dignidade criminal, importa, agora, determinar a medida das sanções a aplicar.

A aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente; em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa (cfr. art.º 40º do Código Penal). 

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência coletiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstrata, entre o mínimo em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.

Devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança coletiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal. 

Feito, pela forma supra descrita, o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa, agora, determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar.

Em causa está o crime de detenção de arma proibida, que é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias (punição prevista na al. c) porque mais gravosa que a prevista na al. d) do mesmo preceito) e o crime de furto, punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa (até 360 dias, cfr. art.º 47º do CP), este apenas quanto ao arguido A... , pois que os demais crimes são punidos com pena de prisão.

Por apelo aos critérios enunciados no artigo 70º do Código Penal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Precisemos então, quanto antes, as finalidades das penas, de molde a podermos concluir com segurança que pena aplicar, se detentiva ou não, aos arguidos.

Desde logo, cumpre sublinhar que a aplicação de uma pena visa essencialmente a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigos 1º; 13º, n.º 1; 18º, n.º 2 e 25º, n.º 1 da C.R.P.).

São assim exigências de prevenção geral e especial positiva que comandam o julgador no momento da escolha da espécie de pena a aplicar.

Por conseguinte, no momento dessa escolha, relevam, por um lado, exigências de prevenção geral positiva, interpretadas através da necessidade de restabelecer a confiança comunitária na validade e vigência da norma infringida e, por outro lado, exigências de prevenção especial positiva, entendidas à luz da pretendida ressocialização do arguido.

O que temos então neste domínio, quanto ao arguido B... ?

Ao nível das exigências de prevenção geral positiva, cumpre desde logo acentuar a circunstância do crime de detenção de arma proibida ser hoje de extrema frequência e exigir adequada resposta por parte do sistema judicial.

Já no domínio das exigências de prevenção especial positiva, afigura-se-nos que as mesmas se situam a um nível muito alto se tivermos em consideração os antecedentes criminais do arguido e em particular as sucessivas penas de multa e prisão, algumas suspensas, outras efetivas, que lhe foram aplicadas, também por crimes contra as pessoas, manifestamente sem sucesso (cfr. factos 63.; 64. e 68.).

Tudo visto, estamos em crer que se impõe a aplicação ao arguido de uma pena de prisão para o crime de detenção de arma proibida, sendo manifestamente insuficiente uma reação que se fique por uma pena de multa.

Já relativamente ao arguido A... pese embora as exigências de prevenção geral associadas quer ao crime de detenção de arma proibida, quer ao crime de furto, sejam prementes, já no domínio das exigências de prevenção especial as mesmas situam-se num nível médio-baixo, se atendermos quer à sua idade, quer à ausência de antecedentes criminais e bem assim à sua atual inserção social e familiar (cfr. factos 65. e 69.).

Entendemos, pois, que quanto a este arguido se justifica ainda o recurso à pena de multa para cada um dos sobreditos crimes.

 Vejamos agora quanto às penas concretas a aplicar.

Para a sua determinação concreta recorre-se ao critério global previsto no nº 1 do artigo 71º do Código Penal, que dispõe que a determinação da medida da pena se fará em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente as previstas nas diversas alíneas do nº 2 do mesmo preceito legal.

Assim sendo, na determinação da exata medida da pena, ter-se-á que atender à fórmula básica interpretativa destes normativos, segundo a qual temos de partir da sua moldura abstratamente prevista, funcionando a culpa do agente como o limite máximo e inultrapassável da pena aplicável, representando esta um juízo de censura à conduta desvaliosa do agente manifestada no facto praticado.

As necessidades de prevenção geral de integração, fornecem-nos, por sua vez, uma sub-moldura, a qual tem por limite máximo a medida ótima de tutela dos bens jurídico-penais violados e por limite mínimo a pena abaixo da qual as expectativas comunitárias na validade do direito sofrem abalo, limite mínimo esse “constituído pelo ponto comunitariamente suportável da medida da tutela dos bens jurídicos” (neste sentido, Figueiredo Dias, in «Direito Penal II - Parte Geral», lições ao 5º ano da FDUC, pág. 279 e ss.).

Por último, as exigências de prevenção especial de socialização dão-nos, dentro desta sub-moldura, a medida exata da pena concreta aplicável ao agente.

Começando pelo arguido B... .

As molduras penais em causa são as seguintes:

-ao crime de detenção de arma proibida é aplicável pena de prisão de 1 a 5 anos;

-ao crime de violência depois da subtração (que consome os crimes de furto e ofensa à integridade física grave) é aplicável pena de prisão de 3 a 15 anos.

Relativamente a este arguido, pondera-se:

-O grau de ilicitude significativo, atendendo ainda ao contexto particularmente censurável em que tiveram lugar (cfr. factos provados de 1. a 13. e 17., que aqui se dão por reproduzidos);

-O dolo direto (cfr. factos 18. a 20., que aqui se dão por reproduzidos);

-As consequências da sua conduta (cfr. factos 10. a 13., 21. a 23.; 27. a 29.; 33.; 34.; 37. e 40. a 42., que aqui se dão por reproduzidos);

-A sua inserção socioprofissional e familiar (cfr. factos 59. a 64., que aqui se dão por reproduzidos).

-Os seus extensos e significativos antecedentes criminais (cfr. facto 68.), onde pontuam ao longo dos anos várias penas por crimes, entre outros, contra o património e as pessoas.

Todos estes elementos, a que acresce a inexistência de qualquer arrependimento ou interiorização do desvalor da conduta provada nos autos, necessariamente nos remetem para uma exigência acrescida na medida concreta da pena, dentro da moldura penal em causa, pelo que reputamos como justa e adequada a aplicação ao arguido B... :

-pelo crime de detenção de arma proibida da pena de prisão de 1 ano e 6 meses;

-pelo crime de violência depois da subtração da pena de prisão de 4 anos e 6 meses.

Vejamos agora quanto ao arguido A... .

As molduras penais em causa são as seguintes:

-ao crime de detenção de arma proibida é aplicável pena de multa de 10 a 600 dias;

-ao crime de furto é aplicável pena de multa de 10 a 360 dias;

-ao crime de homicídio qualificado é aplicável pena de prisão de 12 a 25 anos.

A propósito do crime de homicídio qualificado importa chamar à colação a circunstância do crime não ter passado do estado da tentativa, a agravante decorrente do art.º 86º, ns.º 3 e 4 do RJAM e ainda o regime especial para jovens delinquentes.

Com efeito, está provado que o arguido A... praticou os factos provados de 5. a 20. sendo ainda menor de 21 anos de idade (cfr. factos provados em 65.).

O art.º 9º do Código Penal refere que aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial, e essa legislação especial é a constante do Decreto-lei 401/82 de 23 de Setembro.

A jurisprudência tem vindo a entender que este regime dos jovens delinquentes não é de aplicação automática, “sendo essencial a demonstração de que um regime de punição mais atenuado irá propiciar ao jovem o afastamento do crime”, Ac. do STJ de 15.07.1992, in Col. Jurisp. tomo IV, pág. 8.

Porém, e como refere o Acórdão da Relação de Coimbra de 12.11.2003 (in www.dgsi.pt), toda essa jurisprudência se reporta a factos integradores de crimes a que é aplicável pena de prisão, tendo de ser entendido como crimes em que é de aplicar em concreto pena de prisão (já assim não sendo em relação a crimes punidos, em alternativa, com prisão ou com multa, e que seguindo o critério de escolha da pena fixado no art.º 70º do Código Penal se opta pela pena não privativa da liberdade).

Assim, resulta do art.º 4º deste diploma que “Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.

Neste conspecto decidiu-se no Ac. do STJ de 29.04.2009 (Proc. N.º 6/08.1PXLSB.S1, in www.dgsi.pt) que “o instituto previsto no DL 401/82, de 23-09, corresponde a um dos “casos expressamente previstos na lei”, a que alude o n.º 1 do art. 72.º do CP, sendo que a atenuação especial ao abrigo deste regime especial:

-não é de aplicação necessária e obrigatória;

-não opera de forma automática, sendo de apreciar casuisticamente;

-é de conhecimento oficioso;

-não constitui uma mera faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, sendo de concessão vinculada;

-é de conceder sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado, sendo em tais circunstâncias obrigatória e oficiosa;

-não dispensa a ponderação da pertinência ou inconveniência da sua aplicação;

-impõe se justifique a opção ainda que se considere inaplicável o regime, isto é, deve ser fundamentada a não aplicação”.

No juízo de prognose positiva imposto ao aplicar o art.º 4.º do referido diploma há que considerar a globalidade da atuação e da situação pessoal e social do jovem, o que implica o conhecimento da sua personalidade, das suas condições pessoais, da sua conduta anterior e posterior ao crime, não se podendo atender de forma exclusiva (ou desproporcionada) à gravidade da ilicitude ou da culpa do arguido.

No caso vertente, temos que o arguido não tem antecedentes criminais, a que acresce a sua inserção familiar (tendo um filho com cerca de um ano à data dos factos) e social (positiva), pelo que entendemos se mostrar justificável a sobredita atenuação.

Assim, quanto a este arguido importa concluir pela aplicabilidade do sobredito regime, donde decorre a atenuação especial da pena nos termos do artigo 73.º do Código Penal (não sendo aplicável o art.º 74º).

Temos assim que a moldura penal a aplicar ao crime de homicídio qualificado na forma tentada será a que resultar da aplicação da agravante decorrente do art.º 86º do RJAM e das atenuantes decorrentes da forma tentada de tal crime e do regime especial dos jovens delinquentes.

Como se decidiu no Ac. da R. de Lisboa de 28.06.2011 (Proc. N.º 232/10.3PCLRS.L1-5, in www.dgsi.pt) “Sendo a pena do crime de homicídio agravada em 1/3, pelo art.86, nº3, do Regime Jurídico das Armas e Munições (na redacção da Lei nº17/09) e especialmente atenuada pelo regime penal dos jovens, deve o seu limite máximo ser agravado em 1/3, incidindo a redução de 1/3 pela atenuação especial (art.73, nº1, al.a, do Código Penal) sobre a medida alcançada pelo agravamento, à semelhança do raciocínio feito a propósito do limite mínimo, não sendo de aceitar o procedimento de considerar anulada aquela agravação por esta atenuação”.

Ora, no caso vertente, uma vez que a moldura penal se reporta ao crime de homicídio qualificado a mesma já não é suscetível de qualquer ulterior agravação, como aliás se salvaguarda no n.º 5 do referido art.º 86º (onde se pode ler que “Em caso algum pode ser excedido o limite máximo de 25 anos da pena de prisão”), pelo que apenas haverá que fazer operar as duas atenuantes.

Neste particular importa reter o decidido no Ac. do STJ de 5.07.2007 (Proc. N.º 07P2300, in www.dgsi.pt), onde se consignou que “Face ao disposto no n.º 3 do art. 72.º do C. Penal («só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo») têm-se entendido que houve a preocupação de afastar a dupla valoração e não a dupla atenuação.

Solução diversa merece o caso de circunstâncias diferentes: tentativa, em que a atenuação especial é o expediente usado pela lei para delimitar a moldura penal abstracta “normal” e a atenuação especial de jovem delinquente, do art. 4.º do DL n.º 401/82 que encontra a sua génese na idade do agente e na existência de razões sérias para acreditar que dessa atenuação resultarão vantagens para a reinserção social daquele, caso em que nada obsta à dupla atenuação especial em relação aos crimes tentados”.

Esta dupla atenuação tem merecido a chancela do nosso Supremo Tribunal (cfr. entre outros, os Acs. de 19.09.90, AJ 10/11 BMJ 399-281; de 15.01.03, CJ XXVIII, 1, 158; de 04.02.04, Acs STJ XII, 1, 189 e de 14.02.07, Proc. n.º 4348/06, in www.dgsi.pt).

Após aplicação desta dupla atenuante a moldura penal então a achar para este ilícito encontra-se entre o mínimo legal (1 mês, cfr. art.º 41º do CP) e o máximo de 13 anos, um mês e 10 dias.

No caso vertente assumem particular relevo as exigências de prevenção geral ou não se tratasse de um crime de homicídio, embora tentado, com repercussão no meio social, sendo consabido o alarme social e tragédia humana que revestem os homicídios.

Temos assim que quanto às exigências de prevenção geral estamos perante um ilícito criminal de per se (atenta a sua natureza) sempre gerador de significativo alarme social, sendo que as premências respeitantes às necessidades de prevenção geral são significativas.

Tendo este quadro presente voltemos ao caso vertente, por reporte ao vários ilícitos em causa.

Relativamente a este arguido, pondera-se:

-O grau de ilicitude médio associado a cada um dos ilícitos, atendendo ainda ao contexto censurável em que tiveram lugar (cfr. factos provados de 1. a 17., que aqui se dão por reproduzidos);

-O dolo direto (cfr. factos 18. a 20., que aqui se dão por reproduzidos);

-As consequências da conduta do arguido (cfr. factos 21. a 23.; 30.; 31.; 37. a 36.; 38. a 42. e 50. a 54., que aqui se dão por reproduzidos);

-A inserção socioprofissional e familiar do arguido (cfr. factos 65. a 67., que aqui se dão por reproduzidos).

-A ausência de antecedentes criminais (cfr. facto 69.).

Quanto ao crime de homicídio qualificado tentado importa ainda reter que operando várias qualificativas e seguindo a lição de Figueiredo Dias (As consequências jurídicas do crime, pág. 206) “deve o juiz não exactamente “somar” ou “cumular” o valor agravante de cada circunstância, mas fazê-la funcionar sucessivamente até encontrar a moldura penal legalmente prescrita”.

Tendo em conta todos estes elementos e normas, reputamos como justa e adequada a aplicação ao arguido A... :

-da pena de 5 anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada;

-da pena de 200 dias de multa pelo crime de furto;

-da pena de 260 dias de multa pelo crime de detenção de arma proibida.

*

Da pena única,

Dispõe o artigo 77º, nº 1, do Código Penal, que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única.

A pena aplicável ao concurso de crimes é, assim, uma pena única, formada sobre a base das diversas penas parcelares, que devem ser concretamente fixadas pelo tribunal.

Na medida desta pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, sendo certo que, nos termos do nº 2, do citado diploma legal, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 900 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Aqui chegados importa distinguir a situação de ambos os arguidos.

Quanto ao arguido A... a pena única será uma pena de cumulação material entre a pena de prisão e a pena única de multa a fixar.

Com efeito, ao abrigo do disposto no artigo 77º, n.º 3 do Código Penal, sendo as penas aplicadas aos crimes em concurso distintas entre si (prisão e multa), a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios daquele artigo.

Como o Professor Figueiredo Dias enfatiza, "se as penas parcelares forem de diferente espécie o direito vigente abandona entre elas o sistema da pena única".

Ora, sendo as penas aplicadas, uma de multa e outra de prisão, haverá que manter a sua diferente natureza na pena única, independentemente da pena de prisão poder ser substituída, caso em que, acompanhando aquele autor, estaremos perante, não uma cumulação jurídica, mas antes material.

Assim, no caso vertente, tendo o Tribunal aplicado pela prática de dois dos crimes em concurso pena de multa e pela prática do outro crime pena de prisão, as penas devem ser cumuladas materialmente pois têm diferente natureza.

Assim, e quanto ás penas de multa a cumular temos que a moldura do concurso se irá encontrar entre um mínimo de 260 dias e um máximo de 460 dias.

Tendo conta a factualidade provada de 1. a 20. e de 65. a 67. (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), a que acresce a ausência de antecedentes criminais do arguido, entende-se como justa e adequada a aplicação de uma pena única de 400 dias de multa, a cumular com a sobredita pena de prisão.

Em face do ora decidido não tem aplicação o disposto no art.º 60º do Código Penal.

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Na fixação da taxa diária da multa ter-se-á em conta a situação económica do referido arguido A... , talqualmente esta acima se deu como provada de 59. a 64., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Na fixação do montante diário da pena de multa, dentro dos limites legais, “não deve ser doseada por forma a que tal sanção não represente qualquer sacrifício para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade” (cfr. Ac. da R. de Coimbra de 13.07.95, in CJ, XX, tomo 4, pág. 48), sem no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar (cfr. Ac. do STJ de 97.10.02, in Acs. STJ V, 3, 183).

Assim, e considerando os factos supra aludidos, assim como o estabelecido no artigo 47º, n.º2 do Código Penal, entende-se como adequado fixar o montante diário em €5,50.

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Atentando agora na situação do arguido B... , a moldura abstracta da pena única a aplicar ao arguido é entre um mínimo de 4 anos e 6 meses de prisão e um máximo de 6 anos de prisão (cfr. art.º 77º, n.º2 do CP).

Consistindo o cúmulo no resultado da ponderação dos factos, em geral, e da personalidade do agente, importa considerar que estes factos são, naturalmente, ponderados segundo as circunstâncias da época em que se verificaram, sendo que a avaliação da personalidade do arguido terá de abarcar todo o período decorrido desde o primeiro crime até à presente data.

Subjacente ao cúmulo jurídico está, portanto, a ideia de que esta pena única é uma realidade substancialmente diferente das penas parcelares que o compõem, na composição da qual é mister a avaliação da personalidade do arguido, face ao conjunto dos factos praticados.

Assim é de frisar, na globalidade, os extensos antecedentes criminais deste arguido e a sua deficiente inserção social e profissional, nos termos acima dados como provados, sendo que o mesmo já experienciou inclusive várias suspensões probatórias, sem sucesso, e mesmo de reclusão (o que aliás sucede atualmente), cfr. factos provados de 59. a 64. e 68. (cujo teor se dá por reproduzido).

Tendo em conta a sobredita moldura abstrata e atendendo ao sobredito circunstancialismo pessoal, reputamos como justa e adequada a aplicação de uma pena única de 5 anos e 3 meses de prisão a este arguido.

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Das penas de substituição,

No que concerne ao arguido B... e face à dosimetria penal concretamente fixada importa apenas consignar não ser legalmente possível a aplicação de qualquer pena de substituição (cfr. artigos 43º; 44º, n.º2; 45º; 46º; 50º e 58º, todos do Código Penal).

Já quanto ao arguido A... a questão coloca-se exclusivamente ao nível da eventual suspensão de execução da pena de prisão, não sendo legalmente admissível a aplicação de qualquer outra pena de substituição, não estando reunidos, desde logo, os pressupostos formais dos arts.º 43º; 44º; 45º; 46º e 58º, todos do Código Penal.

Assim, e em face da pena de prisão fixada, temos como critério, e nos termos apontados por Figueiredo Dias (in Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Edt.ª, pág. 331), que “o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação”.

Tal foi também o caminho já traçado pelos nossos tribunais pois, como salienta o consagrado autor (in op. cit.) “Deve, por isso, saudar-se com esperança o Ac. S.T.J. de 90MAR21, que decidiu, sem lugar para equívocos ou restrições, que a aplicação de uma pena de substituição (no caso, a pena de multa de substituição) depende, em exclusivo, de considerações de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial de ressocialização, e de prevenção geral sob a forma de satisfação do «sentimento jurídico da comunidade»”.

Dispõe o artigo 50º, nº 1, do Código Penal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Mais avança o nº5 que “o período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão”.

Este preceito consagra um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos (cfr. Maia Gonçalves, in Código Penal Anotado, 14ª edição, pág. 191).

Para este efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição, ou seja a suspensão da execução da pena “deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime” (cfr. Ac. do STJ de 14.06.2007, Proc. nº07P1423, in www.dgsi.pt).

Ora, tendo em conta a factualidade apurada entendemos que ainda é possível efetuar esse juízo relativamente ao arguido A... .

Embora se admita estar em causa um caso de fronteira, atentas as exigências de prevenção geral que se fazem sentir, a imagem global da factualidade em apreciação quanto a este arguido, não sendo a mais favorável, ainda permite conceder-lhe uma derradeira oportunidade de orientar a sua vida em termos conformes com o direito, sem carecer de efetiva privação da sua liberdade.

Estamos perante uma pessoa ainda jovem, que ainda está a tempo de arrepiar caminho e parece estar empenhado nesse desiderato, sendo um jovem pai, com as responsabilidade e mudanças comportamentais que tal normalmente acarreta, resultando da factualidade provada de 65. a 67. que a influência e ascendente do coarguido foi um fator evidente na alteração do seu comportamento, até então isento de reparos, que agora não mais se verifica (até porque aquele está em cumprimento de pena), estando novamente a viver com a sua família de origem, não registando comportamentos que o desabonem.

Neste contexto, entendemos que a censura e ameaça decorrentes da suspensão da execução da pena, acompanhada de um apertado regime de prova, desempenharão um papel pedagógico, forçando-o a consciencializar-se da gravidade da sua conduta, sem que, para tanto, necessite de sofrer os efeitos criminógenos resultantes do cumprimento de uma pena de prisão efetiva.

Assim, nos termos do disposto no artigo 50º, nºs 1 e 5, do Código Penal, deve a pena de 5 anos de prisão aplicada ao arguido A... ser suspensa na sua execução, pelo mesmo período, porquanto se considera que a censura do facto e ameaça da pena são suficientes para realizar de forma adequada as finalidades da punição.

Entre nós a suspensão pode ser decretada sem mais, subordinada ao cumprimento de deveres, regras de conduta ou, ainda, acompanhada de regime de prova.

Ora, atendendo ao particular circunstancialismo emanado dos autos e considerando o disposto nos arts.º 50º, n.º2 e 53º n.º3 do Código Penal, entendemos que se impõe a realização de um regime de prova para acautelar as finalidades da punição.

Mais se julga necessário complementar este regime de prova com regras de conduta que passem pela proibição de contactos, por si ou interposta pessoa, com o ofendido e sua família, bem como de não ter em seu poder quaisquer armas ou objetos suscetíveis de atuar como tal, cfr. art.º 52º, n.º2, als. d) e f) do Código Penal.

Este regime de prova deverá ser particularmente apertado e privilegiar a inserção laboral do arguido A... , devendo ser fiscalizado e apoiado pelos serviços de reinserção social, cfr. art.º 51º, n.º 4 do Código Penal.

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VII. Dos pedidos de indemnização cível

A fls. 701 e 702, pelo Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, EPE foi deduzido contra os arguidos pedido de indemnização cível pelos cuidados de saúde prestados ao demandante, no valor de € 3429,46, acrescido de juros vincendos após as notificações e até efetivo e integral pagamento.

Também de fls. 716 a 725, o ofendido C... formulou pedido de indemnização cível contra os arguidos, por danos não patrimoniais e patrimoniais, avaliando os primeiros em €35000,00 e os segundos em €1500,00, mais requerendo e indicando prova.

Nos termos do artigo 129º do Código Penal, a indemnização de perdas e danos, de qualquer natureza, que emergem da prática de crime é regulada, quantitativamente e nos seus pressupostos, pela lei civil.

A responsabilidade civil extracontratual, ou seja, emergente de factos ilícitos, constitui uma fonte das obrigações, impondo ao lesante a obrigação de indemnizar.

Preliminarmente, importa referir que a obrigação de indemnizar, seja qual for a fonte de onde provenha (responsabilidade por factos ilícitos, extracontratual ou aquiliana, arts.º 483º e ss. do Código Civil (CC); responsabilidade pelo risco ou objetiva, arts.º 499º e ss. do CC; responsabilidade por factos lícitos; ou responsabilidade contratual, arts.º 798º e ss. do CC), radica sempre num dano, isto é, na supressão ou diminuição de uma situação vantajosa que era protegida pelo ordenamento jurídico. 

Além do dano, são comummente considerados pressupostos da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana (artigo 483º, 1, do CC): o facto, que se analisa numa conduta humana dominável pela vontade; a ilicitude, traduzida na violação de direitos subjetivos absolutos ou de normas destinadas a tutelar interesses privados; a imputação psicológica do facto ao lesante, sob a forma de dolo ou mera culpa; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, que pode afirmar-se quando se prove que a conduta do lesante, considerada ex ante e tendo em conta os conhecimentos concretos do mesmo, era adequada à produção do prejuízo efetivamente verificado, nos termos do disposto no artigo 563º do Código Civil .  

Há uma conduta ilícita do agente sempre que dessa conduta resulte a violação de qualquer direito subjetivo ou interesse legalmente protegido.

A culpa ou nexo de imputação do facto ao lesante, corresponde ao juízo de censurabilidade do comportamento adoptado e pressupõe o dolo ou a negligência, sendo que agir com culpa significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação do direito (o que apenas se pode afirmar quando esse alguém é imputável e no caso concreto podia e devia ter agido de outro modo - só então é possível formular um juízo de censura, de reprovação, de culpa).

A culpa, nos termos do art.º 483º do CC, pode assumir duas modalidades: dolo e mera culpa.

O dolo traduz-se na adesão da vontade ao comportamento ilícito. Pode ser direto (quando o lesante representa e quer o resultado, apesar de conhecer a ilicitude do mesmo), necessário (quando não querendo diretamente o facto ilícito, o agente todavia previu-o como uma consequência necessária, segura, da sua conduta) ou eventual (sempre que o agente, ao atuar, não confiou em que o efeito possível da sua atividade se não verificaria).

A mera culpa pode traduzir-se quer em negligência consciente (o agente só atuou porque confiou em que o resultado se não produziria, o agente previu, como possível, a produção do facto e não tomou as medidas necessárias para o evitar), ou negligência inconsciente, que se traduz na imprevidência, descuido, imperícia ou ineptidão, omissão do dever de diligência. Pode ser grave (lata, grosseira), leve e levíssima.

Sendo que a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, como determina o nº 2 do art.º 487º do CC (assim, deve a culpa ser apreciada em abstrato, devendo o grau de diligência exigível ao agente ser medido de acordo com a diligência de um homem normal, medianamente sagaz, prudente, avisado e cuidadoso, ou seja, a diligência de um “bonus pater famílias”).

Ora, culpa efetiva, provada, e culpa presumida são uma e a mesma coisa, designadamente para afastar a indemnização devida pela responsabilidade pelo risco, pois as presunções [ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art.º 349º CC)] podem resultar tanto da lei (art.º 350º CC) como das regras da experiência e da vida do julgador (art.º 351º CC).

Neste conspecto, e à semelhança dos demais elementos constitutivos da obrigação de indemnizar, incumbe ao lesado a prova da culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa, como decorre dos arts.º 487º, nº1 e 342º, nº1, ambos do Código Civil.

Para a determinação do nexo de causalidade entre o facto e o dano, a nossa lei consagra, no art.º 563º do CC, a teoria da causalidade adequada, sendo que, de acordo com a versão mais recente desta teoria, deve ser tida como causa do dano aquela circunstância que, dadas as regras da experiência e o circunstancialismo concreto em que se encontra inserido o agente (tendo em conta as circunstâncias conhecidas ou cognoscíveis por aquele), se mostrava apta, idónea ou adequada a agravar o risco de produção desse dano (“…danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fora a lesão” – art.º 563º do CC).

É então necessário que o facto seja adequado à produção do dano, isto é, que o facto tenha tornado mais provável a verificação do prejuízo, ou seja, tenha agravado o risco da sua verificação[4].

Transpondo os princípios expostos para o caso em apreço, verifica-se com clareza que dos mesmos flui comportamento humano (cfr. factos provados de 1. a 20., que aqui se dão por reproduzidos) violador de direitos alheios, entre outros o direito à integridade física e à propriedade (cfr. factos provados em 7.; 10. a 13.; 16.; 21. a 23.; 27. a 31.; 36. a 42.; 49. a 54.; 56. e 57., que aqui se dão por reproduzidos), consagrados a nível constitucional (cfr. art.º 24º, n.º1, e 62º, n.º1, ambos da CRP), e nessa medida ilícito.

Estão assim assentes o facto, o dano e a ilicitude, nos termos acima expostos, bem como a imputação psicológica do facto aos lesantes, sob a forma dolosa supra exposta.

E existe nexo causal entre o facto e o dano?

A doutrina da causalidade adequada, a que antes fizemos referência, não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta haja só por si determinado o dano, podendo ter colaborado na sua produção outros factos concomitantes ou posteriores.

Assim como também não se impõe que o nexo causal entre o facto e o dano se apresente direto ou imediato, pois basta uma causa previsível (causalidade adequada) a produzir o resultado danoso.

Sendo a causalidade matéria de facto, resulta claro dos autos que as lesões e sequelas do ofendido tiveram como causa adequada a factualidade provada de 1. a 20. (que aqui se dá por reproduzida) imputável aos arguidos.

É, pois, claro que as condutas dos demandados foram a causa adequada à produção dos sobrevindos danos (ou seja, aquelas lesões e danos não teriam ocorrido se não fosse pela sua atuação), as quais se reputam como culposas, e nessa medida imputáveis civilmente aos demandados que, por isso, respondem pelos danos por si provocados.

Integrados factualmente o facto; o dano; a ilicitude; a culpa e o nexo de causalidade, estão verificados todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual.

Constituindo a responsabilidade civil uma fonte das obrigações, quem estiver obrigado a reparar um dano deve, nos termos do art.º 562º do Código Civil, que estabelece o princípio da reconstituição natural, reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

A obrigação de indemnizar, nos termos do disposto no art.º 563º, do mesmo diploma, só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

De acordo com o disposto no art.º 566º, nº 1, do Código Civil, a indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, consagrando-se no nº 2 da mesma disposição legal a teoria da diferença, segundo a qual a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos.

A obrigação de indemnizar abrange não só os danos patrimoniais, como os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, de acordo com o disposto nos arts.º 564º, nº 1 e 496º, nº 1, ambos do Código Civil.

Os primeiros abrangem tanto o dano emergente, ou seja, os prejuízos causados em bens ou direitos já existentes à data da lesão e o seu cálculo obedece, em princípio, a uma pura operação aritmética, como o lucro cessante, neste se incluindo os benefícios que o lesado deixou de obter, mas que ainda não tinha direito à data da lesão. O cálculo destes danos, ao contrário do anterior, é uma operação delicada, de difícil solução, porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que implica uma previsão, pouco segura, sobre dados verificáveis no futuro. Por isto é que este tipo de danos deve ser calculado segundo critérios de probabilidade ou verosimilhança, de acordo com o que, em cada caso concreto, poderá vir a acontecer, pressupondo que as coisas seguem o seu curso normal; e se, mesmo assim, não puder apurar-se o seu valor exato, o Tribunal deve julgar segundo a equidade .

Os segundos, danos não patrimoniais, são insuscetíveis de avaliação pecuniária, pois atingem bens que não fazem parte do património do lesado; sendo que tais danos apenas podem ser compensados, mais que indemnizados (v.g. dor física ou moral).

Como refere Dário Martins de Almeida (in Manual de Acidentes de Viação, 2ª ed., págs. 164 a 166), saber quem tem direito à indemnização constitui, em geral problema de fácil solução. Em princípio, esse direito cabe ao lesado – aquele que diretamente sofreu o dano na sua pessoa ou no seu património. Assim, a regra geral é a de que a titularidade do direito à indemnização cabe, em princípio, à pessoa ou pessoas a quem pertence o direito ou interesse juridicamente protegido que a conduta ilícita violou, ou seja, ao lesado.

Posto isto, importa reter que para os danos patrimoniais rege o artigo 495º do Código Civil, e nele se incluem, desde logo, as despesas médicas, de assistência e de socorro, hospitalares, de funeral, como previsto nos nºs 1 e 2 do preceito legal citado, e ainda os alimentos, se for caso disso, a quem o lesado os prestava, tanto em cumprimento de uma obrigação natural como legal (cfr. art.º 2009º e nº 3 do artigo 495º, já citado).

Para os danos não patrimoniais rege o artigo 496º, que no seu nº 1 admite a indemnização por “danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito”, sendo que a lei não os enumera, antes confiando ao Tribunal o encargo de apreciar, no quadro das várias situações concretas, socorrendo-se de factores objectivos, se o dano não patrimonial se mostra digno de proteção.

Dispõe ainda o art.º 496º, nº 3, do Código Civil, que o montante da indemnização por danos não patrimoniais será fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494º (o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso).

No que concerne à situação económica dos agentes ter-se-ão em conta os factos provados de 59. a 67. (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

Vejamos então quais os danos a considerar no presente caso e a medida da sua reparação.

São reclamados a título de danos patrimoniais pelo CHUC, EPE, pelos cuidados de saúde prestados ao ofendido, no valor de € 3429,46, acrescido de juros vincendos após as notificações e até efetivo e integral pagamento.

Está provado, para além do referido de 1. a 20., que no dia 9.02.2016 deu entrada no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra EPE C... , tendo sido assistido no Serviço de Urgência, a que se seguiu internamento de 9.02.2016 a 17.02.2016 e de 22.02.2016 a 23.02.2016, consulta externa de cirurgia implanto refrativa em 19.02.2016, realização de exames em 5.04.2016 e consultas externas na especialidade de oftalmologia-cirurgia vítreo retina em 29.02.2016, 8.03.2016 e 5.04.2016; a assistência que lhe foi prestada foi originada pelos ferimentos apresentados pelo assistido em consequência das agressões ocorridas no dia 6.02.2016, pela 22h00, no interior de um anexo à Quinta D. André, em Prados – Freixedas, propriedade de C... e praticada por B... e A... , nos termos acima dados como provados; os encargos com a assistência prestada ao ofendido importam na quantia de €3429,46, ainda em débito, conforme a factura junta a fls. 703 (cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido), cfr. factos provados de 21. a 23..

Tendo em conta o acima referido e o disposto no art.º 6º, n.º1 do DL n.º 218/99, de 15 de Junho (com última alteração pela Lei n.º 64-B/2011, de 30.12), é evidente a procedência desta pretensão, acrescida de juros vincendos, desde a data da respetiva notificação.

Por outro lado, é reclamado pelo ofendido, a título de danos patrimoniais, o pagamento de €1500,00, assentando esta pretensão na subtração da sua arma, que avalia naquele montante.

Ora, a este respeito está provado, para além do referido em 7.; 17. e 19. (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), que os arguidos em união de esforços e executando um plano traçado de comum acordo acabaram por subtrair do interior do anexo do demandante a caçadeira de calibre 12, marca Browning, bem como uma “carta” de cartuchos calibre 12 que ali se encontravam, apropriando-se dos mesmos e levando-os consigo quando abandonaram o local no veículo em que se faziam transportar; o demandante ficou assim privado da arma e munições que até à data não recuperou, sendo que a arma de fogo atentas as características e bom estado de conservação à data dos factos tinha o valor comercial de €1500,00 (cfr. factos 55. a 57.).

Ora, ressalta com clareza desta factualidade que caberá a ambos os demandados compensar o demandante pelo valor da arma que lhe subtraíram, nos moldes por este propugnado.

Note-se que inexistindo qualquer pedido de condenação em juros nada mais há a determinar neste particular.

Mais deduziu o demandante pedido de indemnização cível por danos não patrimoniais, avaliando os mesmos em €35000,00.

O demandante faz uma segmentação deste pedido nos seguintes termos:

-pelos danos sobrevindos ao crime de ofensa à integridade cível grave uma indemnização de € 20000,00;

-pelos danos sobrevindos ao crime de homicídio qualificado na forma tentada uma indemnização de €15000,00.

A este respeito estão provadas, para além do acima vertido de 1. a 20. (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), todas as angústias e dores, físicas e psíquicas, sofridas pelo demandante na sequência do sucedido, bem como as sequelas que tal atuação implicou para o mesmo, com particular incidência nas derivadas da conduta do demandado B... , conforme vertido acima nos pontos 26. a 43. e 49. a 54. (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), embora as decorrentes da conduta de A... sejam bastante significativas.

O montante a fixar deve ser calculado segundo critérios de equidade e ainda atendendo ao grau de culpabilidade dos responsáveis, à sua situação económica, à do lesado, às flutuações do valor da moeda, bem como deverá um tal montante ser proporcional à gravidade do dano (este mede-se à luz de padrões objectivos, e não subjetivos, sujeitos aos caprichos de quem os peticiona), tendo por base uma criteriosa ponderação das realidades da vida.

Não temos dúvidas de que estes danos não patrimoniais sofridos pelo demandante merecem a tutela do direito.

Note-se que apesar de inexistir uma perícia de avaliação do dano corporal em direito civil que incida especificamente sobre alguns aspetos destas matérias (a qual não foi sequer requerida), é certo que os factos provados permitem claramente concluir pela verificação dos danos reclamados.

Neste juízo que nos cumpre, parecem-nos perfeitamente ajustados os montantes peticionados, desde logo atenta a gravidade dos danos provocados pelos demandados, no respetivo âmbito de atuação.

Atenta a sobredita factualidade em causa, o hiato pelo qual se prolongou e as condições económicas dos lesantes e do lesado, entendemos que o montante a fixar se deverá apurar em € 20000,00, para os graves danos sobrevindos ao crime de ofensas à integridade física grave, como vimos acima consumido pelo crime de violência depois da subtração, a suportar pelo demandado B... .

Já relativamente aos danos sobrevindos à conduta do demandado A... , mostra-se ajustado e justificado fixar o montante indemnizatório nos peticionados €15000,00.

Naturalmente que a solidariedade pretendida no pagamento das indemnizações reclamadas nos autos apenas se pode verificar no que concerne aos danos patrimoniais acima referidos, imputáveis a ambos os arguidos, e não já assim quanto aos demais danos, cuja responsabilidade caberá sobre cada um dos respetivos agentes, improcedendo, nessa parte, o pedido cível.

Relativamente aos juros importa apenas consignar que estes não foram peticionados.

*

Face ao desfecho da lide que se antevê, cumpre decidir quanto ao encargo das custas.

Assim, e atendendo à condenação supra indicada, caberá aos arguidos suportar as custas criminais inerentes às mesmas e a fixar nos autos, nos termos do art.º 513º, n.º 1 do CPP, 8º do RCP e da competente tabela anexa a este último diploma.

Já no que se reporta às custas cíveis, ao abrigo do art.º 523º do CPP e 527º, ns.º 1 e 2 do CPC, as mesmas serão suportadas pela demandante e demandados, na proporção do respectivo decaimento e apenas pelos demandados no que respeita ao pedido do CHUC, EPE.

*

Quanto aos objetos apreendidos nos autos, cuja relação se mostra junta a fls. 132 e 282, importa reter o seguinte.

No que a este aspeto concerne, a regra geral consta do art.º 109º nº 1 do Código Penal, nos termos do qual “são declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos”.

Conforme se apreende da leitura do citado preceito, a perda de objetos a favor do Estado não é uma pena, nem um efeito desta, consubstanciando antes uma medida autónoma, de carácter preventivo. Como tal, não depende da efetiva condenação do arguido, como resulta do disposto no nº 2 do citado preceito.

In casu não foi promovida qualquer declaração de perdimento destes objetos.

Em face da factualidade que provada ficou e ao abrigo do disposto nos arts.º 109º do Código Penal e 185º, n.º1, do Código de Processo Penal, inexistindo conexão significativa entre os objetos apreendidos nos autos (cfr. fls. 132 e 282) e os tipos legais dados como cometidos, bem como não revestindo estes a perigosidade pressuposta pelo primeiro daqueles normativos, não se justifica o seu perdimento a favor do Estado, mas antes a respetiva devolução aos seus possuidores e proprietários titulados, após o trânsito em julgado desta decisão, nos termos do art.º 186º do CPP.”

****

III. Apreciação do Recurso:

O objecto de um recurso penal é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do C.P.P.

Na realidade, de harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. –  Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

            São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais para se obter o reexame da matéria que foi sujeita à apreciação da decisão recorrida e não vias jurisdicionais para um novo julgamento.

As declarações oralmente prestadas em audiência foram documentadas em acta por referência aos respectivos suportes áudio, nos termos estipulados no artigo 363.º do C.P.P.

Deste modo, deverá conhecer este Tribunal de facto e de direito, de acordo com o artigo 428.º, n.º 1, do C.P.P.                                                                                             

As questões a conhecer são as seguintes:

1) Saber se existe concurso real ou aparente entre o crime de furto (posteriormente consumido pelo crime de violência após a subtração) e o crime de detenção de arma proibida.

            2) Saber se a medida da pena aplicada ao recorrente é adequada.

                                                                       ****

1) Do concurso real ou aparente entre o crime de furto (posteriormente consumido pelo crime de violência após a subtração) e o crime de detenção de arma proibida:

Relembre-se o que consta a este propósito do acórdão ora em crise:

“(…) O mesmo vale quanto ao crime de furto e o crime de detenção de arma proibida. Embora se compreenda a sustentação levada a cabo pelo Ilustre defensor do arguido B... , no sentido de que o ato de subtração compreende a detenção da arma e munições em causa, certo é que, à semelhança do que a jurisprudência vem entendendo (de forma claramente maioritária) quanto à relação do crime de detenção de arma proibida com outros crimes contra o património e as pessoas (maxime no caso do crime de roubo e furto qualificado), também aqui quer a execução do facto, quer o bem jurídico em causa, não são coincidentes e/ou sobrepostos, em termos tais que possa falar numa relação de concurso aparente.

Com efeito, no caso das armas o legislador optou por uma tutela antecipada dos bens jurídicos que estas podem pôr em risco, pelo que a sua mera detenção preenche o tipo legal em causa, enquanto que o furto visa tutelar a propriedade, neste caso, da arma e munições.

Por ouro lado, importa não esquecer que detenção subsequente e mesmo a utilização da arma excedem o ato de subtração e apropriação que caracteriza o crime de furto, cfr. factos provados em 17. e 18.

Desta forma, entendemos verificar-se um concurso real e efetivo entre o crime de furto e o crime de detenção de arma proibida, não se verificando a dupla incriminação ou violação do princípio non bis in idem, pois que o crime de detenção de arma proibida consuma-se logo que o agente detém a arma, independentemente da forma como o faz (seja por cessão voluntária, coação ou furto).

                                                                       ****

O recorrente alega, na sua motivação, além do mais, o seguinte:

“(…) É certo, e o arguido não desconhece, que, conforme referido na decisão anteriormente transcrita, a jurisprudência se vem manifestando em sentido contrário ao propugnado pelo arguido, no que à relação dos crimes de detenção de arma proibida com outros crimes contra o património e as pessoas.

Contudo, em nenhuma das situações analisadas pelo arguido as questões se reconduziam ao furto ou roubo de armas, mas antes ao cometimento de tais crimes com armas. Não pode analisar-se a questão sob o mesmo prisma pois são questões manifestamente diferentes.

No caso concreto, provou-se que os arguidos se apropriaram de uma arma, cometendo, no caso do arguido B... , um crime de violência depois da subtração, previsto e punível pelo artigo 211.º, do C. Penal. Isto significa que, após a subtração da arma, o arguido B... usou de violência para a não restituir. O objeto do crime de furto, ou de violência depois da subtração, foi a própria arma sendo a resolução criminosa do arguido a de se apropriar da arma e não qualquer outra.

Torna-se evidente que quem se apropria de uma arma passa a ser o seu detentor mas não existem duas condutas criminosas, existe uma só. A apropriação implica necessariamente a detenção e não existe sem ela.

(…).

Da análise acabada de fazer não podemos deixar de considerar que a ilicitude do comportamento do arguido terá sido norteada pela resolução criminosa de apropriação da arma e não da sua detenção. A unidade de sentido dos ilícitos existe e justifica o seu tratamento como situação de concurso aparente de crimes que deve levar à consunção do crime de detenção de arma proibida pelo crime de violência depois da subtração."

                                                                       ****

Por consideramos pertinente para o caso, passamos a citar o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 22/1/2014, Processo n.º 82/13.5GCFVN.C1, relatado pelo Exmo. Desembargador Luís Coimbra, in www.dgsi.pt:

À matéria do concurso de crimes chamou Eduardo Correia “um dos mais torturantes problemas de toda a ciência do direito criminal” (cfr. citado auto, in “A Teoria do Concurso em Concurso em Direito Criminal - Unidade e Pluralidade d Infracções”, Colecção Teses, Almedina, 1996, pag. 13).

Dispõe o artigo 30.º nº 1 do Código Penal que “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.”

Embora a lei não o refira expressamente, para se concluir pela existência de concurso efectivo, torna-se necessário, além de aferir da pluralidade de tipos violados ou da violação plúrima do mesmo tipo, recorrer ao critério da pluralidade de juízos de censura, traduzido por uma pluralidade de resoluções autónomas.

A multiplicidade de vezes de preenchimento do tipo objectivo do crime conduz, em regra, à multiplicidade de crimes da respectiva natureza (artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal), mas tal multiplicidade deixa de ter tal efeito, não só nos casos em que se deva configurar um crime continuado (artigo 30.º, n.º 2 do Código Penal), como naqueles em que a unidade de resolução – tipo subjectivo do crime – e a inexistência de violação de bens jurídicos eminentemente pessoais, aliados à continuidade temporal das condutas, fazem com que a multiplicidade formal de violações do tipo criminal deva ser tratada como correspondente à comissão de um só crime.

Se se tratar de uma decisão assumida, deliberada, pensada uma única vez, e a partir de tal decisão não haver qualquer necessidade de renovar o processo de motivação, realiza-se um único tipo legal de crime.

Estamos verdadeiramente perante aquilo que Jescheck designava por “unidade jurídica de acção” (cfr. Tratado de Derecho Penal, Parte General, Volume Segundo, edição Bosch, pág. 1001 (tradução de S. Mir Puig e F. Muñoz Conde).

A este respeito permitimo-nos chamar à colação Eduardo Correia quando refere que – de acordo com a concepção normativista do conceito geral de crime – a unidade ou pluralidade de crimes é revelada pelo «número de valorações que, no mundo jurídico-criminal, correspondem a uma certa actividade. ( ... ) Pluralidade de crimes significa, assim, pluralidade de valores jurídicos negados. ( ... ) Pelo que, deste modo, chegamos à primeira determinação essencial de solução do nosso problema: se a actividade do agente preenche diversos tipos legais de crime, necessariamente se negam diversos valores jurídico-criminais e estamos, por conseguinte, perante uma pluralidade de infracções; pelo contrário, se só um tipo legal é realizado, a actividade do agente só nega um valor jurídico-criminal e estamos, portanto, perante uma única infracção»

Tal pressuposto seria complementado por um outro pois que, conforme referia o mesmo Mestre, «pode acontecer que o juízo concreto de reprovação tenha de ser formulado várias vezes em relação a actividades subsumíveis a um mesmo tipo legal de crime, a actividades, portanto, que encerram a violação do mesmo bem jurídico (…): a unidade de tipo legal preenchido não importa definitivamente a unidade da conduta que o preenche; pois sendo vários os juízos de censura, outras tantas vezes esse mesmo tipo legal se toma aplicável e deverá, por conseguinte, considerar-se existente uma pluralidade de crimes» (cfr. Eduardo Correia, Direito Criminal, II, Almedina, 1971, págs. 200 a 201.

Figueiredo Dias propõe como solução do problema da unidade ou pluralidade de infracção, o “critério da unidade ou pluralidade de sentidos sociais de ilicitude do comportamento global”. Refere que “o crime por cuja unidade ou pluralidade se pergunta é o facto punível e, por conseguinte, uma violação de bens jurídico-penais que integra um tipo legal ao caso efectivamente aplicável.

A essência de uma tal violação não reside, pois, nem (por um lado) na mera “acção”, nem (por outro) na norma ou no tipo legal que integra aquela acção: reside no substrato de vida dotado de um sentido negativo de valor jurídico-penal, reside (…) no ilícito-típico: é a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica, existente no comportamento global do agente submetido à cognição do tribunal, que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta acepção, de crimes.”

E acrescenta este mesmo Mestre que “será a análise do significado do comportamento global que lhe empresta um sentido material (social) da ilicitude, devendo reconhecer-se, de um ponto de vista teleológico e de valoração normativa “a partir da consequência”, a existência de dois grupos de casos:

(a) o caso (“normal”), em que os crimes em concurso são na verdade recondutíveis a uma pluralidade de sentidos sociais autónomos dos ilícitos típicos cometidos e, deste ponto de vista, a uma pluralidade de factos puníveis – hipóteses de concurso efectivo (do art. 30º, nº1), próprio ou puro;

(b) e o caso em que, apesar do concurso de tipos legais efectivamente preenchidos pelo comportamento global, se deva ainda afirmar que aquele comportamento é dominado por um único sentido autónomo de ilicitude, que a ele corresponde uma predominante e fundamental unidade de sentido dos concretos ilícitos típicos praticados – hipóteses de concurso aparente, impróprio ou impuro.

Com a consequência de que só para o primeiro grupo de hipóteses deverá ter lugar uma punição nos termos do art.77º, enquanto que para o segundo deverá intervir uma punição encontrada na moldura penal cabida ao tipo legal que incorpora o sentido dominante do ilícito e na qual se considerará o ilícito excedente em termos de medida concreta da pena.

(…) Se apenas um tipo legal foi preenchido, será de presumir que nos deparamos com uma unidade de facto punível; a qual no entanto, também ela, pode ser elidida se se mostrar que um e o mesmo tipo especial de crime foi preenchido várias vezes pelo comportamento do agente. Isto significa que o procedimento não pode em qualquer caso reduzir-se ao trabalho sobre normas, mas tem sempre de ser completado com um trabalho de apreensão do conteúdo de ilicitude material do facto”. (cfr. citado autor, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, págs. 988 a 991).

De tudo isto decorre que, perante uma pluralidade de realizações típicas, a unidade de desígnio criminoso, a identidade de bem jurídico, a unidade temporal e/ou espacial, entre outros e consoante o caso, funcionarão como sub-critérios para definição do sentido fundamentalmente unitário do ilícito.”

                                                                       ****

Salvo o devido respeito para com todas as construções dogmáticas que existem sobre este assunto, entendemos que o artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal, contém a indicação de um princípio geral de solução, no que tange ao concurso de crimes (unidade e pluralidade de infrações).

De acordo com a referida norma legal, o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.

O legislador optou por criar um critério que se baseia na consideração dos tipos legais efetivamente violados, ou seja, apontou decisivamente para a consagração de um critério teleológico referido ao bem jurídico.

O critério do bem jurídico como referente da natureza efectiva da violação plural é, para nós, essencial.

            Revertendo ao nosso caso, por um lado, não tendo sido impugnada a matéria de facto, confrontamo-nos com os factos provados sob os n.ºs 4, 7, 8, 17, 18, 19, 20, de onde resulta ter o recorrente praticado o crime de detenção de arma proibida em coautoria, sendo, por isso, inócuo estar a detalhar o que cada um dos dois arguidos fez em particular.

Como bem é referido, na resposta ao recurso, “a arma foi subtraída ao seu legítimo titular com o conhecimento e colaboração ativa do arguido B... e ambos os arguidos abandonaram o local levando com eles a arma em causa.”

Por outro lado, e como aspeto determinante, os bens jurídicos protegidos pelos ilícitos em causa são, claramente, de natureza diferente.

O crime de detenção de arma proibida acautela os valores da ordem, segurança e tranquilidade pública.

            No crime de violência após a subtração, e é este que releva, estão em causa os valores da propriedade e da integridade física de quem é desapossado de determinado objeto, sendo certo que, mesmo no caso de mero furto, sempre está em causa a propriedade de um bem.       Ora, nem mesmo a circunstância do objeto, no caso concreto, e sempre salvo o devido respeito, ser uma arma pode alterar tal realidade.

Concedemos que a apropriação implica necessariamente a detenção e não existe sem ela.

Todavia, a lei penal consagra, em termos específicos, a detenção de armas proibidas, o que denota que quis autonomizar tal realidade em relação ao modo através do qual qualquer cidadão a elas acede.

Acresce que não vemos que o comportamento do arguido se tenha reconduzido a um único comportamento e resolução criminosa.

Se bem reparamos, num primeiro momento, o ora recorrente e o coarguido, de um modo dissimulado, quiseram e conseguiram subtrair a arma, sem o emprego de qualquer violência (facto provado n.º 7), e só num segundo momento, logo após o ofendido ter dado pela falta da sua arma de fogo, é que aquela surgiu, motivada pela reação inesperada de C... .

Os atos violentos contra a pessoa do ofendido foram muito para além da mera apropriação/detenção da arma, desígnio inicial.

Por conseguinte, bem andou o Tribunal a quo em considerar a existência de concurso real entre os crimes ora em causa.

                                                           ****

2) Da medida da pena:

Como dispõe o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. As finalidades das penas, na previsão, na aplicação e na execução, são assim na filosofia da lei penal vigente a protecção de bens jurídicos e a integração do agente do crime nos valores sociais afectados.

Na protecção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).

As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.

No caso concreto a finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir o motivo fundamento da escolha do modelo e da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados.

Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser em cada caso prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.

Nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização será encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa que, nos termos do artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal, constitui limite inultrapassável da prevenção a realizar através da pena (cfr. nomeadamente Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª edição, pags. 238 a 255).

Postas estas considerações gerais, que devem estar presentes no juízo conducente à pena concreta e adequada, o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, preceitua, na senda do citado artigo 40.º, que a determinação concreta da pena, dentro dos limites legalmente definidos, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e o n.º 2 do mesmo artigo determina que o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, enumerando algumas a título exemplificativo, circunstâncias estas que nos darão a medida das exigências de prevenção em concreto a realizar porque indicadoras do grau de violação do valor em causa e da prognose de no futuro o agente se poder determinar com o respeito pelo valor penalmente protegido (a necessidade da pena revela-se desse modo em função da menor ou maior exigência do exercício da prevenção e da reintegração).

Acresce que, nos termos do artigo 70.º, do Código Penal, quando o crime cometido pelo arguido é punível com pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

É, pois, neste enquadramento legal que importa analisar a pretensão do recorrente.

                                                                       ****

Relembre-se o que consta, quanto a esta questão, do acórdão recorrido:

“(…). O que temos então neste domínio, quanto ao arguido B... ?

Ao nível das exigências de prevenção geral positiva, cumpre desde logo acentuar a circunstância do crime de detenção de arma proibida ser hoje de extrema frequência e exigir adequada resposta por parte do sistema judicial.

Já no domínio das exigências de prevenção especial positiva, afigura-se-nos que as mesmas se situam a um nível muito alto se tivermos em consideração os antecedentes criminais do arguido e em particular as sucessivas penas de multa e prisão, algumas suspensas, outras efetivas, que lhe foram aplicadas, também por crimes contra as pessoas, manifestamente sem sucesso (cfr. factos 63.; 64. e 68.).

Tudo visto, estamos em crer que se impõe a aplicação ao arguido de uma pena de prisão para o crime de detenção de arma proibida, sendo manifestamente insuficiente uma reação que se fique por uma pena de multa.

(…).

Começando pelo arguido B... .

As molduras penais em causa são as seguintes:

-ao crime de detenção de arma proibida é aplicável pena de prisão de 1 a 5 anos;

-ao crime de violência depois da subtração (que consome os crimes de furto e ofensa à integridade física grave) é aplicável pena de prisão de 3 a 15 anos.

Relativamente a este arguido, pondera-se:

-O grau de ilicitude significativo, atendendo ainda ao contexto particularmente censurável em que tiveram lugar (cfr. factos provados de 1. a 13. e 17., que aqui se dão por reproduzidos);

-O dolo direto (cfr. factos 18. a 20., que aqui se dão por reproduzidos);

-As consequências da sua conduta (cfr. factos 10. a 13., 21. a 23.; 27. a 29.; 33.; 34.; 37. e 40. a 42., que aqui se dão por reproduzidos);

-A sua inserção socioprofissional e familiar (cfr. factos 59. a 64., que aqui se dão por reproduzidos).

-Os seus extensos e significativos antecedentes criminais (cfr. facto 68.), onde pontuam ao longo dos anos várias penas por crimes, entre outros, contra o património e as pessoas.

Todos estes elementos, a que acresce a inexistência de qualquer arrependimento ou interiorização do desvalor da conduta provada nos autos, necessariamente nos remetem para uma exigência acrescida na medida concreta da pena, dentro da moldura penal em causa, pelo que reputamos como justa e adequada a aplicação ao arguido B... :

-pelo crime de detenção de arma proibida da pena de prisão de 1 ano e 6 meses;

-pelo crime de violência depois da subtração da pena de prisão de 4 anos e 6 meses.

(…).

Atentando agora na situação do arguido B... , a moldura abstracta da pena única a aplicar ao arguido é entre um mínimo de 4 anos e 6 meses de prisão e um máximo de 6 anos de prisão (cfr. art.º 77º, n.º2 do CP).

Consistindo o cúmulo no resultado da ponderação dos factos, em geral, e da personalidade do agente, importa considerar que estes factos são, naturalmente, ponderados segundo as circunstâncias da época em que se verificaram, sendo que a avaliação da personalidade do arguido terá de abarcar todo o período decorrido desde o primeiro crime até à presente data.

Subjacente ao cúmulo jurídico está, portanto, a ideia de que esta pena única é uma realidade substancialmente diferente das penas parcelares que o compõem, na composição da qual é mister a avaliação da personalidade do arguido, face ao conjunto dos factos praticados.

Assim é de frisar, na globalidade, os extensos antecedentes criminais deste arguido e a sua deficiente inserção social e profissional, nos termos acima dados como provados, sendo que o mesmo já experienciou inclusive várias suspensões probatórias, sem sucesso, e mesmo de reclusão (o que aliás sucede atualmente), cfr. factos provados de 59. a 64. e 68. (cujo teor se dá por reproduzido).

Tendo em conta a sobredita moldura abstrata e atendendo ao sobredito circunstancialismo pessoal, reputamos como justa e adequada a aplicação de uma pena única de 5 anos e 3 meses de prisão a este arguido.”

                                                           ****

Desde já, importa deixar bem claro que o recorrente não impugnou a matéria de facto.

Por esse motivo, é inglório vir, em sede de medida da pena, manifestar o seu inconformismo quanto à subsunção jurídica feita pelo Tribunal a quo, no que tange às ofensas corporais sofridas pela vítima.

Está dado como assente que o arguido B... agiu com dolo direto, no momento em que desferiu um murro no rosto de C... , atingido concretamente o olho esquerdo, fazendo-o cair ao solo.

A argumentação do recorrente só seria de aceitar se tivesse ocorrido uma alteração da matéria de facto no sentido do resultado ocorrido ao nível de lesões não ter resultado de dolo direto, o que não se verificou.

Não vislumbramos que haja culpa reduzida do arguido ou imprevisibilidade das consequências da sua conduta.

Atingir alguém com um murro num olho, órgão bem sensível de qualquer ser humano, com força (o ofendido foi atirado ao solo, na sequência da agressão), em condições normais, potencia graves lesões.

Toda a matéria de facto apurada aponta para um quadro de violência bem reprovável.

Tal circunstância, em conjugação com os antecedentes criminais do recorrente e com a ausência de uma interiorização do desvalor da conduta da sua parte, faz com que seja de considerar adequadas as penas parcelares e a pena única aplicadas.

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            IV – DECISÃO:

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso     

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro UC.

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                (elaborado e revisto pelo relator, antes de assinado)

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Coimbra, 21 de Junho de 2017

(José Eduardo Martins – relator)

(Maria José Nogueira – adjunta)


[1] Note-se que inexiste uma qualquer proibição dos elementos que integrem órgãos de polícia criminal em deporem relativamente a factos de que tomaram conhecimento direto no decurso das investigações (cfr. Acs. do S.T.J. de 30.10.2002, Proc. N.º 2557/02 e de 30.05.01, cujos sumários estão vertidos no C.P.P. Comentado pelos Srs. Juízes Conselheiros Henriques Gaspar, Santos Cabral; Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Henriques da Graça, Almedina, 2014, pág.122).


[3] Como se decidiu no Ac. da R. de Lisboa de 28.06.2011 (Proc. N.º 232/10.3PCLRS.L1-5, in www.dgsi.pt) “Sendo a pena do crime de homicídio agravada em 1/3, pelo art.86, nº3, do Regime Jurídico das Armas e Munições (na redacção da Lei nº17/09) e especialmente atenuada pelo regime penal dos jovens, deve o seu limite máximo ser agravado em 1/3, incidindo a redução de 1/3 pela atenuação especial (art.73, nº1, al.a, do Código Penal) sobre a medida alcançada pelo agravamento, à semelhança do raciocínio feito a propósito do limite mínimo, não sendo de aceitar o procedimento de considerar anulada aquela agravação por esta atenuação”.
[4] O que esta teoria da causalidade adequada pretende alcançar é, sobretudo, não responsabilizar o agente por danos que se produziram (em consequência da sua conduta), mas que eram de tal modo imprevisíveis que não conhecesse ou pudesse conhecer (por outras palavras, o agente só será responsável pelos danos que previu ou devia prever)