Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2355/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA LEITÃO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO - ÓNUS DA SUA PROVA
Data do Acordão: 10/21/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 1º DA LCT
Sumário: Compete ao autor o ónus de alegação e de prova da facticidade conducente à demonstração da existência de um contrato de trabalho .
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes da Secção Social do T. Relação de Coimbra

A... intentou acção de processo comum emergente de contrato de trabalho contra B... e C....
Para tanto alegou que em 6 de Maio de 2002 foi admitido ao serviço dos réus mediante contrato sem termo, para exercer as funções de operador de telemarketing.
Recebia a importância de € 10 euros por cada casal que comparecesse à reunião, reunião esta que se destinava à venda de colchões e tinha como chamariz um prémio de estadia num hotel em Espanha. Deste modo a sua retribuição variava consoante a sua produtividade.
Em matéria de horário de trabalho, era de segunda-feira a sábado das 10.00 horas às 14.00 horas e das 16.00 horas às 19.00 horas.
Para trabalhar 42 horas recebia, por mês e em média, a quantia de € 200 euros.
Em 26 de Julho de 2002, o autor efectuou 50 chamadas telefónicas para diversos casais dos quais a sua entidade patronal não seleccionou nenhum.
Ao saber deste facto, no dia seguinte procurou saber quais os critérios de selecção utilizados pela Elsa que reagiu de forma autoritária e arrogante, dizendo-lhe que não tinha que lhe dar justificações e que a partir daquele momento estava despedido.
Em matéria de salários os réus ficaram a dever-lhe a quantia de € 1.650,03, indemnização por antiguidade € 1.050,03, subsídio de férias € 137,50, subsídio de Natal € 137,50, horas extraordinárias € 687,80 e horas extraordinárias em dias feriados € 73,32.
Concluiu pela procedência da acção e em consequência peticionou que:
A – Fosse declarada a nulidade do seu despedimento
B- Fosse a Ré condenada a pagar ao autor a quantia de € 1.050,03, a título de indemnização por antiguidade, acrescida de juros legais desde a data da citação.
C- Fosse a ré condenada a pagar ao autor a quantia de € 2.686,15 referente às prestações já vencidas, bem como todas as vincendas até trânsito em julgado da sentença e a liquidar em execução de sentença, tudo acrescido de juros à taxa legal até integral pagamento.
Realizou-se a audiência de partes, que resultou infrutífera
Os réus apresentaram a sua contestação na qual começam por suscitar a excepção dilatória da ilegitimidade passiva do 2º réu, em virtude do autor ter alegado que trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da Sr.ª Elsa Serôdio, que, como pretensa entidade patronal, o teria despedido.
Pelo que, o 2º réu seria materialmente parte ilegítima, o que determinaria a sua absolvição do pedido.
Era exclusivamente a 1ª ré Serôdio quem exercia a actividade, em nome individual, de promoção pelo telefone e de angariação de clientes para venda de colchões, auferindo uma comissão pelos potenciais clientes que assistissem a uma apresentação do produto.
Nessa sua descrita actividade convidou outras pessoas, entre os quais o autor para que, com ela, também promovessem, por telemarketing, a angariação desses potenciais clientes para esses produtos e que, tal com o ela, receberiam comissões em função dos convidados que assistissem a uma apresentação do produto pela firma vendedora. D. Elsa Serôdio, tomou de arrendamento um espaço, onde dispunha de telefones, suportando as correspondentes despesas.
Os telefones que eram disponibilizados a todos que promoviam a angariação de potenciais clientes. As comissões a auferir estavam dependentes, exclusivamente, dos convites efectivamente aceites pelas pessoas contactadas pelo telefone e não da assiduidade dos que com ela colaboravam ou de qualquer pretenso horário de trabalho, que não existia.
O autor auferiu a quantia global de € 733,40 euros, sendo que até hoje ainda não lhe entregou o recibo.
Concluíram pela improcedência da acção com a consequente absolvição dos réus .
Prosseguindo o processo seus regulares termos veio a final a ser proferida decisão, que julgou procedente a excepção dilatória da ilegitimidade do R, absolvendo- o em consequência da instância e na improcedência da acção determinou a absolvição da Ré de todo o peticionado.
Discordando apela agora o A, alegando e concluindo:
1- O ora recorrente vem aqui invocar os factos relativos à sentença de fls. 94 e segs. prolatada pelo tribunal “ a quo”, que julgou a acção improcedente por não provada e consequentemente absolveu a Ré dos pedidos feitos pelo A;
2- O juiz de 1º instância baseou- se na sua decisão em função do quadro factual descrito, onde não emergem elementos que, doutrinal e jurisprudencialmente, são considerados típicos de uma relação laboral;
3- Na decisão “ a quo” é de se relevar que consta como facto provado que a Elsa Cristina terá convidado o A, para que com ela promovesse por telemarketing a angariação dos potenciais clientes para os ditos colchões;
4- Ora, o acto de convidar que deriva de um convite não possui à partida, significado jurídico, só podendo assumir tal significado se o convite for aceite pela pessoa convidada, transformando-se então o convite em contrato de trabalho, com subordinação jurídica e económica;
5- A colaboração do apelante, contrariamente ao exposto na sentença “ a quo”, pressupõe uma relação de subordinação, demonstrando o tribunal de 1ª instância um profundo desconhecimento sobre a estrutura destas empresas que se estruturam em dois serviços: o de telemarketing para angariação de clientes, os quais serão alvo de uma venda forçada que será realizada por vendedores a serviço desta mesma empresa;
6- Isto porque se o trabalhador de telemarketing que é admitida ou até mesmo “ convidado” a trabalhar numa empresa por mais que conheça a sua estrutura e filosofia de vendas, este mesmo trabalhador nunca poderá por si mesmo estabelecer os critérios para a selecção e o convite dos potenciais clientes(grifo nosso);
7- Porque o desempenho do serviço do trabalhador de telemarketing está sempre sujeito a fiscalização e ordens da entidade patronal que o emprega, pois a subordinação jurídica é o elemento que verdadeiramente distingue o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços
8- A apelada ao arrendar um espaço e ao dotá-lo de linhas telefónicas, procedeu a uma organização de meios, na qual o ora apelante desempenhava a função de operador de telemarketing, função esta determinada por aquela primeira, que era desempenhada nas instalações arrendadas pela apelada e sob as suas ordens, direcção e fiscalização daquela mesma apelada;
9- A prestação de trabalho de operador de telemarketing foi contemplada no actual C. Trabalho, através da figura do teletrabalho - artºs 232 e segs.- cuja noção implica em considerar que a prestação laboral é realizada com subordinação jurídica e económica. Bem como é dotada de elementos que denotam a existência desta subordinação na relação laboral que existiu entre apelante e apelada;
10- A pretensão do apelante perante este Tribunal da Relação é que se proceda à revogação da sentença “ a quo” em virtude de existir elementos suficientes para a aferição da subordinação jurídica e económica na relação laboral travada entre o apelante e a apelada, dando-se assim provimento ao pedido feito na p. inicial pelo A, ora apelante.
Contra alegou a recorrida defendendo a correcção do decidido.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, tendo o Ex. mo Sr. PGA emitido douto parecer, no sentido da respectiva improcedência, cumpre decidir.
Dos Factos
Foi a seguinte a factualidade dada como assente na 1ª instância
1. A Ré Elsa Serôdio tomou de arrendamento um espaço, onde dispunha de telefones, suportando as correspondentes despesas, bem como as de electricidade e água;
2. Espaço, água, luz e telefone que eram disponibilizados a todos que, como ela, promoviam a angariação de potenciais clientes, entre as 10.00 e as 19.00 horas e um ou outro Domingo.
3. Era da responsabilidade e iniciativa dos seus colaboradores, que trabalhavam com autonomia e independência, a selecção e convite às pessoas a quem telefonavam.
4. Elsa Cristina exercia a actividade em nome individual consistente na promoção, pelo telefone, de angariação de potenciais clientes para venda de colchões.
5. .auferindo uma comissão pelos potenciais clientes que, como convidados, assistissem a uma apresentação do produto, da responsabilidade da empresa vendedora.
6. Entre outras pessoas, Elsa Cristina convidou o autor, para que com ela promover, por telemarketing a angariação desses potenciais clientes para esses produtos.
7. Que receberia comissões em função dos convidados que assistissem a uma apresentação do produto da firma vendedora.
8. No dia 6 de Maio de 2002, o autor passou a colaborar com a ré Elsa, exercendo as funções de “Operador de Telemarketing”;
9. cuja incumbência era a de efectuar chamadas telefónicas para casais residentes, geralmente, no distrito de Leiria, tendo por base as listas telefónicas.
10. O autor telefonava para os casais e informava-os que tinham sido contemplados com um prémio e que para o levantar teriam que se deslocar a hora e local previamente determinado.
11. Os casais eram premiados com uma estadia num hotel de uma cidade turística em Espanha, recebendo como comprovativo, um certificado do prémio.
12. Este prémio era um chamariz para efectuar a venda de colchões às pessoas contactadas e que assistissem à reunião.
13. Os casais a contactar pelo autor tinham que respeitar alguns critérios: idades entre os 25 e 60 anos; que ambos os cônjuges trabalhassem por conta própria ou desempenhassem cargos de chefia.
14. Estes potenciais clientes eram denominados de “UP” e se comparecessem no local e assistissem à reunião o “operador de telemarketing”, recebia a comissão de € 9,98 por cada “UP”, até ao número de 10; € 12,47 até 12, 14 ou 16 e € 14,96 até 17, 20 ou 23, tudo em função de uma semana.
15. O operador de telemarketing só recebia sobre os casais que assistissem à reunião.
16. A ré Elsa solicitou, por diversas vezes, ao autor o recibo verde do pagamento das comissões, mas este não o entregou.
17. No dia 27 de Julho de 2002, o autor deixou de colaborar com a ré Elsa.
18. O autor vivia na freguesia de Regueira de Pontes e tinha despesas de transporte e almoço.
19. O autor não estava inscrito na Segurança Social.

Do Direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação- artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC-.
E assim sendo, cumpre apenas dilucidar se está demostrado que entre A e Ré vigorou efectivamente num vínculo laboral, como aquele pretende de molde a que se possa configurar uma rescisão unilateral ilegítima de tal contrato, por parte da empregadora( despedimento sem justa causa).
Previamente será talvez conveniente tecer umas breves considerações teóricas acerca da caracterização de um contrato de trabalho.
É o que iremos fazer de imediato.
Dispõe o art.º 1º da LCT- coincidindo aliás sob o ponto de vista literal com o art.º 1152º do CCv- que “ contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”.
Conceptualização de aparência fácil, mas que e como se sabe, se apresenta por vezes eivada de imensas dificuldades aquando da tentativa da sua integração em situações de facto da vida real, dada sua proximidade com outro tipo de convénio como seja p. ex. o contrato de prestação de serviços, definido pelo artº 1154º também do CCv, como sendo aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar á outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
Cremos todavia que são hoje doutrina e jurisprudência assentes que o ponto fundamental para a caracterização de um contrato como tendo natureza laboral consiste na existência do elemento “ subordinação jurídica “ .
Do modo que quando ela existe, nos deparamos com um contrato de trabalho; a sua ausência consubstancia( naturalmente preenchidos os restantes elementos) a celebração de um outro tipo de vínculo contratual- neste sentido e entre muitos outros, cfr. CJs 1985, 4º 113 , XXV, IV, 246 e BMJ 447º/308-.
Menezes Cordeiro, in Manual do Direito de Trabalho, 1991, 520 escreve.” .... no contrato de trabalho se refere o prestar uma actividade”.
Mais impressivamente e a este propósito Galvão Telles, in BMJ 83º, 165, expõe:” Todo o trabalho conduz a algum resultado e este não existe sem aquele. O único critério legítimo está em averiguar se a actividade é ou não prestada sob a direcção da pessoa a quem ele aproveita, que dele é credora. Em caso afirmativo, promete-se o trabalho em si, porque à outra parte competirá, ainda que porventura em termos bastante ténues, dirigi-lo, encaminhando-o para a consecução dos resultados que se propõe”.
Como já supra se referiu o ponto essencial, para a definição do contrato de trabalho é a posição de subordinação jurídica, em que o dador da força de trabalho( predominantemente manual ou intelectual), se encontra perante o credor dessa prestação.
Da obtenção, por força de um vínculo laboral, da disponibilidade da força de trabalho alheia, resulta para a entidade patronal uma certa autoridade sobre as pessoas dos trabalhadores admitidos- cfr. M. Fernandes, Dtº do Trabalho, 9ª ed., pág. 239.
Este poder de direcção, desdobra-se :
a)- num poder determinativo da função, em cujo exercício é atribuído ao trabalhador, um certo posto ou categoria, na organização concreta da empresa, equivalente a um tipo de actividade que se define que se define pelas necessidades da mesma empresa e pelas aptidões( ou qualificação ) do trabalhador
b) num poder conformativo da prestação, que já se exprime pela possibilidade de dar ordens e de fazê-las obedecer;
c) num poder regulamentar, referido à organização em globo, mas naturalmente projectado também sobre a força de trabalho disponível que nela se comporta;
d) num poder disciplinar que se manifesta tipicamente pela possibilidade da aplicação de sanções internas aos trabalhadores cuja conduta se revele desconforme com o ordenamento da empresa- cfr. A e ob. citadas em último lugar, págs.239/240-.
Contudo a existência deste quadro conceptual, terá que ser deduzida de elementos de facto em que se concretiza o desenvolvimento das relações contratuais entre os outorgantes.
E assim, a jurisprudência tem apontado como dados caracterizadores de um vínculo laboral, o local de trabalho, o horário de trabalho, o controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a modalidade de remuneração, a propriedade dos meios de produção, a observância do regime fiscal e de segurança social próprios de trabalho por conta de outrem - cfr. p. ex. C.J. XXV, IV; 246-.
Ora vertendo estes princípios e não olvidando que o ónus de alegação e prova da existência de um vínculo laboral, porque elemento constitutivo do direito alegado, compete à A ( art.º 342º n.º 1 CCv) para o caso concreto o que é que encontramos?
Pois que perante a matéria de facto dada como assente- e a que esta Relação tem que ater-se porque desde logo não impugnada e porque por outro lado, não se verifica qualquer das hipóteses da sua modificabilidade previstas no artº 712º do CPC- nenhum elemento fáctico está elencado que conduza à conclusão que na relação convencional existente entre apelante e apelada aquele se encontrava numa posição de subordinação jurídica perante aquela.
Desde logo total ausência de qualquer indicação de um mínimo poder de direcção, tal como acima e oportunamente se definiu, mormente no seu aspecto disciplinar e conformativo da prestação.
O que é suficiente para que se considere que não logrou o A provar, como- repete-se – era seu ónus( artº 342º nº citado), o facto jurídico ( causa de pedir)em que funda o seu pedido- ou seja que estava vinculado à Ré por um contrato de trabalho -.
Daqui se tenha que concluir pelo insucesso da sua pretensão.
É verdade que como alega na sua douta impugnação o C. de Trabalho prevê, a celebração de contratos de teletrabalho ( seu artº 233º).
Mas mesmo aí o legislador não deixou de exigir que, para que uma situação de facto pudesse integrar tal conceito jurídico, a prestação laboral fosse realizada com a tal “ subordinação jurídica”.
Em suma e para terminar: o A fundamentou o peticionado num contrato de trabalho que celebrara com a Ré.
Não logrou provar que tal convénio tenha existido.
A ele competia o ónus de alegação e prova da facticidade conducente a essa demonstração, como em tempo útil se referiu.
Pelo que é nosso entendimento- e com a ressalva sempre devida pelo respeito que nos merece opinião diversa- que a presente acção não poderá proceder.
Daí que e por tudo o que se explanou, confirmando-se a sentença recorrida, se julga improcedente a apelação.
Custas pelo A sem prejuízo do apoio judiciário de que goza.