Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3885/08.9TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
CLASSIFICAÇÃO DO SOLO
RAN
PERITO
Data do Acordão: 01/18/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO CÍVEL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTºS 23º, NºS 1 E 5, 25º, Nº 2, E 26º, NºS 1, 2 E 12, DO CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES (LEI Nº 168/99, DE 18/09).
Sumário: I – Sendo indiscutível que o terreno expropriado está integrado em área da Reserva Agrícola Nacional (RAN), fica excluída, em princípio, a sua potencialidade edificativa.

II – A verificação de alguns dos circunstancialismos previstos no artº 25º, nº 2, do CE só constitui prova da aptidão construtiva de determinado solo desde que essa aptidão não seja afastada por lei ou regulamento e que a construção nesse solo se apresente como a sua utilização económica normal ou como o seu aproveitamento económico normal (artºs 23º, nº 1, e 26º, nº 1, do CE).

III – Sendo interdita, por regra, a construção em determinada zona, a utilização económica normal do solo afasta a aptidão construtiva, pelo que não se pode valorizar de acordo com esta aptidão o terreno aí situado.

IV – A utilização económica normal do solo integrado na RAN não é a da construção, sendo esta apenas possível em casos muito específicos.

V – Haverá, todavia, circunstâncias extraordinárias que podem impor a desconsideração das restrições edificativas de determinado solo incluído na RAN, o que ocorrerá, p. ex., se essa inclusão se destinou a facilitar (a baixo custo) expropriações futuras, manipulando-se as regras urbanísticas em prejuízo dos proprietários expropriados.

VI – Assim, tirando as apontadas excepções, não podem ser classificados como aptos para construção, apesar de reunidos os requisitos do nº 2 do artº 25º do CE (99), os solos que integrem a RAN.

VII – Deve entender-se que a norma do artº 26º, nº 12, do CE (99) não pode ser usada, extensiva ou analogicamente, para atribuir aptidão construtiva a solos inseridos na RAN/REN e a consequente valorização pelos critérios estatuídos no nº 12 do artº 26º do CE/99.

VIII – Havendo litígio entre expropriante e expropriados quanto à classificação do solo, não aos peritos dirimi-lo, mas sim, podendo, embora, pronunciar-se quanto à classificação que entendam como correcta, proceder à avaliação do solo prevenindo a possibilidade de o tribunal vir a entender de modo diverso, de modo a habilitar este, também nessa hipótese, a fixar a justa indemnização.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - 1) - No Diário da República n°. 162, de 23/08/2007 (II série), foi publicada a Declaração de Utilidade Pública (extracto) n°. 18937/2007, datada de 16 de Julho de 2007, do Exmo. Sr. Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e Comunicações, através da qual se declarou a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação dos bens imóveis e direitos a eles inerentes, necessários à execução da obra do IC 2-variante sul de Coimbra, abarcando a parcela de terreno designada com o nº 75.01 na planta parcelar, com a área total de 200 m2, a destacar de um prédio com a área de 3030,0 m2, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ... e descrito na Conservatória de Registo Predial sob n.°…, pertencente a A... e a B....

2) - Nos autos de expropriação litigiosa, por utilidade pública, em que é expropriante a “E.P. - Estradas de Portugal, S.A.”, e expropriados A...e marido, B..., por decisão de 29/10/2008, do 2º Juízo Cível de Coimbra, foi adjudicada ao Estado Português a propriedade da referida parcela de terreno. Os árbitros, por unanimidade, em Acórdão de 08 de Agosto de 2008, haviam fixado em € 488,00 (quatrocentos e oitenta e oito euros), o valor da indemnização a atribuir aos expropriados.

3) - Os expropriados interpuseram recurso dessa decisão arbitral para aquele Tribunal, sustentando, em síntese, que:

[…]

4) - Admitido que foi o recurso dos expropriados, veio a entidade expropriante responder a este, alegando, em síntese, que a parcela de terreno expropriada não é solo apto para a construção, tratando-se antes de “solo apto para outros fins”, já que se encontra inserida na Reserva Agrícola Nacional, sem que se verifique algum dos condicionalismos do artigo 26.º do Código das Expropriações.

Terminou defendendo a improcedência do recurso.

5) - Após avaliação, os Senhores Peritos nomeados pelo Tribunal e o nomeado pela expropriante concluíram ser de € 4.942,94 o valor da parcela em causa, tendo o Senhor Perito nomeado pelos expropriados entendido que o valor desta era o de € 6.521,94.

6) - A pedido da Expropriante foram prestados esclarecimentos pelos Sr. Peritos, em 16/9/2009 e em 23/02/2010, tendo estes, nesta última ocasião, mantido os respectivos laudos, já que, embora admitindo que a parcela em questão se encontrava inserida em Zona Florestal e em RAN, entendiam que tal não obstava a que a avaliação se efectuasse com base no nº 12 do artigo 26° do CE.

7) - Expropriados e expropriante apresentaram alegações, nos termos do art.º 64.°, do CE, defendendo esta que se deveria a atribuir aos expropriados a indemnização de € 488,00.

8) - Em sentença de 25/6/2010 (fls. 229 e ss.), o Tribunal “a quo”, julgando parcialmente procedente o recurso dos expropriados, fixou o montante indemnizatório a pagar-lhes no valor de € 5.092,16.

B) - Inconformada com o decidido, a Expropriante recorreu dessa sentença, terminando as alegações da sua Apelação com as seguintes conclusões:

[…]

Terminou requerendo que, dando-se provimento ao recurso, se revogasse a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgasse “procedente o recurso da decisão arbitral da expropriante” (sic)[1].


II - Em face do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3 e 685-Aº, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)[2], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660, n.º 2., “ex vi” do art.º 713, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B35862[3]).
E a questão a solucionar é a de saber se o montante arbitrado na sentença da 1.ª Instância a favor dos expropriados - € 5.092,16 -, corresponde ao valor da justa indemnização que lhes deve ser atribuído pela expropriação em causa, ou se, ao invés, aquele valor deve ser alterado nos termos defendidos pela Apelante.

III - A decisão apelada teve em consideração a seguinte factualidade que considerou provada:

«1.A parcela expropriada é a parcela n.º 75.01, tem a área de 200 m2, confrontar, a Norte e a Sul com o domínio público, a Nascente com a parte restante do prédio e a Poente com a estrada.

2.Trata-se de parcela a destacar do prédio sito em ..., freguesia de ..., concelho de Coimbra, (…).

3.Destina-se à execução da obra do IC2 - variante sul de Coimbra.

4.E foi objecto de Declaração de Utilidade Pública através do Despacho n.º 18937/2007, de 16 de Julho de 2007, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 162, de 23 de Agosto de 2007.

5.Da expropriação não resulta a destruição de qualquer benfeitoria, apenas o corte prematuro de pinheiros que povoam a parcela.

6.A parcela localiza-se a pequena distância do centro da freguesia, em área suburbana com características semi-rurais, numa rua com pouco tráfego.

7.Tem boa qualidade ambiental e está isenta de poluição.

8.À data da DUP, a parcela era servida por acesso rodoviário pavimentado e betuminoso,

9.e por rede de saneamento ligada a estação depuradora municipal.

10.Existem no arruamento redes de abastecimento de água e electricidade a 150 metros a Norte e a Sul da parcela.

11.Na zona envolvente do prédio, nomeadamente na extrema Nascente e na encosta a Poente do lado oposto do arruamento, há construções.

12.A Rua do Bordalo sofreu rectificações e melhorias que induzem a sua integração no tecido urbano da cidade, sendo previsível a sua infra-estruturação total com todas as redes a curto prazo.

13.A parcela a expropriar insere-se em “Zona Florestal”, sendo também abrangida pelo corredor correspondente a “Rede Viária de Importância Nacional Proposta”.

14. A parcela a expropriar é abrangida por área de Reserva Agrícola Nacional.».

IV - Decidindo, dir-se-á:

Sendo de 16/07/2007 a data da declaração de utilidade pública e tendo esta sido publicada no DR de 23/08/2007, a lei aplicável, para efeitos de fixação do valor da indemnização a atribuir pela expropriação em causa, é a vigente nessa ocasião, ou seja, o Código das Expropriações (CE) aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18/09, com as respectivas alterações, designadamente as introduzidas pelas Leis n.ºs 13/2002, de 19/2 e 4-A/2003, de 19/2.

De harmonia com o Art.º 62º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.

Por outro lado, o art.º 1310º do Código Civil (CC) preceitua que «Havendo expropriação por utilidade pública ou particular ou requisição de bens, é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário e aos titulares dos outros direitos reais afectados».

De acordo com o disposto no art.º 1º, do CE, “Os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização nos termos do presente Código.”.

O n.º 1 do art.º 23º do CE dispõe: «A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.».

O nº 5 desse art.º 23º, por sua vez, preceitua: «Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do presente artigo, o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26.º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique, requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor.».

Estabelecendo o art.º 25.º do CE, os critérios para a classificação do solo, para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação, regem os art.ºs 26º e 27º, respectivamente, quanto ao cálculo do valor do solo apto para a construção e quanto ao cálculo do valor do solo apto para outros fins.

Constitui, efectivamente, entendimento jurisprudencial uniforme, que “…o tribunal deve dar preferência ao parecer dos peritos escolhidos pelo tribunal, quer pela competência técnica que lhes é reconhecida, quer pelas melhores garantias de imparcialidade que oferecem ( cf., por ex. Ac. da RP de 27/5/80, C.J. ano V, tomo III, pág.82; Ac RC de 21/5/91, C.J. ano XVI, tomo III, pág.73; Ac RE de 25/6/92, C.J. ano XVII, tomo III, pág.343; Ac RL de 23/5/95, C.J. ano XX, tomo II, pág. 88)”.

Todavia, como se salienta no acórdão desta Relação, de 17/06/2008 (apelação n.º 156/05.6TBPNL.C1), esse entendimento jurisprudencial uniforme não equivale à admissão de uma irrestrita vinculação ao laudo maioritário…”, podendo o tribunal “…introduzir-lhe ajustamentos, fazer correcções, colmatar falhas, ou seguir o laudo ou critérios diferentes, se os tiver por mais justos, de acordo com os elementos probatórios que possuir…”.

Esta divergência com o laudo dos peritos, impor-se-á, por maioria de razão, ainda que haja unanimidade dos mesmos, se o valor encontrado por estes se fundar em critério que o Tribunal entenda desconforme com o estabelecido na lei.

Ora, é esta desconformidade que se surpreende na avaliação levada a cabo pelos Srs. Peritos - embora estes justifiquem o entendimento que seguiram -, pois que todos eles, no cálculo que fizeram do valor da parcela expropriada procederam à avaliação do solo respectivo de acordo com o disposto no n° 12° do art. 26° da Lei n.° 168/99 de 18 de Setembro.

Subsequentemente, a Mma. Juiz do Tribunal de Comarca, na sentença recorrida, perfilhando o valor atribuído no laudo maioritário dos Srs. Peritos do Tribunal e do Sr. Perito da Entidade Expropriante (€ 4.942,94, que depois actualizou para € 5.092,16), explicitou as razões que a levavam a considerar que a inserção da parcela na RAN não postergava a possibilidade de avaliar o respectivo solo como “solo apto para a construção”.

Só que, de facto, estando a parcela em causa inserida na RAN, não se vê que motivos haja que permitam avaliar o respectivo solo como se apto para a construção fosse, ou, de acordo com o preceituado no art.º 26º, nº 12, do CE.

Vejamos. A Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, começou por dizer que, atentas as características que apontou, se verificavam os requisitos exigidos pelo art.º 25º, nº 2, a), do CE[4], para depois salientar que, não obstante isso, haveria que ter em conta que a inserção da parcela em causa na área da RAN, obstaria, em princípio, a que se avaliasse o respectivo terreno como solo apto para a construção.

Subsequentemente, apontou os casos em que, não obstante a inserção na RAN, a jurisprudência tem entendido ser possível classificar o terreno expropriado como solo apto para a construção, dizendo:

«Conforme referido, a jurisprudência tem vindo a admitir esta classificação como apto para construção quando, em determinado prédio, ainda que incluído na RAN, seja autorizada a construção ou quando a expropriação vise a construção.

A primeira excepção explica-se por força das legítimas expectativas que o proprietário do prédio já adquiriu com a autorização administrativa para construir e bem assim por um imperativo de coerência, ou seja, mal se compreenderia que o Estado, na veste de organismo com competência para autorizar uma construção em área de RAN, o permitisse e o mesmo Estado, agora na veste de órgão jurisdicional com competência para avaliar esse mesmo terreno em sede de expropriação, pudesse vir dizer que ali não era admissível a construção, atribuindo uma indemnização ao proprietário baseada neste raciocínio.

A segunda excepção tem na sua base o instituto do abuso de direito, na medida em que seria inadmissível que o Estado pudesse, por um lado, construir num terreno de RAN e, por outro, para efeitos de pagamento de indemnização em processo expropriativo, pudesse classificar o solo como apto para outros fins que não a construção e atribuir um valor inferior ao expropriado.».

Retomando a primeira das apontadas excepções e considerando que nela não caberiam apenas as situações em que o proprietário do prédio já tem uma autorização de construção, mas também aquelas em que este tem uma forte e legítima expectativa de que, requerendo tal autorização, ela lhe seria deferida, passou a Mma. Juiz do Tribunal “a quo” a explicitar os motivos que a levavam enquadrar nesta última situação o caso “sub judice”, dizendo: «…quando o prédio dispõe de saneamento, rede de electricidade e de esgotos e é servido por acesso rodoviário pavimentado e betuminoso, significa que o Estado - seja na qualidade de município, freguesia ou empresa pública com competência na matéria - criou infraestruturas que permitem a fixação de pessoas naquela zona, através da edificação de casas de habitação.

Este comportamento do Estado cria nos proprietários dos prédios situados em tal local a legítima expectativa de ali verem autorizada a construção de casas de habitação.

Retomando a situação dos autos, resulta da matéria de facto provada, por um lado, que a parcela expropriada é servida de acesso rodoviário, pavimentado e betuminoso (facto 8.), de rede de saneamento (facto 9.) e de abastecimento de água e de electricidade (facto 10.), que há construções na imediações (facto 11.) e que e a Rua com que confronta sofreu melhoramentos que prevêem a sua integração no tecido urbano da cidade, e a sua infraestruturação total (facto 12.), ou seja, o Estado criou as infra-estruturas necessárias à edificação de casas de habitação em tal prédio …

(…)

Este comportamento da Administração é susceptível de ter criado nos expropriados a legítima expectativa de que lhes seria autorizada a construção de uma casa de habitação.

Esta legítima expectativa é merecedora de tutela que reputo de equivalente, para efeitos de classificação do solo no âmbito de processo expropriativo, àquela atribuída à existência prévia de autorização de construção ao tempo da declaração de utilidade pública da parcela a expropriar.

Assim, não obstante o terreno estar inserido na RAN, entendo que, por existir uma legítima expectativa de autorização de construção, não deve, sem mais, afastar-se a sua classificação como solo apto para a construção.».

Este entendimento seguido pela Mma. Juiz do Tribunal “a quo” acaba por considerar, embora sem assim dizer, que a circunstância de o terreno expropriado estar inserido em área da RAN é inócua para efeitos de obstar à respectiva avaliação como “solo apto para a construção”, no caso de este estar dotado das infra-estruturas e características previstas na alínea a) do nº 2, do art.º 25º, do CE, muito embora não funde uma tal classificação, directamente, na existência dessas infra-estruturas e características, mas antes na forte expectativa que o Estado, ao implementar tais infra-estruturas necessárias à edificação de casas de habitação, cria no proprietário do terreno no sentido de que viria a ser autorizado a construir aí.

Salvo o devido respeito, afigura-se que um tal entendimento não cabe na correcta interpretação da lei, nem, adiante-se, a factualidade apurada permitiria considerar verificada, “in casu”, a situação que aquele pressupõe existir.

Vejamos.

Em Acórdão desta Relação de 20/04/2004 (Apelação nº 716/04), relatado pelo Exm.º Des. Artur Dias, entendeu-se que a classificação de determinada área de uma parcela expropriada como espaço canal, não obstava a que, embora considerando o respectivo solo como “apto para outros fins”, se avaliasse o mesmo nos termos do nº 2 do artº 26º do CE de 91.

Subjacente a este entendimento estava a consideração de que:

- A classificação da área da parcela expropriada como espaço canal, feita pelo PDM, fora um acto preparatório da expropriação, em que a Assembleia Municipal, sabedora da necessidade daquela área para a obra em causa, logo a reservou para essa finalidade, atribuindo-lhe a correspondente classificação;

- A norma em causa - nº 2 do artº 26º do CE/91 - era aplicável, por analogia, entendimento este que encontrava apoio, para além do mais, na circunstância de, não obstante o legislador do DL 438/91 não ter referido naquela norma os terrenos classificados pelo Plano municipal para infra-estruturas ou equipamentos públicos, ter vindo essa situação a ter consagração expressa no artº 26º, nº 12 do CE, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18/09.

Como se vê, este caso abordado pelo Acórdão de 20/04/2004 trata de situação diversa daquela que a Mma. Juiz do Tribunal “a quo” entendeu configurar-se no presente caso, não se justificando solução semelhante, avultando na distinção do respectivo tratamento, para além do mais, a ausência de reconhecimento do PDM de Coimbra (de 1994), como acto preparatório da expropriação em causa.

Acresce que, no presente caso, não se reconhece que exista prova de parte do circunstancialismo que a Mma. Juiz do Tribunal “a quo” considerou para dar como verificados os requisitos exigidos pelo art.º 25.º, n.º 2, al. a), do CE.

Na verdade, afirmou-se na sentença recorrida: «…a parcela em causa beneficia de acesso rodoviário (facto 8.) e pode considerar-se que é servida de redes de abastecimento de água e electricidade e de saneamento (factos 9. e 10.), pelo que, ao abrigo do artigo 25.º, n.º 2, al. a), deve o solo considerar-se apto para construção».

E já mais acima se havia afirmado nessa sentença: «… resulta da matéria de facto provada, por um lado, que a parcela expropriada é servida de acesso rodoviário, pavimentado e betuminoso (facto 8.), de rede de saneamento (facto 9.) e de abastecimento de água e de electricidade (facto 10.), que há construções na imediações (facto 11.) e que e a Rua com que confronta sofreu melhoramentos que prevêem a sua integração no tecido urbano da cidade, e a sua infraestruturação total…».

Só que, efectivamente, no que concerne ao abastecimento de água e de electricidade e “construções”, o que se deu como provado - em consonância, aliás, com o relatório pericial - foi realidade algo diversa, pois o que se consignou, no que a estes aspectos respeita, na parte da sentença em que se discriminaram os factos provados, foi o seguinte:

8.À data da DUP, a parcela era servida por acesso rodoviário pavimentado e betuminoso,

9.e por rede de saneamento ligada a estação depuradora municipal.

10.Existem no arruamento redes de abastecimento de água e electricidade a 150 metros a Norte e a Sul da parcela.

11.Na zona envolvente do prédio, nomeadamente na extrema Nascente e na encosta a Poente do lado oposto do arruamento, há construções[5].

Assim, além de não nos parecer rigoroso dizer que “há construções na imediações” da parcela em causa, não corresponde à factualidade provada afirmar que a “parcela expropriada é servida…“ “de abastecimento de água e de electricidade”.[6]

Sendo indiscutível que o terreno expropriado está integrado em área da Reserva Agrícola Nacional (RAN), fica excluída, em princípio, a sua potencialidade edificativa.

A verificação de alguns dos circunstancialismos previstos no art.º 25, nº 2, do CE só constituí prova da aptidão construtiva de determinado solo desde que essa aptidão não seja afastada por lei ou regulamento e que a construção nesse solo se apresente como a sua utilização económica normal ou como o seu aproveitamento económico normal (cfr. artºs 23º nº 1 e 26º nº 1, do CE).

Sendo interdita, por regra, a construção em determinada zona, a utilização económica normal do solo afasta a aptidão construtiva, pelo que não se pode valorizar de acordo com esta aptidão o terreno aí situado.

Uma vez que devem ser exclusivamente afectos à agricultura, sendo proibidas todas as acções que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas (art. 8º, nº 1, do DL nº 196/89, de 14/6), designadamente, a construção (exceptuando os caso especiais previstos no art. 9º, nº 1, do referido DL nº 196/89), os solos que façam parte da RAN são destituídos de aptidão construtiva.

Assim, a utilização económica normal do solo integrado na RAN não é a da construção, sendo esta apenas possível em casos muito específicos que não são aqui convocáveis.

Haverá, todavia, como se referiu na sentença recorrida e decorre também do que aqui se expôs, circunstâncias extraordinárias que podem impor a desconsideração das restrições edificativas de determinado solo incluído na RAN, o que ocorrerá, por exemplo, se essa inclusão se destinou, precisamente, a facilitar (a baixo custo) expropriações futuras, manipulando-se as regras urbanísticas em prejuízo dos proprietários expropriados.

Mas, como também se disse já, não é esse caso, ou idêntico, que aqui ocorre, conforme bem se pode constatar da factualidade provada.

A inclusão de determinado terreno na RAN, apresenta-se, assim, em regra, em antinomia com a vocação urbanizável ou/e edificativa própria dos solos aptos para construção, pelo que é de rejeitar classificar como tal o solo da área expropriada, quer essa classificação se funde na verificação das características referidas na alínea a) do nº 2 do art.º 25º do CE, quer se baseie na afirmação do circunstancialismo previsto na alínea b), desse nº 2.

Vale, pois, “mutatis mutandis”, o que, quanto a terreno integrado na REN, se disse no Acórdão desta Relação, de 16/09/2008 (Apelação nº 1793/03.9TBAND.C1)[7]: «Enquanto integrado na REN, não poderá o seu proprietário ter em relação a ele expectativas legalmente fundadas quanto “à sua muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa”. Na verdade, de acordo com o ordenamento jurídico que rege a situação dos terrenos abrangidos pela REN não é possível vir a construir-se neles.».

Assim, tirando as apontadas excepções, em que não se enquadra o caso “sub judice”, não podem ser classificados como aptos para construção, apesar de reunidos os requisitos do nº 2 do art.º 25 do CE (99), os solos que integrem a RAN.

Diga-se, aliás, que esta nossa óptica sobre a classificação do solo de parcela expropriada que se integre na RAN coincide com o entendimento expresso no Acórdão desta Relação de 15/06/2004 (Apelação nº 276/04)[8], aí se podendo ler quanto à falta, no art.º 25º do actual CE, de norma equivalente à do nº 5 do art.º 24º do anterior CE: «…não é pelo facto do actual Código da Expropriações não reproduzir a norma do art. 24 nº5 do CExp./91, que um terreno inserido na RAN ou REN adquire “aptidão edificativa” e como tal deva ser levada em conta para a “ justa indemnização “.

Por isso, apesar do CExp./99 não conter um preceito similar ao revogado art.24 nº5 do CExp./91, deve continuar a aplicar-se a tese nele subjacente (cf., neste sentido, PEDRO ELIAS DA COSTA, Guia das Expropriações por Utilidade Pública, 2ª ed., pág.284).

Assim o impõe a unidade do sistema jurídico, face ao regime jurídico da RAN e da REN, e ao princípio geral contido no art.23 nº1 conjugado com a norma do art.26 nº1 do CExp./99, corroborados pela jurisprudência constitucional.

Com efeito, segundo o princípio geral plasmado no nº 1 do art. 23 do CExp./99, a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data” (sublinhado nosso).».

Nem se defenda que, em todo o caso, sempre seria de aplicar, por interpretação extensiva ou por analogia, o disposto no art.º 26 nº 12, do CE. Quanto a isto dir-se-á, que, não havendo razões para recorrer nem à analogia - pois que lacuna não ocorre -, nem, sequer, à interpretação extensiva, os motivos que acima se explicitaram para que não se entendesse ser de classificar o solo da parcela expropriada como “apto para a construção”, obstariam, “per se”, a que se valorasse o solo em questão de harmonia com o disposto no citado art.º 26 nº 12.

Efectivamente, tal como se considerou no citado Acórdão desta Relação de 15/06/2004, deve entender-se que a norma do art.º 26 nº 12 «… não pode ser usada, extensiva ou analogicamente, para atribuir aptidão construtiva a solos inseridos na RAN/REN e a consequente valorização pelos critérios estatuídos no nº12 do art.26 do CExp./99.

É que nos casos em que um plano municipal de ordenamento do território (art.9º nº2 do DL 48/98 de 11/8) classifica certos solos como zona verde ou de lazer ou os insere em espaços-canais (corredores para a instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos), o expropriado tinha uma justificada expectativa de ver o terreno desafectado destinado à construção, o que não sucede, pelas razões já expostas, a propósito dos terrenos inseridos na RAN/REN (cf., neste sentido, PEDRO ELIAS DA COSTA, lo.cit., pág.286 a 291).».

No caso “sub judice”, à data da DUP (2007), face à inclusão da mesma na área da RAN, havia impedimento jurídico à construção na parcela expropriada,[9] não se podendo concluir da factualidade provada que, nessa ocasião ou mesmo aquando da aprovação do PDM de Coimbra (em 1993, pela Assembleia Municipal)[10], os ora expropriados tivessem uma expectativa razoável de poderem vir a construir nessa parcela.

De facto, independentemente do mais já considerado, tem-se como desprovida de substrato uma expectativa assente na existência de infra-estruturas que, para além de não terem, à data da DUP, a abrangência que lhes atribuiu a Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, eram de todo inexistentes à data da aprovação do PDM, pois mesmo os Srs. Peritos, em 2009, situaram temporalmente a respectiva implementação cerca de dez anos antes[11].

Carece, pois, de sentido, salvo o devido respeito, dizer-se que os expropriados, tinham uma expectativa razoável de poderem vir a construir na parcela alvo da expropriação.

De tudo o exposto resulta que temos para nós como afastada a possibilidade de considerar o solo da parcela em questão como “apto para a construção”, ou de o avaliar como tal, ainda que nos termos do nº 12 do art.º 26º do CE.

Havendo litígio entre expropriante e expropriados quanto à classificação do solo, não cabe aos Srs. Peritos dirimi-lo, mas sim, podendo, embora, pronunciar-se quanto à classificação que entendam como correcta, proceder à avaliação do solo prevenindo a possibilidade de o Tribunal vir a entender de modo diverso, de modo a habilitar este, também nessa hipótese, a fixar a justa indemnização.

A obrigatoriedade da avaliação exigida no art.º 61º, nº 2, do CE, exige que tal diligência tenha o sentido útil de dotar o tribunal de elementos para decidir da justa indemnização a fixar, qualquer que seja a classificação que venha a entender ser de atribuir ao solo do terreno expropriado.

Sucede, todavia, que, no caso “sub judice”, não obstante a expropriante ter defendido sempre que o solo da parcela em causa não poderia ser classificado ou avaliado como “apto para a construção”, face à falta de aptidão edificativa resultante da respectiva inserção na área da RAN, os Srs. Peritos não procederam a avaliação da parcela na perspectiva de o respectivo solo ser considerado como “apto para outros fins”, disso resultando que este Tribunal não está habilitado com elementos que lhe permitam, com base nesse critério, fixar a justa indemnização devida.

Acresce que os expropriados, no recurso da decisão arbitral, alegaram que a expropriação da parcela em causa acarretava uma desvalorização da parcela remanescente correspondente em quantia não inferior a € 2.000, matéria esta sobre a qual os Srs. Peritos também não se pronunciaram.

Não vale o argumento avançado na decisão do Tribunal “a quo” de que sobre essa matéria não haviam sido apresentados quesitos pelos expropriados.

Nas expropriações parciais, sendo inequivocamente invocada a depreciação da parcela sobrante, cabe ao Tribunal, ainda que a esse propósito as partes não apresentem quesitos, diligenciar que os Srs. Peritos se pronunciem quanto a essa matéria, pois que o respectivo conhecimento é essencial à fixação do montante indemnizatório a atribuir aos expropriados (cfr. art.º 578º nº 2 do CPC).

É provável que a parte não expropriada do prédio apresente os mesmos condicionalismos que se apontaram à parcela ora em causa, daí resultando, atento o que quanto a esta se referiu no que concerne à potencialidade edificativa, que a alegada desvalorização se quede, afinal, destituída do fundamento invocado pelos expropriados. Não havendo, porém, elementos que permitam uma conclusão segura sobre essa matéria, entende-se, cautelarmente, que a mesma só deverá ser decidida após a informação que a esse propósito vier a ser fornecida pelos Srs. Peritos no relatório da avaliação complementar que ora se determina.

Cumprirá, pois, com vista a habilitar a fixação da indemnização a atribuir aos expropriados, proceder à avaliação da parcela considerando o solo como “apto para outros fins” e a existência ou a inexistência da invocada desvalorização do terreno sobrante.

O exposto conduz a que se anulem os actos subsequentes à apresentação do relatório pericial (e respectivos esclarecimentos), incluindo, pois, a sentença impugnada, para que, complementando-se a avaliação nos termos ora ordenados, se profira nova decisão que aprecie os resultados dessa diligência pericial à luz do que aqui se decidiu.

Fica, pois, prejudicada, a concreta apreciação do montante indemnizatório arbitrado na sentença recorrida, bem assim como as questões da violação do disposto nos art.ºs 158.°, 668.°, n.° 1, b), do CPC, 20º e 205º da CRP, suscitadas pela Apelante.

V - Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em, anulando os actos subsequentes à apresentação do relatório pericial (e respectivos esclarecimentos), incluindo, pois, a sentença impugnada, determinar que os Srs. Peritos procedam à avaliação da parcela expropriada nos termos acima descritos.

Custas pela parte vencida a final.


Falcão de Magalhães (Relator)
Regina Rosa
Jaime Ferreira


[1] Entende-se, face a tudo o constante do corpo da alegação da Apelação - onde defende, em consonância com aquilo que sustentou ao longo do processo, que a indemnização atribuída pelos Srs. Árbitros à parcela traduz o justo valor da mesma - que a Expropriante pretende pedir que se julgasse “improcedente o recurso da decisão arbitral”, a lapso manifesto se devendo imputar o pedido de procedência do recurso da decisão arbitral, que foi interposto apenas pelos expropriados.
[2] Código este a considerar na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 303/07, de 24/08.
[3] Consultáveis na Internet, através do endereço http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, tal como todos os Acórdãos do STJ ou os respectivos sumários que adiante se citarem sem referência de publicação.
[4] «…Estas características do terreno seriam susceptíveis para considerar, sem mais, que estas infra-estruturas são adequadas para servir as edificações ali a construir e, consequentemente, a declarar o solo como apto para a construção (artigo 25.º, n.º 2, al. a).».
[5] O sublinhado é nosso.
[6] Atente-se nos seguintes quesitos apresentados pela expropriante e respectivas respostas dadas pelos Srs. Peritos: «5. A parcela é servida com redes de abastecimento domiciliário de água, telefone, de distribuição de energia eléctrica e drenagem de esgotos? 
R. Não. A parcela é servida de acesso rodoviário pavimentado a betuminoso, com rede de drenagem de águas residuais domésticas ligada a estação depuradora. 
6. Qual a distância da parcela às infraestruturas acima referidas? 
R. Cerca de 150 metros.».
[7] Acórdão este relatado pelo ora Exmo. Sr. Conselheiro Gregório Silva de Jesus e subscrito pelos aqui Adjuntos, consultável, tal como os restantes arestos desta Relação que vierem a ser citados sem referência de publicação, em “http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/”.
[8] Acórdão desta 3ª Secção, relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador Arcanjo Rodrigues.
[9] Cfr. Acórdão nº 20/2000 do Tribunal Constitucional, de 11/01/2000, (DR, II Série, de 28/04/2000): «…esta posição pode, designadamente, basear-se na circunstância de o expropriado, cujo prédio estava integrado na RAN, não ser titular, anteriormente à expropriação, de expectativas legítimas relativas à potencialidade edificativa do terreno, já que, tendo o prédio integrado naquela Reserva, bem sabia (ou devia saber) que já nele não podia construir.».
[10] O Plano Director Municipal foi aprovado pela Assembleia Municipal de Coimbra em 23 de Novembro de 1993, tendo sido ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 24/94, de 10 de Fevereiro.
[11] Em 17/6/2009, ao quesito da 7º da expropriante que perguntava qual a data de implantação das infra-estruturas anteriormente referidas, responderam os Srs. Peritos: «As infra-estruturas foram instaladas há cerca de 10 anos.».