Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
74/15.0IDVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: ESCOLHA DA PENA
DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
RESPONSABILIDADE
INCUMPRIMENTO
OBRIGAÇÃO FISCAL
RESPONSABILIDADE EMERGENTE DE ILÍCITO PENAL TRIBUTÁRIO
INSOLVÊNCIA
PESSOA COLECTIVA
Data do Acordão: 02/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JC GENÉRICA DE TONDELA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 8.º, 70.º E 71.º DO CP; ART. 3.º DO RGIT
Sumário: I – Através do normativo do art. 70.º do CP, o legislador deixou claro que a pena de prisão deve ser perspectivada como a ultima ratio, à qual só se recorrerá se, de outra forma, não for possível ir ao encontro das finalidades de prevenção geral positiva ou de reintegração e de prevenção especial positiva aludidas no art.º 40.º.

II – Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção, quer de ordem geral – com o objectivo de confirmar os bens jurídicos violados –, quer de ordem especial – tendo em vista gerar condições para a readaptação do agente do crime, de modo a evitar que este volte a violar tais bens –, mas sem se perder de vista a culpa do agente – com atendimento das circunstâncias estranhas à tipicidade –, que a medida da pena tem como base e limite.

III – Não há qualquer incompatibilidade entre a responsabilidade por falta de cumprimento da obrigação tributária e a responsabilidade civil emergente do ilícito penal tributário e que ambas estas obrigações se regem, no que toca aos seus sujeitos passivos, por princípios distintos, no primeiro caso a responsabilidade dos membros dos corpos sociais é subsidiária, no segundo é solidária.

IV – A responsabilidade cível do recorrente [pessoa singular] assume distinta natureza daquela que caberia à arguida pessoa colectiva, e daí que, pese embora a declaração de insolvência desta, deva subsistir.

Decisão Texto Integral:







Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

I. Relatório.

1.1. No âmbito dos autos supra epigrafados, a arguida “A... , Lda.”, e o arguido B... , ambos entretanto já mais identificados, foram acusados pelo Ministério Público pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de abuso de confiança fiscal, p.p.p. art.º 105.º, n.º 1, do Regime Geral da Infracções Tributárias [doravante RGIT], sendo a arguida pessoa colectiva punível por via do disposto no art.º 7.º do mesmo diploma legal.

O Ministério Público, em representação a Fazenda Nacional, formulou Pedido de Indemnização Civil contra tais arguidos, tendo concluído pelo pedido da sua condenação solidária a solverem á Administração Tributária a quantia de € 9.838,33.

1.2. Realizado o julgamento, por sentença de 01.06.2017, foi decidido ao que por ora sobressai:

- Condenar a arguida “ A... , Lda.” pela prática como autora material na forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal, p.p.p. citado art.º 105.º, seus n.ºs 1, 2 e 4 com referência aos art.ºs 6.º, n.º 1 e 7.º, n.º 3, também do RGIT, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 5,00;

- Condenar o arguido B... pela prática de igual crime, na pena de 3 meses de prisão, suspensa contudo na sua execução, pelo período de um ano, mediante a condição de pagamento da quantia apresentada no PIC deduzido, ou seja, de € 9.838,33, quantia acrescida de juros desde o trânsito em jugado da sentença;

- Declarar procedente a excepção de caso julgado relativamente ao PIC formulado pelo Ministério Público contra a demandada A... , Lda. e, consequentemente, absolvê-la no que concerne da instância;

- Condenar o arguido B... a pagar à Fazenda Nacional a quantia de € 9.838,33, a título de indemnização civil decorrente da cobrança de igual valor de IVA, absolvendo-o do restante pedido.

1.3. Inconformado com o assim decidido recorre o arguido, cingindo a impugnação à natureza da pena cominada e à parte cível, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1.ª A pena de prisão efectiva é a ultima ratio na punição dos crimes, nos termos do art.º 70.º do Código Penal e na esteira do princípio da necessidade consagrado no art.º 18.º, n.º 2, da Constituição da República.

2.ª Sendo in casu desproporcional a aplicação ao recorrente de uma pena de prisão efectiva. Tal pena quebrará a sua actual integração social e os vínculos pessoais e profissionais que o ligam à sociedade, à sua família.

3.ª O critério de escolha da pena encontra-se consagrado no aludido art.º 70.º, pelo qual se afere que sempre que ao crime for aplicável em alternativa pena privativa da liberdade e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda quando esta realizar de forma adequada as finalidades da punição definidas no art.º 40.º do Código Penal.

4.ª O crime por cuja prática o arguido foi condenado é punível com pena de prisão ou multa, pelo que não resultando do mesmo qualquer circunstância comum ou especial que imponha um desvalor na sua conduta, o tribunal na escolha da pena devia ter dado preferência à pena de multa em detrimento da pena de prisão.

5.ª Não militando nenhuma circunstância agravante em desfavor do arguido e estando este inserido socialmente, o tribunal devia dar preferência a uma pena não privativa da liberdade.

6.ª A pena privativa da liberdade deve ser a ultima ratio a aplicar ao arguido se outra não privativa da liberdade, não satisfazer as exigências de prevenção geral e especial e de punição.

7.ª Não o fazendo o tribunal a quo violou o estatuído pelo mencionado art.º 70.º, pois aí se exige a opção pela pena não detentiva quando suficiente para a realização das finalidades da punição que, nos termos do art.º 40.º do mesmo diploma substantivo, são a protecção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente.

8.ª Devendo, nos termos do art.º 71.º do Código Penal, valorar-se todas as circunstâncias atenuantes e agravantes. No caso a pena de prisão não é a única que cumpre com as finalidades da punição.

9.ª A pena aplicada ao recorrente na decisão recorrida mostra-se manifestamente desproporcionada aos factos dados como provados e ao grau de culpabilidade do arguido; desajustada e inadequada, atento o montante do imposto em falta (cerca de € 9.000,00), muito perto do limiar a partir do qual a sua não entrega nos termos legalmente consagrados pode passar a integrar a prática de um crime (€ 7.500,00).

10.ª Bem como às circunstâncias de o arguido ter colaborado com o Tribunal para a descoberta da verdade; se ter mostrado arrependido e haver confessado os factos, livremente e sem reservas.

11.ª Na filosofia subjacente ao sistema punitivo do Código Penal, apesar de se aceitar a pena de prisão como pena principal para os crimes de menor gravidade, afirma-se claramente que o recurso às penas privativas de liberdade só serão legítimas quando dadas as circunstâncias, se não mostrem adequadas as sanções não detentivas.

As penas de prisão apenas devem ter aplicação quando todas as restantes medidas se revelem inadequadas, face às necessidades de reparação e de prevenção.

Necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável em face da violação do bem jurídico fundamental

12.ª Apesar de na página 17 da sentença recorrida o Mmo. Juiz a quo colocar adequadamente a questão do ponto de vista jurídico, depois decide mal. Com efeito, escreve: “ (…) ou seja ter-se-á que formar para escolher a pena não privativa de liberdade um juízo de prognose favorável que esta por si fará com que o arguido, no futuro, se abstenha da prática de ilícitos criminais de idêntica natureza, sendo que tal juízo de prognose só será possível atendendo aos factos concretos do caso. (…) Ora perante os factos concretos o tribunal não poderá deixar de optar pela pena de prisão, ante a gravidade para o estado social da conduta.”.

O tribunal a quo fala nos factos concretos deste caso, para justificar a aplicação da pena de prisão… Todavia, sem nunca os dizer ou mencionar… porque pura e simplesmente não existem…

Ora a douta sentença, nem diz, nem refere, que casos concretos são esses que justificam a aplicação da pena de prisão em detrimento da pena de multa.

Pura e simplesmente porque não existem.

Existem sim, todos os factos, elementos conducentes á aplicação da pena de multa. Vejamos:

- O diminuto valor do imposto em dívida: muito perto do limite que é criminalizado.

- Pouca intensidade do dolo: o arguido actuou em estado de necessidade, para pagar aos funcionários.

- O arguido confessou.

- O arguido não tem antecedentes criminais de igual natureza.

13.ª Nem só a justificação pelo estado social, que o Sr. Juiz a quo tem em muita conta, justifica a aplicação da pena de prisão no caso concreto.

14.ª A sentença recorrida é manifestamente contrária á lei e jurisprudência dominante: NO MESMO DIA E HORA, NO PROCESSO 2460/14.3 IDPRT, DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DO PORTO -JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE MATOSINHOS – J3, PROCESSO EM QUE NÓS TAMBÉM TIVEMOS INTERVENÇÃO, NA DEFESA DE UM DOS ARGUÍDOS, foi lida sentença, por um crime de igual natureza, em que era acusado D... , Lda., e o seu gerente e arguido E... , onde mostrando-se o imposto de IVA em dívida ao Estado em cerca de € 70.000,00, o arguido acabou condenado numa pena de multa de 150 dias de multa, á taxa diária de € 5.00.

15.ª Tendo a arguida, devedora principal, sido declarada insolvente por sentença de 23.03.2016, já transitada em julgado, e tendo ali sido reclamado pelo Ministério Público o imposto aqui em causa, tal obsta a que o mesmo volte a ser reclamado nestes autos, devendo a instância cível ser julga extinta por inutilidade superveniente da lide. Efectivamente, a finalidade do processo de insolvência é orientado no sentido de que todos os credores do mesmo devedor exerçam os seus direitos no âmbito de um único processo em condições de igualdade não dispondo nenhum credor de quaisquer privilégios ou garantias para além dos que sejam reconhecidos pelo direito de insolvência e nos precisos termos em que este o reconhece – Ac. R.C. 16.12.2015, e, no mesmo sentido, Acórdão Uniformizador de fixação de jurisprudência (AUJ) n.º 1/2014 In DR. de 25.02.2014, onde se refere:

“Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos da al. e) do artigo 287.º do CPC.”

Posição também sufraga pelo tribunal constitucional, através do acórdão n.º 46/2014 in DR-II de 21.02.2014, que considerou “não ser inconstitucional a interpretação normativa de acordo com a qual transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, impondo-se decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos da al e) do artigo 287.º do C.P.Civil.”

Terminou pedindo que de acordo com o alegado seja a sentença recorrida parcialmente revogada e, em consequência a) se substitua a pena detentiva aplicada por uma pena não detentiva de multa; b) se declare a extinção da instância cível instaurada, por inutilidade superveniente da lide.

1.4. Ao recurso respondeu o Ministério Púbico, sufragando o improvimento respectivo fundado na seguinte ordem de conclusões:

1.ª No que concerne às exigências de prevenção especial, ligadas ao objectivo da reinserção social do ora arguido, há que ponderar de modo particular que o arguido/recorrente possui antecedentes criminais, nomeadamente julgado e condenado no âmbito do processo comum singular n.º 110/10.6 GCTND, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 7,00, o que perfaz a quantia de € 420,00, pela pratica do crime de ofensa á integridade física simples, por fatos praticados em 17.03.2010, cuja decisão foi proferida em 05.03.2013 e transitada em julgado em 08.03.2013; e condenado no âmbito do processo comum singular n.º 360/09.8 GCTND, na pena de 2 anos de prisão, substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade, pela prática do crime de furto qualificado, cuja decisão foi proferida em 08.02.2011, tendo transitado em julgado em 26.03.2012, conforme consta do Certificado do registo criminal junto a fls. 152 a 155, dos autos.

2.ª Entende o Ministério Público que, atento o crime em causa, aos antecedentes criminais do arguido/recorrente, a pena aplicada, mostra-se adequada e proporcional, bem como, só assim se alcança a finalidade da punição.

3.ª Tendo por base os critérios de determinação da medida concreta da pena legalmente consagrados, entendemos que face à pena aplicada ao recorrente/arguido, o tribunal a quo interpretou de forma totalmente correcta os critérios plasmados no Código Penal, bem como os princípios inerentes aos fins das penas que norteiam o nosso ordenamento jurídico-penal.

4.ª Não foram violadas quaisquer normas legais, nomeadamente, os art.ºs 40.º; 70.º e 71.º, do Código Penal.

1.5. Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito foram os autos remetidos a este Tribunal.

1.6. Aqui, aquando do momento a quer se refere o art.º 416.º do Código de Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer conducente á manutenção do decidido.

1.7. Acatado o disposto no subsequente art.º 417.º, n.º 2, o arguido não apresentou resposta.

1.8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.


*

II – Fundamentação.

2.1. Delimitação do objecto do recurso.

De harmonia com o disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

No caso em apreço as questões suscitadas traduzem-se em averiguarmos i) se a pena a cominar ao recorrente deve ser antes uma pena não detentiva; e, ii) se quanto a si urge declarar a extinção da instância cível, por inutilidade superveniente da lide.

2.2. A decisão recorrida.

No que concerne à matéria de facto ficou a constar da sentença recorrida:

Realizado o julgamento resultaram os seguintes:

Factos provados:

1. A sociedade arguida “ A... , Lda.”, é uma sociedade por quotas que tem como objecto a “avicultura, criação de frangos para abate e prestação de serviços relacionados com a actividade, comercialização de derivados de madeira e afins” com o CAE 001479 - avicultura, e enquadrada para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, no regime normal, com periodicidade trimestral.

2. Estava, pois, obrigada a liquidar IVA nas facturas ou vendas a dinheiro que emitia e a entregá-lo nos cofres do Estado, após a realização do apuramento.

3. O arguido B... era o gerente da sociedade, incumbindo-lhe a gestão dos pagamentos aos credores, nomeadamente o pagamento de impostos devidos ao Estado.

4. A sociedade arguida procedeu ao apuramento, preenchimento e entrega à Direcção de Serviços de Cobrança do IVA, da declaração periódica relativa ao quarto trimestre de 2014 (2014/12T), o que efectuou no dia 05.02.2015.

5. Em tal declaração a arguida declarou dever ao Estado, em relação ao período em causa, o montante total de € 9.838,33 (nove mil oitocentos trinta oito euros e trinta três cêntimos), sem no entanto fazer acompanhar as referidas declarações do respectivo meio de pagamento, o que não fez também até ao presente momento.

6. Assim, dos documentos juntos pelos arguidos constata-se que da relação das facturas emitidas no período de 2014/12T, o que perfaz o montante declarado pelo sujeito passivo na declaração periódica subjacente de € 51.385,34 + € 11.818,63 = € 63.203,97, assumindo a qualidade de factura-recibo.

7. A factura recibo só pode ser utilizada quando a operação seja “a dinheiro”, ou seja, quando a data da emissão da factura coincidir com a data do pagamento da mesma.

8. Dos elementos documentais consultados e constantes dos autos resulta que:

 Da factura recibo 2014/44 datada de 15.10.2014 consta como data de vencimento 15.10.2014 e como condição de pagamento “pronto pagamento”.

 Da factura recibo 2014/45 datada de 28.10.2014 consta como data de vencimento 28.10.2014 e como condição de pagamento “pronto pagamento”.

 Da factura recibo 2014/46 datada de 01.12.2014 consta como data de vencimento 01.12.2014 e como condição de pagamento “pronto pagamento”.

 Da factura recibo 2014/47 datada de 01.12.2014 consta como data de vencimento 01.12.2014 e como condição de pagamento “pronto pagamento”.

 Da factura recibo 2014/48 datada de 06.12.2014 consta como data de vencimento 06.12.2014 e como condição de pagamento “pronto pagamento”.

 Da factura recibo 2014/49 datada de 15.12.2014 consta como data de vencimento 15.12.2014 e como condição de pagamento “pronto pagamento”.

 Da factura recibo 2014/50 datada de 18.12.2014 consta como data de vencimento 18.12.2014 e como condição de pagamento “pronto pagamento”.

 Da factura recibo 2014/51 datada de 26.12.2014 consta como data de vencimento 26.12.2014 e como condição de pagamento “pronto pagamento”.

 Da factura recibo 2014/52 datada de 31.12.2014 consta como data de vencimento 31.12.2014 e como condição de pagamento “pronto pagamento”.

9. O que evidencia o recebimento dos valores aí consignados aquando da emissão da factura correspondente.

10. Desta forma, verifica-se que a sociedade “ A... , Lda.”, recebeu a totalidade dos valores facturados/reflectidos a clientes, pelo que tinha na sua posse, na data de entrega da declaração periódica de IVA, meios para efectuar o pagamento do valor apurado a entregar ao Estado tendo optado por não o fazer.

11. A arguida não efectuou os pagamentos ao Estado nesse prazo nem nos 90 dias posteriores, tendo feito de tais importâncias coisa sua, que despendeu na sua actividade.

12. A arguida foi notificada para efectuar o pagamento dos montantes em divida de IVA nos valores globais, acrescido dos respectivos juros e valor mínimo da coima aplicável pela falta de pagamento daquelas no prazo de 30 dias, o quem determinaria a extinção da responsabilidade criminal, sendo que, tal notificação foi feita nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 4, alínea b), do R.G.I.T,

13. Os arguidos não efectuaram os pagamentos acima descriminados, antes tendo optado por utilizar tais meios líquidos gerados, na actividade comercial da sociedade, obtendo desse modo vantagens patrimoniais indevidas.

14. Isto não obstante terem perfeito conhecimento da existência das dívidas ao Estado e da obrigação legal da sua entrega ao credor tributário.

15. Ficaram assim os arguidos com tais meios líquidos recebidos dos clientes, integrando-os no seu património.

16. Actuando o arguido B... no seu próprio interesse e no da sociedade “ A... , Lda.”, de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que lesavam os interesses da Fazenda Nacional.

Além da acusação provou-se que:

17. O arguido B... foi condenado na pena de x dias pela prática de um crime de ofensas à integridade física.

18. Um crime de furto qualificado.

19. As quantias supra referidas foram reclamadas no processo de insolvência – fls. 216 e seguintes.

20. A sociedade foi declarada insolvente por apresentação.

21. O arguido não ficou, para si com qualquer quantia decorrente das transacções comerciais, supra referidas.

22. O arguido vive sozinho numa casa propriedade da mãe, de comodato.

23. O arguido aufere a quantia de € 495,00, a título se salário como apanhador de aves.

24. Despende a quantia de € 50,00 para deslocações para o trabalho.

25. No período em causa o arguido usou os valores recebidos para pagar aos trabalhadores e fornecedores, a quem devia, a sociedade, há vários meses.

Factos não provados:

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

Fundamentação da decisão a matéria de facto:

Para formar a sua convicção o tribunal fundou-se no conjunto das provas produzidas em audiência de discussão e julgamento, conjugadas com as regras da experiência comum a saber:

Quanto aos valores em dívidas nas certidões emitidas pela autoridade tributária, nas quais constam os valores em causa e os períodos a que dizem respeito, sendo que as mesma foram elaboradas com base nos elementos declarados pelo arguido e sociedade, que processava as facturas, nas notificação de fls. 11-12; na declaração periódica de fls. 13; Certidão de fls. 14; Certidão de divida de fls. 15-16; Documentos de fls. 17-18; Notificação

de fls. 21-22; Documentos de fls. 27 a 49; Facturas de fls. 50 a 71 de onde resultam não só a gerência da Sociedade bem como os valores que efectivamente recebeu as notificações para os pagamentos supra referidos.

Tais documentos não foram colocados em crise pelos arguidos.

Tais elementos foram conjugados com as declarações do arguido B... que confessou integralmente e sem reservas que a sociedade havia recebido as quantias em causa e que na posse das mesmas procedeu ao pagamento a credores, nomeadamente trabalhadores, uma vez que a actividade era deficitária do ponto de vista económico.

Tais declarações foram corroboradas pela testemunha C..., Técnico superior jurista, que á data da inspecção se encontrava afecto ao Núcleo de Investigação Criminal da Direcção de Finanças de Viseu, que relatou o que pode presenciar dos documentos, bem como o significado dos mesmos, e que elaborou o parecer de fls. 142 a 150.

Quanto aos factos relativos aos antecedentes criminais no CRC de fls. 152 a 155 e 160.

Quanto aos factos relativos à insolvência da arguida A... , Lda. nos documentos referidos, fls. 216 e seguintes.

Quanto às condições económicas e sociais nas declarações do arguido B... que na falta de outras terão se ser valoradas positivamente.

2.3. Apreciando.

2.3.1. O arguido/recorrente, sem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto nem o respectivo enquadramento jurídico, começa por questionar a opção pela pena de prisão que lhe foi aplicada, dizendo que a mesma viola os princípios da proporcionalidade e da adequação face às concretas circunstâncias e ao disposto nos art.ºs 40.º e 70.º, ambos do Código Penal.

O crime pelo qual o arguido vem condenado, é abstractamente punível com pena de prisão até 3 (três) anos ou com pena de multa até 360 (trezentos e sessenta) dias.

Na medida em que neste tipo legal de crime se admite a aplicação, em alternativa, das duas penas principais – a pena de prisão e a pena de multa – o primeiro passo a dar pelo julgador consiste, efectivamente, na escolha do tipo de pena.

Para esse efeito, deverá atender-se ao disposto no art.º 40.º do Código Penal, que estabelece que a aplicação de penas ou medidas de segurança tem como finalidade a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Este preceito indica-nos que o escopo que subjaz à aplicação da pena se reconduz, por um lado, a reforçar a confiança da comunidade na norma violada e, por outro lado, à ressocialização do delinquente.

Quanto ao critério de escolha da pena a utilizar, dispõe o já citado art.º 70.º: «Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». Através deste normativo o legislador deixou claro que a pena de prisão deve ser perspectivada como a ultima ratio, à qual só se recorrerá se, de outra forma, não for possível ir ao encontro das finalidades de prevenção geral positiva ou de reintegração e de prevenção especial positiva aludidas no aludido art.º 40.º.

Delineadas tais linhas orientadoras essenciais, cumpre aquilatar se, no caso vertente, as exigências de prevenção geral e especial encontram resposta adequada na aplicação da pena de multa como pretende o recorrente.

O Mmo. Juiz a quo optou, pela pena de prisão, como se infere de fls. 17 da sentença recorrida (correspondente a fls. 264 dos autos) por ter considerado que “perante os factos concretos o tribunal” não poderia “deixar de optar pela pena de prisão, ante a gravidade para o Estado Social da conduta.” 

Mostra-se fora de dúvida que quando está em causa crime da natureza do cometido pelo recorrente, sobressaem as razões de prevenção geral porque necessário se torna assegurar a tutela das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada, essencial para o cumprimento do Estado Social mais justo que a sociedade prossegue em alcançar e para cujo desiderato as participações das contribuições em causa são um elemento importante. Por outro lado, cabe também, desde logo, atentar nas necessidades de prevenção especial, que, no caso entroncam na condenação anterior do arguido pela prática de um crime de ofensas à integridade física e de um outro de furto qualificado.

Ora, neste quadro, contráriamente à opção da 1.ª instância, propendemos a considerar que ainda se justificava a opção por uma pena não detentiva. Na verdade, e pese embora a mencionada importância da prevenção geral [referiu, v.g. o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 20-01-2005, disponível em www.dgsi.pt: “I - Relativamente aos crimes fiscais, as exigências de prevenção geral não só se continuam a fazer sentir, como são, quase sempre, mais intensas. Ao menos na sua vertente de intimidação e dissuasão, por variadas razões, entre as quais a de promoção dos valores económico-sociais, ligadas à estrutura axiológica-constitucional que preside aos valores eleitos pela Constituição, no âmbito dos direitos fundamentais de carácter social e económico.

II - Daí que a pena, sempre submetida, como no direito penal geral, ao princípio fundamental da culpa, deva “contribuir para a transformação necessária das representações e da consciência comunitária face a actividades antieconómicas”, e o Tribunal da Relação do Porto em aresto de 22.04.2015, disponível em www.dgsi.pt, “salientamos que o atual contexto económico-financeiro público tem vindo a importar um alarme social crescente ao longo dos últimos anos, sobre o fenómeno da evasão fiscal, estando profundamente enraizada na comunidade forte convicção sobre a imperativa necessidade de perseguir eficaz e severamente os autores de condutas subtractivas do erário público. Tal comportamento colide com a ideia de captação das receitas fiscais devidas nos termos da Lei Tributária. Enfim, o dever fundamental de estar sujeito a tributação como paradigma da igualdade na repartição de encargos e no apoio financeiro às funções público sociais que incumbem ao Estado é absolutamente basilar.], não pode em todo o caso desprezar-se a proporção que urge acautelar entre a conduta de um agente pequeno relapso como o foi o arguido, que se apoderou de verbas com valor próximo do limiar mínimo susceptível de transmudar a acção de crime para mera contra-ordenação, e os grande incumpridores hoje e cada vez mais o alvo da verdadeira desaprovação social. Por outro lado, e isto na vertente da prevenção especial, apesar das duas condenações anteriores sofridas pelo arguido, condenações reportadas a ilícitos de distintas natureza entre si e relativamente ao crime agora em causa e que, não devendo ser olvidadas, todavia não denotam insensibilidade relevante às advertências que elas transportam, susceptíveis de justificar a opção por uma pena de prisão.

Daí que proceda a pretensão do recorrente impondo-se, subsequente e necessariamente, então, graduar agora a pena de multa.

Em consonância com o estipulado no n.º 1 do art.º 71.º, do Código Penal, a medida da pena é determinada, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o art.º 40.º, n.º 2, do mesmo Código.

Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (art.º 71.º, n.º 2, do Código Penal).

Dito por outras palavras, na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção, quer de ordem geral – com o objectivo de confirmar os bens jurídicos violados –, quer de ordem especial – tendo em vista gerar condições para a readaptação do agente do crime, de modo a evitar que este volte a violar tais bens –, mas sem se perder de vista a culpa do agente – com atendimento das circunstâncias estranhas à tipicidade –, que a medida da pena tem como base e limite.

Como se disse, a finalidade essencial da aplicação da pena, para além da prevenção especial – encarada como a necessidade de socialização do agente, no sentido de o preparar para no futuro não cometer outros crimes – reside na prevenção geral, o que significa que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto, alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada. É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma “moldura” de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas – até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica. Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas. Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado.

No caso vertente, importa, desde logo, referir, as propaladas necessidades de prevenção geral e especial; a diminuta ilicitude dos factos face ao valor subtraído; também a atitude assumida pelo arguido em audiência, confessando os factos; as suas condições económicas e sociais simples; a circunstância de haver utilizado as verbas retidas em pagamento a fornecedores e trabalhadores que, não excluindo a sua responsabilidade é certo, em todo o caso não demonstram o intuito defraudatório simples a mais das vezes associado a tal tipo de actuação.

Tudo conjugado, tem-se por ajustado, adequado e proporcionado fixar o quantum de pena em 90 dias de multa, à taxa diária de € 10,00.

2.3.2. Segundo segmento de irresignação do recorrente com a decisão recorrida o que se reporta à instância cível, cuja extinção por inutilidade superveniente reclama. Fundamento aduzido o de que a arguida, devedora principal, foi declarada insolvente por sentença de 23.03.2016, já transitada em julgado, donde que tendo ali sido reclamado pelo Ministério Público o imposto aqui em causa, tal obsta a que o mesmo volte a ser reclamado como sucede; com efeito, prossegue, sendo o processo de insolvência orientado no sentido de que todos os credores do mesmo devedor exerçam os seus direitos no âmbito de um único processo em condições de igualdade, não dispõe nenhum credor de quaisquer privilégios ou garantias para além dos que sejam reconhecidos pelo direito de insolvência e nos precisos termos em que este o reconhece. Em suporte da sua argumentação chama à colação o expendido no Acórdão Uniformizador de fixação de jurisprudência (AUJ) n.º 1/2014, in DR. de 25.02.2014, e também no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 46/2014, in DR-II de 21.02.2014.

Não colhe o expendido que olvida a natureza da obrigação cujo cumprimento se pede na instância cível.

Escreveu-se em aresto desta Relação que acompanharemos [proferido no âmbito do recurso n.º 2082/06.2 TDLSB.C1], ser entendimento de Germano Marques da Silva: «Alguma doutrina e jurisprudência separam em absoluto a responsabilidade pelo crime da responsabilidade pela prestação tributária e consideram arredada a responsabilidade civil pela indemnização dos danos emergentes do crime, no entendimento de que o crime não causa danos indemnizáveis já que a obrigação tributária e o inerente dever de prestar existem independentemente da prática do crime e a falta de cumprimento da obrigação acarretaria tão-só responsabilidade tributária pelo incumprimento da obrigação, reguladas pelas leis tributárias. Não nos parece que seja assim.

Entendemos que não há qualquer incompatibilidade entre a responsabilidade por falta de cumprimento da obrigação tributária e a responsabilidade civil emergente do ilícito penal tributário e que ambas estas obrigações se regem, no que toca aos seus sujeitos passivos por princípios distintos, no primeiro caso a responsabilidade dos membros dos corpos sociais é subsidiária, no segundo é solidária.

(…)

Como referimos já, alguma jurisprudência é no sentido de que o incumprimento da obrigação tributária se rege exclusivamente pela Lei Geral Tributária com exclusão de quaisquer outras normas ou responsáveis não previstos naquela Lei.

Se assim fosse teríamos uma ruptura na ordem jurídica, excluindo a responsabilidade civil por facto ilícito doloso causador de danos. Não nos parece que a Lei Geral Tributária exclua essa responsabilidade, limitando o disposto no Código Penal e Civil.

(...)

O art.º 3.º do RGIT dispõe que «são aplicáveis subsidiariamente: a) quanto aos crimes e seu processamento, as disposições do Código Penal, do Código de Processo Penal e respectiva legislação complementar; b) quanto à responsabilidade civil, as disposições do Código Civil e legislação complementar.

Acresce que o art.º 8.º do Código Penal atribui a esse diploma o carácter de diploma subsidiariamente aplicável aos factos puníveis pela legislação especial, salvo disposição em contrário, sendo comum o entendimento de que são subsidiariamente aplicáveis todas as normas da parte geral do Código Penal que não forem contrárias ao RGIT. Entre essas normas encontra-se a do art.º 129.º que dispõe sobre «a indemnização por perdas e danos emergentes de crime» e é essa indemnização que «é regulada pela lei civil».

Somos, assim, levados a concluir que, quer por força do disposto no art.º 8.º do Código Penal, quer por força do disposto no art.º 3.º do RGIT, são aplicáveis aos crimes tributários as normas da parte geral do Código Penal e por isso também o seu art.º 129.º, salvo disposição em contrário do RGIT. E conterá o RGIT disposição em contrário?

Parece-nos que não. O art.º 9.º do RGIT dispõe que «o cumprimento da sanção penal não exonera do pagamento da prestação tributária devida e acréscimos legais». Significa que a lei considera que do crime tributário não emerge outro dano porque a prestação tributária em dívida se mantém independentemente do facto criminoso, sendo objecto de regulamentação especial? Dá prática do crime para além das consequências de natureza criminal, não emerge outro efeito que não a manutenção da dívida do imposto que a prática do crime pretendeu frustrar?

Não cremos que seja assim. O valor do dano causado à administração tributária corresponde, em regra, ao valor da prestação tributária em falta, mas a causa do dano é outra, é a prática do crime. Nem o RGIT nem a LGT afastam a regra geral constante dos arts. 483.º a 498.º do Código Civil, aplicáveis por remissão do art.º 129.º do Código Penal, porque aqueles diplomas nunca se referem aos danos emergentes do crime, salvo, por remissão, quando o art.º 3.º, al. c) do RGIT manda aplicar subsidiariamente as disposições do Código Civil.

A unidade e coerência do sistema impõem que se distinga a responsabilidade pelo pagamento do imposto (responsabilidade tributária), sendo então aplicável a legislação tributária, nomeadamente a Lei Geral Tributária, e a responsabilidade emergente do crime, consequência civil resultante da prática do ilícito criminal causador de dano à administração tributária ou à administração da segurança social.

(…)

A disposição legal (art.º 9.º do RGIT) … nada tem que ver com a questão que nos ocupa, ou seja, com a responsabilidade pelos danos emergentes do crime. Significa tão-só que o crime tributário não implica novação objectiva ou subjectiva da dívida tributária. A dívida tributária existe e mantém-se independentemente da prática do crime tributário, mas se o crime causar danos os seus agentes são responsáveis pela indemnização dos danos dele emergentes nos termos gerais» - [cfr. “Direito Penal Tributário – Sobre as Responsabilidades das Sociedades e dos seus Administradores Conexas com o Crime Tributário”, Universidade Católica Editora, 2009, pág. 118 e ss.].

Defende, pois, o Autor que «se o crime não é o facto gerador da dívida de imposto (da prestação tributária não paga) pode ser a causa do não pagamento e nessa medida é causa do dano para a administração tributária», podendo, assim, a indemnização pelos danos causados pelo crime, em regra correspondente à dívida de imposto e juros moratórios, ser pedida no processo-crime nos termos dos artigos 71º e ss. do CPP – [cf. ob. cit., págs. 120-183.].

No mesmo sentido se pronuncia Paulo Pinto de Albuquerque quando refere: «A acção cível é também autónoma em relação à satisfação do crédito tributário. Assim, a responsabilidade civil derivada da apropriação das quantias devidas e não entregues à segurança social, que integram a prática do crime de abuso de confiança contra a segurança social, tem como fundamento a prática desse facto ilícito e não o incumprimento da correspondente obrigação contributiva” – [cfr. “Comentário do Código de Processo Penal”, 4.ª edição, Universidade Católica Editora, pág. 231].

Ou seja, in casu, a responsabilidade cível do recorrente assume distinta natureza daquela que caberia à arguida pessoa colectiva, e daí que, pese embora a declaração de insolvência desta, deva subsistir.

E nem se diga que nesta perspectiva se pode vir a possibilitar um duplo ressarcimento da administração fiscal que além da indemnização que aqui se fixar, ainda pode ver reconhecido o seu crédito reclamado na insolvência ser aí pago. Naturalmente que isso não sucederá pois que constatado um pagamento, o devedor relapso oporá na sede que for devida a excepção de cumprimento da obrigação.

Justifica-se, então, a manutenção da decretada responsabilização cível do arguido.


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III- Decisão.

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, no mais mantendo o decidido, condena-se o arguido na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), ou seja, na multa global de € 900,00 (novecentos euros), pena a que correspondem, em alternativa, 60 (sessenta) dias de prisão subsidiária.

Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 (três) UC a taxa de justiça devida (sem prejuízo de eventual concessão de apoio judiciário e/ou de legal isenção) – cfr. art.ºs 513.º, n.ºs 1 a 3, do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9 e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.


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Coimbra, 28 de Fevereiro de 2018

Brizida Martins (relator)

Orlando Gonçalves (adjunto)