Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
257/18.0T8LMG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO E RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE
PRAZOS DE CADUCIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE DE TAIS PRAZOS
Data do Acordão: 05/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE LAMEGO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 1817º DO C. CIVIL.
Sumário: I- Os prazos de caducidade do direito de instaurar ação de investigação e reconhecimento direito paternidade estabelecidos, quer no nº. 1, quer no nº. 3, do artº. 1817º do CC (na atual redação dada pelo Lei nº. 14/2009, de 01/04) não padecem de qualquer inconstitucionalidade material.

II- Prazos esses que se mostram estabelecidos de forma razoável e proporcionada, permitindo a compatibilização/convivência entre, por um lado, o direito à identidade pessoal, o direito de constituir família e próprio direito de personalidade do investigante e, por outro, o direito à reserva da vida privada do investigado e dos seus familiares, e os interesses, de ordem pública, da certeza e estabilidade das relações jurídicas.

III- No nº. 1 do artº. 1817º do CC estabelece-se um prazo geral/regra (baseado num critério objetivo) de caducidade do direito de ação; já, por sua vez, no seu nº. 3 estabelece-se um prazo especial (baseado num critério subjetivo) de caducidade.

IV – Assim, enquanto no nº. 1 do artº. 1817 do CC se estabelece um prazo regra, segundo o qual a ação deve ser proposta (sob pena de caducidade do direito de ação) durante a menoridade do investigante ou nos 10 anos posteriores à sua maioridade ou emancipação, já no nº. 3 se estabelece (especialmente) que a ação ainda pode ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos factos aí enunciados, mesmo que já tenha decorrido aquele prazo geral/regra.

V- Da conjugação de tais dispositivos, resulta, assim, que o prazo de três anos referido no nº. 3 se conta para além do prazo geral/regra fixado no nº. 1 do artigo 1817º do CC, não caducando o direito de proposição da ação antes de esgotados todos eles. Isto é, mesmo que já tenham decorrido dez anos a partir da maioridade ou emancipação do investigante, a ação é ainda exercitável dentro do prazo fixado no nº. 3; e, inversamente, a ultrapassagem deste prazo não obsta à instauração da ação, se ainda não tiver decorrido o prazo geral contado a partir da maioridade ou emancipação daquele.

VI- Enquanto que no que concerne ao referido prazo geral (nº. 1) é sobre o réu que impende o ónus de alegação e prova (como facto extintivo do direito – de ação – do A.) do decurso do mesmo aquando instauração da ação, já, porém, é sobre o autor/investigante que compete alegar e provar (como contra-exceção àquele prazo) não só os factos ou circunstâncias contemplados no citado nº. 3 do artº. 1817º do CC que justificam a investigação, como também de que só deles tomou conhecimento dentro do prazo de três anos que antecedeu a propositura da ação, isto é, é a ele que incumbe alegar e provar os factos ou circunstâncias previstas no nº. 3 do artº. 1817º que (como contra-exceção) justificam, dado o seu caráter decisivo ou de essencialidade, o desencadear da ação, depois de ter decorrido o prazo geral de dez anos após ter sido atingida a sua maioridade ou emancipação, e que só deles só tomou conhecimento dentro dos três anos que precederam a instauração da ação.

Decisão Texto Integral:



Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. No Juízo de Família e Menores de Lamego do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, o autor, M..., instaurou (em 27/02/2018) contra o réu, S..., ambos melhor identificados nos autos, a presente ação, com forma de processo comum, de investigação e reconhecimento de paternidade.

Para o efeito, alegou, em síntese, o seguinte:

Ter nascido em 13/06/1957, na freguesia de ..., tendo sido registado apenas como filho de F..., no estado de solteira e residente no Lugar de ..., não constando do mesmo assento de nascimento o nome do pai.

No ano de 1954, e quando tinha apenas 17 anos de idade, a sua mãe foi trabalhar para quinta que os pais do R. exploravam e onde o último também trabalhava.

A mãe do autor e o réu passavam então muito tempo juntos, surgindo uma relação de proximidade entre ambos, tomando-se de amores um pelo outro.

Nessa sequência de tal, o R. aproveitando-se da fragilidade e inexperiência da mãe do autor (que era então virgem) conseguiu seduzi-la, de modo a convencê-la a consentir em ter relações sexuais com ele.

A partir daí o R. e a mãe do A. passaram a ter regulamente relações sexuais, de cópula completa, como se casados fossem, e que levaram à conceção e nascimento do autor.

Nunca até então, e nomeadamente nos primeiros 120 dias dos 300 que precederem o nascimento do A., a sua mãe manteve relações sexuais com outrem, a não ser com o R..

Como o réu, não pretendia assumir qualquer tipo de compromisso com ela -, ameaçando-a para não contar a ninguém que era ele o pai -, a mãe do autor ocultou a gravidez e nunca contou a ninguém sobre a paternidade do autor, que nunca soube, por isso, quem era o seu pai.

A mãe do autor acabou por falecer sem nunca lhe dizer quem era o seu pai.

Porém, só há cerca de sete meses o autor veio a ter conhecimento de que o réu era o seu pai, através de uma conversa com pessoas da referida freguesia de ..., que ali tinham visto a mãe do autor a trabalhar e lhe disseram que o réu era o seu pai e que era isso que constava, devido à proximidade que sempre se viu entre os dois antes do seu nascimento. Versão essa que depois veio a ser confirmada por um irmão do R., o qual, na sequência de um conversa que com ele manteve, afirmou ser seu tio, pois que o R. era seu pai, como o mesmo sempre soube.

No entanto, o réu nunca aceitou falar com o autor para esclarecer a veracidade ou não de tais factos, o que o levou a instaurar a presente ação.

Pelo que terminou o A. pedindo que, por via de decisão judicial a proferir nesta ação, seja estabelecida a sua filiação paterna, declarando-se que o R. é seu pai, ou, seja, que o A. é filho dele, devendo, consequentemente, condenar-se o R. a reconhecê-lo, ordenando-se ainda, e em consequência, que essa paternidade/filiação seja averbada no seu respetivo assento de nascimento.

2. Na sua contestação, o réu defendeu-se, por impugnação e por exceção.

No que concerne a primeira defesa contraditou, na sua essencialidade, os factos alegados pelo A., negando que ser o pai dele.

No que que concerne à segunda defesa, invocou a caducidade do direito (de ação) do autor.

Para tanto, e em síntese, alegou que, nos termos do disposto no artº. 1817º, nº. 1, ex vi artº. 1873º, do CC, dispunha o A. do prazo de dez anos, após atingir a sua maioridade, para instaurar a presente ação de investigação de paternidade.

Acontece, que, tendo o autor nascido em 13/06/1957, já decorreram mais de 42 anos sobre a data em que atingiu a sua maioridade – tendo o mesmo inclusive conhecimento, pelo menos há mais de 40 anos, do envolvimento do réu com a sua mãe, e portanto, sempre também, e de qualquer modo, há muito mais de 7 meses que teve conhecimento das circunstâncias alegadas que o levaram considerar o réu como seu pai -, e daí ter já caducado o seu direito (de ação).

Pelo que, em qualquer circunstância, terminou pedindo a improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido.

3. Respondeu o autor alegando e reafirmando que, não obstante terem decorrido mais de 10 anos sobre a data em que atingiu a maioridade, só teve conhecimento de que o réu seria o seu pai, e das circunstância por si alegadas na petição inicial que o levaram a esse seu conhecimento, no verão anterior à data da instauração de ação, ou seja, cerca de 7 meses antes de a mesma ter sido proposta, pelo que o fez dentro do dentro do prazo estatuído no nº. 3 do artº. 1817º do CC (sendo, aliás, de qualquer modo, inconstitucional a estipulação do prazo consagrado no nº. 1 do citado artº. 1817º ).

E daí ter concluído pela improcedência da exceção de caducidade do seu direito (de ação) invocada pelo R..

4. Na audiência prévia a sra. juíza a quo - depois de para o efeito ter obtido a concordância dos ilustres mandatários das partes – decidiu (por entender nisso ser proferível, até porque haveria que suportar, desde logo, custos elevados com a realização do necessário exame pericial) conhecer em primeiro lugar da matéria relativa à aludida exceção de caducidade, e só depois – no caso de a mesmo vir a ser julgada improcedente –, conhecer do fundo/mérito da causa (ordenando então o prosseguimento dos autos para esse efeito).

Desse modo, designou audiência para inquirição das testemunhas arroladas para a discussão da matéria factual sobre a aludida exceção de caducidade, a qual decorreu no dia 03/12/2018, com a gravação dos depoimentos nela prestados.

5. Realizada tal audiência, a sra. juiza a quo proferiu sentença, no final da qual, julgando procedente a aludida execeção de caducidade invocada pelo R., decidiu nos seguintes termos:

« Pelo exposto e por se entender não ter logrado o Autor, conforme lhe competia, demonstrar que não tinha conhecimento prévio da identidade do pretenso pai até à data em que alega ter ocorrido tal conhecimento, sem identificar as pessoas de quem ouviu a tal “conversa” e tendo o irmão do Réu negado a confirmação que o Autor lhe atribui, considero procedente a exceção perentória da caducidade invocada pelo Réu e, em consequência, absolvo o Réu do pedido, determinando o oportuno arquivamento dos autos.) »

6. Inconformada com tal decisão, dela apelou o autor, tendo concluído as respetivas alegações de recurso nos seguintes termos:

...

7. O réu contra-alegou, concluindo as suas contra-alegações nos seguintes termos:

...

8. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


II- Fundamentação

1. Do objeto do recurso.

1. Questão prévia.

Quando impugne a decisão da matéria de facto, o recorrente deve obrigatoriamente especificar/indicar, sob pena de rejeição, (artº. 640º, nº. 1, CPC) “os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” (al. a)) e quais “os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b)) – cujo sentido deve indicar (al. c)) -, sendo que, no caso de os meios probatórios terem sido gravados, lhe incumbe ainda, “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº. 2 al. a) ).

No nº. 1 do citado normativo (als. a), b), e c), estabelece-se, pois, um ónus primário (que se traduz no dever de delimitação e de fundamentação da impugnação da decisão da matéria de facto) e no nº. 2 al. a) desse mesmo normativo um ónus secundário (traduzido no dever da exata indicação as passagens da gravação em que se funda o recurso, quando os meios probatórios invocados como fundamento no erro na apreciação da prova tenham sido gravados).

Muto embora o A./apelante refira, tout court, que a decisão proferida é contrária à prova produzida em audiência de julgamento e que a análise da prova levada a efeito pelo tribunal não traduz fielmente as declarações das testemunhas, fá-lo, todavia, de forma genérica e ambígua, sem que tenha cumprido os ónus atrás referidos, e mais concretamente sem que tenha especificado os concretos pontos de facto por si considerados incorretamente julgados e o sentido que, no seu entender, deverá ser proferida a decisão sobre eles, sendo certo ainda que no que concerne aos meios probatórios, igualmente, de forma genérica e vaga, refere as testemunhas ... (omitindo, em relação a esta, por completo, qualquer referencia à passagem do seu depoimento gravado), pelo que se efetivamente foi a intenção do A. impugnar a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal a quo (e não estamos certos/seguros que o tenha sido, cfr. nomeadamente o teor das conclusões 3ª, 6ª e 8ª, e do próprio corpo das alegações que as precedem de fls. 774/775 e ss.), então, por inobservância daquele citado normativo legal, rejeitaremos tal impugnação dessa decisão de facto.

Aliás, sempre diremos ainda, de forma perfunctória, que mesmo que se admitisse tal impugnação, ela estaria sempre votada ao fracasso, pois que – tendo mesmo chegado a ouvir a sua gravação, e cujo teor se descreve, na sua essencialidade, na sentença com acentuada fidelidade –, e até pela contraditoriedade que muito dos depoimentos prestados em audiência apresentam, persistiria, em nós, a dúvida sobre a realidade desses factos, e particularmente quanto à essência daqueles alegados pelo A., para além dos que constam como provados na decisão da matéria de facto.

1.2 Posto isto, é sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Ora, calcorreando as conclusões das alegações (e contra-alegações) do recurso, verifica-se que as questões que se nos impõe aqui apreciar e decidir são as seguintes:

a) Da nulidade da sentença;

b) Da caducidade do direito (de ação) do autor;

c) Da (in)constitucionalidade (do(s) prazo(s) de caducidade;

2. Pelo tribunal a quo foram dados como provados os seguintes factos:

...

3. Quanto à 1ª. questão.

Da nulidade da sentença.

Invoca o A./apelante a nulidade da sentença por violação do disposto no artº. 615º, nº. 1, als. b) e c), do CPC.

Compulsando as alegações/conclusões de recurso extrai-se (embora, salvo sempre o devido respeito, mais um vez de forma não muito clara) que o apelante aduz como causa de nulidade (da sentença) prevista na al. b) do nº. 1 do citado artº. 615º do CPC, a circunstância de os factos dados como provados pelo tribunal a quo não serem suficientes para a tomada da decisão proferida, ou seja, da matéria de facto não “ser adequada a permitir ao Tribunal a quo concluir pela procedência da exceção peremptória da caducidade” (cfr. fls. 76 do corpo das alegações onde tal figura mais explicitado); já como causa do vício de nulidade previsto na al. c) do nº. 1. daquele mesmo preceito legal, alega serem a matéria de facto dada como provada e decisão proferida contraditórias “pois ao não se verificar provado que o Autor tenha tido conhecimento em data anterior à alegada pelo mesmo (…), ou seja, que o mesmo sabia há mais de três anos antes da propositura da propositura da ação, nunca se poderia julgar procedente a excepção peremptória de caducidade.” (cfr. fls. 76 do corpo das alegações e conclusão 10ª.).

Apreciando.

Como é sabido, as nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas no artº. 615º CPC e têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da sentença, também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.

A exigência de fundamentação das decisões judiciais é imposta pelo artº. 205º, nº. 1 da CRP e decorre ainda do direito a um processo equitativo, consagrado no artº. 6º, § 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tal como tem sido entendido pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, reportando-se também ao processo civil.

Conforme orientação jurisprudencial e doutrinária, que vem sendo pacificamente aceite, para a nulidade do artº. 615º, nº. 1, al. b) do CPC só releva a falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito, e já não a fundamentação deficiente, medíocre ou errada, que apenas afeta o valor doutrinal da sentença.

Por sua vez, o vício de nulidade da sentença previsto na al. c) daquele mesmo normativo - (fundamentos em oposição com a decisão, e tendo em conta a causa que o apelante invoca no caso) verifica-se quando os fundamentos de facto e/ou de direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão. Trata-se, pois, de um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão, de tal modo que esta deveria seguir um resultado diverso. Porém, esta nulidade não abrange, como atrás já se referiu, o erro de julgamento, seja de facto ou de direito, designadamente a não conformidade da sentença com o direito substantivo.

Assim, e por outras palavras, só ocorrerá essa causa de nulidade quando a construção da sentença é viciosa, isto é, quando «os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto» (cfr. o prof. Alb. dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 141”). Ou melhor ainda, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma conclusão oposta à que logicamente deveria ter extraído.

Ora, como decorre do que atrás se deixou exarado, em qualquer um dos casos, o apelante, na realidade, sustenta a nulidade da sentença que invoca em alegados erros de julgamento (quer de facto, quer, sobretudo, de direito), defendendo que a matéria factual nunca poderia conduzido à decisão que julgou procedente a exceção de caducidade, mas exatamente a decisão contrária, ou seja, à improcedência dessa exceção.

E sendo assim, tanto basta para sejulgar improcedente a invocada nulidade da sentença.

De qualquer modo, sempre se dirá que calcorreando a sentença a mesma se encontra minimamente fundamentada (quer em termos de facto, quer em termos de direito), encontrando-se essa fundamentação num discurso lógico que conduziu à decisão final. Se essa decisão está ou não correta em termos do direito substantivo a aplicar, isso já são “contas de outro rosário”, e que se irão apurar mais adiante.

Pelo que por aí também sempre improcederia a invocada nulidade.

4. Quanto à 2ª. questão.

Da caducidade do direito (de ação) do autor.

O autor instaurou a presente ação de investigação (e reconhecimento) de paternidade contra o réu, nos termos e com os fundamentos que acima se deixaram exarados, pretendendo através dela ver o réu reconhecido como seu pai.

Naquilo que para aqui mais releva, alegou ter só tomado conhecimento da identidade do seu pai, isto é, de que o réu era seu pai, cerca de sete meses antes da interposição da presente acção (no verão anterior), depois de uma conversa com umas pessoas da freguesia de ... (que lhe deram conta do envolvimento amoroso havido entre a sua mãe e o réu e do que a esse propósito constava no povo), e bem assim de outra conversa que teve com um irmão do réu, que lhe afirmou ser seu tio e o réu seu pai.

O réu na sua defesa por exceção invocou a caducidade do direito (de ação) do autor, aduzindo para o efeito que quando instaurou a presente ação já há muito tinha decorrido o prazo legal estatuído para tal, quer porque já tinham então há decorrido mais de 10 anos sobre a data em que atingiu a maioridade (nº. 1. do artº. 1817º do CC), quer mesmo porque já tinham então igualmente decorrido mais de três anos sobre a data em que tomou conhecimento das circunstâncias que o levaram a considerar o réu como seu pai (nº. 3 desse mesmo preceito legal); fundamento este que, na sua resposta, o autor contestou, reafirmando o já antes alegado de só ter tomado conhecimento dessas circunstâncias cerca de 7 meses antes da instauração da ação.

Nas circunstâncias que acima se deixaram exaradas (nº. 4 do Relatório), a sra. a juíza a quo conheceu da aludida exceção de caducidade invocada pelo R., julgando-a procedente, e absolveu o mesmo do pedido, decisão essa que, como dela se extrai, fundamentou no facto de, por um lado, o A. ter instaurado a ação, depois já terem decorrido mais de 10 anos sobre a data em que atingiu a maioridade, e, por outro, não ter logrado provar que o seu conhecimento sobre as circunstâncias factuais que o levaram a considerar o réu como seu pai ocorreu dentro dos três anos anteriores à propositura da ação.

Foi por discordar dessa decisão (nos termos que constam das suas conclusões de recurso, acima transcritas) que o A. interpôs o presente recurso que nos foi submetido a apreciação.

Importa, pois, apreciar e decidir se o direito (de ação) do A. se encontra ou não caducado.

Como se viu estamos perante uma ação de investigação (e reconhecimento) de paternidade, regendo-se nessa matéria da caducidade pelo disposto no artº. 1817º do CC (na atual redação que lhe foi dada pela lei nº. 14/2009, de 01/04) ex vi artº. 1873º do mesmo diploma.

Naquilo que para aqui mais importa, relembremos o que reza tal normativo:

“ 1. A acção de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.

(…)

3. A acção pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos:

(…)

b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no nº 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe.

c) Em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação.

4. No caso referido na alínea b) do número anterior, incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento nos três anos anteriores à propositura da acção.

Ressalta, desde logo, de tal preceito legal que nos seus nºs. 1. e 3. se contemplam, respetivamente, um prazo geral e um prazo especial durante os quais o investigante pode propor a ação de investigação de paternidade.

Assim, enquanto no nº. 1 se estabelece um prazo regra, segundo o qual a ação deve ser proposta (sob pena de caducidade do direito de ação) durante a menoridade do investigante ou nos 10 anos posteriores à sua maioridade ou emancipação, já no n.º 3 se estabelece (especialmente) que a ação ainda pode ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos factos aí enunciados, mesmo que já tenha decorrido aquele prazo geral.

Da conjugação de tais dispositivos, e como constitui hoje entendimento claramente dominante, resulta que o prazo de três anos referido no nº. 3 se conta para além do prazo fixado no nº. 1 do artigo 1817º do CC, não caducando o direito de proposição da ação antes de esgotados todos eles. Isto é, mesmo que já tenham decorrido dez anos a partir da maioridade ou emancipação, a ação é ainda exercitável dentro do prazo fixado no nº. 3; e inversamente, a ultrapassagem deste prazo não obsta à instauração da ação, se ainda não tiver decorrido o prazo geral contado a partir da maioridade ou emancipação (cfr., por todos, Ac. do STJ de 02/02/2017, proc. 200/11.8TBFN.C2.S1, relatado pelo seu atual presidente, disponível em www.dgsi.pt).

Sendo igualmente pacífico que no que concerne ao referido prazo geral (nº. 1) é sobre o réu que impende o ónus de alegação e prova de que (como facto extintivo do direito – de ação – do A.) o mesmo já tinha decorrido quando foi instaurada a ação (artº. 342º, nº. 2, e 343º, nº. 2, do CC), já, porém, vem suscitando controvérsia saber sobre quem impende esse ónus no que concerne ao prazo especial previsto no nº. 3 daquele preceito legal).

A esse propósito três correntes de opinião têm surgido.

Uma defendendo que esse ónus impende sobre o R. (cfr., por todos, Ac. da RC de 17/10/2017, relatado pela desemb. Sílvia Pires, proc. 850/14.0TBCBR, disponível em www.dgsi.pt).

Outra defendendo que sobre o autor impende o ónus de demonstrar/provar a existência do facto ou circunstância contemplados no citado nº. 3. que justificam a instauração da investigação, enquanto que sobre o réu impende, por sua vez, o ónus de alegar e provar que o autor teve conhecimento desse facto ou circunstância há mais de três anos antes da propositura da ação (cfr., por todos, Ac. do STJ de 03/10/2017, proc. 737/13.4TBMDL.C1.S1, relatado pelo cons. Pinto de Almeida, disponível em www.dgsi.pt).

Uma terceira – que é aquela que, tanto quanto nos apercebemos, vem constituindo atualmente corrente dominante no nosso mais alto Tribunal e do próprio Tribunal Constitucional - defendendo que esse ónus impende integralmente sobre o A./investigante, ou seja, de que é ao autor que compete alegar e provar não só os factos ou circunstâncias contemplados no citado nº. 3 que justificam a investigação, como também de que só deles tomou conhecimento dentro do prazo de três anos que antecedeu a propositura da ação, isto é, é a ele que incumbe alegar e provar os factos ou circunstâncias previstas no nº. 3 do artº. 1817 que justificam, dado o seu carácer decisivo ou de essencialidade, o desencadear da ação, depois de ter decorrido o prazo de dez anos após ter sido atingida a sua maioridade ou emancipação, e que só deles só tomou conhecimento dentro dos três anos que precederam a instauração da ação (cfr., por todos, Ac. do STJ de 13/03/2018, proc. 2947/12.2TBVLG.P1.S1, relatado pelo cons. Alexandre Reis; Ac. do STJ de 09/03/2017, proc. 759/14.8TBSTB.E1.S1, relatado pelo cons. Lopes do Rego; Ac. do STJ de 28/05/2015, proc. 2615/11.2TBBCL.G2.S1, relatado pelo cons. Abrantes Geraldes, e Ac. do STJ. de 04/05//2017, proc. 2886/12.7TBBCL.G1.S1, relatado pelo cons. Tavares de Paiva; todos disponíveis em www.dgsi.pt., e Ac. do TC, tirado em Plenário, nº. 401/2011, de 22/09/2011, e Ac. TC. n.º 486/2004, que se nos afiguram apontarem nesse sentido).

Embora reconhecendo que a questão não seja de resposta fácil (o que é demonstrado pela controvérsia que se instalou sobre o temática, conforme deixámos assinalado), aderimos à última (a terceira) daquelas correntes de opinião, por se nos afigurar ser aquela que mais se mostra em conformidade com a leitura, natureza, estruturação e razão de ser do normativo em causa e ainda com as regras vigentes que disciplinam entre nós as a repartição do ónus de prova.

Concretizando o porquê.

No sistema português, o ónus da prova reveste um caráter marcadamente objetivo, que só por via reflexa atinge a atividade probatória das partes, a regra do ónus da prova reconduz-se a uma regra de decisão. Na dúvida, o juiz resolverá o non liquet num liquet desfavorável à parte que tem o ónus (cfr. artº. 342º do CC).

Sendo indubitável que a caducidade é um facto extintivo do direito que o autor pretende fazer valer, a verdade é que, de acordo com aquela que se julga ser a melhor doutrina, a classificação dos factos jurídicos como constitutivos ou extintivos/impeditivos do direito não tem um valor absoluto, antes dependendo, em cada caso concreto, da função que o facto desempenha no mecanismo do processo, atenta a posição das partes e o efeito jurídico que cada uma delas pretende obter (cfr. o prof. Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 282; e Rosenberg citado pelo prof. Antunes Varela, in “ R.L.J, ano 117º. pág. 30”).

É, pois, a essa luz, que deverá ser interpretado o prazo de caducidade consagrado nas normas dos nºs. 1. e 3. do artº. 1817º do CC (no qual o legislador estabeleceu um prazo próprio de caducidade para o direito de instaurar ações de investigação de maternidade/paternidade).

É claro - e como já resulta do supra expandido - que enquanto no nº. 1 desse preceito legal se estabelece, através de um critério objetivo dos factos, um prazo geral de caducidade (para o direito de o investigante de instaurar ação de investigação de maternidade/paternidade), já no seu nº. 3 se consagra, assente num critério de subjetivo dos factos, um prazo  especial de caducidade.

Neste particular - como se escreveu no último dos arestos do STJ acima citado, e na linha do pensamento daquela corrente de opinião a que aderimosvem-se entendendo, face à forma como está estruturado o normativo em análise e aos efeitos deles decorrentes, que é sobre o investigante que recai o ónus de alegar os factos positivos que, uma vez demonstrados, permitam aferir se foram esses mesmos factos, tardiamente conhecidos, que possibilitaram e justificaram que a investigação apenas fosse levada a cabo nesse momento e não antes.

No fundo, será a alegação e prova dos factos previstas no referido nº. 3 daquele preceito legal que colocará o investigante a coberto da previsão legal de que se pretende prevalecer com vista a exercer o seu direito para além do prazo geral de que disporia para esse efeito.

Factos que devem, assim, ser entendidos como constitutivos da contra-exceção de caducidade enunciada na previsão das alíneas b) e c) do nº. 3 do artigo 1817º do CC, precisamente por alongarem o prazo geral de dez anos contado a partir da maioridade ou da emancipação previsto no nº. 1 do referido normativo. Ou seja, os factos ali previstos configuram uma contra-exceção à exceção de caducidade prevista no nº. 1 daquele preceito legal.

Dito de outro modo, competindo ao réu alegar e provar a caducidade relativa ao escoamento do prazo-regra de dez anos para a propositura da ação (artºs. 342º, nº. 2, e 343º, nº. 2, do CC), já será sobre o investigante que recai o ónus de alegar e provar os factos da contra-exceção, isto é, de demonstrar que, não obstante aquele prazo geral estar esgotado, beneficia de uma das situações enunciadas no nº. 3 do citado preceito legal que lhe permitem ainda, desse modo, e por via delas, estar a tempo de propor a ação de investigação de paternidade (o que, sem essa alegação e prova, lhe estaria vedado).

Solução essa que, para além de decorrer das regras vigentes acerca da distribuição do ónus da prova, é aquela que se mostra mais consentânea com a ratio da previsão legal, que visa, como constitui communis opinio, conciliar, num justo equilíbrio, o interesse do investigante em ver estabelecido o vínculo da filiação e em conhecer a sua paternidade biológica enquanto emanação do direito à sua identidade pessoal, o interesse do investigado (e da sua família mais próxima) em ser protegido de demandas respeitantes a factos da sua vida íntima ocorridos há já muito tempo, bem como ainda o interesse público da certeza e da estabilidade das relações jurídicas.

São justamente os interesses da certeza e da estabilidade das relações jurídicas que a caducidade, enquanto figura extintiva de direitos, pelo seu não exercício em determinado prazo, procura satisfazer, impulsionando os titulares dos direitos em jogo a exercê-los num espaço de tempo considerado razoável, sob a cominação da sua extinção (veja-se, neste sentido, o acima citado o acórdão do Tribunal Constitucional nº. 401/2011).

Refira-se, aliás, que, ao ter salientado a possibilidade de previsão constitucional de uma “cláusula geral de salvaguarda”, que permitisse a propositura da ação para além do prazo “normal”, o Tribunal Constitucional sublinhou que, para tanto, seria necessário que o autor cumprisse o ónus de alegar e provar factos que tornassem a propositura tardia da ação desculpável, apontando, portanto, para a solução acima exposta no que concerne à distribuição do ónus da prova (veja-se, neste sentido, o Acórdão nº. 486/2004 acima igualmente referido).

Do exposto, é-se levado, pois, à conclusão de que o autor/investigante só poderá beneficiar do prazo especial consignado no nº. 3 do artº. 1817º do CC se alegar e provar que obteve o conhecimento superveniente (isto é, depois de transcorrido aquele prazo geral de 10 anos consagrado nº. 1 desse preceito, e dentro do prazo de 3 anos após esse seu conhecimento) de factos ou circunstâncias ali previstos que possibilitam ou justificam a investigação a que se propõe, por via deles, levar a efeito através da ação (a instaurar sempre dentro desse prazo de tês anos).

Aqui chegados, e reportando-nos ao caso em apreço, facilmente, a nosso ver, e perante a singeleza da matéria factual acima descrita como apurada, se conclui que o autor não logrou sequer provar, como lhe competia, nenhum dos factos (cujo conhecimento superveniente alegou, com exceção do facto inserto no ponto 2., o qual só por si se mostra de todo inócuo/irrelevante para o efeito) que lhe permitiam beneficiar do prazo (especial) previsto no nº. 3 do artº. 1817º, ex vi artº. 1873º, do CC, e assim possibilitar e justificar a investigação do réu como seu pretenso pai através instauração da presente ação.

Desse modo, e dado que, como deflui dos factos apurados, quando o autor instaurou a presente ação já há muito tinha decorrido o prazo legal (geral) de 10 anos (estatuído para o efeito no nº. 1 do artº. 1817º do CC) sobre a data em que atingiu a maioridade (e mais precisamente 42 anos sobre essa sua maioridade), encontra-se, assim, extinto, por caducidade, o seu direito de instaurar a presente ação.

5. Para evitar tal, e com isso estamos a responder à 3ª. questão acima enunciada, tudo depende da resposta à questão de saber se aquele prazo de caducidade consagrado no do artº. 1817º, nº. 1, do CC se mostra ou não conforme a nossa Constituição, isto é, se é ou não constitucional.

Trata-se de uma questão que tem merecido alguma controvérsia entre nós.

Há uma corrente de opinião que vem defendendo essa inconstitucionalidade, argumentando para tal, em síntese, que tal prazo limitador estabelecido nesse normativo ao investigante para propor a ação de investigação de paternidade consubstancia uma restrição excessiva ou desproporcionada ao direito fundamental à identidade pessoal (artº. 26º, nº. 1, da CRPort), ao direito de constituir família (artº. 36º, nº. 1, da CRPort.) e até ao próprio direito geral de personalidade do investigante (artº. 70º do CC), em conjugação com o princípio geral constitucional, de proteção dos direitos, liberdades garantias, consagrado no artº. 18º, nº. 2, da nossa Lei Fundamental. Nesse sentido, e aderindo a essa corrente, cfr. o Ac. do STJ de 06/11/2018, proc. 1885/16.4T8MTR.E-S2; o Ac. do STJ de 31/01/2017, proc. 440/12.2TBBCL.G1.S1, ambos do mesmo relator e ambos com 1 voto de vencido, e o Ac. do STJ de 15/02/2018, proc. 2344/15.8T8BCL.G1.S2, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

E outra corrente de opinião - atualmente claramente dominante no nosso mais alto tribunal e que aí se vem impondo -, defendendo a constitucionalidade do referido normativo, ou seja, de que as limitações impostas pelo legislador ordinário no nº. 1 (e bem como no nº. 3) do citado artº. 1817º (aqui aplicável ex vi artº. 1873º) se mostram compatíveis com aqueles direitos, e bem como, inclusive, com os princípios da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e com a jurisprudência que, a esse propósito, vem sendo proferido pelo TEDH. Nesse sentido, e aderindo a essa corrente, cfr., entre outros, o Ac. do STJ de 05/06/2018, proc.65/14.8T8FAF.G1.S1; o Ac. do STJ de 13/03/2018, proc. 2947/12.2TBVLG.P1.S1; o Ac. do STJ de 03/10/2017, proc. 737/13.4TBMDL.C1.S1; o Ac. do STJ. de 04/05/2017, proc. 2886/12.7TBBCL.G1.S1; o Ac. do STJ de 09/03/2017, proc. 759/14.8TBSTB.E1.S1 e o Ac. do STJ de 28/05/2015, proc. 2615/11.2TBBCL.G2.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Corrente essa que, em breve, síntese, podemos dizer que assenta na seguinte argumentação (seguindo de perto a linha de pensamento do Ac do STJ de 13/03/2018, atrás citado):

Sendo indiscutível que, encerrando a identidade pessoal o conjunto de atributos e características que permitem individualizar cada pessoa na sociedade, o «estabelecimento da paternidade insere-se no acervo dos direitos pessoalíssimos, entre os quais, o de conhecer e de ver reconhecida a verdade biológica da filiação, a ascendência e marca genética de cada pessoa» e que, por isso, o direito de investigar a verdadeira ascendência biológica, por permitir aceder a uma informação conformadora da identidade própria e da personalidade singular de cada indivíduo, é um direito fundamental com «protecção constitucional, como vertente que é, do direito à integridade moral, à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade (artºs. 16º, 18º, 25º, nº. 1, e 26º da CRP) ».

Contudo, tal direito, sendo fundamental, não é absoluto e, por isso, não está o legislador ordinário impedido de modelar ou condicionar o respetivo exercício, para assegurar outros interesses ou valores que com ele colidam e também constitucionalmente tutelados, mediante a sua harmonização, a qual sempre implicará o sacrifício, total ou parcial, de um ou mais valores em conflito.

Da fundamentalidade de tal direito não decorre, necessariamente, que se mostre injustificado qualquer condicionamento ou limite temporal para o exercício desse direito e que, por isso, o legislador ordinário não possa restringir o assentamento da filiação/identidade pessoal, através de prazos de caducidade, por razões que legitimam o incentivo ao exercício, o mais cedo possível, do direito tendente estabelecer a paternidade biológica. Trata-se de valores, em geral, conexos com o interesse da certeza e estabilidade das relações jurídicas, em que se salienta, desde logo, o interesse de ordem pública em que se esclareça e estabilize o mais cedo possível o estatuto jurídico da filiação com todos os seus efeitos (designadamente o dos impedimentos matrimoniais). Este interesse também se projeta na segurança do investigado e dos membros da sua família, para os quais a ação de investigação, surgida demasiados anos após a procriação, é suscetível de gerar sérias perturbações do direito à reserva da vida privada.

Portanto, corresponde a uma opção razoável do legislador ordinário a regulamentação do exercício do direito do filho ao reconhecimento da paternidade, em função de outros interesses que no caso também concorrem, pelo estabelecimento do prazo regra de dez anos para a propositura da ação de investigação de paternidade, contado da maioridade ou emancipação do investigante, contido na norma do artigo 1817º nº. 1 do CC (aplicável por força do artigo 1873º do mesmo diploma), na acima referida redação dada pela Lei nº. 14/2009.

Mas mesmo que já tenham decorrido dez anos a partir da maioridade ou emancipação do investigante, a ação de reconhecimento da filiação é ainda exercitável dentro dos prazos previstos nos nºs. 2. e 3. do referido artº. 1817º, os quais, sendo prazos especiais de caducidade, funcionam como que cláusulas de salvaguarda à intervenção do dito prazo-regra da caducidade/exceção, assegurando ao investigante ainda a possibilidade de proceder, em prazo razoável e proporcional, à investigação da paternidade, sempre que tome de conhecimento de factos supervenientes (ocorridos já depois da sua maioridade ou emancipação) que possibilitem e justifiquem essa investigação. O que significa que o prazo caducidade de 10 anos estatuído no nº. 1 de tal preceito legal não é um prazo fechado.

Corrente esta (última), à qual aderimos.

Desde logo, porque por se nos afigurar, salvo sempre o devido respeito, assente em argumentos mais sólidos e convincentes – como cremos transparecer daquilo se acabou de deixar expandido -, do que aquela primeira, que, no fundo, acaba por defender que as ações de investigação de paternidade não estão sujeitas a qualquer prazo de caducidade, isto é, que são imprescritíveis à luz daqueles sobredito direitos constitucionais que lhe subjazem (vg. direito à identidade pessoal e direito de constituir família). Ora, a nosso ver, tal não é imposto, nem direta nem mesmo indiretamente, pela nossa Constituição, pois que tratando-se, sem dúvida, de relevantíssimos direitos fundamentais, não, são, todavia, e como atrás se viu, direitos absolutos, pois que concorrem ou estão conexos com outros direitos ou princípios relevantes, igualmente dignos de tutela constitucional. E daí que tenha deixado para o legislador ordinário a sua harmonização/compatibilização, o que, na nossa perspetiva, se mostra conseguido, do modo que atrás deixámos expresso, na vigente redação do citado artº. 1817º do CC, numa lógica de proporcionalidade e razoabilidade. Aliás, a defender-se a tese daquela 1ª. corrente, deixaria de fazer sentido a fixação, pela lei ordinária, de quaisquer prazos de caducidade em tal matéria, bastando que o legislador constituinte, ou mesmo o legislador ordinário, estabelecessem ou consagrassem de forma expressa e genérica, a imprescritibilidade de tais direitos de ação (de investigação de maternidade/paternidade), o que nem um, nem o outro fizeram, mesmo depois de saber da controvérsia instalada.

Depois, porque essa é também a doutrina que o Tribunal Constitucional (ao não julgar inconstitucional o(s) prazo(s) de caducidade fixado(s) em tal preceito legal para as ações de investigação de maternidade/paternidade) vem, reiteradamente, perfilhando, considerando, em suma, que o regime atualmente estabelecido, em sede de caducidade para essas ações, no citado normativo legal - após a redação que lhe foi dada pela Lei nº. 14/2009 de 01/04 (que estendeu aqueles prazos de caducidade até aí existentes introduzidos pela Reforma de 1977, e sobre os quais, dada a sua exiguidade, o TC emitira antes juízo de inconstitucionalidade) -, não viola qualquer preceito ou princípio constitucional. (Vide, nomeadamente, os seus acórdãos nºs. 401/2011, de 22/09tirado em plenário desse tribunal, com maioria de 1 voto, e a partir do qual se iniciou, de forma gradual, a alteração do posicionamento dos nossos tribunais quanto à tal matéria -; 247/2012; 750/2013; 373/2014, 383/2014; 529/2014 e 704/2014. Anote-se que recentemente, numa “brecha” surgida nesse tribunal, foi proferido o acórdão nº. 488/2018, da 2ª. secção, relatado pela cons. Maria Clara Sottomayor, no processo nº. 471/17, pronunciando-se - embora com doutos votos de vencido e dos quais destacamos o do cons. Pedro Machete, no qual nos revemos inteiramente - no sentido da inconstitucionalidade material da norma do nº. 1 do artº. 1817º, embora sendo do nosso conhecimento que a doutrina nele proclamada veio ser contrariada por novo acordão proferido pelo plenário desse mesmo tribunal, na sequência do recurso interposto pelo MºPº, e que aguarda publicação do DR).

Doutrina prevalecente essa tanto mais relevante porque é defendida precisamente pelo órgão de soberania a quem especificamente compete administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional (artºs. 202º, nºs. 1 e 2, 209º, nº. 1, e 210º, nº. 1 – fine -. da CRP, 30º, nº. 1, da LOSJ., e 6º da LOTC).

E, por fim, ainda porque tal regime de caducidade se mostra em consonância, quanto a essa matéria, quer com os princípios consagrados, Declaração Universal dos Direitos do Homem (cfr., nomeadamente, os artºs., 8º, nº. 1, e 29º, nº. 1, dessa Convenção, e 18º, nº. 1 da CRP), quer com a jurisprudência do TEDH (vide, entre outros, os Acórdãos de 06/07 de 2010, proferidos nos casos Backlund c. Finlândia - queixa n.º 36498/05 -, e Gronmark c. Finlândia - queixa n.º 17038/04 - e de 20/12/2007, proferido no caso Phinikaridou c. Chipre - queixa n.º 23890/02 -, acessíveis em www.echr.coe.int/hudoc, nos quais estava em causa a existência de prazos limite para a instauração de ações de reconhecimento da paternidade).

De tudo o exposto, somos levados à conclusão de que prazo de caducidade consagrado no artº. 1817º, nº. 1 (o mesmo sucedendo, diga-se, por identidade da argumentação aduzida para o efeito, com aquele estabelecido no seu nº. 3), do CC se mostra conforme a nossa Constituição, isto é, de que não enferma de qualquer inconstitucionalidade material.

Termos, pois, em que se decide negar (in totum) provimento ao recurso, confirmando a decisão da 1ª. instância, ao julgar procedente a exceção de caducidade aduzida pelo R. no que concerne ao direito (de ação) do A. absolvendo aquele do pedido


III- Decisão

Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença da 1ª. instância.

Custas pelo A./apelante (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC) – embora seja de levar em consideração o benefício de apoio judiciário de que o mesmo goza em tal modalidade.


***

Sumário:

I- Os prazos de caducidade do direito de instaurar ação de investigação e reconhecimento direito paternidade estabelecidos, quer no nº. 1, quer no nº. 3, do artº. 1817º do CC (na atual redação dada pelo Lei nº. 14/2009, de 01/04) não padecem de qualquer inconstitucionalidade material.

II- Prazos esses que se mostram estabelecidos de forma razoável e proporcionada, permitindo a compatibilização/convivência entre, por um lado, o direito à identidade pessoal, o direito de constituir família e próprio direito de personalidade do investigante e, por outro, o direito à reserva da vida privada do investigado e dos seus familiares, e os interesses, de ordem pública, da certeza e estabilidade das relações jurídicas.

III- No nº. 1 do artº. 1817 do CC estabelece-se um prazo geral/regra (baseado num critério objetivo) de caducidade do direito de ação, já, por sua vez, no seu nº. 3 estabelece-se um prazo especial (baseado num critério subjetivo) de caducidade.

IV – Assim, enquanto no nº. 1 do artº. 1817 do CC se estabelece um prazo regra, segundo o qual a ação deve ser proposta (sob pena de caducidade do direito de ação) durante a menoridade do investigante ou nos 10 anos posteriores à sua maioridade ou emancipação, já no nº. 3 se estabelece (especialmente) que a ação ainda pode ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos factos aí enunciados, mesmo que já tenha decorrido aquele prazo geral/regra.

V- Da conjugação de tais dispositivos, resulta, assim, que o prazo de três anos referido no nº. 3 se conta para além do prazo geral/regra fixado no nº. 1 do artigo 1817º do CC, não caducando o direito de proposição da ação antes de esgotados todos eles. Isto é, mesmo que já tenham decorrido dez anos a partir da maioridade ou emancipação do investigante, a ação é ainda exercitável dentro do prazo fixado no nº. 3; e, inversamente, a ultrapassagem deste prazo não obsta à instauração da ação, se ainda não tiver decorrido o prazo geral contado a partir da maioridade ou emancipação daquele.

VI- Enquanto que no que no que concerne ao referido prazo geral (nº. 1) é sobre o réu que impende o ónus de alegação e prova (como facto extintivo do direito – de ação – do A.) do decurso do mesmo aquando instauração da ação, já, porém, é sobre o autor/investigante que compete alegar e provar (como contra-exceção àquele prazo) não só os factos ou circunstâncias contemplados no citado nº. 3 do artº. 1817º do CC que justificam a investigação, como também de que só deles tomou conhecimento dentro do prazo de três anos que antecedeu a propositura da ação, isto é, é a ele que incumbe alegar e provar os factos ou circunstâncias previstas no nº. 3 do artº. 1817º que (como contra-exceção) justificam, dado o seu caráter decisivo ou de essencialidade, o desencadear da ação, depois de ter decorrido o prazo geral de dez anos após ter sido atingida a sua maioridade ou emancipação, e que só deles só tomou conhecimento dentro dos três anos que precederam a instauração da ação.

Coimbra, 2019/05/28