Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
335/06.9TTAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DESPORTIVO
PERÍODO EXPERIMENTAL
PROVA TESTEMUNHAL
PESSOA COLECTIVA
REPRESENTAÇÃO
SOCIEDADE
EXTINÇÃO
DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE
Data do Acordão: 03/17/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO – 1ª SECÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: LEI Nº 28/98, DE 26/06; ARTºS 553º, Nº 2, E 617º DO CPC
Sumário: I – De acordo com o disposto no artº 617º do CPC, estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes.

II – O artº 553º, nº 2, do CPC (inserido na secção da “prova por confissão das partes”) dispõe que pode requerer-se o depoimento de representantes de pessoas colectivas.

III – O artº 163º do C. Civ. estatui, no seu nº 1, que a representação da pessoa colectiva, em juízo e fora dele, cabe a quem os estatutos determinarem ou, na falta de disposição estatutária, à administração ou a quem por ela for designado.

IV – Uma sociedade dissolvida e em liquidação não está extinta: a extinção só se verifica com a inscrição, no registo, do encerramento da liquidação – artº 160º, nº 2, do Código Sociedades Comerciais.

V - Dissolvida uma sociedade, esta entra em liquidação, mantendo ainda a sua personalidade jurídica (artº 146º, nºs 1 e 2, CSC) e os seus administradores passam a ser liquidatários, salvo disposição estatutária ou deliberação noutro sentido.

VI – No que toca às acções pendentes em que a sociedade seja parte, elas continuam mesmo após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, sem que haja lugar a suspensão da instância.

VII – Um liquidatário nestas condições é representante da “generalidade dos sócios” que substituíram a sociedade dissolvida, face ao disposto no artº 162º, nº 1, do CSC, estando, por isso, impedido de depor como testemunha em acção em que a sociedade seja parte.

VIII – Contrato de trabalho desportivo é aquele pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar actividade desportiva a uma pessoa singular ou colectiva que promova ou participe em actividades desportivas, sob a autoridade e direcção desta – Lei 28/98, de 26/06.

IX – Nos termos do artº 26º da citada Lei, uma das formas de cessação lícita do contrato de trabalho desportivo é o da “rescisão por qualquer das partes durante o período experimental”.

X – O artº 11º dessa Lei fixou regras especiais em matéria de período experimental, referindo que o mesmo não pode exceder 30 dias, sendo este prazo supletivo e dispondo que esse período, em qualquer caso, não poderá ir além do momento da participação em jogo que impeça a participação ao serviço de outra entidade empregadora ou quando o praticante sofra lesão desportiva que o impeça de praticar a modalidade e que se prolongue para além do período experimental.

XI – A promoção indevida do despedimento pela entidade empregadora tem como consequência que esta incorra em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato, não podendo a indemnização exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato tivesse cessado no seu termo – artº 27º, nº 1.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. O autor intentou contra a ré a presente acção declarativa de condenação pedindo que se declare que o seu despedimento ocorreu fora das circunstâncias do período experimental e se declare esse despedimento ilícito porque sem justa causa e sem precedência de procedimento disciplinar, e se condene a ré a pagar-lhe a quantia global de € 127.708,90 a título de compensação pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos juros à taxa legal.

Alegou para tanto, em síntese, como refere a sentença recorrida, que, na época de 2004/2005 esteve ao serviço da ré enquanto jogador profissional de basquetebol, e por documento escrito datado de 11.08.2005 autor e ré celebraram contrato de trabalho para o autor prestar actividade desportiva como jogador profissional de basquetebol, o qual terminaria em 01.05.2007 ou após o último jogo oficial da época de 2006/2007, mas em 07.10.2005 a ré impediu o autor de se deslocar como atleta a torneio e de a partir daí comparecer no clube, do que decorreram danos patrimoniais e não patrimoniais.

Após audiência de partes, notificada para o efeito, contestou a ré alegando, em resumo, por um lado ser este Tribunal do Trabalho incompetente porquanto foi atribuída competência pelas partes ao Tribunal Arbitral do Basquetebol, e por outro lado que a revogação do contrato de trabalho foi efectuada dentro do prazo legal, treinando o autor após porque pediu para tal com vista a não interromper a preparação física.

Concluiu pela incompetência do Tribunal e pela improcedência da acção.

Em resposta, o autor alegou que se extinguiu o prazo legal para ser proferida decisão no Tribunal Arbitral do Basquetebol, pelo que podia recorrer ao Tribunal do Trabalho.


*

Prosseguindo o processo, foi proferido, no momento do saneamento, o despacho de fls. 148 e segs. no qual se decidiu pela competência do tribunal.

Após a propositura da acção, foi noticiada nos autos a dissolução da ré.

Por despacho de fls. 280, na sequência de deliberação de dissolução da ré, foi declarada a substituição pela generalidade dos seus sócios, um dos quais o Município da C....

Este último veio, a fls. 289, requerer o aditamento ao rol de testemunhas de D....

Depois, a fls. 304, o mesmo informou que ainda não tinha sido nomeado liquidatário da ré.

Mais tarde, a fls. 470, informou que – de acordo com Acta que juntou - fora nomeado para único liquidatário o Presidente do Conselho de Administração da ré D..., embora este não tenha elaborado “termo expresso de aceitação”.

No decurso do julgamento ocorreu o seguinte:

Após a identificação da testemunha D..., aditada pelo réu Município de C..., como se disse, o autor expôs e requereu o seguinte:
Na inquirição preliminar efectuada pelo Sr. Juiz o depoente veio responder que era membro de Conselho de Administração, nomeadamente Presidente do Conselho de Administração do B.... Aliás aquando da propositura da presente acção no Tribunal Arbitral de Basquete em Lisboa e mesmo nestes autos outorgou procuração a advogado na qualidade de legal representante da B.... Não nos podemos alhear, ainda que este processo foi intentada na sequência da caducidade do compromisso arbitral.
Ora, quer no primitivo processo quer neste o ora depoente já interveio na qualidade de parte, veja-se a propósito os poderes concedidos a fls. 96, ora o artº 617º do CPC refere que estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes. Ainda que assim não se entenda no interrogatório preliminar referiu o depoente que estaria a representar a Câmara Municipal de C... na Sociedade Anónima Desportiva B.... Se mais não bastasse o ora depoente era conforme disse representante da ora ré pelo que não poderá depor como testemunha.
Ainda que se entenda que o depoente já não é representante legal de coisa nenhuma e portanto pode depor como testemunha, não nos podemos esquecer que admiti-lo como testemunha num processo em que o mesmo já interveio como parte, dado o lapso temporal entre a entrada da PI e o momento da apresentação do rol de testemunhas, é violar o espírito da lei no que concerne ao artº 617º pois assim qualquer pessoa que fosse parte no início de um processo, através de "esquemas legais" poderia sempre depor como testemunha no final do mesmo. Ora não esse o espírito da lei e portanto entende o autor que o Sr. D... está impedido de depor como testemunha. Como não foi requerido o depoimento de parte não podem agora os réus fazê-lo”.

Perante isto, o Município de C... manifestou a sua posição:
“1º Estão excluídos de depor como testemunhas, os que possam depor como partes, sendo que, quanto às pessoas colectivas o depoimento de parte pode ser exigido dos seus representantes legais (artº 617º e 553º, nº 2 do CPC).
2º Em consonância e coerência com o douto despacho de fls. 495 e 496, já com força de caso julgado formal, a ré não é representada por membros do seu Conselho de Administração, nem pela testemunha enquanto liquidatário. A ré é representada pela generalidade dos seus sócios, pelo que em bom rigor foi já decidido que a testemunha não é representante legal da ré.
3º O momento da aferição da qualidade (ou não) de representante de pessoa colectiva, é o momento de prestação de depoimento. Tal juízo de admissibilidade, não depende da detenção da qualidade de representante em momento anterior, uma vez que o anterior representante legal desprovido de poderes aquando da inquirição, não pode como é óbvio confessar o pedido. A qualidade de anterior representante legal terá relevância sim, mas já em sede de valoração e livre apreciação da prova.
4º Subsidiariamente, e caso se entenda que o Dr. D... tem a qualidade de parte, não restam dúvidas que o mesmo tem conhecimento directo dos factos controvertidos e com interesse para a boa decisão da causa.
5º Acresce que, nos termos legais, a primeira testemunha arrolada pelo autor e por si inquirida a toda a matéria de facto, seu empresário, actuou nas negociações contratuais na qualidade de mandatário do autor, sendo que a sua inquirição equivaleu em termos substanciais a um depoimento de parte.
6º Pelo que se suscita a este título subsidiário, até para observância do princípio da igualdade de armas a inquirição oficiosa do Dr. D..., a toda a matéria de facto Controvertida, nos termos do artº 552º, nº 1 do CPC, subsidiariamente e caso tal não se entenda, ordenar oficiosamente o seu depoimento de parte.”

Perante estas posições, o Sr. juiz proferiu o seguinte despacho:
Dúvidas não há que se o autor na PI tivesse requerido depoimento de parte de representante da ré e esse era o momento oportuno para o fazer, a testemunha acabada de identificar seria quem iria depor como parte, ou pelo menos um dos que poderia depor como parte, como claramente resulta da declaração de fls. 96 a conferir poderes para representar em audiência de partes.
O depoimento de parte não tem por objectivo vir confirmar a versão que se encontra nos articulados por essa parte mas antes confessar factos que sejam desfavoráveis, e nessa medida constantes do articulado da parte contrária, sem prejuízo de eventuais esclarecimentos.
Assim, poderá em tese pensar-se que na altura da prestação do depoimento se aferirá de quem pode depor como parte.
No entanto no caso concreto importa também ter presente que de fls. 259 resulta que a testemunha acabada de identificar é accionista da ré, o que possibilitaria que fosse um dos que pudesse vir representar a generalidade dos accionistas que foi admitida a fls. 280.
Tal não aconteceu e resulta dos autos que o mesmo não terá aceitado ser liquidatário, pelo menos expressamente o que levou a que no despacho de fls. 495 não se considerasse ser o mesmo a ter legitimidade para representar a ré.
Todavia não ter aceite a qualidade de liquidatário, e não havendo notícia de que outro liquidatário exista, não está demonstrado que a testemunha acabada de identificar não pudesse representar a ré.
Queremos com isto dizer, verificar-se de facto o impedimento para depor como testemunha previsto no artº 657º do CPC sem que daí resulte qualquer contradição com o despacho de fls. 495 pois neste ultimo estava tão só em causa saber se a representação em juízo caberia a um liquidatário que não resulta existir.
Concluindo desta forma punha-se a questão suscitada pela Câmara no seu requerimento de por uma questão de igualdade de armas se ouvir a testemunha acabada de identificar.
Afigura-se-nos quanto a este aspecto que não se pode comparar a situação à audição do empresário do autor, sendo o autor pessoa física que depôs como parte, quando aqui está em causa pessoa colectiva que necessariamente actua por intermédio de pessoas físicas que a representam.
Queremos com isto dizer que não nos parece que tal princípio seja violado com a não audição da testemunha acabada de identificar.
Por tudo o exposto não se procede à inquirição do Dr. D....
Notifique”.

Desta decisão, a ré interpôs recurso de agravo apresentando as seguintes conclusões:

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O autor não apresentou contra-alegações.

O Sr. juiz sustentou o seu despacho.

Prosseguindo o processo veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, reconhecendo que o autor foi despedido de forma ilícita, condenou a ré a pagar-lhe a quantia de € 89.208,60 (sendo € 85.958,60 a título de indemnização e € 3.250,00 a título de retribuição de Setembro de 2005 não paga), acrescida de juros desde a presente data até pagamento.

Inconformada com esta sentença, a ré interpôs apelação e, nas correspondentes alegações, apresentou as seguintes conclusões:

(……………………………………………………………………………………..)

O autor não apresentou contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-geral Adjunto no sentido de que não assiste razão à recorrente.


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II- OS FACTOS:

Do despacho que decidiu a matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:

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III. Direito
As conclusões da alegação da recorrente delimitam o objecto dos recursos (arts. 684° nº 3 e 690° nº 1 do C. P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.
Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:
Quanto ao agravo:
- se D... era ou não inábil para depor como testemunha e se, sendo-o, o Sr. juiz o deveria ter ouvido como depoente de parte;
Quanto à apelação:

- se ocorreu ou não despedimento ilícito do autor e, ocorrendo, suas consequências.

1- A questão do recurso de agravo.
Poderia D... depor como testemunha?

De acordo com o disposto no art° 617° do Código de Processo Civil, estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes.

O art° 553°, n° 2, (inserido na secção da “prova por confissão das partes”) dispõe que pode requerer-se o depoimento de representantes de pessoas colectivas.

Importa, assim, uma vez que a ré é pessoa colectiva, saber se a pessoa indicada pode ser considerado como representante da ré para o efeito de lhe poder ser tomado depoimento de parte.

O art° 163° do Código Civil estatui, no seu n° 1, que a representação da pessoa colectiva, em juízo e fora dele, cabe a quem os estatutos determinarem ou, na falta de disposição estatutária, à administração ou a quem por ela for designado.

Como observou o Sr. juiz, no despacho recorrido, resulta da declaração apresentada pela ré, a fls. 96, que a referida pessoa dispunha de poderes para conferir poderes para representar em audiência de partes. Mais, é ali referida como membro do Conselho de Administração da ré. Sendo esta uma Sociedade Desportiva, rege-se pelas normas que regulam as sociedades anónimas (artº 5º nº 1 do DL 67/97, de 3 de Abril). E no caso das sociedades anónimas, os poderes de administração são exercidos conjuntamente pelos administradores, sendo a qualidade de administrador relevante para a representação da sociedade, não importando que o administrador exerça ou não qualquer actividade de gerência ou de gestão (cfr. art°s 405° e 408° do Código das Sociedades Comerciais).

Sucede que foi considerado nos autos que a ré foi dissolvida após a propositura da acção, como se reconheceu no despacho de fls. 280 e 495 ao declarar a mesma substituída pela “generalidade dos sócios” nos termos do artigo 162º no CSC.

Esta situação introduz uma modificação na representação. Não é já a representação da sociedade dissolvida, mas a da “generalidade dos sócios” que a substituem.

Uma sociedade dissolvida e em liquidação não está extinta: a extinção só se verifica com a inscrição, no registo, do encerramento da liquidação (art. 160º nº 2 do CSC).

Como refere no Ac. do STJ de 28/6/2008 (in CJ/STJ, t. II, consultável em www.colectaneadejurisprudencia.com, ref. 2694/2008), dissolvida a sociedade, esta entra em liquidação (art. 146º nº 1), mantendo ainda a sua personalidade jurídica (art. 146º nº 2) e os seus administradores passam a ser liquidatários, salvo disposição estatutária ou deliberação noutro sentido (art. 151º nº 1), competindo-lhes, em tal veste, ultimar os negócios pendentes, cumprir as obrigações da sociedade, cobrar os créditos, reduzir a dinheiro o património residual e propor a partilha dos haveres sociais (art. 152º nº 3).

No que toca às acções pendentes em que a sociedade seja parte, elas continuam mesmo após a extinção desta, que se considera substituída - sem que haja lugar a suspensão da instância, uma vez que não é necessária habilitação - pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários.

Na acta de fls. 473, de 29 de Junho de 2007, vem referenciado o Sr. D... como Presidente do Conselho de Administração da ré. Este referiu na audiência de julgamento ter representado a ré como administrador até essa data de 29 de Junho de 2007 (v. acta de julgamento de fls. 533).

Nessa acta de fls. 473, é referido que o mesmo é nomeado único liquidatário. No despacho de fls. 496, considerou-se que não constando que o mesmo tenha aceitado as funções essa nomeação não poderia ter-se por eficaz, porque não poderia ser forçado a exercer funções.

Todavia, aceitando-se que não resulte eficaz essa nomeação como único liquidatário, consideramos que, face ao disposto no artigo 151º nº 1 do CSC (que refere que os administradores da sociedade dissolvida passam a ser liquidatários), não sendo eficaz aquela nomeação todos os administradores se devem considerar os liquidatários. Incluindo, portanto, o referido Sr. D.... Neste caso, não se exige a sua aceitação, pois a sua designação decorre por força da lei. E não consta que o mesmo tenha renunciado ou recusado o cargo.

Ou seja, face aos elementos dos autos deve considerar-se que D... é um dos liquidatários da ré.

Sendo-o, é representante da “generalidade dos sócios” que substituíram a sociedade dissolvida, face ao disposto no artigo 162 nº 1 do CSC.

Por isso, de acordo com o disposto no art° 617° do Código de Processo Civil, está impedido de depor como testemunha já que, como representante, pode depor como parte (v. neste sentido, mesmo num caso em que era liquidatário um liquidatário judicial, o  Ac. da Rel. de Coimbra de 14/3/2000, in CJ, t. II, consultável em www.colectaneadejurisprudencia.com, ref. 9339/2000).

Por outro lado, tal como o despacho recorrido referiu, tudo indica que aquele Sr. D... era sócio da ré, o que a recorrente não rebate na conclusão 4ª.

Sendo grande ou pequeno accionista, tendo ou não intervido como tal na acção, deve agora considerar-se ser ele parte processual em substituição, com outros, da sociedade dissolvida. Por isso, também seria inábil como testemunha.
Finalmente, a recorrente entende que, como requereu, o Sr. juiz deveria ter ouvido, nos termos do artº 552º, nº 1 do C.P.C., o depoimento de D... agora como parte, com fundamento no seu conhecimento directo dos factos controvertidos e com interesse para a boa decisão da causa, por ter intervindo nas negociações contratuais. Sustentando ainda que se deveria ter pronunciado pela questão colocada, o que não fez.
Ora, entendemos que o Sr. juiz se pronunciou sobre o requerido nesta parte, quando indeferiu também a audição do mesmo como parte. Pode-se entender que poderia ter indicado justificação mais completa. Mas ao indicar, sobre fundamentação de requerimento da ré, que entendia não se justificar o depoimento do mesmo para equilibrar a circunstância do autor apresentar como testemunha um seu representante nas negociações contratuais com a ré (nas quais interveio D...), deixou claro que não via interesse para a aquisição da verdade material no seu depoimento.
O depoimento de parte visa obter a confissão - o reconhecimento pelo depoente da realidade de factos desfavoráveis para si e favoráveis para a parte contrária (art. 352º do Código Civil).
O art. 552º do C.P.C. quando concede ao juiz a iniciativa de tomar o depoimento de parte, continua a ter a mesma finalidade: obter da parte que o presta o reconhecimento de factos que lhe sejam desfavoráveis e favoreçam a parte contrária. Por isso, se tem entendido que o juiz não pode, por sua iniciativa, tomar depoimento de parte sobre factos que sejam exclusivamente favoráveis à parte que os presta, como seria intenção da recorrente (v., neste sentido, o Ac. do STJ de 26/10/1999, in CJ, t. III, consultável em www.colectaneadejurisprudencia.com, ref. 7133/1999).
Aceitamos que podia ter ouvido o Sr. D... em declarações para esclarecimentos sobre dúvidas relevantes que se lhe tivessem suscitado e que apenas com a sua inquirição pudessem ser resolvidas. Tal como resultaria já do disposto no art. 266°, n° 2, do C.P.C. (que permite ao juiz pedir às partes esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito). No âmbito de um poder-dever de aferir da verdade dos factos, na busca da verdade material, na formação da sua convicção.
Todavia, como não ocorreu gravação da prova, não podemos controlar da necessidade dessa iniciativa, no quadro apontado, a qual sempre será excepcional, sob pena de alteração profunda das regras procedimentais - que existem, não só para disciplinar a marcha do processo, mas também para garantia das partes a um processo justo e equitativo.
Não vemos, por outro lado, como é que essa audição seria exigida por motivos de assegurar a igualdade de armas. Estas encontram-se asseguradas em primeiro lugar pelas regras processuais de prova. As quais admitem desvios, no exercício do inquisitório, quando o juiz sinta a necessidade de desfazer, como dissemos, dúvidas que não possam ser esclarecidas de outro modo – e é esta última situação que, como também já dissemos, não podemos controlar, por falta de gravação da prova em julgamento.
Por isso, nada nos permite alterar a decisão recorrida.
Improcede, pois, o recurso de agravo.

2- As questões da apelação.

A sentença da 1ª instância pronunciou-se pela ocorrência de despedimento ilícito do autor como causa da cessação do contrato entre autor e ré. Esta contrapõe, na acção e no recurso, que se tratou antes de válida cessação por sua iniciativa no decurso de período experimental.

Vejamos:

Estamos, sem dúvida, perante um contrato de trabalho desportivo, cujo regime jurídico se encontra definido pela Lei no 28/98, de 26/06, como se salientou na sentença da 1ª instância.

Nos aspectos não regulados no referido diploma, aplicam-se subsidiariamente as regras constantes do Código do Trabalho (art° 3° da Lei nº 28/98).

Contrato de trabalho desportivo é aquele pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar actividade desportiva a uma pessoa singular ou colectiva que promova ou participe em actividades desportivas, sob a autoridade e direcção desta (artº 2º, al. a), da Lei nº 28/98). Sendo que, no caso, o contrato de trabalho desportivo foi celebrado com o autor enquanto “praticante desportivo profissional”, tal como tal conceito definido no art° 2°, al. b), da Lei nº 28/98.

Nos termos do artº 26° da mesma Lei, uma das formas de cessação lícita do contrato de trabalho desportivo é o da “rescisão por qualquer das partes durante o período experimental”.

Já a promoção indevida do despedimento pela entidade empregadora tem como consequência que esta incorra em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato, não podendo a indemnização exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato tivesse cessado no seu termo (27º nº 1).

Poderá considerar-se que ocorreu cessação no decurso do período experimental?

O artº 11º da Lei nº 28/98 fixou regras especiais em matéria de período experimental, referindo que o mesmo não pode exceder 30 dias, sendo este um prazo supletivo (por conjugação com a norma do artigo 110º do Código do Trabalho), e dispondo que esse período, em qualquer caso, não poderá ir além do momento da participação em jogo que impeça a participação ao serviço de outra entidade empregadora ou quando o praticante sofra lesão desportiva que o impeça de praticar a modalidade e que se prolongue para além do período experimental.

Como refere a sentença da 1ª instância, o período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, visando proporcionar aos contratantes a avaliação das aptidões do trabalhador para as exigências da função e a aferição das condições e ambiente de trabalho face aos interesses e expectativas do trabalhador, importante para a estabilização do respectivo vínculo laboral.

Nesse período, não valem as limitações depois dele existentes para a cessação do contrato de trabalho por acto unilateral de qualquer das partes. Como refere Monteiro Fernandes (in Direito do Trabalho, 8ª edição, I Vol., pag. 288 e segs.) “durante aquele período é inteiramente livre a ruptura do contrato - a lei presume, em absoluto, que a cessação do contrato é determinada por inaptidão do trabalhador ou por inconveniência das condições de trabalho oferecidas pela empresa”. Ou, como já referia Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, ed. 1999, pag. 178) a liberdade de desvinculação pressupõe que a lei presume, em absoluto, que a cessação do contrato é determinada por inaptidão do trabalhador ou por inconveniência das condições de trabalho oferecidas pela empresa.

Verificamos no contrato escrito dos autos que as partes estipularam para o seu início a data de 1 de Setembro de 2005.

Também verificamos que a comunicação pela ré da cessação do contrato teve lugar em 30 de Setembro de 2005 (v. factos 11. e 12.), invocando a ré que o fazia no período experimental.

 Se considerarmos que o período experimental a atender era o de 30 dias, poderíamos concluir que a cessação na data em causa teria sido lícita.

Todavia, o Sr. juiz a quo começou por considerar que a cláusula segunda do contrato parecia restringir o “período experimental” até ao conhecimento do resultado de exames médicos, mas nunca para lá de 14 de Setembro.

Será assim?

A referida cláusula, ao que aqui nos interessa, refere nos seus nºs 1 e 2:

1. O Jogador será submetido a exames médicos até uma semana depois da sua apresentação na SAD. No caso de alguma lesão ou doença que possa afectar o seu normal rendimento como atleta profissional, a SAD tem o direito de cancelar este contrato.

2. Depois de o clube receber as conclusões dos exames médicos, o que não poderá exceder o dia 14 de Setembro e, caso tudo esteja normal, este tornar-se-á válido”.

Embora a economia no contrato duma cláusula como esta, procurando a sua necessidade, não nos revele a sua utilidade, já que, independentemente do resultado dos exames médicos, a ré sempre poderia fazer cessar o contrato, independentemente desse ou outro motivo funcional, no período experimental normal, não se nos afigura que a mesma tenha visado a redução do período experimental.

Na verdade, essa redução não é referida expressamente e de forma inequívoca, sendo que o acordo para a redução para ser válido deveria constar de documento escrito, nos termos do disposto no artº 110º nº 1 do Código do Trabalho.

Ora, na interpretação da declaração negocial esta deve valer com o sentido que o declaratário normal colocado na posição do real declaratário possa deduzir do comportamento do declarante (artº 236º nº 1 do Código Civil).

Não nos parece que o sentido de acordo com o qual aquela cláusula teria o valor de reduzir o período experimental possa ser acolhido sem dúvidas. Em primeiro lugar, o autor na petição inicial não defende que a cláusula tenha esse sentido. Em segundo, afigura-se-nos que a função do período experimental não se reconduz a verificação da aptidão física do jogador de modo a considerar que as partes quiseram (para qualquer dos lados) restringir a ela a operacionalidade contratual desse período experimental. Mesmo que as partes se conhecessem bem - já que, como refere o Sr. juiz, esse período “não necessita para existir que as partes contratantes sejam desconhecidas”.

Por isso, reconhecendo razão à apelante, devemos concluir que do contrato não resulta acordo das partes para reduzir o período experimental.

Todavia, outra foi a questão suscitada pelo autor na petição inicial.

A de saber se, atentas as finalidades do período experimental, poderia falar-se na existência deste período quando o autor esteve ao serviço da ré durante o ano que antecedeu o contrato em causa, com as mesmas tarefas e funções.

A questão tem sido tratada na jurisprudência.

Por exemplo, o Ac. da Relação de Lisboa de 4.11.87, in BMJ 371-535) referia que “em contratos sucessivos celebrados entre as mesmas partes é ilegítima e abusiva a estipulação em cada um deles, à excepção do primeiro, de períodos de experiência, a não ser que se verifique alteração de funções susceptível de justificar um novo juízo sobre a adequação do trabalhador”. O Ac. da mesma Relação de 26.09.2001, in CJ, t. IV, consultável em www.colectaneadejurisprudencia.com, ref. 8626/2001, manifestava o mesmo entendimento.

Todavia, no caso, não estamos exactamente perante contratos sucessivos.

O que vem provado (factos 6. a 9.) é que o autor, durante a época 2004/2005 esteve ao serviço da ré, enquanto jogador profissional de basquetebol, ao abrigo de contrato de trabalho registado nas instâncias desportivas para a modalidade profissional, mas apenas até Abril de 2005 data em que ele e a ré revogaram o contrato de trabalho (v. documento de fls. 111), tendo o autor ido jogar por conta de Clube Aracena em Espanha.

Neste caso, entendemos tal como no Ac. do STJ de 16.05.2000, in CJ, t. II, consultável em www.colectaneadejurisprudencia.com, ref. 3692/2000, que tratando-se de um contrato de trabalho "ex novo"e não se podendo falar de contratos sucessivos entre as mesmas partes em que o aludido formalismo, em princípio, só seria de exigir em relação ao primeiro, tinha de haver sempre nele um período experimental, a menos que as partes, por acordo escrito, o suprimissem ou reduzissem. E não tendo sido ele validamente afastado, não pode rotular-se de abusivo o direito do empregador fazer cessar o contrato durante esse período.

O autor, é certo, invocou um circunstancialismo que poderia caracterizar uma situação de abuso de direito. Embora assim a não tivesse qualificado (nem na sentença tal foi referido), a ré no recurso chama a atenção para ela.

Refere o autor que o pretendido pela ré era, não rescindir durante o período experimental, mas antes abusivamente forçar a alteração dos termos do contrato que fora elaborado.

Ora, é certo que se provou que o autor continuou a prestar actividade desportiva no âmbito da ré, para além de 30.09.2005 (da declaração de rescisão pela ré). Até 7-10-2005 pelo que se depreende dos factos 23. e 24..

Mas, divergindo do que entendeu o Sr. juiz da 1ª instância, não nos parece que os factos demonstrem que a declaração da rescisão “não traduz o que efectivamente era querido: se o escrito refere vontade de fazer cessar o contrato no período experimental (último dia do mesmo considerando ser, no caso, o supletivo de 30 dias), o contexto revela a vontade de manter uma vinculação firme, apenas com termo em data anterior e com retribuição inferior, ou seja, uma vontade unilateral apenas de rever os termos do contrato, só impedindo a ré que o autor prestasse a actividade desportiva após a frustração da renegociação do contrato”.

Já dissemos que o período experimental visa proporcionar aos contratantes a avaliação das aptidões do trabalhador para as exigências da função.

Nesse período é lícito à ré poder verificar se o trabalhador corresponde às suas expectativas firmadas aquando da contratação, a qual engloba a apreciação global do seu interesse na relação custo/aptidão ou rendimento do trabalhador.

O que se provou é que depois da rescisão, a ré informou o empresário do autor do interesse na manutenção do autor ao seu serviço mas só por mais uma época desportiva e desde que por valor retributivo inferior. Não sabemos se essa “informação” teve lugar por exclusiva iniciativa da ré ou na sequência de diligências do empresário. Sabemos que, convidado pelo empresário desportivo do autor (facto 15.) a apresentar por escrito a sua proposta, para dela ser inteirado o autor, a ré enviou uma proposta a 03.10.2005 com as condições que pretendia para a celebração de novo contrato, proposta a que o autor respondeu negativamente.

Ora, esta matéria é insuficiente para considerar que a ré, ao rescindir o contrato no período experimental, agiu intencionalmente para conseguir para si melhores condições contratuais com o autor. Tanto, assim que as negociações foram curtas e não revelam que a ré pretendesse mesmo o serviço do autor independentemente do sucesso de tal “operação”.

Não vemos, portanto, que tenha agido em abuso de direito na cessação do contrato. Esta situação (de acordo com o artº 334º do Cód. Civil é “ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”) obrigaria a verificar que a ré se excedeu manifestamente no exercício das suas prorrogativas contratuais, exorbitando o fim próprio do direito em termos clamorosamente ofensivos da justiça e dos limites impostos pela boa-fé.

Ora, não é isso que podemos apurar.

Temos então que, em face dos factos apurados, concluir que a ré fez cessar o contrato com o autor no decurso de período experimental e, portanto, de forma lícita, em nosso entender.

É certo que, durante uns escassos dias após a rescisão, o autor continuou a treinar sem limitações e/ou reservas, sob convocação do corpo técnico do basquetebol profissional da ré, integrando-se normalmente com o grupo de colegas de equipa e foi convocado pela ré e participou, ao seu serviço e da equipa de basquetebol profissional que o representa, num jogo de treino contra o Barreirense no pavilhão do Ílhavo, tendo jogado no “cinco inicial” e exercido funções de capitão de equipa.

Não participou, contudo, em nenhum jogo oficial de competição e os termos em que terá treinado e participado no jogo de treino, não nos permitem concluir que o fez na execução de contrato ou de forma vinculada a um novo acordo de natureza contratual. Na verdade, não dispomos de elementos que nos permitam ajuizar da vontade (ou nova vontade) de ambas as partes, depois da declaração da rescisão.

Por tudo isto, entendemos que tais factos não oferecem suficiente relevo para os enquadrar no âmbito dos direitos invocados e dos pedidos formulados na acção.

Por isso, a apelação terá de proceder, não verificando nós ter ocorrido despedimento ilícito.

A sentença terá, assim, de ser revogada, subsistindo apenas o pedido de condenação da ré no pagamento do salário correspondente ao mês de Setembro de 2005 em que o autor trabalhou e não lhe foi pago. Ou seja, no valor de € 3.250,00 referido pelo autor no artigo 69 da petição e considerado na sentença recorrida.


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III- DECISÃO

Termos em que, concluindo, se delibera:

a) negar provimento ao recurso de agravo;

b) julgar procedente a apelação e, alterando a sentença recorrida, condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 3.250,00 (três mil duzentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 4.5.2006 (data da propositura da acção) até pagamento, no mais a absolvendo do pedido.

Custas no recurso de agravo a cargo da ré.

Custas na acção e na apelação pelas partes, na proporção da sucumbência.