Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
374/10.5T2AND.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 10/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE GRANDE INST. CÍVEL DE ANADIA.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTº 457º, Nº 1, ALS. A) E B) DO CPC.
Sumário: I – A indemnização baseada na litigância de má fé pode revestir duas modalidades: (1) indemnização simples, consistente no reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos [artº 457º, nº 1, al. a) do CPC]; (2) indemnização agravada, abrangendo não só o reembolso das despesas referidas como também a satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má fé [artº 457º, nº 1, al. b) do CPC].
II – Incumbe ao juiz optar pela indemnização que julgue mais adequada, tendo como critério fundamental a gravidade da conduta do litigante de má fé e fixando-a sempre em quantia certa [artº 457º, nº 1, parte final, do CPC].
III – É adequada a indemnização agravada se o litigante instaura em 2010 um procedimento cautelar de arresto e intenta a correspondente acção declarativa com fundamento num alegado crédito de rendas anteriores a 30/04/2008, data em que subscrevera uma declaração dizendo considerar-se “liquidado totalmente” relativamente “às rendas até à presente data”.
Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

         1. RELATÓRIO

U…, Lda, sociedade comercial por quotas com sede na …, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum e forma ordinária, contra T…, Lda, sociedade comercial por quotas com sede na …, pedindo a condenação da R.:

1) A pagar à Autora a quantia de € 42.500,00, referente aos 17 meses de rendas que ficaram por pagar;

2) A pagar à Autora uma indemnização no valor de € 7.500,00 pelo facto da Ré não ter respeitado o prazo de aviso prévio de 120 dias quando foi feita a denúncia do contrato de arrendamento, como estatui o artigo 1098.º, n.ºs 2 e 3 do Código Civil;

3) A pagar à Autora a quantia de € 9.615,85, a título de juros de mora comerciais vencidos, calculados às taxas legais respectivas aplicáveis às transacções comerciais, desde a data de vencimento da factura n.º 028 (08-07-2008) até à presente data e ainda no pagamento dos juros dos mora comerciais que se vencerem desde a citação da Ré até ao efectivo e integral pagamento.

Alegou para tanto, em síntese, que, mediante a renda mensal de € 2.500,00, deu de arrendamento à Ré um seu prédio urbano sito no lugar do …, para que esta nele exercesse a actividade de comércio a retalho de mobiliário e de artigos de iluminação; que a Ré deixou de pagar as rendas desde Janeiro de 2007, tendo denunciado o contrato de arrendamento em 5/04/2008, e subsequentemente, abandonado o locado em 30/05/2008; e que a Ré, apesar de interpelada, se tem furtado ao pagamento do montante de rendas devidas e não pagas de € 42.500,00, bem como da indemnização de € 7.500,00 pelo facto de não ter respeitado o prazo de aviso prévio de 120 dias quando foi feita a denúncia do contrato de arrendamento.

A Ré contestou arguindo a excepção peremptória do pagamento e sustentando que nada deve à Autora. E encerrou o seu articulado pedindo a condenação desta, como litigante de má fé, no pagamento de indemnização a seu favor.

Saneada, condensada e instruída a causa, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, em cujo âmbito foi proferida a decisão sobre a matéria de facto.

Foi depois emitida a sentença de fls. 117 a 128, cujo dispositivo se transcreve:

“I - Pelo exposto, julgo a presente acção improcedente por não provada, e consequentemente, decido:

a) Absolver a Ré T…, Lda. do pedido.

b) Custas a suportar pela Autora U…, Lda.

II - Julgo o incidente de condenação da Autora U…, Lda. procedente por provado, e consequentemente, decido:

a) Condenar a Autora U..., Lda. no pagamento de multa no montante de 5 UCs, e

b) Convidar a Ré T… Lda., no prazo de 10 dias, a liquidar discriminadamente as suas despesas judiciais e honorários nos termos expostos atrás[1].

c) Custas do incidente a suportar pelo legal representante da Autora.”

Satisfazendo o convite que lhe foi endereçado, a R. apresentou o requerimento que faz fls. 130 dos autos do seguinte teor:

“T…, Lda., Ré no processo à margem identificado, vem, na sequência da notificação da douta sentença, liquidar discriminadamente as suas despesas judiciais e honorários, o que faz da forma seguinte:

− Taxa de justiça paga em 26-07-2010 com a apresentação da oposição         € 229,50

− Taxa de justiça paga em 06-10-2010 com a apresentação da contestação    € 619,00

                                                                     Despesas Judiciais                         € 848,50

− Honorários devidos pela elaboração da oposição, contestação

    conforme costumes da Comarca                                                                     € 1.500,00

− Duas deslocações de ida e volta a Anadia (1130kmx€0,40)                          € 452,00

                                                                             Honorários                            € 1.952,00

            TOTAL                 € 2.800,50”

A A. recorreu da sentença, mas sem êxito, pois a mesma foi integralmente confirmada pelo acórdão desta Relação de 20/03/2012, que faz fls. 184 a 203 dos autos, transitado em julgado.

Regressados os autos à 1ª instância, foi aí proferido o despacho de fls. 209, do teor seguinte:

“Na sequência do trânsito em julgado da sentença constante de fls. 117 e ss. no reportado à condenação da Autora U…, Lda. como litigante de má-fé, e tendo em consideração, quer os factos assentes em 7) a 13) dos Factos Provados constantes da sentença recorrida reportados ao incidente de má-fé, quer o teor da nota discriminativa e justificativa das despesas judiciais e honorários constante de fls. 130 apresentada pela Ré T…, Lda., a qual não foi objecto de impugnação pela Autora, e ao abrigo do disposto no art. 457º, nº 1, als. a) e b) do C.P.C. o Tribunal julga razoável fixar a quantia de € 2.800,50 a título de despesas judiciais e honorários a serem reembolsados à Ré, e bem assim a quantia indemnizatória de € 10.330,60 a título de prejuízos patrimoniais sofridos pela Ré, em consequência do arresto (ou seja, diferencial entre a média do rendimento auferido pela Ré antes do arresto e rendimento mensal auferido pela Ré em consequência do arresto, e bem assim, a quantia indemnizatória de € 1.000,00, a título de prejuízos não patrimoniais decorrentes da afectação do bom nome da Ré, em consequência do arresto, e motivados pela má-fé da Autora, por via do recurso à equidade nos termos previstos no art. 566º, nº 3 do Cód. Civ.

Pelo exposto, decido:

a) Condenar a Autora U…, Lda, a pagar à Ré T…, Lda, a quantia global de € 14.131,10, a título de litigância de má-fé.

Notifique.”

Inconformada, a A. voltou a recorrer, encerrando a alegação apresentada com as seguintes conclusões:

...

Não houve resposta.

O recurso foi admitido.

Nada a tal obstando, cumpre apreciar e decidir.


***

         Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Cód. Proc. Civil[2], é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foram colocadas essencialmente duas questões: (1) a da nulidade da decisão recorrida [artº 668º, nº 1, al. d)]; e (2) a do excesso do montante da indemnização fixada.

         2. FUNDAMENTAÇÃO

         2.1. De facto

         A factualidade relevante para a decisão do recurso é a que resulta do antecedente relatório e a que, sob a epígrafe «FACTOS PROVADOS», consta da sentença de fls. 117 a 128, para a qual, dando-a como reproduzida, se remete nos termos do artº 713º, nº 6.

         Pelo seu relevo para a apreciação e decisão da questão colocada pela recorrente, realçam-se, transcrevendo-os com a numeração que na mencionada sentença lhes coube, os seguintes factos a que o despacho recorrido expressamente alude:

7) Em consequência do arresto a correr por apenso, a ora Ré ficou praticamente inactiva na sua loja da V… uma vez que o imobiliário aí existente e arrestado era para venda…

8) …podendo a Ré encomendar aos fornecedores os móveis que os clientes pretendiam…

9) …mas que, devido ao prazo de entrega, acabaram por desistir, como aconteceu a dois clientes, a saber:

a) Um cliente que pretendeu um conjunto de sofá e mesa no valor de € 1.560,00, e

b) Outro que pretendeu um quarto de casal no valor de € 2.100.

10) Até à data do arresto, a loja da Ré vendia mensalmente cerca de €16.000,00.

11) No período do arresto e em consequência deste, a loja da Ré vendeu € 13.972,00 em Julho, e € 8.687,40 em Agosto, respectivamente.

12) A loja da Ré tem como despesas fixas mensais no valor de € 13.003,50.

13) Em consequência do arresto, o bom-nome da Ré ficou afectado perante os fornecedores e clientes.

         2.2. De direito

         2.2.1. Nulidade da decisão recorrida

         Na conclusão Z) da sua alegação a recorrente indica, entre as normas legais alegadamente violadas, o artº 668º, (nº 1), al. d).

         De acordo com tal disposição legal, a sentença (ou despacho – artº 666º, nº 3) é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (omissão de pronúncia) ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia).

         Esta causa de nulidade da sentença constitui a sanção para o incumprimento do preceito do artº 660º, nº 2, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. E não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

         A recorrente não justificou a inclusão do artº 668º, nº 1, al. d) entre as normas alegadamente violadas, isto é, não indicou de que questões conheceu o tribunal indevidamente ou que questões, também indevidamente, o tribunal não resolveu.

         E não as indicou porque, cremos nós, não existem.

         A sentença recorrida não padece, pois, da aludida nulidade.



         2.2.2. Montante da indemnização

         É adquirido processual insusceptível de discussão (artº 671º, nº 1) que a A. litigou de má fé, tendo mesmo sido já definitivamente condenada, por esse motivo, no pagamento de multa no montante de 5 (cinco) UCs.

         Em discussão resta apenas a questão do montante da indemnização a favor da R. que, com o mesmo fundamento, a A. deverá suportar (artºs 456º, nº 1 e 457º, nº 2).

         No despacho sob recurso foi, ao abrigo do disposto no artº 457º, nº 1, als. a) e b), esse montante fixado em € 14.131,10, sendo € 2.800,50 a título de despesas judiciais e honorários, € 10.330,60 a título de prejuízos patrimoniais resultantes do arresto a que respeita o procedimento cautelar apenso e € 1.000,00 a título de danos não patrimoniais decorrentes da afectação do bom-nome da R.

         A recorrente sustenta que tal montante é não equitativo, desproporcional e injusto.

         Vejamos se com ou sem razão.

         Nesta matéria impera o artº 457º que, sob a epígrafe «Conteúdo da indemnização», reza assim:

                “1 - A indemnização pode consistir:

a) No reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos;

b) No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má fé.

O juiz optará pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa.

2 - Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, serão ouvidas as partes e fixar-se-á depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte.

3 - Os honorários são pagos directamente ao mandatário, salvo se a parte mostrar que o seu patrono já está embolsado.”

A norma transcrita corresponde – com as ligeiras alterações resultantes da inclusão no conceito de litigância de má fé, feita pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12/12, para além do dolo, da negligência grave – ao artº 466º do Cód. Proc. Civil de 1939, em anotação ao qual o Prof. Alberto dos Reis escreveu[3]:

“No caso de indemnização simples ou de primeiro grau, o litigante de má fé só tem de pagar a importância equivalente às despesas que o seu adversário teve de fazer em consequência directa da má fé. Quer dizer, a responsabilidade limita-se aos danos directamente emergentes do procedimento doloso.

No caso de indemnização agravada ou de segundo grau, a responsabilidade traduz-se na fórmula «lucros cessantes e danos emergentes», quer os danos sejam consequência directa da má fé processual, quer sejam consequência indirecta.”

Corroborando o ensinamento daquele Ilustre Mestre, refere, em anotação ao artº 457º, Lebre de Freitas[4]:

“Estabelece-se, no nº 1, dois tipos de indemnização, de conteúdo mais reduzido o primeiro, de conteúdo mais abrangente o segundo. No caso da alínea a), apenas são indemnizados os danos emergentes directamente causados à parte contrária pela actuação de má fé. No caso da alínea b), são indemnizados todos os prejuízos que ela sofre, incluindo lucros cessantes, em consequência, directa ou indirecta, da actuação de má fé.”

Estipula ainda o nº 1 do artº 457º que, de entre as duas enunciadas possibilidades, “o juiz optará pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má fé, fixando-a sempre em quantia certa”.

“O que quer isto dizer?” – pergunta o Prof. Alberto dos Reis[5] e nós com ele.

“Quer dizer, naturalmente, – responde o autor da pergunta –, que o tribunal imporá ao litigante ou a indemnização simples, ou a indemnização agravada, conforme o grau de má fé, conforme a maior ou menor gravidade da conduta dolosa. O dolo, do mesmo modo que a culpa, é susceptível de graduação: pode ter revestido feição sumamente escandalosa e revoltante, pode ter-se manifestado em termos menos irritantes e graves, quase a roçar pela culpa lata. No 1º caso deve o juiz condenar na indemnização da alínea a); no segundo está indicado que utilize a espécie de indemnização autorizada pela alínea b)”[6].

E acrescenta o mesmo Mestre:

“O que não tem de ser levado em conta é a capacidade económica e financeira do condenado, nem tão pouco o valor da acção. A condição económica do arguido é elemento a considerar, como vimos, na fixação da multa, mas nenhuma influência deve exercer sobre a questão da indemnização. Aqui a lei é expressa: a conduta da parte vencida é que determina a opção pela indemnização simples ou pela indemnização agravada. E dentro de cada uma destas espécies o critério de que o juiz há-de servir-se para marcar o montante da indemnização está exposto no texto legal: num caso atende-se ao volume das despesas feitas pela parte lesada, no outro a todos os prejuízos, a todas as perdas e danos causados pela má fé.”

Ou seja, feita a opção pelo tipo de indemnização ajustado ao caso, não há que atender a outros critérios que não os decorrentes do estatuído no artº 457º, nº 1, al. a) se a opção foi pela indemnização simples; al. b) se a opção foi pela indemnização agravada.

Focando agora a atenção no caso que nos ocupa e tendo em conta que na decisão recorrida, embora referindo-se indistintamente às als. a) e b) do nº 1 do artº 457º, substancialmente se optou pela indemnização agravada, ou seja, pela da al. b), importa perguntar se tem ou não fundamento essa opção.

Pela sua pertinência, afigura-se-nos justificado transcrever o que sobre a questão da litigância de má fé foi dito no acórdão desta Relação de fls. 184 a 203. Aí se refere:

“Está no cerne da fundamentação do Tribunal «a quo», neste domínio, a seguinte afirmação:

«De facto, ao deduzir a pretensão fundada na falta de pagamento de rendas, nos presentes autos, e subsequentemente, ao decidido no âmbito do procedimento cautelar, era exigível à Autora, segundo os ditames da boa-fé, que se abstivesse de deduzir a dita pretensão, ou então, logo, ao propor a presente acção, deveria ter sido alegada factualidade susceptível de infirmar o sentido e alcance da dita declaração, ou quando muito, na réplica, pois a dita declaração era do conhecimento pessoal e directo da Autora.

No entanto, a posição processual adoptada pela Autora - como se viu atrás - foi exactamente a mesma da tomada em sede de procedimento cautelar para justificar o seu crédito (ou seja, como se as vicissitudes ocorridas a este respeito, em sede de procedimento cautelar não se tivessem verificado), tendo, no essencial, alegado, apenas, a falta de pagamento das rendas, mas omitindo, porém, e censuravelmente, que ele (o legal representante da Autora) havia declarado, por escrito, em data anterior, que as rendas se encontravam liquidadas.»

Extraímos, da análise dos autos, que, com data de 08.06.2010, ou seja, menos de dois meses antes da entrada em juízo da petição inicial, Eleutério Costa - o  mesmo que em 30.04.2008 afirmara, em representação da Autora, nos termos constantes do documento que tem constituído referência recorrente no seio da presente análise - concedia poderes forenses a profissional do foro para instaurar acção em que a sociedade por si representada pretendia cobrar o que dois anos antes declarara não ser devido.

Na petição inicial, instaurada em tal contexto, não foi feita qualquer referência à apontada realidade, antes se furtou ao conhecimento do Tribunal essa referência central da questão a avaliar.

É censurável que a Demandante tenha procurado ocultar do órgão jurisdicional competente a existência de tal documento, intervindo nos autos como se ele não existisse e, mais, se tenha limitado a tratá-lo, já em sede de recurso e no texto que quis referenciar nas alegações como correspondendo à sua réplica - tentando, assim, repor «em circulação», sob as vestes de matéria de alegação, articulado declarado extemporâneo, antes mesmo da decisão deste Tribunal «ad quem» sobre a sua admissibilidade - como algo que não negou ter redigido e subscrito mas também não sabe dizer o que significaria, dando-lhe a aparência subliminar de documento da Ré e não seu.

Apenas curou de deixar suspensa a dúvida sobre quanto foi pago, quem pagou e a razão da liquidação, não se preocupando minimamente com contribuir para o esclarecimento dos factos e, logo, para a correcta administração da Justiça, como se não fosse o aludido sócio-gerente e logo a Ré sua representada quem se encontrava nas melhores condições para tornar conhecido o conteúdo e objecto da declaração sendo que, como vimos, o aí declarante também não constou do rol de testemunhas da Autora.

A conduta espelhada nos autos desenha-se como directamente querida, logo dolosa e não meramente negligente.

A condenação a título de litigância de má-fé mostra-se adequada ao Direito e aos fins processuais de moralização dos comportamentos no seio das acções judiciais e tutela do respeito dos princípios da cooperação e da boa-fé mencionados nos art.s 266.º-A e 266.°, ambos do Código de Processo Civil”(sublinhado nosso).

A conduta da recorrente enquadra-se, pois, no domínio do dolo, dolo esse que não poderemos deixar de qualificar de intenso, porquanto, apesar de, através do seu representante legal, ter declarado, em 30/04/2008, que “se considera liquidado totalmente respeitantes ás rendas até à presente data”, não se inibiu de, sem quaisquer explicações ou justificações, em 16/06/2010, instaurar procedimento cautelar de arresto com fundamento num alegado crédito de rendas anteriores à data da declaração, nem de, com o mesmo fundamento, intentar, em 28/07/2010, a acção declarativa.

Cremos, pois, que a opção pela indemnização agravada prevista na al. b) do nº 1 do artº 457º tem total fundamento.

Ora, como se viu, a indemnização agravada abrange, de acordo com a al. b) do nº 1 do artº 457º, o reembolso das despesas previstas na al. a) – isto é, das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos – e ainda a satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má fé.

No tocante às despesas judiciais e honorários suportados pela R. devido à litigância de má fé da A. há que acatar o que consta da nota discriminativa e justificativa de fls. 130, montando elas, portanto, a € 2.800,50.

Quanto aos restantes prejuízos sofridos pela R., relevam os factos considerados provados na sentença de fls. 117 a 128, acima transcritos, isto é, que devido ao arresto efectuado, a loja da …, que vendia mensalmente cerca de € 16.000,00, vendeu apenas, no mês de Julho € 13.972,00 e no mês de Agosto € 8.687,40. Ou seja, os prejuízos ascendem a € 9.340,60 [€ 16.000,00 x 2 – (13.972,00 + € 8.687,40)].

Mas provou-se também que em consequência do arresto o bom-nome da R. ficou afectado perante os fornecedores e clientes. Trata-se de um dano de natureza não patrimonial merecedor, a nosso ver, da tutela do direito. Contudo, dado o tipo de actividade a que a R. se dedicava e a circunstância de ter continuado a poder encomendar os móveis que os clientes pretendiam, afigura-se-nos que a reparação equilibrada e justa por esse dano – recorrendo, neste particular, à equidade – se queda pela quantia de € 500,00 (quinhentos euros).

A indemnização total a pagar pela recorrente à recorrida, fundada na litigância de má fé daquela, cifra-se, pois, em € 12.641,10 (€ 2.800,50 + € 9.340,60 + € 500,00).

Logram êxito, na medida indicada, as conclusões da alegação da recorrente, o que importa a procedência parcial da apelação e a revogação, também parcial, do despacho recorrido.

Sumário (artº 713º, nº 7):

I – A indemnização baseada na litigância de má fé pode revestir duas modalidades: (1) indemnização simples, consistente no reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos [artº 457º, nº 1, al. a) do CPC]; (2) indemnização agravada, abrangendo não só o reembolso das despesas referidas como também a satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má fé [artº 457º, nº 1, al. b) do CPC].

II – Incumbe ao juiz optar pela indemnização que julgue mais adequada, tendo como critério fundamental a gravidade da conduta do litigante de má fé e fixando-a sempre em quantia certa [artº 457º, nº 1, parte final, do CPC].

III – É adequada a indemnização agravada se o litigante instaura em 2010 um procedimento cautelar de arresto e intenta a correspondente acção declarativa com fundamento num alegado crédito de rendas anteriores a 30/04/2008, data em que subscrevera uma declaração dizendo considerar-se “liquidado totalmente” relativamente “às rendas até à presente data”.    

         3. DECISÃO

         Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, consequentemente, em revogar em parte o despacho recorrido, reduzindo para € 12.641,10 (doze mil seiscentos e quarenta e um euros e dez cêntimos) a indemnização a pagar pela A./recorrente U…, Lda à R. /recorrida T…, Lda com fundamento na decretada litigância de má fé.

         As custas são a cargo de recorrente e recorrida na proporção do decaimento.

                                                        Coimbra,


[1] São os seguintes os “termos expostos atrás”:

   “Nesta sequência, urge dizer que a título de condenação como litigante de má-fé, pretende a Ré ser indemnizada numa quantia de € 1.500,00 correspondente às despesas judiciais e honorários do mandatário judicial, por um lado, e numa quantia de €16.960,00 decorrente dos prejuízos causados com o arresto e a ofensa ao bom nome da Ré, por outro.

  No entanto, a Ré não discriminou quais as despesas judiciais e quais os actos praticados pelo mandatário judicial, à ordem do mandato judicial conferido pela Ré, de modo a aquilatar-se da justeza do valor a arbitrar a título de despesas judiciais e honorários, pelo que se impõe à Ré liquidar as despesas e os honorários devidos ao mandatário em obediência ao disposto no art. 457º, nº 2, do C.P.C., no prazo a fixar pelo Tribunal, sendo que após a Ré proceder em conformidade com o exposto atrás, o Tribunal arbitrará a indemnização global a pagar à Ré, a título de honorários e outros prejuízos já assentes nos factos provados, em despacho complementar ulterior, por uma questão de metodologia processual.

  Resta apenas acrescentar que o montante da multa a aplicar é fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste -art. 27º, nº 3, do RCP aprovado pelo D.L. nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, sendo que, dada a especial censurabilidade da conduta processual adoptada pela Autora, será de aplicar o disposto no nº 2 do citado art. 27º.

  Nesta linha, sopesando os elementos enunciados no citado nº 3, do art. 27º, afigura-se proporcional à gravidade da conduta processual da Autora aplicar-lhe uma multa processual no montante de 5 UCs.”
[2] Diploma a que pertencem todas as disposições legais adiante citadas sem menção da origem.
[3] Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 3ª edição – Reimpressão, pág. 276.
[4] Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, Coimbra Editora 2001, pág. 200.
[5] Obra e volume citados, pág. 278.
[6] Lebre de Freitas diz que “a opção entre um e outro tipo de indemnização é função da gravidade da conduta reprovável do litigante”.