Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
319/10.2TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA
RESTITUIÇÃO
VEÍCULO
Data do Acordão: 04/28/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 381.º DO CPC
Sumário: O direito de locadora ao facere integrado pela prestação positiva da restituição de veículo não é dificilmente reparável por causa da sua perda, inutilização ou grande depreciação. Em tal caso, surge o direito de indemnização previsto no art.º 566, nº 1, do Cód. Civil. Só ocorrerá a difícil reparabilidade se o crédito pecuniário correspondente ao dano patrimonial sofrido pela locadora não puder ser totalmente satisfeito, por insuficiência de activo do locatário.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A...., instaurou no 1º Juízo Cível de Pombal um procedimento cautelar não especificado contra B... requerendo que fosse ordenada a apreensão do veículo marca Renault, modelo Clio III, com a matrícula ...-DS-..., com entrega do mesmo a determinado fiel depositário.

Para tanto alega – em síntese – ter celebrado com o Requerido um contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor tendo o Requerido deixado de pagar as rendas respectivas; em função disso, depois de o haver interpelado para solver todas as quantias vencidas, comunicou-lhe a resolução do contrato em 10/11/2008; entretanto, o Requerido continua a usar o veículo, o que provoca a sua depreciação e agrava o risco de o mesmo sofrer acidentes, daí decorrendo para a Requerente e locadora um prejuízo dificilmente reparável.

Em despacho liminar, a M.ma Juíza, por considerar que não estavam preenchidos todos os requisitos legalmente exigidos, decidiu julgar improcedente o procedimento e não decretar a providência requerida.

Irresignado com semelhante veredicto, dele interpôs recurso a Requerente, admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

                                                                             *

São os seguintes os pressupostos de facto tidos em conta na decisão recorrida:

1. No âmbito da sua actividade, celebrou a Requerente com o Requerido, no dia 12/10/2007, o contrato de locação n° 612652.

2. Nos termos do contrato referido em 1), a Requerente deu de aluguer ao Requerido uma viatura da marca RENAULT, modelo CLIO, III, com a matrícula ...-DS-..., a qual lhe foi efectivamente entregue.

3. A viatura, para esse efeito, foi adquirida pela Requerente ao fornecedor C..., pelo preço total de Eur: 17.250,00€.(IVA incluído), consoante resulta da factura.

4. A propriedade da referida viatura encontra-se registada a favor da Requerente (cfr. certidão da Conservatória do Registo de Automóvel)

5. Por força do referido contrato, obrigou-se o Requerido a pagar à Requerente, os alugueres contratados, no montante de Eur: 243,86 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, num total de 72 meses (Cfr. Cláusulas 2.a e 3.a das Condições Particulares).

6. O Requerido não efectuou os seguintes pagamentos devidos a título de alugueres nas datas de vencimento: Nº 09 de 23/06/2008 Eur.: 295,07€; 10 de 23/07/2008 Eur.: 292,63€.; 11 de 23/08/2008 Eur.: 292,63€; 12 de 23/09/2008 Eur.: 292,63€; e 13 de 23/10/2008 Eur.: 292,63€.. 

7. A Requerente enviou uma carta registada com aviso de recepção datada de 10/11/2008, na qual instou o Requerido a pagar os montantes em dívida e o informou que caso o não fizesse no prazo fixado o contrato considerar-se-ia automaticamente resolvido, devendo o mesmo proceder à entrega da viatura na sede da ora Requerente ou em qualquer das suas delegações.

8. Carta esta que foi, recebida pelo Requerido.

9. Nos termos da cláusula 19a das Condições Gerais, tendo os alugueres permanecido por pagar por mais oito dias úteis a contar da data da recepção da supra referida carta, o contrato considera-se automaticamente resolvido de acordo com as condições gerais do contrato.

10. Até à presente data, o Requerido não pagou a totalidade dos montantes em divida nem quaisquer outros.

11. O requerido ainda não procedeu à restituição do referido veículo.  

 

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A apelação.

Nas conclusões com que fecha o respectivo arrazoado conclusivo a recorrente coloca como questão central o problema de saber se diante  da factualidade alegada se pode ver aí configurado o justo receio de o Requerido vir a causar uma lesão grave e dificilmente reparável do direito da Requerente (agora recorrente).

Desde já se adianta que – sem embargo do respeito devido – a tese da recorrente não merece ser acolhida, estando a razão inteiramente do lado da decisão recorrida, que é de confirmar sem qualquer reserva.

Se não vejamos.

Tal como se realça no aresto impugnado, para o decretamento da providência cautelar não especificada, prevista no art.º 381 do CPC importa que se alegue e prove:

a) A probabilidade da existência de um concreto direito ameaçado:

b) O fundado receio de que, até à efectivação da sentença a obter na acção a propor, alguém cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito;

c) Ao caso não convenha nenhuma das providências tipificadas;

d) A providência seja adequada a afastar o periculum in mora:

e) A proporcionalidade da medida, de modo que o prejuízo dela resultante não exceda o dano que se quer evitar.

Entendeu a M.ma Juíza que a Requerente – agora apelante – "tinha de alegar – e não alegou – era que a conduta do requerido ia tornar impossível ou muito difícil o ressarcimento pela requerente dos prejuízos havidos com a demora na entrega do veículo". E que "com vista a obter suficientes indícios da incapacidade do requerido em satisfazer as obrigações para com a requerente, tinha esta que alegar e provar que o requerido não tem outros meios com que pagar a dívida emergente do contrato de aluguer, ou que vem incumprindo para com outros credores as suas obrigações, delapidando ou escondendo património no intuito de se furtar ao pagamento da dívida à requerente".

No entanto, a Requerente cingiu-se a aduzir que a continuação do uso do veículo pelo Requerido lhe acarreta forte depreciação, bem como faz temer o risco de acidentes (que, além do mais, também o podem desvalorizar fortemente).

Para fundamentar a existência de prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação a Requerente invoca a desvalorização derivada da utilização da viatura e do mero decurso do tempo.

É certo que o veículo se desvaloriza pelo uso e pelo tempo.

E que a não entrega do veículo após a resolução do contrato e o recurso a meios judiciais morosos com vista a recuperar o veículo tendem a agravar essa desvalorização.

            No entanto, é preciso que a lesão assim causada - no direito da Requerente de ter o veículo de volta - seja dificilmente reparável.

            E só é dificilmente reparável se a Requerente tiver dificuldades em ser ressarcida através de uma indemnização pecuniária.

            Ora, sobre a situação patrimonial do Requerido e sobre sua capacidade para reparar os prejuízos a Requerente silenciou.

            Poderá argumentar-se que se o Requerido deixou de pagar os alugueres isso se deve naturalmente a dificuldades económicas, que se podem agravar, mas essa presunção é arriscada.

            A desvalorização do veículo não justifica, assim, e por si só, o decretamento da providência (Ac. R.Lx. de 30.3.2004 e Ac. R.P. de 19.4.2007, ambos in www.dgsi.pt).

            Invocou, ainda, a Requerente na petição o perigo de ter de responder por acidentes de viação não cobertos pelo seguro.

            Porém, esse risco não existe dado que, permanecendo o veículo em poder do Requerido contra a vontade e o interesse da Requerente, esta não pode ser responsabilizada nos termos do art. 503, nº 1 do CC (cfr. os supra citados acórdãos).

Acentua a Requerente – agora na sua minuta recursiva – que o que está em jogo é o seu direito de propriedade sobre o veículo alugado e que esse bem corre grave risco, traduzido na possibilidade de se inutilizar e desvalorizar fortemente se continuar em poder do Requerido.

Só que o direito a acautelar não é estritamente e apenas o direito de crédito, tendo por objecto a restituição da viatura alugada no termo do prazo contratual.

O direito da Requerente ao facere integrado pela prestação positiva da restituição do veículo não é dificilmente reparável por causa da sua perda, inutilização ou grande depreciação. Em tal caso, surge evidentemente o direito de indemnização previsto no art.º 566, nº 1, do Cód. Civil. Só ocorrerá a difícil reparabilidade se o crédito pecuniário correspondente ao dano patrimonial sofrido pela locadora não puder ser totalmente satisfeito, por insuficiência de activo do locatário.

E, na verdade, quanto a este aspecto, que contende com a possibilidade de o património do Requerido poder responder por toda a indemnização devida, a Requerente nada alegou.   

É que com a petição tinha a Requerente justificar o receio da lesão (cfr. art. 384, nº 1 do CPC).

Era sobre ela que impendia o ónus de alegar os factos que justificam a existência do periculum in mora (cfr. art. 264, nº 1 do CPC).

Em resumo, a Requerente não alegou factos que justificassem o receio de lesão grave e dificilmente reparável do seu direito.

E não se argumente com o paralelismo do DL n.° 54/75, de 24 de Fevereiro e DL n.º 149/95, de 24 de Junho, que dispensam a prova do periculum in mora.

É que esses diplomas contêm normas excepcionais que não comportam aplicação analógica nos termos do art. 11 do CC, não sendo, por isso, possível estendê-las ao contrato de aluguer de longa duração (Ac. R.Lx. de 4.7.2006 e Ac. R.P. de 11.9.2008, também em www.dgsi.pt).

Em suma: o recurso não alcança o seu desiderato.

Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirmam a decisão.

Custas pela apelante.


Freitas Neto (Relator)
Carlos Barreira
Barateiro Martins