Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1790/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. MONTEIRO CASIMIRO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
Data do Acordão: 05/25/2004
Votação: PROFERIDA PELO RELATOR AO ABRIGO DO ART.º 705.º C. P. C.
Tribunal Recurso: AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: ART.º 51 N.º 5 DO CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES
Sumário:

I – Resulta do n.º 5 do art.º 51 do Código das Expropriações que a notificação do despacho de adjudicação, da decisão arbitral e de todos os elementos apresentados pelos árbitros deve ser efectuada no mesmo acto, conjuntamente, e não por fases, ou separadamente.
II - Constitui nulidade, com previsão no art. 201.º do C.P .Civil, a omissão da notificação da decisão arbitral, a qual deve ser arguida no prazo de 10 dias a contar do momento em que o expropriado é notificado apenas do despacho de adjudicação.
Decisão Texto Integral:
No processo de expropriação por utilidade pública a correr termos no Tribunal da comarca de Aveiro, em que é expropriante o BB e expropriados CC e DD, foi, em 12/09/2003, proferido despacho (fls. 153) a adjudicar à entidade expropriante a propriedade da parcela a expropriar, ordenando-se, a final, que se procedesse a todas as notificações referidas no artº 51º, nº 5, do Código das Expropriações.

Os expropriados passaram procuração (v. fls. 6) a favor de EE.
Por sua vez, a EE, conforme consta da procuração forense junta a fls. 13, constituiu seu advogado o Sr. Dr. FF, com escritório na Rua Homem Cristo (Filho), nº 74/B, Aveiro, a quem, com o de substabelecer, receber custas judiciais e precatórios-cheques, conferiu poderes forenses gerais.

O despacho de adjudicação foi notificado ao aludido mandatário por carta de 12/09/2003, que nada disse ou requereu.

Em 18/09/2003 foi proferido despacho (fls. 163) a indeferir um requerimento da entidade expropriante a pedir a isenção do pagamento de juros por inexistência de culpa na demora no processamento do depósito da quantia definida na arbitragem.

Esse despacho foi notificado ao mandatário da procuradora dos expropriados, por carta de 17/10/2003, que nada disse ou requereu.


A fls. 168/170 foi junto expediente da Conservatória do Registo Predial de Aveiro dirigido ao Tribunal de Aveiro, a notificar que o registo foi efectuado provisoriamente por dúvidas.

Em 12/12/2003, foi proferido novo despacho (fls. 174), a ordenar que fosse dado conhecimento de tal expediente às partes.

O aludido despacho foi notificado àquele mandatário por carta de 12/12/2003.

Em 15/12/2003 (fls. 177/180) veio a procuradora dos expropriados, EE, requerer (em requerimento subscrito pelo seu mandatário) ao Sr. Juiz do processo:
1- Que ordene a respectiva secção que cumpra integralmente o despacho proferido em 12/09/2003, para que esta proceda a todas as notificações aí aludidas por referência ao nº 5 do artº 51º do Código das Expropriações.
2- Subsidiariamente, e só para o caso de não proceder o anterior pedido, que declare a nulidade processual por omissão da notificação aos expropriados da decisão arbitral e demais elementos referidos no nº 5 do artº 51º do Código das Expropriações, com todas as devidas consequências legais.

Sobre esse requerimento recaiu o despacho de 09/01/2004 (fls. 189/190), que indeferiu o requerido, por se considerar que, tendo efectivamente sido cometida uma irregularidade na notificação dos expropriados, deveriam eles tê-la arguido no prazo legal de 10 dias e não apenas decorridos cerca três meses depois.
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Inconformada com tal decisão, interpôs a EE recurso de agravo, rematando a sua alegação com extensas conclusões (são quase tão extensas como a respectiva alegação), que, por isso, aqui as dou como reproduzidas, abstendo-me de o fazer na íntegra.
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O recorrido absteve-se de contra-alegar.


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O Sr. Juiz sustentou, tabularmente, o despacho recorrido.
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Cumpre decidir, ao abrigo do disposto no artº 705º do Código de Processo Civil, atenta a simplicidade da questão proposta.
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A questão suscitada no recurso consiste, essencialmente, em saber se foi cometida uma irregularidade por parte da secretaria do tribunal com o não cumprimento integral do despacho de 12/09/2003, que, por poder influir na decisão da causa, é enquadrável no artº 201º e, em caso afirmativo, se tal irregularidade se encontra, ou não, sanada.

O Código das Expropriações (aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, aplicável ao presente caso) dispõe, no seu nº 1 (na parte que aqui interessa), que a entidade expropriante remete o processo de expropriação ao tribunal da comarca da situação do bem expropriado no prazo de 30 dias, a contar do recebimento da decisão arbitral.
Estabelece, depois, no nº 5, que, depois de devidamente instruído o processo e de efectuado o depósito do montante arbitrado, o juiz adjudica à entidade expropriante a propriedade e posse (...), e ordena simultaneamente a notificação do seu despacho, da decisão arbitral e de todos os elementos apresentados pelos árbitros, à entidade expropriante e aos expropriados e demais interessados, com indicação, quanto a estes, do montante depositado e da faculdade de interposição de recurso a que se refere o artº 52º (o realce é nosso).
De acordo com o disposto nº 1 do artº 253º do Cód. Proc. Civil, as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.
Resulta do nº 5 do artº 51º do C.E., de forma evidente e sem margem para dúvidas, que a notificação do despacho de adjudicação, da decisão arbitral e de todos os elementos apresentados pelos árbitros deve ser efectuada no mesmo acto, conjuntamente, e não por fases, ou separadamente.

Isto é, a notificação é feita de uma só vez e não separadamente, em momentos temporais distintos, notificando-se primeiro o despacho de adjudicação, depois a decisão arbitral e por fim os elementos apresentados pelos árbitros.
E que, portanto, se a notificação omitir qualquer desses aspectos, estamos perante uma irregularidade processual.
Como tal irregularidade pode ter influência no exame e na decisão da causa, uma vez que a omissão da notificação pode ter como consequência que não seja interposto recurso da decisão arbitral, produz a nulidade prevista no artº 201º.
Essa nulidade não é de conhecimento oficioso, tendo de ser arguida pelo interessado na observância da formalidade (artº 202º).
Se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que for cometida, pode ser arguida enquanto o acto não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo, ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando pudesse conhecer, agindo com a devida diligência (artº 205º, nº 1).

No presente caso, não restam dúvidas que estamos perante uma nulidade com previsão no artº 201º, por ter sido omitida a notificação da decisão arbitral e dos elementos apresentados pelos árbitros.
Importa, portanto, ver se tal nulidade foi arguida atempadamente ou não.
No despacho recorrido optou-se pela negativa, por se entender que, não tendo os expropriados, aquando da notificação do despacho de fls. 153, sido também notificados, como deviam ser, nos termos do artº 51º, nº 4, do C.E, tinham que reagir à irregularidade no prazo legal de 10 dias, e não apenas cerca de três meses depois, encontrando-se, por isso, sanada tal nulidade.
Não merece censura o despacho recorrido, pela seguinte ordem de considerações.
O mandatário judicial da procuradora dos expropriados – que, portanto, os representa no processo - foi notificado do despacho de adjudicação, por carta remetida em 12/09/2003.


Nesse despacho ordena-se que se proceda a todas as notificações referidas no artº 51º, nº 5, do Código das Expropriações.
Sendo aquele mandatário advogado, conhecendo, portanto, certamente, aquela norma, deveria ter verificado que tinha sido omitida a notificação da decisão arbitral e dos elementos apresentados pelos árbitros, bem como a indicação do montante depositado e da faculdade de interposição de recurso.
Por isso, deveriam os expropriados ter reagido contra tal omissão, arguindo a respectiva nulidade, o que se abstiveram de fazer.
Mas, ainda que se pudesse considerar normal e justificável que os expropriados entendessem que a notificação a que alude o nº 5 do artº 51º do C.E. poderia ser efectuada em momentos distintos, há que ver que aqueles foram notificados (através do mandatário judicial) do despacho proferido em 18/09/2003 (de folhas 163), por carta de 17/10/2003, portanto, mais de um mês depois de terem sido notificados do despacho de adjudicação.
Ora, a notificação deste despacho de 18/09/2003 sem que ainda tivesse sido efectuada a notificação da decisão arbitral e dos elementos apresentados pelos árbitros, em cumprimento integral do que dispõe aquele nº 5 do artº 51º, deveria ter alertado os expropriados, se agissem com a devida diligência, para a estranha situação, levando-os a consultar o processo para confirmarem a omissão da notificação e a arguirem a nulidade, sendo caso disso. O que, mais uma vez, não fizeram.
Só após terem sido notificados do despacho proferido em 12/12/2003, cerca de três meses depois de terem sido notificados do despacho de adjudicação, é que os expropriados vieram reclamar da omissão da notificação e arguir a respectiva nulidade.
Nessa altura já há muito a nulidade se encontrava sanada, pelo que bem indeferida foi a respectiva arguição.

Importa apenas referir que - independentemente de ser duvidoso que o disposto no artº 161º tenha aplicação no presente caso, visto que a reclamação referida no nº 5 diz respeito aos actos praticados por funcionários e não à omissão de actos praticados por funcionários e que os erros e omissões referidos no nº 6 respeitam aos actos praticados pela secretaria e não aos actos que ela se absteve de praticar, sob pena de nesses casos nunca haver nulidades - a reclamação prevista nesse nº 5, que é sempre admissível, não pode ter lugar a todo o tempo, mas apenas dentro do prazo legal de 10 dias, a contar do momento em que a parte se considera prejudicada com a prática do acto (artº 153º, nº 1).

Por outro lado, ao contrário do que alegam os recorrentes, a notificação da decisão arbitral não pode ser equiparada à citação, por em regra, chamar pela primeira vez ao processo judicial os expropriados, visto que, no presente caso, já se havia verificado a intervenção destes, que até constituíram mandatário.

Finalmente, não colhe a alegação de que se verifica ainda outra nulidade, traduzida na falta de notificação pessoal aos expropriados de todos os actos referidos no nº 5 do artº 51º do C.E., pois que o advogado constituído no processo apenas foi mandatado para requerer ao Tribunal a constituição e promoção da arbitragem, pelo que uma vez obtido esse resultado ficou esgotado o seu mandato.
Com efeito, os artºs 36º e 37º regulam a extensão dos poderes do mandato judicial, o qual terá a extensão que a parte lhe assinalar no respectivo instrumento.
Ora, como já atrás se referiu, a procuração outorgada por EE ao mandatário judicial concede-lhe poderes forenses gerais, o que tem como consequência que o mandato atribui poderes ao mandatário para a representar em todos os actos e termos do processo principal e respectivos incidentes (nº 1 daqueles artºs 36º e 37º), não ocorrendo, portanto, os limites invocados.

É assim de concluir que não merece censura o despacho recorrido, não podendo o recurso deixar de improceder.
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Pelo exposto, nego provimento ao recurso, mantendo o despacho recorrido e condenando a recorrente nas custas.