Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
21/08.5FDCBR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: EXPLORAÇÃO ILÍCITA DE JOGO
Data do Acordão: 02/02/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALCANENA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 3º, 4º , 108º,161º E 163º DO DECRETO-LEI Nº 422/89 DE 2 DE DEZEMBRO
Sumário: A introdução de uma moeda numa máquina que inicia de imediato uma jogada, sem ser necessário pressionar qualquer botão iluminando-se um dos 64 “leds”, sendo percorridos todos os restantes, com um movimento giratório gradual até parar ao fim de 3 ou 4 voltas, fixando-se aleatoriamente num dos orifícios mencionados não merece a qualificação de jogo de fortuna ou azar não integrando a prática do crime de exploração ilícita de jogo apenas sendo susceptível de integrar a contra-ordenação prevista nos artigos 161º e 163º da Lei do Jogo.
Decisão Texto Integral: I. Relatório
No processo comum singular 21/08.5FDCBR do Tribunal Judicial de Alcanena o arguido RS..., devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento mediante acusação pública da prática de um crime de exploração ilícita de jogo p. e p. pelos artigos 3º, 4º e 108º do Decreto-Lei nº 422/89 de 2 de Dezembro.

Realizado o julgamento foi proferida sentença que, por força de reenvio parcial decretado nesta Relação para apuramento de quem é proprietário da máquina de jogo em causa e em que qualidade interveio o arguido, na sequência de recurso interposto, perdeu validade.

Realizado novo julgamento restrito ao apuramento da matéria de facto identificada na decisão de reenvio, foi proferida sentença em 1 de Março de 2010 que condenou o arguido como autor do imputado crime, na pena de quatro meses de prisão, substituída pela pena de cento e vinte dias de multa à taxa diária de oito euros, e na pena de oitenta dias de multa à taxa diária de oito euros; e, em consequência, na pena única de duzentos dias de multa à taxa diária de oito euros, o que perfaz o valor global de mil e seiscentos euros.
Foi ainda declarado o perdimento a favor do Estado da máquina de jogo apreendida e determinada a sua destruição.

Inconformado com esta decisão, dela recorreu o arguido, rematando a correspondente motivação com as seguintes conclusões:
a) O presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito, sendo que se verificam igualmente os vícios das als. a) e b) do n.º 2 e do art.º 410.º do CPP, vícios estes resultante do texto da sentença recorrida;
b) Os pontos 1, 6 e 12 da decisão de facto configuram entre eles uma contraditoriedade da decisão de facto, pois dá-se como provado que quem explora o estabelecimento é uma sociedade, mas depois dá-se como provado que quem explora o estabelecimento é uma pessoa singular, mais concretamente o recorrente e depois dá-se como provado que, apesar de figurar uma pessoa colectiva como exploradora do estabelecimento, quem explora a máquina e o jogo é o recorrente!? Não se entende da fundamentação/motivação da sentença recorrida como chegar a todas estas conclusões decisórias de facto (não se especifica na decisão recorrida quem provas sustentam que factos provados).
c) Do texto da sentença recorrida resultam os vícios constantes das als. a) e b) do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal;
d) A sentença recorrida violou o art.º 108.º, n.ºs 1 e 2 do DL 422/89; 127.° do CPP e art.º 374.° do CP'P.
e) Foram igualmente violados os princípios da presunção de inocência do recorrente a o in dúbio pro reo, pois sem prova cabal e que a tal decisão conduza (conforme despacho para reabertura inválida da audiência de julgamento), decide-se condenar o recorrente pela prática do crime de que vem acusado, não se dando, inclusiva e expressamente como provado que o mesma fosse o responsável pelo estabelecimento onde a máquina se encontrava em exploração e não se diga que o ora alegado é uma mera discordância da convicção da prova por parte do recorrente, porque o que o recorrente alega e defende quanto à revogação da sentença recorrida pela verificação dos vícios do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, decorre tão somente do texto da decisão recorrida.
f) A sentença recorrida erra quanto à qualificação do jogo em causa, já que qualifica tal jogo como de fortuna ou azar, quando na realidade tal jogo deve ser qualificado como modalidade afim de fortuna ou azar, e neste sentido O DOUTO ACÓRDÃO DO STJ DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDENCIA N.º 04/2010 DE 08/03 e bem assim os Doutos Ac.s do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 26/10/1994, in www.dgsi.pt; do Venerando Tribunal da Relação do Porto de 14/07/1999, in www.dgsi.pt, numa modalidade de jogo afim de fortuna ou azar exactamente igual à dos presentes autos, sendo este Douto Aresto muito esclarecedor acerca desta matéria; Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, nos Recursos n.ºs 7974/98, da 3.ª Secção, de 11/10/2000, Rec. 4140/97, 3.ª Secção, de 12/11/1997, Rec. 442/96, 3.ª Secção, de 29/10/1997 e de entre muitos outros 9689/04, da 3.ª Secção, de 16/02/2005.
g) E por fim não se tente demover o recorrente de recorrer com condenações desmesuradas e infundadas, de 10 UC de custas, como tem sido hábito nesse Tribunal, porque os recorrentes tem direito a recorrer das decisões que lhes sejam manifestamente desfavoráveis e vão continuar a fazê-lo, para integral cumprimento do CPP por parte de todos os sujeitos processuais.
Pelo exposto, deverá a sentença recorrida se revogada e ser substituída por outra que absolva o recorrente, portanto ser de direito e de justiça.

Notificado, o Ministério Público respondeu ao recurso interposto, concluindo o seguinte:
Questão A:
A. De facto, entre os pontos 1 e 12 da matéria de facto dada como provada verifica-se uma contradição, na medida em que se refere no primeiro ponto que o estabelecimento comercial é explorado pela sociedade "RS... Lda." e no ponto 12 se diz que RS... explora o mencionado estabelecimento comercial.
B. Ora, o que se extraiu da audição da prova e dos elementos juntos aos autos é que o estabelecimento é explorado pela sociedade, da qual o arguido é sócio gerente.
C. De facto, o arguido determina a vontade da sociedade, pelo que, como na prática, muitas vezes sucede, a sociedade é determinada pela vontade de um gerente e ambas as personalidades jurídicas se confundem.
D. Assim, considero que, apenas por lapso, no n° 12 da douta decisão recorrida não foi mencionado que o arguido explora o estabelecimento como sócio gerente da sociedade em apreço, como bem ficou demonstrado nos autos.
E. Quanto à exploração da máquina de jogo, o artigo 6) é bem claro em dar como provado que era o próprio arguido, pessoa singular, que explorava a máquina existente no estabelecimento.
F. O facto de o estabelecimento ser explorado pela sociedade nada impede ou conflitua que a máquina seja explorada pelo arguido, pessoa singular, como bem se demonstrou.
G. O depoimento dos inspectores, ouvidos em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, sobre a atitude da funcionária do estabelecimento é, no meu entender claramente demonstrativa de que a máquina era apenas explorada pelo arguido a título pessoal.
H. A decisão está bem fundamentada, pelo que a este respeito, não merece crédito a pretensão do recorrente.
Questão B
I. Importa, em primeiro lugar atentar no processo em apreço.
O arguido havia já sido julgado e condenado em primeira instância pela prática do crime em causa.
Tal decisão foi objecto de recuso, sendo que, conforme douto acórdão de fls. 223 a 229, o Tribunal da Relação de Coimbra deu provimento ao recurso, determinando a repetição da audiência de julgamento, restringindo-a ao apuramento da questão de saber quem explorava a máquina de jogo, como se transcreve de fls. 227 dos autos:
J. Conforme preceitua o artigo 426º nº 1 in fine, o Tribunal da Relação determinou o reenvio do processo para novo julgamento, para apreciação de questões concretamente identificadas da decisão de reenvio.
K. No meu entender, tal modalidade limita a apreciação do Tribunal que repete o Julgamento à apreciação da matéria controvertida.
Tal limitação deverá manter-se ao recurso interposto desta segunda de decisão que, salvo melhor opinião, não poderá recair sobre questões que ficaram já decidas na primeira decisão e que não foram objecto de reapreciação, por parte do Tribunal.
L. Pelo exposto, entendo que o douto Tribunal a quo não deve apreciar nem conhecer da segunda questão levantada pelo arguido. Porém e caso assim não se entenda, sempre diremos que não assiste razão ao arguido porquanto:
M. A questão em apreciação no acórdão uniformizador de jurisprudência 4/2004 prende-se em distinguir o jogo de fortuna ou azar das suas modalidades afins.
N. Trata-se de questão controvertida, tanto na jurisprudência, como na doutrina, tendo já sido apontadas diversas soluções para a sua destrinça, as que se centram em, essencialmente:
- se o resultado do jogo depende apenas da sorte do jogador;
- se os prémios atribuídos são apenas monetários
- no conceito de operações oferecidas ao público
O. O douto acórdão referido fixa jurisprudência no sentido de que são máquinas de jogo de fortuna ou azar:
Os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
Os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios de jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
P. Conforme relatório pericial de fls. 66, e decisão de fls. 272 a máquina em apreço consiste no seguinte:
. Após a introdução de uma moeda de € 0,50 cêntimos na máquina, acende-se uma luz, que gira gradualmente, iluminando diversos pontos numerados.
Quando a luz se imobiliza num dos pontos, o jogador tem direito a receber o valor nele inscrito em euros.
Q. Assim, a máquina em causa depende exclusivamente da sorte e os seus prémios são em dinheiro, em quantia igual ao valor iluminado na máquina, pelo que, entendo que não pode deixar de se considerar jogo de fortuna ou azar.
Assim, o recurso interposto pelo arguido deve improceder e manter-se a decisão recorrida.
VOSSAS EXCELÊNCIAS, porém, apreciarão e decidirão como for de JUSTIÇA.

Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto acompanhou a resposta do Ministério Público na 1ª Instância, emitindo, contudo, o seguinte parecer:

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, o recorrente não exerceu o direito de resposta.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.
***
II. Fundamentos da Decisão Recorrida
Da sentença recorrida constam os seguintes fundamentos de facto e de direito:
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
FACTOS PROVADOS
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da mesma:
1) No dia 25 de Março de 2008, cerca das 10h20m, no interior do estabelecimento Restaurante Snack-Bar “TT…”, sito na Rua …, ..., e explorado por “RS..., Lda”, encontrava-se uma máquina em cima do balcão e em funcionamento;
2) Tal máquina, após a introdução de uma moeda, inicia de imediato uma jogada, sem ser necessário pressionar qualquer botão, ou seja, é imediatamente iluminado um dos 64 (sessenta e quatro) “leds”, sendo percorridos todos os restantes;
3) Introduzida a moeda, o ponto luminoso inicia o seu movimento giratório gradualmente até parar ao fim de 3 (três) ou 4 (quatro) voltas, fixando-se aleatoriamente num dos orifícios mencionados.
4) Se o orifício em que pára o ponto luminoso corresponde a um dos 8 (oito) identificados com pequenas circunferências, o jogador terá direito aos pontos correspondentes, que variam entre 1 (um) e 200 (duzentos), prémios esses, em regra, traduzidos em euros; caso o ponto luminoso pare num dos restantes orifícios, sem qualquer referência a pontos, o jogador nada ganha e terá de tentar a sua sorte outra vez.
5) Naquela data foi encontrada no interior daquela máquina a quantia de €2,00 (dois euros).
6) Naquele circunstancialismo de tempo e lugar, RS... explorava a mencionada máquina, arrecadando e gerindo as quantias monetárias que aí eram introduzidas, obtendo desta forma lucro.
7) RS... não possuía qualquer autorização para exploração de jogos de fortuna ou azar, nem o mencionado estabelecimento estava autorizado a essa mesma exploração.
8) RS... agiu com intenção de manter em actividade o referido jogo naquele estabelecimento, conhecendo as suas características de funcionamento e bem assim que não podia o mesmo aí ser explorado, visando com tal conduta a obtenção de lucros.
9) RS... agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei.
10) Por sentença, proferida nos autos do processo comum singular n.º 98/98, que correu seus termos neste Tribunal, e transitada em julgado, RS... foi condenado pela prática, em 14 de Junho de 1996, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de 800$00 (oitocentos escudos).
11) RS... vive com a esposa MP....
12) RS... explora o mencionado estabelecimento comercial, auferindo mensalmente um rendimento líquido de cerca de €480,00 (quatrocentos e oitenta) euros.
13) MP... trabalha no mesmo estabelecimento comercial, auferindo mensalmente um rendimento líquido de cerca de €500,00 (quinhentos) euros
14) RS... despende mensalmente cerca de €380,00 (trezentos e oitenta) euros no pagamento de prestação referente à sua casa de habitação.

FACTOS NÃO PROVADOS
Nenhuns outros factos se provaram com interesse para a boa decisão da causa.

MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova testemunhal e documental produzida em audiência de julgamento. O arguido exerceu o seu direito ao silêncio.
O critério de valoração da prova é o da livre apreciação, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, exceptuando o caso dos documentos autênticos, valorados de acordo com o preceituado no artigo 169.º do mesmo diploma legal.
Deste modo, a factualidade provada em 1) a 5) e 7) resulta da concatenação da análise dos relatórios de exame pericial de fls. 62 a 66, do auto de apreensão de fls. 17 e do documento de fls. 48 com os depoimentos das testemunhas PM…, CJ… e PA…, militares da Guarda Nacional Republicana, que apresentaram versões lineares, coerentes e idênticas do sucedido, bem como consentâneas com o teor dos mencionados documentos. Coincidiram, nomeadamente, no que concerne à localização espácio-temporal da máquina apreendida, bem como às condições que a mesma apresentava. Mais acrescentaram que o arguido teve reacção normal, não se mostrando surpreendido com a abordagem policial, tendo ido voluntariamente abrir o moedeiro.
Para a descrição da máquina apreendida atendeu-se essencialmente ao teor dos relatórios periciais acima identificados, cujo resultado não foi contrariado por qualquer outro elemento probatório.
Quanto à titularidade de licença e à exploração do estabelecimento, teve-se ainda em conta a documentação de fls. 129 a 133 e 140 a 145.
A factualidade provada em 6) alicerçou-se na conjugação dos depoimentos isentos, objectivos e credíveis das mencionadas testemunhas, que esclareceram que era o arguido quem guardava e se arrogava responsável pela chave do moedeiro da mencionada máquina e que manuseava de forma ágil e eficaz todo o equipamento. A reforçar este entendimento, refira-se que estas testemunhas referiram de forma unânime e coerente que, no início da acção inspectiva que realizaram, não estando o arguido ainda presente, dirigiram-se à funcionária do estabelecimento e solicitaram-lhe a mencionada chave, tendo a mesma revelado não ter qualquer conhecimento sobre o funcionamento da máquina. Mais esclareceram que, pelo contrário (e como já se salientou), o arguido, quando foi chamado ao local, agiu com toda a diligência e propriedade no manuseamento da mencionada máquina, revelando que era o mesmo quem cuidava e geria tal equipamento.
Não obstante MP..., funcionária do estabelecimento e esposa do arguido, tenha lançado mão da faculdade que a lei lhe concede e recusado prestar depoimento, a consistência do depoimento das demais testemunhas enunciadas é susceptível de criar a convicção de que quem explorava a mencionada máquina era o arguido, sobretudo se atentarmos no modo como descreveram a segurança e a agilidade com que apenas o arguido manejava o equipamento. Aliás, o facto da funcionária que cuida do mencionado estabelecimento não fazer ideia de como manusear um equipamento que aí se encontra revela claramente, à luz das regras da experiência comum, que o mesmo não era utilizado no âmbito da actividade do estabelecimento explorado por “RS..., Lda.”, mas sim pela única pessoa que conhecia todo o seu funcionamento e que detinha a chave do seu moedeiro, o arguido.
Assim, logrou-se o convencimento de que o arguido explorava a máquina com as referidas características – que conhecia – e que agiu com o escopo de obter os proventos que da mesma adviessem, como se concluiu de acordo com os cânones interpretativos das regras da experiência comum.
Paralelamente, atingiu-se a convicção de que o arguido conhecia a proibição. É normal que assim seja, tratando-se de um explorador de um estabelecimento comercial (que estará informado acerca da legislação do sector), ao que se soma a crescente divulgação pública dos jogos a áreas próprias (como os casinos). A reacção do arguido perante as testemunhas (aquando da referida abordagem pericial) indicia o mesmo.
Aliás, a factualidade provada em 8) e 9), porque insusceptível de prova directa, dada a sua natureza, sempre se extrairia dos factos objectivos provados, que, tendo em conta as regras da experiência comum e com base em presunção natural, permitem de forma segura inferir a mesma.
Os antecedentes criminais do arguido, factualidade provada em 10), resulta do teor do Certificado de Registo Criminal do mesmo junto a fls. 258 e 259.
A factualidade provada em 11) a 12), respeitante à situação pessoal do arquito, assentou na análise do resultado do inquérito à sua situação sócio-profissional, elaborado pelo Posto de ... da Guarda Nacional Republicana e reproduzido a fls. 261 a 263, que não só se mostra idóneo, mas sobretudo não foi infirmado por qualquer outro meio de prova.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
QUESTÕES A DECIDIR
As questões jurídicas que importa conhecer, atento o objecto do processo, delimitado pelo teor da acusação, e o princípio da vinculação temática do Tribunal, são as seguintes:
- Primeira, aquilatar se o arguido RS... deve ser jurídico-penalmente responsabilizado pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelos artigos 3.º, 4.º e 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro;
- Segunda, caso se conclua pela sua responsabilidade jurídico-penal, apurar a espécie e medida da pena a aplicar-lhe;

ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL DOS FACTOS
1. O artigo 108.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, dispõe quanto ao crime de exploração ilícita de jogo que será punido “quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados”.
Os jogos de fortuna e azar estão definidos no artigo 1.º do diploma supra citado como sendo “aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”, Assim, consideram-se jogos de fortuna ou de azar aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte – omnis definitio in jure periculosa.
Por outro lado, preceitua o art. 3.º, nos seus n.ºs 1 e 2, que “a exploração e a prática dos jogos de fortuna ou azar só são permitidas nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário criadas por Decreto-Lei ou, fora daqueles, nos casos excepcionados nos artigos 6.º a 8.º”. Para efeitos de exploração e prática de jogos de fortuna ou azar, haverá zonas de jogo nos Açores, no Algarve, em Espinho, no Estoril, na Figueira da Foz, no Funchal, em Porto Santo, na Póvoa de Varzim, em Tróia e em Vidago-Pedras Salgadas (cfr. redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro).
São os seguintes, em consonância aliás com a jurisprudência uniforme dos nossos Tribunais Superiores, os elementos constitutivos do crime de exploração de jogo ilícito: a) a exploração de jogos de fortuna e azar, segundo a definição que estes são aqueles cujo resultado depende exclusiva ou fundamentalmente da sorte; b) que tal exploração se faça fora dos locais a isso destinados legalmente e; c) a consciência por parte do agente de que tal tipo de jogo é de fortuna ou azar e que tal é vedado por lei.
Verificados, pois, aqueles elementos integrantes do tipo de crime, deve o agente ser pelo mesmo penalmente responsabilizado, obtenha ou não qualquer perda ou ganho económico. É que o propósito do legislador, ao defini-lo, foi o de prevenir o perigo dessa perda ou ganho, presente não remota mas imediatamente na utilização das máquinas de jogo (vide, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19 de Maio de 1998, in CJ, ano XXIII, tomo 3, página 283).
Saber se determinado jogo em concreto depende ou não fundamentalmente da sorte, é algo que ao julgador cabe apreciar perante os factos apurados, sendo certo que qualquer cidadão o pode aquilitar de acordo com as regras da experiência comum (vide, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 5 de Fevereiro de 1997, in CJ, ano 1997, tomo I, página 249).
Face a tal enquadramento jurídico, e tendo em conta, agora o enquadramento factual apurado, temos como certo que se mostram preenchidos os elementos objectivos do tipo legal de crime por que vem o arguido acusado.
Tal baseia-se no facto de o arguido se mostrar a explorar jogo de fortuna ou de azar em local não legalizado como área para tal, obtendo lucros com tal actuação, sendo que a máquina referida na matéria de facto provada apresenta como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.

2. Do ponto de vista subjectivo, da conjugação da norma incriminadora com o regime do artigo 13.º do Código Penal decorre que a sua verificação exige a conduta dolosa do arguido, impondo-se, portanto, que o agente tenha agido com intenção de desobedecer.

Ao exigir que a ordem ou mandado seja regularmente comunicada – e até que, na ausência de previsão legal, seja expressamente cominada, por quem as dita, a punição do seu incumprimento – o legislador penal não deixou de tomar em consideração que quem as recebe necessita de ter um conhecimento exacto do seu teor e de estar ciente da necessidade do seu acatamento para poder determinar-se em conformidade, isto é, para tomar uma atitude fiel ao direito.

No caso vertente, facilmente se alcança que o arguido agiu dolosamente, e com dolo directo, pois, apesar de conhecer o jogo em causa, a circunstância do mesmo não poder ser explorado fora dos locais autorizados e o facto da sua conduta ser proibida e punida por lei, quis explorá-lo com intuito lucrativo.


3. Nos termos do artigo 26.º do código Penal, “é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”.
Atenta a factualidade provada, afigura-se que a responsabilidade do arguido pela prática do crime em causa lhe deve ser imputada a título de autoria material.

4. Refira-se ainda que nenhum dos factos provados tem a virtualidade de integrar qualquer causa de justificação da ilicitude ou de exclusão da culpa do arguido, sem prejuízo de serem considerados no momento da determinação concreta da medida da pena a aplicar ao arguido.

5. Face ao exposto, o arguido praticou, como autor material e na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelos artigos 3.º, 4.º e 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro.

DETERMINAÇÃO DA ESPÉCIE E MEDIDA DA PENA
1. O crime de exploração ilícita de jogo é punido com pena de prisão de 1 (um) mês a 2 (dois) anos de prisão e com pena de multa de 10 (dez) a 200 (duzentos) dias, nos termos do disposto nos artigos 41.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, do Código Penal, e 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro

2. À luz do disposto no artigo 40.º do Código Penal, a aplicação de qualquer pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo certo em caso algum a pena poderá ultrapassar a medida da culpa.
Na determinação da medida concreta da pena deve o Tribunal ter em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção e deve atender a todas as circunstâncias que deponham a favor do agente, abstendo-se, no entanto, de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido (salvo nos casos em que a sua intensidade concreta supere aquela que foi considerada pelo legislador para efeitos de determinação da moldura em abstracto), nos termos do disposto no artigo 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.
Na senda de Figueiredo Dias, in “ Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 227, refira-se que as finalidades preventivas têm o papel preponderante na determinação da medida concreta da pena, constituindo a prevenção geral de integração o ponto óptimo (limite máximo) de defesa dos bens jurídicos e também o limite mínimo de pena concretamente comunitariamente suportável, mostrando-se as exigências de reintegração do delinquente na sociedade decisivas na determinação da medida concreta da pena a aplicar e constituindo a culpa o máximo inultrapassável de pena concreta, sob pena de se postergar o fundamento último de toda e qualquer punição criminal – a dignidade humana.
No nosso caso, contra o arguido depõem o grau de ilicitude da sua conduta, a intensidade da culpa na medida em que agiu sob a forma mais intensa de dolo (o directo) e as exigência de prevenção especial, reveladas pelos antecedentes criminais do arguido, e de prevenção geral que, atenta a frequência com que o ilícito em questão é praticado, são elevadas, urgindo reafirmar perante a comunidade a validade da norma ora infringida.
A favor do arguido milita somente a sua adequada inserção sócio-profissional.
Ponderando os factores supra referidos, afigura-se-nos adequado e suficiente fixar a pena a aplicar ao arguido em 4 (quatro) meses de prisão e 80 (oitenta) dias de multa, dentro da moldura penal adiantada.

3. O segundo acto na quantificação da pena de multa, segundo o sistema dos dias de multa, consiste na determinação do quantitativo de diário de multa, orientada exclusivamente pela situação económico-financeira e pelos encargos pessoais do arguido e atendendo aos limites mínimo de €5,00 (cinco euros) e máximo de €500,00 (quinhentos euros), fixados no artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal.
No caso vertente, considerando a situação sócio-económica do arguido que resultou demonstrada, afigura-se ajustado fixar esse quantitativo diário em € 8,00 (oito euros).

4. O artigo 43.º, n.º 1 do Código Penal, dispõe que «a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.º».
No caso vertente, face às considerações expendidas supra aquando da determinação da medida de pena, sobretudo o facto do arguido se encontrar bem inserido sócio-profissionalmente, o Tribunal entende que a execução da pena de prisão não é exigida pela necessidade de prevenir futuros crimes.
Nos termos do artigo 6.º do diploma preambular do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, «enquanto vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisão e multa, sempre que a pena de prisão for substituída por multa será aplicada uma só pena equivalente à soma da multa imposta e da que resultar da substituição da prisão».
Face à situação económica e financeira do arguido, afigura-se adequado substituir a pena de 4 (quatro) meses de prisão por 120 dias de multa à taxa diária de € 8,00 (oito euros).
Termos em que, o Tribunal condena o arguido na pena única de 200 dias multa à taxa diária de € 8,00 (oito euros).

5. Nos termos do artigo 109.º do Código Penal, em vigor à data da prática dos factos, «são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos» (n.º 1).
No âmbito da acção inspectiva realizada nos presentes autos foi apreendida a máquina de jogo utilizada para a prática do crime de exploração ilícita de jogo em apreço.
Ora, atenta a natureza do ilícito em causa, o objecto apreendido oferece sério risco de ser utilizado na prática futura de crime de idêntica natureza.
Daí que o artigo 116.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, estabeleça que “o material e utensílios de jogo serão apreendidos quando sejam cometidos crimes previstos nesta secção e destruídos, a mandado do Tribunal, pela autoridade apreensora, que lavrará o competente auto de destruição”.
Nesta conformidade, deve ser decretado o perdimento a favor do Estado da máquina de jogo apreendida e ordenada a sua destruição.

***
III. Apreciação do Recurso
A documentação em acta das declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento determina que este Tribunal, em princípio, conheça de facto e de direito (artigos 363° e 428° nº 1 do Código de Processo Penal).
Não obstante, o concreto objecto do recurso é sempre delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal) sem embargo das questões do conhecimento oficioso.
E vistas as conclusões do recurso interposto, desde logo importa salientar que o recorrente não verteu nestas um dos fundamentos do recurso enunciados na motivação qual seja o da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
Sendo certo que nem mesmo na motivação o recorrente cumpriu suficientemente o preceituado no artigo 412º, nºs 3 e 4 quanto a tal fundamento de recurso, o que sempre impediria o seu conhecimento, também não o resumiu nas conclusões o que igualmente impede o seu conhecimento.
Efectuada a precedente delimitação, as questões que se podem extrair das conclusões e que reclamam solução são as seguintes:
1. Se a sentença recorrida padece do vício de contradição insanável de fundamentação e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
2. Se a sentença recorrida não cumpriu o disposto no artigo 374º do Código de Processo Penal;
3. Se a sentença recorrida violou o disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal e o princípio in dubio pro reo;
4. Se a factualidade provada não integra a prática do crime de exploração ilícita de jogo por que o arguido foi condenado, devendo ser absolvido.

Apreciando:

1. Dos alegados vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de contradição insanável de fundamentação
Alega o recorrente que a sentença recorrida padece do vício de contradição insanável de fundamentação porque os pontos 1, 6 e 12 da decisão de facto contêm afirmações contraditórias entre si. No primeiro desses pontos dá-se como provado que quem explora o estabelecimento é uma sociedade, no segundo dá-se como provado que quem explora a máquina de jogo era o arguido e no terceiro dá-se como provado que quem explorava o estabelecimento era o arguido.
Desta alegação também extrai a ocorrência do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, embora o faça apenas por referência à alínea do artigo 410º, nº 2 que o prevê.
Vejamos, então, se a sentença recorrida padece dos alegados vícios, começando por citar a norma legal que os menciona.
Preceitua o artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal que «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da sentença recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Imediatamente importa reter que estamos perante vícios cuja verificação deve resultar exclusivamente do texto da própria decisão recorrida por si ou conjugada com as regras da experiência, sem apelo a elementos a ela externos como o conteúdo da prova produzida.

A insuficiência alegada e a que se reporta este preceito é um vício que ocorre quando a matéria de facto é insuficiente para a decisão de direito, o que se verifica porque o tribunal deixou de apurar a matéria de facto que lhe cabia apurar dentro do objecto do processo, tal como este está circunscrito pela acusação e pela defesa, sem prejuízo do mais que a prova produzida em audiência justifique. Tal vício consiste na formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada (cfr. Simas Santos/Leal-Henriques, Código de Processo Penal, Volume II, em anotação ao artigo 410º).
Analisado o texto da decisão recorrida não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha deixado de se pronunciar sobre factos que fossem estritamente necessários para a subsunção jurídica efectuada posto que se encontra estabelecido como provado quem explorava a máquina de jogo, que características tinha tal máquina e em que circunstâncias era explorada (sem autorização), factos objectivos a que acrescem os subjectivos necessários. Supomos que poderia ser esse o alcance do alegado porque, com efeito, o recorrente não o esclarece.

No que concerne à alegada contradição insanável de fundamentação, segundo Simas Santos/Leal-Henriques em Código de Processo Penal, II Volume 2ª edição, em anotação ao artigo 410º do Código de Processo Penal, consiste no facto de se afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade e ou qualidade, sendo insanável a contradição que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras da experiência, que não possa ser esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre os fundamentos invocados.
Entre o facto provado sob o nº 1 (exploração do estabelecimento onde se encontrava a máquina de jogo por sociedade) e o facto provado sob o nº 6 (exploração da máquina de jogo pelo arguido) não se vislumbra qualquer contradição porque estão em causa realidades perfeitamente compatíveis e ainda que assim não se pudesse entender numa primeira abordagem, essa incompatibilidade logo seria desfeita pela leitura da fundamentação da convicção do Tribunal recorrido que está expressa na sentença sob recurso onde se expõem precisamente as razões de se haver concluído nesse sentido.
Já entre o facto provado sob o nº 1 e o provado sob o nº 12, mencionando-se neste último que o estabelecimento é explorado pelo arguido, resulta a existência de uma contradição. Mas nem toda a contradição integra o vício de contradição insanável, apenas o é aquela que não seja vencível através do texto da decisão recorrida.
E confrontando novamente a motivação expressa quanto à convicção do Tribunal recorrido, não se suscita qualquer dúvida de que quem efectivamente explorava o estabelecimento era a sociedade referida no ponto 1 dos factos provados, mencionando-se prova documental nesse sentido e manifestando-se, por isso, que a redacção contraditória do ponto 12 se deve a manifesto lapso. Aliás, o facto provado sob o nº 12 refere-se exclusivamente aos rendimentos auferidos pelo arguido e nessa medida cumpre a sua função no contexto da decisão, não obstante o lapso que contém.
Não existe, pois, a alegada contradição insanável.

2. Da alegada falta de cumprimento do disposto no artigo 374º do Código de Processo Penal
Na sequência da alegação dos vícios acima referidos conclui o recorrente que o Tribunal violou o disposto no artigo 374º do Código de Processo Penal, não concretizando, porém, em que consiste tal violação.
Supõe-se que se quer referir ao disposto no nº 2 do preceito que contém os requisitos de fundamentação da sentença. Analisado porém o texto da decisão recorrida verificamos que ela não é omissa quanto aos necessários fundamentos de facto, tendo expressado de forma suficiente e com pertinente análise crítica a prova produzida, como não é omissa quanto à expressão dos fundamentos de direito do decidido.
Não vislumbramos pois incumprimento do citado preceito que a ocorrer poderia viciar a sentença de nulidade (artigo 379º, alínea a) do Código de Processo Penal).

3. Da alegada violação de princípios probatórios
O recorrente, na sequência do que em seu entender configurava os vícios acima mencionados, conclui que ocorreu violação do disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal (princípio da livre apreciação da prova) sem contudo concretizar em que se traduziu tal violação.
Acrescenta que foram violados os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo por inexistência de prova cabal que pudesse conduzir à decisão proferida, voltando a referir-se à questão da exploração do estabelecimento e a falta de prova de que o arguido fosse o responsável pelo estabelecimento.
Começar-se-á por referir que essencial para a qualificação jurídica dos factos era estabelecer quem explorava efectivamente a máquina e não o estabelecimento ou quem geria o estabelecimento, posto que a autoria dos factos depende apenas do primeiro facto e esse encontra-se estabelecido como provado. E se porventura tal não ocorresse verificar-se-ia então o alegado vício de insuficiência como resulta do acima consignado. Trata-se pois de justificação que não quadra com violação de princípios probatórios.
Também a eventual falta de prova cabal não é sindicável por esta via, apenas o seria através de impugnação da matéria de facto nos termos dos artigo 412º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal que permitiria a este Tribunal inteirar-se do conteúdo da prova.
Sem impugnação da matéria de facto e invocação de erro de julgamento da mesma a violação de princípios probatórios apenas é susceptível de ser efectuada por via do regime estatuído no artigo 410º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Penal, ou seja se o próprio texto da decisão recorrida revelar um erro notório por violação dos citados princípios.
Com efeito, o vício de erro notório na apreciação da prova é aquele que é de tal modo patente que não escapa à observação do cidadão comum, na leitura do texto da decisão recorrida ainda que conjugada com as regras da experiência comum e pode traduzir-se, nomeadamente, na violação do princípio contido no artigo 127º do Código de Processo Penal (o tribunal dá como provado facto que afronta ostensivamente as regras da experiência) ou na violação do princípio in dubio pro reo (o tribunal expressa juízo de dúvida sobre determinado facto e, no entanto, considera-o provado).
Como é sabido, o conceito de erro notório na apreciação da prova tem de ser interpretado como o tem sido o conceito de facto notório em processo civil, ou seja, como o facto de que todos se apercebem directamente, ou que, observado pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório (v. por ex. Ac. do S.T.J. de 6.4.94 in Col. Jur. Acs. do STJ, II, tomo 2, 186).
Na definição de M. Simas Santos e M. Leal Henriques em Código de Processo Penal Anotado, Volume II, 2ª edição, pag. 740, existe erro notório na apreciação da prova quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária, contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto contido no texto da decisão. Mais existe esse erro quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis (cfr. também Ac. do S.T.J. de 13.10.99 in C.J., Ano VII, Tomo III, pag. 184 entre outra jurisprudência abundante).
Deve dizer-se em primeiro lugar que analisada a motivação constante da decisão recorrida e apenas esta releva para o reconhecimento do mencionando vício, verificamos que a convicção positiva do Tribunal a quo se encontra sustentada nos meios de prova que teve ao seu dispor e com pertinente análise crítica, com as indispensáveis referências ao seu teor de forma a torná-la compreensível.
O princípio da livre apreciação que é uma liberdade vinculada à análise da prova segundo as regras da experiência, impõe ao julgador uma operação intelectual de conjugação e dissecação lógica da prova oral e demais elementos, a que o artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal se refere como "exame crítica da prova" que deve ser vertido para a motivação da convicção do tribunal o como no caso ocorre.
Ora na motivação que o Tribunal a quo expressa não se vislumbra qualquer violação das regras da experiência que se constituem como limite à apreciação arbitrária da prova, porque a liberdade de apreciação não se confunde com apreciação arbitrária, sendo antes uma liberdade vinculada a uma análise crítica segundo as regras da normalidade e da lógica das coisas.
Também não empregou o recorrente qualquer esforço no sentido de demonstrar em que pontos concretos foi a apreciação do Tribunal a quo violadora das regras da experiência.
Por outro lado, do texto da decisão recorrida não se extrai a existência de juízo dubitativo sobre os factos que o Tribunal recorrido consignou como provados, o que afasta a possibilidade de afirmar que na dúvida decidiu contra o arguido, violando o princípio in dubio pro reo, correlato ao nível probatório do princípio da presunção de inocência.
Pelo exposto se conclui que a sentença recorrida não violou os citados princípios probatórios.

4. Da qualificação jurídica dos factos
O recorrente pugna no sentido de que o jogo de máquina em causa nos autos deve merecer a qualificação de modalidade afim (contra-ordenação) e não de jogo de fortuna ou azar (crime) invocando em apoio da sua tese para além de vária jurisprudência, o Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência nº 4/2010, publicado no DR Iª Série de 8.3.2010.
Na busca de um critério orientador e que permita a qualificação jurídica da situação em causa nos autos começamos por mencionar que o citado acórdão fixou jurisprudência no seguinte sentido:
"Constitui modalidade afim, e não jogo de fortuna ou azar, nos termos do artigo 159º, nº 1, 161º, 162º e 163º do Decreto-Lei nº 422/89 de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei nº 10/95 de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público.
Nos jogos sobre os quais se debruçou o STJ, das decisões em conflito, a máquina de jogo, mediante a introdução de uma moeda (100$00 – 0,50 €) atribuía uma bola que poderia ou não corresponder a prémios monetários anunciados em cartaz (entre 500$00 e 10.000$00 – 2,50 a 50 euros)
No jogo em causa nos autos a aposta era de igual valor mas a atribuição de prémio (entre 1 e 200 euros) dependia de a luz da máquina parar em orifício premiado ou não e com indicação de pontos correspondentes a prémio em dinheiro.
Ou seja, em vez de os prémios se encontrarem anunciados em cartaz e corresponderem a determinado número ou referência existente numa bola, era a própria máquina que tinha assinalados os orifícios a que correspondiam prémios, dependendo a sua atribuição de a luz parar ou não num deles.
Em qualquer dos casos de trata de uma forma de sorteio que tem como característica o conhecimento prévio pelo jogador dos prémios a que se pode habilitar, jogando.
Como verificamos a máquina em causa nos autos não tem mecanismo de jogo idêntico aquele que determinou o acórdão de fixação de jurisprudência embora substancialmente a distinção esteja principalmente ao nível do valor dos prémios que na máquina em causa nos autos pode ser de valor quatro vezes superior, mas que também se encontra previamente determinado, não em cartaz mas na própria máquina.
Por outro lado, a máquina em causa nos autos atribui prémios primariamente expressos em pontuações que são substituídas por dinheiro, o que coincide aparentemente com o tipo de jogo desenvolvido em máquina descrito no artigo 4º, nº 1, alínea g) da Lei do Jogo.
Vejamos, porém, a fundamentação do acórdão de fixação de jurisprudência a fim de averiguar se, não obstante as diferenças salientadas, a situação em causa nos autos não deve merecer igual tratamento jurídico.
E no acórdão do STJ mencionam-se nomeadamente os seguintes fundamentos, sublinhando-se o que se entende mais significativo:
"Como vimos em 7.1.2.6., a lei (art. 1.° e 4.° do Decreto-Lei n." 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n." 10/95, de 19 de Janeiro), na definição de jogos de fortuna ou azar, combina precisamente uma fórmula generalizadora (art. 1.°) com a técnica exemplificativa (art. 4.°). Por meio da primeira, define os jogos de fortuna ou azar como sendo «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte»; por meio da segunda, tipifica exemplificativamente esses jogos nas suas diversas alíneas (vários jogos bancados, concretamente determinados ­alíneas a) a d); jogos não bancados, também concretamente determinados ­alínea e) e jogos em máquinas (alíneas f) e g).
No que respeita a estes últimos, mencionam-se os «jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas» (alínea f) e «jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte» (alínea g).
A caracterização dos jogos de fortuna ou azar é essencial para a distinção entre os tipos de ilícito criminal e as denominadas "modalidades afins". Ora, tendencialmente, os jogos de fortuna ou azar, de resultado contingente, por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte, segundo a formulação genérica do art. 1.°, são os que estão especificados no art. 4.°, n.º 1. Como se afirma no acórdão-fundamento, estes jogos «estão tipificados de modo exemplificativo, mas, no contexto, tendencialmente especificados». Aliás, o referido art. 4.° começa por afirmar que «nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar ( ...), enumerando a seguir, com precisão, os diversos tipos de jogos: os bancados nas suas várias modalidades (alíneas a) a d); os não bancados, também concretamente especificados (alínea e) e os jogos em máquinas, caracterizados nos seus elementos essenciais em duas alíneas (as alíneas f) e g).
Ora, o que a redacção do preceito inculca é que os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei, embora outros possam vir a ser igualmente autorizados, por apresentarem características análogas. Refere, aliás, o n.º 3 do art.º que «compete ao membro do Governo da tutela autorizar a exploração de novos tipos de jogo de fortuna ou azar, a requerimento dos concessionários e após parecer da Direcção-Geral de Jogos.»
E o art. 5.°, por seu turno, dispõe que «as regras de execução para a prática dos jogos de fortuna ou azar serão aprovadas por portaria do membro do Governo da tutela, mediante proposta da Inspecção-Geral de Jogos, ouvidas as concessionárias.»
As portarias que actualmente vigoram, contendo as regras de execução dos jogos de fortuna ou azar praticados nos casinos são as Portarias 817/2005, de 13 de Setembro e 217/2007, de 26 de Fevereiro. Ambas elas se referem a vários tipos de jogos bancados e de jogos não bancados, e a última também a jogos praticados em máquinas automáticas, de um modo geral coincidentes com os tipos especificados no Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, e com as características desses jogos. Aliás, em virtude do princípio da legalidade, os elementos essenciais do ilícito criminal não poderiam ser alterados ou criados por portaria, visto que a definição de crimes é da reserva relativa da Assembleia da República, tendo de revestir a natureza formal de lei ou de decreto-lei, neste caso precedendo lei de autorização legislativa, que defina o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização (art. 165.°, n.º 1, alínea c) e n.º 2 da Constituição da República.
Por conseguinte, não obstante exemplificativa a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, ela é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia.
Todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins, como se defende no acórdão-fundamento.
No caso das máquinas de jogos, só são de considerar como jogos de fortuna ou azar:
- os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
- os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
O facto de os jogos em máquinas terem desaparecido do elenco exemplificativo do art. 159.º, n.º 2 (modalidades afins), após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 22/85, de 17 de Janeiro, não significa que todos os jogos em máquinas se dividam, pura e simplesmente, em jogos de fortuna ou azar e jogos de diversão, estes de resultados dependentes exclusiva ou fundamentalmente da perícia do utilizador e não pagando prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, nos termos do art. 1.º do DL 21/85, também de 17 de Janeiro.
Ora, os jogos nas máquinas automáticas em causa nos acórdãos em conflito (Cf. supra 6.1. e 6.2)., se apresentavam resultados que dependiam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, não desenvolviam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, nem pagavam directamente prémios em fichas ou moedas.
Por conseguinte, não podiam ser enquadradas em qualquer dos tipos de jogos de fortuna ou azar praticados em máquinas automáticas, tal como descritos nas referidas alíneas f) e g) do n.º 1 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 10/95, revertendo, antes, para as modalidades afins referidas no art. 159.º, pois constituem uma espécie de sorteio por meio de rifas ou tômbolas mecânicas.
É certo que os referidos jogos proporcionavam também prémios em coisas com valor económico e em dinheiro, ou só em dinheiro, mas tal circunstância, se não é permitida pelo art. 161.º, n.º 3 do referido diploma legal, também não é suficiente, por si só, para integrar a «específica configuração em que está definido o pagamento de prémios (pagamento directo em fichas ou moedas) nos jogos de fortuna ou azar», como se diz no acórdão-fundamento. Como vimos atrás, o tipo legal de crime é dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade. Assim, aquela circunstância não retira aos jogos em causa a natureza de modalidade afim.
Acresce que a tutela penal adstrita à proibição dos jogos de fortuna ou azar fora dos locais autorizados encontra fundamento, como se viu (Cf. supra 7.1.1.), em valores de relevante ressonância ético-social, nomeadamente pelos efeitos devastadores a nível social, familiar, económico e laboral, com incremento de criminalidade grave, não só de carácter patrimonial, mas também de carácter pessoal (vida, integridade física, ameaça, coacção) que a dependência de jogos de grande poder aditivo e potenciação de descontrole pode acarretar.
Tal não sucede relativamente aos jogos em máquinas automáticas que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas, em que o que se arrisca assume dimensão pouco significativa, pois a expectativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação, ao contrário do que sucede com os jogos de casino, mesmo em máquinas, possibilitando uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente."
Será neste aspecto sublinhado que residirá a grande diferença entre os jogos de fortuna ou azar propriamente ditos e os restantes.
Se verificarmos o conteúdo do artigo 4º, nº 1, alíneas f) e g) que se referem a máquinas que desenvolvem jogos dessa natureza, constatamos que a sua classificação assenta em aspectos, pelo menos à primeira vista, mais formais que substanciais, porque são de fortuna ou azar:
1º Jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
2º Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios de jogos de fortuna ou azar (remetendo assim para os jogos descritos nas alíneas anteriores do preceito);
3º Jogos em máquinas que não pagando directamente prémios em fichas ou moedas apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
E o jogo em causa aparentemente integra-se nesta última definição.
Mas, sabido que é que em qualquer dos citados casos de prémios consistentes em fichas ou pontuações, são sempre convertíveis em dinheiro as fichas e as pontuações, porque apelará a lei a essas realidades para a classificação que pretende efectuar? Mais fácil seria definir que são jogos de fortuna ou azar todos os que atribuem prémios em dinheiro, imediatamente ou através da substituição das fichas e pontos.
Parece-nos claro que a ideia que está na base dos termos utilizados tem a ver com o acréscimo de compulsividade que a atribuição de fichas e de pontos confere ao jogo, o mesmo acontecendo com as moedas. Com efeito, quer as moedas quer as fichas podem ser imediatamente utilizadas para que o jogador continue indefinidamente o jogo, funcionando a atribuição de pontuações que se vão somando do mesmo modo.
Mas tal ocorre porque o que caracteriza tais jogos, embora a lei não o diga, é a natureza indefinida do prémio e a possibilidade de num percurso intermédio o jogador perder tudo o que havia ganho.
E analisado o conteúdo legal em causa nesta perspectiva, será mais fácil delimitar negativamente o tipo de crime de jogo ilícito com recurso ao disposto no 159º da Lei do Jogo.
No nº 1 do artigo 159º pretende-se definir o que sejam modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, caracterizando-as como operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia ou somente na sorte. E fez correr rios de tinta o significado de operações oferecidas ao público, quando esse não pode constituir um verdadeiro elemento distintivo porque toda a prestação de bens e serviços corresponde a uma operação oferecida ao público.
Mas o nº 2 do preceito já nos diz, de forma significativa, que são abrangidos pelo disposto no número anterior rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos. E que têm de comum esses jogos? Simplesmente a determinação prévia do prémio a que o jogador se pode habilitar e, em consequência, um elemento de compulsividade menor.
Ora, começando por delimitar negativamente o tipo de crime nunca merecerá a qualificação de crime a exploração de jogos que se enquadram num mecanismo em que os prémios se encontram previamente definidos.
Por seu turno o artigo 161º estabelece proibições em relação às modalidades afins no seu nº 3, quais sejam as de estes não poderem desenvolver temas de jogos de fortuna ou azar nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos.
Continuando a delimitar negativamente o tipo de crime, porque às modalidades afins que atribuam prémios em dinheiro ou fichas a lei não deixa de designar como modalidades afins, a sua exploração ilícita constitui contra-ordenação, como se prevê no artigo 163º, o que afinal só pode significar que nenhum jogo que tenha os prémios previamente definidos, ainda que atribua prémios em dinheiro ou desenvolva temas de jogos de fortuna ou azar, integra a classificação de jogos de fortuna ou azar e pode a sua exploração constituir crime.
E cremos ser esta a tese que está imanente ao acórdão de fixação de jurisprudência e que importa considerar até em obediência ao princípio da igualdade plasmado no artigo 13º da Constituição da República.
Em suma, porque o jogo em causa nos autos não merece a qualificação de jogo de fortuna ou azar e apenas de modalidade afim, a conduta provada nos autos não integra a prática do crime de exploração ilícita de jogo por que o arguido foi condenado e apenas seria susceptível de integrar a contra-ordenação prevista nos artigos 161º e 163º da Lei do Jogo.
Considerando, porém, o valor da coima máxima aplicável - 2,493,99 euros – a tal infracção corresponde o prazo de prescrição de um ano (artigo 27º, alínea c) do RGCO). Não tendo ocorrido causa de suspensão do prazo de prescrição (cfr. artigo 27º-A do RGCO) e apenas causas de interrupção, verifica-se que o procedimento por contra-ordenação prescreveu decorrido um ano e seis meses sobre a data da prática dos factos (prazo normal de prescrição acrescido de metade – cfr. artigo 28º, nºs 1 e 3 do RGCO) em 25 de Setembro de 2009.
Importa por consequência absolver o arguido, merecendo provimento o recurso.
***
IV. Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido, revogando a sentença condenatória recorrida e absolvendo-o da imputada comissão de um crime de exploração ilícita de jogo.
***
Maria Pilar Pereira de Oliveira (Relatora)

José Eduardo Fernandes Martins