Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
930/08.1TBPBL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
INJUNÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
FUNDAMENTOS
Data do Acordão: 05/05/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL - 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 7º DO REGIME ANEXO AO D.L. Nº 269/98, DE 01/09; 46º, Nº 1, AL. D), CPC
Sumário: I – O requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória constitui título executivo extrajudicial, de acordo com os artºs 7º e segs. (com relevo para o artº 21º) do regime anexo ao D. L. nº 269/98, de 01/09) e com o artº 46º, nº 1, al. d), do CPC.

II – Antes da entrada em vigor do D. L. nº 226/2008, de 20/11, a oposição à execução fundada em requerimento de injunção a que tivesse sido aposta fórmula executória podia, nos termos do artº 816º do CPC, basear-se não apenas nos fundamentos previstos no artº 814º do mesmo código para a execução fundada em sentença, mas também em quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração.

Decisão Texto Integral:          Acordam na 3ª secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

         1. RELATÓRIO

         Por apenso à execução comum nº 930/08.1TBPBL, em que é exequente “A... ” e executado B... , foi por este deduzida oposição visando: (a) que o documento apresentado à execução seja julgado não constitutivo de título executivo; (b) subsidiariamente, que, existindo o título, se entenda que o mesmo não preenche os requisitos de exequibilidade; (c) ainda subsidiariamente, que se julgue a execução extinta “pela prescrição do pagamento da obrigação”.

         Para tanto o oponente alegou, em síntese, que o exequente formula na execução pedido diferente daquele que consta do título executivo, uma vez que do requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória apenas consta a quantia de € 678,72 e na execução é indicada como quantia exequenda a importância de € 735,82; que o exequente não indica factos verdadeiramente individualizados que permitam identificar uma qualquer transacção comercial, limitando-se a referir que a dívida resulta das facturas, sem as identificar ou juntar, bastando-se com a referência da data e do valor; e que, alegando a exequente que a dívida em causa é proveniente do fornecimento de serviços prestados conforme facturas que descrimina, a última das quais tem data de 10/07/2006, encontra-se, nos termos do nº 1 do artº 10º da Lei nº 23/96, de 26 de Julho, prescrito o direito de exigir o pagamento.

         Conclusos os autos, foi pelo Mº Juiz proferido o despacho de fls. 12 a 16 indeferindo liminarmente, ao abrigo do disposto no artº 817º, als. b) e c) do Cód. Proc. Civil, a oposição à execução.

         Inconformado, o oponente interpôs recurso, logo apresentando a competente alegação que encerrou com as conclusões seguintes:

         I – A injunção é um título executivo extrajudicial ao qual, por disposição legal especial, lhe é conferida força executiva nos termos do disposto no artigo 46º, nº 1, al. c) do CPC.

II – A aposição da fórmula executória na injunção não constitui caso julgado ou preclusão para o requerido que pode, na acção executiva, mediante a dedução de oposição à execução, nos termos do artigo 816º do CPC, impugnar e invocar todos os fundamentos que podem ser opostos a títulos executivos extrajudiciais.

III – Ao não entender assim, o tribunal “a quo” violou, entre outros, o disposto nos artigos 9º, nº 3, do Código Civil, 46º, 817º, nº 2, 814º e 816º do CPC.

IV – O despacho de indeferimento liminar, sem contraditório das partes e sem instrução só deve ser proferido em situações limite e de absoluta certeza jurídica, inexistindo qualquer possibilidade ao oponente obter merecimento do pedido formulado, que não é o caso, atento aos factos alegados.

TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER DECLARADO PROCEDENTE, REVOGANDO-SE A SENTENÇA QUE JULGOU A OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO INADMISSÍVEL E SE ABSTEVE DE CONHECER DO SEU MÉRITO POR DESPACHO QUE ORDENE OS DEMAIS TERMOS DO PROCESSO SUMÁRIO.

FAZENDO-SE ASSIM JUSTIÇA.

Não foi apresentada resposta.

O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nada obstando a tal[1], cumpre apreciar e decidir.


***

         Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Cód. Proc. Civil[2], é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foi essencialmente colocada a questão de saber se em execução baseada em requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória está o executado limitado aos fundamentos de oposição previstos no artº 814º para a execução fundada em sentença (na parte em que sejam aplicáveis) ou pode, nos termos do artº 816º, alegar quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração.


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         2. FUNDAMENTAÇÃO

         2.1. De facto

         A factualidade e incidências processuais relevantes para a decisão do recurso são as que decorrem do antecedente relatório, que aqui se dá por reproduzido.


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         2.2. De direito

         A injunção é uma providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do Decreto-Lei nº 269/98, de 01/09, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17/02 (artº 7º do Regime anexo ao Decreto-Lei nº 269/98).

         O requerimento de tal providência é apresentado numa secretaria judicial[3] e a respectiva tramitação compete ao secretário judicial[4], o qual notifica o requerido para, em 15 dias, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou para deduzir oposição à pretensão (artº 12º, nº 1).

         Se, depois de notificado, o requerido não deduzir oposição[5], o secretário aporá no requerimento de injunção a fórmula executória, integrada pela expressão «Este documento tem força executiva», e devolverá ao requerente todo o expediente respeitante à injunção ou disponibilizar-lhe-á, por meios electrónicos, o requerimento de injunção no qual tenha sido aposta a fórmula executória (artº 14º).

         O documento assim obtido pelo requerente integra um título executivo [artº 46º, nº 1, al. d) do CPC], já que, como se viu, a lei (artºs 7º e seguintes, com relevo para o artº 21º, do regime anexo ao Decreto-Lei nº 269/98) lhe atribui força executiva. É, contudo, um título extrajudicial, pois na sua formação não interveio o tribunal enquanto órgão de soberania. Mas, sendo extrajudicial, não deixa tal título executivo de apresentar características próprias que o distinguem da maioria dos títulos executivos extrajudiciais e o aproximam dos títulos judiciais. Por um lado, corre termos na secretaria judicial, perante um secretário judicial, podendo, nos específicos casos previstos na lei e atrás apontados, ocorrer a intervenção do juiz. Por outro, mais importante, a providência de injunção garante ao requerido a oportunidade de se defender e de provocar a remessa da mesma para o tribunal, bastando-lhe, para tanto, deduzir oposição. Ou seja, garante o respeito pelo princípio do contraditório[6].

        

         Aqui chegados, podemos entrar no cerne da questão que neste recurso se nos coloca: saber se na execução baseada no titulo executivo atrás caracterizado – requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória – está o executado limitado aos fundamentos de oposição previstos no artº 814º para a execução fundada em sentença (na parte em que sejam aplicáveis) ou pode, nos termos do artº 816º, alegar quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração.

         A natureza extrajudicial do título em questão, distinguindo-o perfeitamente das sentenças, aponta no sentido de que ao executado será permitido socorrer-se não apenas dos fundamentos de oposição à execução previstos no artº 814º (na parte aplicável), como também de quaisquer outros que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração (artº 816º).

         Mas a formação do título em processo que corre termos pela secretaria judicial, perante um secretário judicial, e com respeito pelo contraditório, aponta no sentido oposto, aparecendo como dificilmente justificável que se faculte ao executado a oposição à execução com fundamentos que podia ter usado e, por decisão sua, não usou, na providência de injunção.

         Não sendo possível ficar pelo non liquet, há que ponderar todos os argumentos e tomar uma decisão.

         A providência de injunção começou por ser regulada pelo Decreto-Lei nº 404/93, de 10/12, revogado pelo Decreto-Lei nº 269/98 que aprovou para ela um novo regime.

         No preâmbulo daquele primeiro diploma afirmava-se expressamente que “a aposição da fórmula executória, não constituindo, de modo algum, um acto jurisdicional, permite indubitavelmente ao devedor defender-se em futura acção executiva com a mesma amplitude com que o pode fazer no processo de declaração, nos termos do disposto no artigo 815º[7] do Código de Processo Civil”.

         O Decreto-Lei nº 269/98, ao aprovar o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, neles incluindo a providência de injunção, revogou o Decreto-Lei nº 404/93, mas dele não se retira qualquer sinal no sentido de outro ser, no tocante aos fundamentos de oposição à execução fundada em título constituído pelo requerimento injuntivo com aposição da fórmula executória, o pensamento ou a vontade do legislador.

         A doutrina e a jurisprudência maioritárias têm entendido, com base na natureza extrajudicial do título executivo em questão e na sequência da afirmação taxativa constante do preâmbulo do Decreto-Lei nº 404/93, que ao executado é, no caso, permitido opor-se à execução não apenas com os fundamentos previstos no artº 814º, mas também com quaisquer outros que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração[8].

         Apesar da falibilidade do argumento “a contrario”, sempre se dirá também que a alteração dos artºs 814º e 816º, operada pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20/11 – estendendo ao requerimento de injunção a que tenha sido aposta a fórmula executória, no que tange aos fundamentos de oposição à execução[9], o regime previsto para a sentença – inculca que outra era a regulamentação anterior[10].

         O despacho recorrido indeferiu liminarmente a oposição à execução nos termos e ao abrigo do disposto no artº 817º, als. b) e c), ou seja, por o seu fundamento não se ajustar ao disposto nos artºs 814º a 816º e por a mesma ser manifestamente improcedente.

         A primeira razão – não se ajustar o fundamento ao disposto nos artºs 814º a 816º – soçobra, uma vez que partia do pressuposto, que atrás se demonstrou ser incorrecto, de que a oposição à execução só podia basear-se nos fundamentos previstos no artº 814º.

         A segunda – ser a oposição manifestamente improcedente – soçobra igualmente. Com efeito, por um lado, o tribunal “a quo” parece ter ancorado a manifesta improcedência apenas na pretensa inadmissibilidade dos fundamentos invocados, assim a desdobrando formalmente em duas causas de indeferimento liminar. E, por outro, pelo menos no que tange à alegada prescrição[11], aceite a admissibilidade da sua invocação, não é manifesto, sem mais, que a mesma seja improcedente.

        

         Logram êxito, portanto, as conclusões da alegação do recorrente, o que conduz à procedência da apelação e à revogação do despacho recorrido.

         Dando cumprimento ao disposto no artº 713º, nº 7, elabora-se o seguinte sumário:

         I – O requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória constitui, de acordo com os artºs 7º e seguintes, com relevo para o artº 21º, do regime anexo ao Decreto-Lei nº 269/98 e com o artº 46º, nº 1, al. d) do Cód. Proc. Civil, título executivo extrajudicial.

         II – Antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 226/2008, de 20/11, a oposição à execução fundada em requerimento de injunção a que tivesse sido aposta fórmula executória podia, nos termos do artº 816º do Cód. Proc. Civil, basear-se não apenas nos fundamentos previstos no artº 814º do mesmo Código para a execução fundada em sentença, mas também em quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração.


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         3. DECISÃO

         Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e em revogar o despacho recorrido, com o consequente prosseguimento da oposição à execução.

         Sem custas [artº 2º, nº 1, al. g) do C.C.J. e 4º, nº 1, al. a) do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24/08].


[1] Apesar do diminuto valor da causa (€ 735,82), tratando-se de indeferimento liminar, mesmo de oposição à execução, é sempre admitido recurso até à Relação [artº 234º-A, nº 2 e 922º-B, nº 1, al. c), do CPC] – cfr. Ac. Rel. Porto de 20/11/1979, in BMJ, nº 292º, pág. 431 e Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 8ª edição, pág. 164.
[2] Diploma a que pertencem as disposições legais adiante citadas sem menção da origem.
[3] O Balcão Nacional de Injunções, criado pela Portaria nº 220-A/2008, de 04/03, é também, de acordo com o nº 1 do artº 1º daquela Portaria, uma secretaria judicial.

[4] Limitando-se a intervenção do juiz à decisão da reclamação contra o eventual acto de recusa do requerimento ou contra a recusa de aposição da fórmula executória (artºs 11º, 12º e 14º do mencionado Regime).
[5] Sendo deduzida oposição, frustrando-se a notificação ou sendo suscitada questão sujeita a decisão judicial, o secretário apresenta os autos à distribuição que imediatamente se seguir, entrando-se numa fase judicial.
[6] Justifica-se, pois, que alguns autores, como, por exemplo, Lebre de Freitas, em Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, pág. 93 e A Acção Executiva depois da Reforma, 4ª edição, pág. 63, o classifiquem como título executivo judicial impróprio.
  Veja-se também, sobre este assunto, Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 5ª edição, pág. 233; J. P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à face do Código Revisto, 1998, pág. 76; F. Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 8ª edição, pág. 37; Ac. Rel. Lisboa de 09/03/2000 (Proc. 0002458, relatado pelo Des. Salazar Casanova) e de 10/10/2000 (Proc. 0016971, relatado pelo Des. Azadinho Loureiro); e Ac. Rel. Porto de 05/07/2006 (Proc. 0633108, relatado pelo Des. José Ferraz), in www.dgsi.pt.
[7] A redacção do nº 1 do artº 815º então vigente corresponde, grosso modo, à do actual artº 816º.
[8] No sentido mencionado, cfr. J. P. Remédio Marques, obra citada, pág. 79 e acórdãos da Rel. Lisboa de 10/10/2000, já mencionado, e da Rel. Porto de 10/01/2006 (Proc. 0523077, relatado pelo Des. Afonso Henrique), in www.dgsi.pt.
  Contra: Ac. Rel. Lisboa de 28/10/2004 (Proc. 5752/2004-2, relatado pelo Des. Farinha Alves), em www.dgsi.pt.
  O Cons. Salvador da Costa, em A Injunção e as Conexas Acção e Execução, parece, sem que para tanto tenhamos encontrado a pertinente explicação, ter evoluído da posição de que o executado podia socorrer-se de todos os fundamentos que lhe seria lícito usar como defesa na acção declarativa (4ª edição, págs. 213 e 214 e 5ª edição, págs. 233 e 234), para a posição contrária (6ª edição, pág. 325).
[9] O anterior corpo do artigo 814º passou a constituir o nº 1 e foram aditados os nºs 2 e 3 com a redacção seguinte:
  2. O disposto no nº anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, à oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido.
  3. Nas execuções baseadas em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, o expediente respeitante à injunção é enviado oficiosamente e exclusivamente por via electrónica ao tribunal competente para a execução.
  Por sua vez o artº 816º passou a ter a redacção seguinte:
  Não se baseando a execução em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, além dos fundamentos de oposição especificados no nº 1 do artigo 814º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados no processo de declaração.
[10] Note-se, por um lado, que o Decreto-Lei nº 226/2008 entrou em vigor em 31/03/2009 (artº 23º) e, por outro, que a alteração aos artºs 814º e 816º do CPC apenas se aplica aos processos iniciados após tal entrada em vigor (artº 22º, nº 1), não se aplicando, pois, ao presente processo que, naquela data, já estava pendente.
[11] Quanto a ser ou não título executivo o requerimento de injunção com a fórmula executória aposta, vimos já que o é. E quanto a tal título preencher ou não os requisitos de exequibilidade, apresenta-se-nos como manifesta a resposta afirmativa. É que, como foi decidido no Ac. da Rel. de Lisboa de 06/12/2007 (Proc. 8746/2007-6, relatado pela Des. Teresa Soares), in www.dgsi.pt, face a título com força executiva, como é o caso do requerimento de injunção com fórmula executória aposta, carece de qualquer cabimento analisar a causa de pedir da injunção para concluir pela falta de causa de pedir na execução. A inclusão na quantia exequenda dos juros de mora encontra fundamento, como no despacho recorrido acertadamente se referiu, no disposto nos artºs 45º, nº 1 e 46º, nº 2 do CPC. E a inclusão da taxa de justiça paga pelo requerente tem cabimento por força do disposto no artº 10º, nº 2, als. e) e f), 12º, nº 1, 13º, als. a) e d) e 21º, nº 2 do regime anexo ao Decreto-lei nº 269/98.