Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
35/07.2PTCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FÉLIX DE ALMEIDA
Descritores: PENAS
TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
CORRESPONDÊNCIA COM AS HORAS DE TRABALHO
Data do Acordão: 04/30/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – 4º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 48,2 E 58º, Nº 3 DO CP
Sumário: Com o “CORRESPONDENTEMENTE” do artigo 58º nº 3 n.0 3 do CP quer-se dizer que este último normativo se aplica, mutatis mutandis, isto é, deve aplicar-se apenas a regra da correspondência aí prescrita: no presente caso, o que se pretende é que a correspondência seja uma hora de trabalho para cada dia de multa.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na secção criminal:
Nos autos epigrafados, foi proferido o despacho que segue.
O arguido A… foi condenado numa pena de 180 dias de multa, à razão diária de € 4.
Veio, agora, requerer a substituição da pena de multa em que foi condenado por trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social.
O Ministério Público não deduziu oposição.
Solicitou-se ao I.R.S. a realização de relatório com vista a apreciar a pretensão do arguido. Este relatório encontra-se junto aos autos a fís. 55 e 56.
Cumpre decidir.
O artigo 48º do Código Penas, estabelece que “a requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas, de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No caso dos autos consideramos que se encontram preenchidos todos os requisitos previstos nesta norma, pois o arguido foi condenado numa pena de multa e o trabalho a favor da comunidade realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, face às reduzidas exigências de prevenção especial.
Com o actual regime previsto no artigo 5º nº 3 do Código Penal (aplicável por força da remissão do artigo 48º nº 2 do mesmo diploma> a cada dia de prisão corresponde uma hora de trabalho a favor da comunidade.
Assim, sendo a pena aplicada ao arguido de 180 dias de multa, o que corresponde a 120 dias de prisão (artigo 49º nº 1 do Código Penal), terá este de cumprir 120 horas de trabalho a favor da comunidade.
Posto isto, ao abrigo do disposto no artigo 58º nº 3 do Código Penas, determino que o arguido cumpra 120 (cento e vinte) horas de trabalho a favor da Comunidade, nos termos e modos constantes de fis. 55.
Notifique e remeta boletins ao registo criminal.
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Inconformado recorre o Digno Magistrado do M.P., conclusando:
1. Pela prática de um crime de condução de veículo automóvel na via pública sem a necessária habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º nºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.0 02/98, de 03 de Janeiro, foi o arguido A... condenado numa pena de cento e oitenta dias de multa, à razão diária de € 4,00.
2. Porque o arguido o requereu, foi autorizada a substituição desta pena de multa por trabalho a favor da comunidade.
3. Assim, e “ao abrigo do disposto no artigo 58º n.0 3, do Código Penal, aplicável por força do disposto no artigo 48º n.0 2 do mesmo diploma” foi determinado que o arguido cumpra 120 (cento e vinte) horas de trabalho a favor da comunidade.
4. Com efeito, entendeu a M.ma Juiz que “sendo a pena aplicada ao arguido de cento e oitenta dias de multa, o que corresponde a 120 dias de prisão (artigo 49º n.0 1 do Código Penal), terá este de cumprir 120 horas de trabalho a favor da comunidade”
5. Não obstante, entendemos que, no presente caso, não foi devidamente aplicado o disposto no citado artigo 48º n.0 2, do Código Penal.
6. Na verdade, quando aí se diz “é CORRESPONDENTEMENTE aplicável o disposto no artigo 58º n.0 3” quer dizer que este último normativo se aplica, mutatis mutandis, ou seja, com as necessárias adaptações.
7. Ou seja, no presente caso, o que se pretende é que se aplique apenas a regra da correspondência aí prescrita, ou seja, uma hora de trabalho para cada dia de multa.
8. Aliás, se assim não fosse, bastaria ao legislador ter referido no citado artigo 48º nº 2 que era aplicável o disposto no artigo 58º nº 3, sem a palavra “correspondentemente “.
9. Ao dizer expressamente e sem mais “é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 58º nº 3, o legislador só pode ter querido dizer que, no caso da substituição da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade, deveria aplicar-se a regra e proporção aí referida, ou seja, uma hora por cada dia (neste caso, dia de multa).
10. A regra que aqui tem de ser aplicada é a de fazer corresponder uma hora a um dia (dia esse que poderá ser de prisão ou de multa, conforme estejamos a (…?)
10.(sic) A regra que aqui tem de ser aplicada é a de fazer corresponder uma hora a um dia (dia esse que poderá ser de prisão ou de multa, conforme estejamos a aplicar directamente o disposto no referido n.” 3. ou por força da remissão do artigo 48º n.0 2).
11. Não sendo esta a vontade do legislador, deveria, então, ter dito que “era aplicável o disposto no artigo 58º nº 3. depois de feita a conversão do artigo 49º n.0 1.
12. E, não tendo utilizado esta fórmula, entendemos não ser aceitável a interpretação e aplicação efectuada pela M.ma Juiz.
13. Assim, a M.ma Juiz deveria ter ordenado o cumprimento, não das 120 horas de trabalho, mas antes, de 180 horas de trabalho.
14. Não o tendo feito, entendemos que a douta decisão recorrida violou o disposto no citado artigo 48º nº 2 do Código Penal.
Termos em que deverá dar-se provimento ao recurso e revogar-se a douta decisão recorrida, no que concerne ao número de horas (120) aplicadas ao arguido em substituição da pena de cem dias de muita, condenando-se o arguido nos termos propostos.
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Apôs visto, nesta Instância, o Ex.mo PGA.
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Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

O recurso vem interposto do despacho proferido nos autos supra transcrito, que substituiu a pena de cento e oitenta dias de multa, em que o arguido A...havia sido condenado nestes autos, pelo cumprimento de cento e vinte horas de trabalho a favor da comunidade, fundamentando com o disposto no artigo 58º n.0 3, do Código Penal, aplicável por força do preceituado no artigo 48º n.0 2, do mesmo diploma Legal.
A discordância prende-se apenas com o número de horas de trabalho a favor da comunidade, aplicados em substituição da pena de multa imposta.
Na verdade, nos presentes autos, foi o arguido Álvaro João Mendes Ferreira, condenado pela prática de um crime de condução de veículo automóvel na via pública sem a necessária habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º nºs 1 e 2, do Dec.-Lei n.0 02/98, de 03 de Janeiro, numa pena de cento e oitenta dias de multa, à razão diária de quatro euros.
Porque o arguido o requereu, foi autorizada a substituição desta pena de multa por trabalho a favor da comunidade.
Com efeito, de acordo com o artigo 48º n.0 1, do Código Penal, “A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a peno de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Refere ainda o n.0 2 do mesmo artigo que “É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 58º e no n.0 1 do artigo 59º.
Ora, preceitua o artigo 58º n.0 3, “Para efeitos do disposto no n.0 1 (substituição da pena de prisão por dias de trabalho), cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas,”.
Pretextando aplicar esta regra, entendeu a M.ma Juiz “a quo” que “sendo a pena aplicada ao arguido de cento e oitenta dias de multa, o que corresponde a 120 dias de prisão (artigo 49º n.0 1 do Código Penal), terá este de cumprir 120 dias de prisão (artigo 49º nº 1 do Código Penal), terá este de cumprir 120 horas de trabalho a favor da comunidade”.
Erradamente, a nosso ver.
Erro que se traduz na prévia “conversão” da multa aplicada directamente, em pena de prisão, o que, diga-se seria sempre gravoso, caso não houvesse a intenção “adivinhada” de fazer a substituição por dias de trabalho.
Haverá que partir apenas da pena de prisão ou da pena de multa, sem qualquer conversão.
Na verdade, quando além se diz “é CORRESPONDENTEMENTE aplicável o disposta no artigo 58º nº 3 n.0 3, quer-se dizer que este último normativo se aplica, mutatis mutandis, isto é, deve aplicar-se apenas a regra da correspondência aí prescrita: no presente caso, o que se pretende é que a correspondência seja uma hora de trabalho para cada dia de multa.
Aliás, se assim não fosse, bastaria ao legislador ter referido no citado artigo 48º n.0 2 que era aplicável o disposto no artigo 58º n.0 3, sem a palavra “correspondentemente”. Com efeito, sabendo o legislador que o artigo 48º está inserido na secção da multa, ao dizer expressamente e sem mais “é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 58º n.0 3, só pode ter querido dizer que, no caso da substituição da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade, deveria aplicar-se a regra e proporção aí referida, ou seja, uma hora por cada dia (neste caso, dia de multa). A regra que aqui tem de ser aplicada é a de fazer corresponder uma hora a um dia (dia esse que poderá ser de prisão ou de multa, conforme estejamos a aplicar directamente o disposto no referido n.0 3, ou por forca da remissão do artigo 48º n.0 2).
Não sendo esta a vontade do legislador, deveria ter dito que “era aplicável o disposto no artigo 58º n.0 3, depois de feita, também, a conversão do artigo 49º n.01”. E, não tendo utilizado esta fórmula, não é aceitável a interpretação e aplicação efectuada pelo tribunal recorrido.
É certo que nos “sensibilizam” (de jure condendo) os argumentos expendidos nos despachos recorrido e sustentatório de que “…a aplicação de uma pena de multa substituída por dias de trabalho e a aplicação de uma pena de prisão substituída por trabalho são realidades diferentes, sendo mais grave esta última”.
Só que “de jure condito” não se teve, por certo, em atenção tal preocupação/diferenciação, não se estatuindo um tratamento e solução diferenciados entre os binómios multa/substituição e prisão/substituição, dando-se-lhe idêntico tratamento.
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Termos em que se acorda, no provimento do recurso, em revogar o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro em que a requerida substituição seja feita por 180 (cento e oitenta) dias de trabalho.
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Sem tributação.
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Coimbra,30-04-08
Arlindo Félix de Almeida.