Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1497/03.2TACBR.CI
Nº Convencional: JTRC
Relator: CALVÁRIO ANTUNES
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA
SEGURANÇA SOCIAL
DESCRIMINALIZAÇÃO
CRIME CONTINUADO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 12/09/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 30º,Nº2 DO CP; 24ºE 27º-B DO DL20/90 DE 15/01 105º,107º DO RGIFNA E ARTIGO 113º DA LEI Nº64-A /2008 DE 29/12
Sumário: 1.O tipo de crime abuso de confiança contra a segurança social é autónomo, independente do do crime de abuso de confiança fiscal e um outro destes crimes tutelam bens jurídicos distintos.
2.Uma vez que a remissão para o crime de abuso de confiança fiscal apenas respeita às penas, não pode de modo algum entender-se que o nº 1 do art. 105º do RGIT se aplicava na totalidade, por força do disposto no art. 107º, aos crimes de abuso de confiança contra a segurança social. Aliás se assim se entendesse, tal consistiria numa quase total despenalização dos factos integradores do crime de abuso de confiança contra a segurança social, pois que com a revogação do nº 6 do referido art. 105º, ficaria totalmente despenalizado (nem contra-ordenação) o abuso contra a segurança social em que a dívida fosse inferior ou igual a 7500€.
3.A alteração introduzida pelo art.113.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, ao art.105.º, n.º1 do RGIT, não descriminalizou a não entrega total ou parcial, à segurança social de prestação igual ou inferior a € 7500.
4.O crime continuado, integra uma unidade jurídica, construída por sobre uma pluralidade efectiva de crimes. Ou seja, perante uma repetição de factos e de resoluções criminosas de significado penal equivalente, com um nexo de continuidade, a ordem jurídica estipula a consideração dessa continuação de delitos como um único facto, no sentido jurídico-penal.
5.A factualidade provada nos presentes autos apresenta-nos uma perfeita homogeneidade de condutas (omissão de entrega do montante de descontos para a Segurança Social, efectuados aos trabalhadores por conta de outrém) com renovação da resolução criminosa sempre que a ocasião se proporcionou, tendo como motivação subjacente sempre as mesmas dificuldades financeiras da empresa. Nessas circunstâncias, admite-se que o esforço de manter a solvabilidade da empresa, e em última instância a sua sobrevivência, tenha arrastado os agentes para a conduta desviante, em termos de tornar sucessivamente mais difícil e menos exigível contrariar o recurso a esse expediente, diminuindo consideravelmente a culpa.
6.Estamos assim face a um único crime – um crime continuado. E sendo o crime continuado, o mesmo conumou-se com a não entrega da ultima das prestações devidas, no prazo de 90 dias após a sua dedução.
Face a tal, dúvidas não existem que a prescrição ainda não ocorreu.
Decisão Texto Integral: 24

I. Relatório:

O Ministério Público deduziu acusação, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, contra:
AD…, casada, empresária, nascida… em… Coimbra, filha de A. e de O… residente … Coimbra;
A. , casado, administrador, nascido … em …, Coimbra, , titular do B. de Id. Nº … emitido pelo Arq. de Id. de Lisboa em …/84, … Coimbra;
AU. casado, administrativo, nascido … em… Coimbra, filho de A.. e de O.., residente em…

por si e em representação de:
F….S.A., sociedade comercial anónima, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de …. sob o número…, contribuinte da Segurança Social nº …, titular do N.I.P.C… e com sede … Coimbra;
imputando-lhes, pela prática dos factos descritos na acusação pública de fls. 1026 e ss. dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelo art. 27° -B e 24°, nº 1 do Decreto Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro (R.J.I.F.N.A.), ou pelo art. 105°, nºs 1, 2 e 5 e 107° n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho.
***
O Instituto de Segurança Social formulou um pedido de indemnização civil contra os arguidos, a fls. 1047 e ss., pedindo a condenação dos arguidos no pagamento de quantia de €:126.138,80, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de €:56.684,68 e de juros moratórios vincendos, à taxa legal devida nos termos da legislação especial da segurança social, e até efectivo e integral pagamento, todos calculados de acordo com a legislação especial por dívidas à Segurança Social.

***

Efectuado julgamento o tribunal decidiu:

a) Absolver o arguido AU da prática dos factos e do crime de que vinha acusado.
b) Condenar a arguida AD, pela prática, em co-autoria, de um crime de abuso de confiança à Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelo art.º 30º n.º 2 do CP e nos arts 27° -B e 24°, nº 1 do Decreto Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro (R.J.I.F.N.A.), ou 105º, nºs 1, 2 e 5 e 107° n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, na pena de 220 dias de multa, à taxa diária de €:4,50, o que perfaz €:990,00, fixando a prisão subsidiária em 146 dias.
c) Condenar o arguido A., pela prática, em co-autoria, de um crime de abuso de confiança à Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelo art.º30° n.º 2 do CP e nos arts 27° -B e 24°, nº 1 do Decreto Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro (R.J.I.F.N.A.), ou 105°, nºs 1, 2 e 5 e 107° n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, na pena de 220 dias de multa, à taxa diária de €:6,00, o que perfaz €:1320,00, fixando a prisão subsidiária em 146 dias.
d) Condenar a arguida F… S. A., pela prática, em co-autoria, de um crime de abuso de confiança à Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelo art.º 30° n.º 2 do CP e nos arts 27° -B e 24°, nº 1 do Decreto Lei nO 20-A/90, de 15 de Janeiro (R.J.I.F.N.A.), ou 105°, nºs 1, 2 e 5 e 107° n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, na pena de 350 dias de multa, à taxa diária de €:5,00, o que perfaz €:.1750,00.
e) Condenar os arguidos AD. A.e F…SA.. no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça individualmente devida pelos arguidos AD.. e F….. em 2 UCs e a devida pelo arguido A… em 1 UC, em virtude da confissão feita 8art.º 344° do CPP, com procuradoria no mínimo (cfr. arts. 513°, n.ºs1 e 3,514°, n.ºs1 e 2, ambos do Cód. de Proc. Penal e arts.82, 85°, n.º1, al.b), 89°, n.º1 al d)e 95°, todos do Cód. das Custas Judiciais), e o acréscimo de 1% nos termos do n.º3 do art.13° do DL n.º 423/91, de 30 de Outubro.
f) absolver o arguido AU… do pedido de indemnização civil contra ele deduzido.
g) julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido contra os arguidos AD…A… e F…, S. A. e condená-los solidariamente no pagamento à demandante civil da quantia de €:126138,80, acrescida de juros de mora no montante de €:56684,68, vencidos até Agosto de 2005 e vincendos até efectivo e integral pagamento, todos calculados de acordo com a legislação especial por dívidas da segurança social.
h) custas civis por demandante e demandados na medida do decaimento, que se fixa em 1/4 para a primeira e em ¾ para os demandados.

***
2. Não concordando com a decisão, a arguida F…S.A., interpôs o presente recurso, formulando nas respectivas motivações, as seguintes (transcritas) conclusões:

1. A redacção do artigo 105º do RGIT dada pela Lei 64-A/2008 de 29.12 veio introduzir uma nova condição objectiva de punibilidade do crime o que induz a aplicação do regime mais favorável.
2. O artigo 107º do RGIT, inalterado com a Lei 64-A/2008 de 31/12, remete para as penas previstas nos nºs 1 a 5 do artigo 105º do mesmo diploma sendo que as preditas penas só são aplicáveis caso a não entrega de valores seja superior a €7500 avalizando assim a interpretação gramatical da arguida.
3. Do ponto de vista do elemento racional, a intenção do legislador queda-se no simples facto de pretender que não cheguem aos tribunais litígios que envolvam montantes significativamente baixos optando pela sua resolução em sede de procedimento administrativo mediante a instauração do competente processo contra-ordenacional.
4. Basta atentar, em abono do propugnado, na revogação expressa do nº6 do artigo 105º do RGIT que já previa uma hipótese de descriminalização da conduta mediante o “ressarcimento” do Estado pelo pagamento. Com esta alteração legislativa, é manifesta a intenção do legislador em optar ab initio pela descriminalização da conduta ao prever um limiar mínimo de punibilidade seja mais elevado.
5. No que ao elemento sistemático diz respeito parece incontroverso que vários elementos fácticos estribam a interpretação propugnada pela recorrente: (1) a manifesta interdependência sistemática entre ambos os preceitos ao postular que o tipo de abuso de confiança em relação à segurança social não tem sequer autonomia face ao tipo de abuso de confiança fiscal no que à definição de penas diz respeito; (2) a redacção “minimalista” do artigo 107º em que faz remissão expressa do seu regime para o artigo 105º; e (3) o tratamento sistemático conferido pelo legislador ao incluir ambos os tipos no mesmo título do diploma normativo.
6. Abordando o elemento histórico, é patente que sempre existiu uma opção legislativa em encarar os dois tipos legais em apreço como “homogéneos”, como se comprova, de resto, pela primitiva redacção do RJIFNA em que nem sequer existia autonomia e os diversos comportamentos estavam subsumidos a um único tipo de abuso de confiança.
7. A alteração do artigo 105º influi inequivocamente na interpretação do artigo 107º devendo-se considerar que qualquer pena só possa ser aplicável desde que verificada a nova condição objectiva de punibilidade naquele inserta, isto é, que a não entrega de verbas retidas, total ou parcialmente, seja superior a €7500, o que in casu nunca aconteceu na salvaguarda do artigo 105º/7 do RGIT.
8. Assim, a interpretação a dar do cotejo dos artigos 105º/1 e 107º/1 do RGIT deveria ter corrido no sentido de que a conduta imputada à arguida encontra-se descriminalizada.
9. O crime em causa não pode ser considerado de execução continuada, uma vez que foram feitos pagamentos à Segurança Social em diversos meses interpolados como é referido na douta acusação. Tal conduta, rectius o pagamento de prestações à Segurança Social, ainda que de forma episódica, faz cessar qualquer possibilidade de se consumar um crime de execução continuada, uma vez que não se verificam os requisitos cumulativos do conceito de crime continuado previstos no artigo 30º/2 do Código Penal.
10. O artigo 15º/1 do RJIFNA postula que «O procedimento criminal por crime fiscal extingue-se logo que sobre a prática do mesmo sejam decorridos cinco anos», sendo incontestável que o artigo 24º/6 daquele acervo normativo fixava a data da consumação do crime em noventa dias após o termo do prazo legal da entrega da prestação.
11. É manifesto que os comportamentos imputados até ao ano de 1999 (inclusive) terão que se haver como prescritos no cotejo dos normativos transmencionados devendo o artigo15º do RJIFNA ter sido interpretado no sentido de que tal prazo correria independentemente por cada uma das não entregas feitas.
12. À data de hoje, e face ao disposto nos artigos 15º e 24º do RJIFNA e 105º/1 e 21º/4 do RGIT e 121º/3 do Código Penal, também os comportamentos imputados à arguida e verificados pelo menos até Julho de 2001 terão que se haver como prescritos.
13. Ao condenar a arguida não levando em linha de conta a descriminalização operada com a alteração legislativa da L 64-A/2008 e, subsidiariamente, não verificando procedente a questão da prescrição do procedimento, o despacho e a douta sentença erraram na interpretação a fazer das normas aplicáveis à factualidade sub judice pelo que as decisões proferidas não podem subsistir devendo ser anuladas.
14. Sob pena de violação dos artigos 21º/4, 105º/1 e 107º/1 do RGIT, 29º/1 da Constituição da República Portuguesa, 2º/2 e 5º do Código de Processo Penal, 15º e 24º do RJIFNA, 121º/3 do Código Penal e 9º do Código Civil deve ser ordenada a revogação do despacho em recurso, bem como da douta sentença, e proferida nova decisão em que se ordene a extinção do procedimento criminal atenta a inexistência de lei punitiva ou, quando assim não se entenda, a nova decisão deverá reflectir a absolvição da arguida por todos os comportamentos imputados até Julho de 2001 sem embargo do período temporal que transcorrer até nova decisão e que reflicta a prescrição já alegada e bem assim absolver a arguida do pedido de indemnização civil formulado nos autos, assim se fazendo JUSTIÇA!

***
3. O Ministério Público, na sua resposta de fls 1436/1437, pugnou pela não procedência do recurso, defendendo que a sentença recorrida deve ser mantida, na íntegra.
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4. Subidos os autos a esta Relação, o Ex.mº Sr. Procurador-Geral Adjunto, em douto parecer, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso (fls. 1446/1449).

Notificados, nos termos do que dispõe o artº 417.º, n.º 2, do CPP, os arguidos não vieram dizer o que quer fosse.
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5. Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

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II. Fundamentação:
1. Delimitação do objecto do recurso e poderes cognitivos do Tribunal ad quem:
Conforme Jurisprudência uniforme nos Tribunais Superiores e da doutrina, são apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, (Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98), sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Assim sendo, temos como

Questões a decidir:
a) Da descriminalização da conduta.
Apreciar se nos autos em que os arguidos vêm acusados por crime de abuso de confiança fiscal são puníveis, com a entrada em vigor da nova redacçãop ao artº 105º do RGIT, ou se agora só são puníveis os factos referidos no artº 107 do RGIT, quando o montante em causa for superior a € 7500,00.
b) Da prescrição.
Entende a recorrente que o crime, a existir, não é continuado e por isso deverá ser declaerado prescrito, pelo menos os ocorridos até Julho de 2001.

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2. Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos (por transcrição):

“2.1.1..Factos provados:
Da acusação:
1) A sociedade arguida "F…. S. A." tem por objecto a indústria de confecções e os arguidos são os gerentes desta sociedade, tendo exercido exclusivamente toda a gerência da sociedade nos seguintes períodos de tempo: os arguidos AD e A... durante o período de tempo compreendido entre os meses de Setembro de 1997 a Dezembro de 2005 e o arguido AU..., juntamente com os demais arguidos, apenas até ao ano de 1995, chamando a si, nos referidos períodos a iniciativa e a responsabilidade por todas as decisões a que têm dado execução.
2) Procederam sempre, durante os referidos períodos, livre, consciente e voluntariamente, por suas próprias iniciativas, em nome da sociedade arguida e em favor dos interesses dela.
3) Os arguidos, enquanto sócios gerentes da sociedade arguida, ao abrigo do preceituado no art. 6° do Dec.-Lei nº 103/80, de 9 de Maio, no final de cada mês de prestação de trabalho efectivo estavam obrigados a liquidar o montante das contribuições mensais devidas pelos seus trabalhadores às Instituições de Segurança Social.
4) Uma vez apurado o valor das contribuições, a sociedade arguida, por intermédio dos arguidos seus gerentes, estava obrigada, à luz do disposto no artigo 18° do Dec.-Lei 140-D/86, de 14 de Junho, ao qual sucedeu o art. 10°, n.º 2 do Dec.-Lei n.º 199/99, de 8 de Junho, a entregar todo esse valor à Segurança Social, mensalmente e até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que as contribuições dissessem respeito.
5) Entre os meses de Setembro de 1997 a Dezembro de 2005 a sociedade arguida, sobre as retribuições salariais que pagou, descontou as percentagens relativas às contribuições devidas pelos seus trabalhadores, gerentes e pensionistas (trabalhadores por conta de outrem / membros de órgãos estatutários e equiparados / reformados por velhice) à Segurança Social que incidiam sobre os rendimentos do trabalho desses seus empregados e ex-empregados.
6) Todavia, em obediência à decisão tomada conjunta e concertadamente pelos sócios gerentes AD… e A…, a sociedade arguida não procedeu à entrega nos cofres da Segurança Social daqueles valores retidos no prazo legalmente estipulado, isto é, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitam, encontrando-se, assim, em débito, em sede de contribuições devidas à segurança social, o montante global de € 215.260,41 (duzentos e quinze mil, duzentos e sessenta euros e quarenta e um cêntimos) assim discriminado:

1. Trabalhadores por conta de outrem (regime geral):
€ 207.470,27 (duzentos e sete mil, quatrocentos e setenta euros e vinte e sete cêntimos), calculado de acordo com a aplicação da taxa de 11 % às remunerações base de incidência (arts. 1° do Decreto-Lei nº 140-D/86, de 14 de Junho, e 3°, nº 2 do Decreto-Lei nº
199/99, de 8 de Junho):

Exercício Mês Valor Cometimento

1997 Setembro € 3.387,26 16/01/98
Outubro € 4.704,47 16/02/98
Novembro € 3.140,49 16/03/98


Exercício Mês Valor Cometimento

1998 Maio €3.191,47 16/09/98
Junho € 4.850,52 16/10/98
Julho € 6.223,52 16/11/98
Agosto € 3.141,78 16/12/98
Setembro € 3.064,03 16/01/99
Outubro € 3.028,01 16/02/99
Novembro € 2.972,58 16/03/99
Dezembro € 6.290,13 16/04/99

1999 Janeiro € 3.040,99 16/05/99
Fevereiro € 3.136,30 16/06/99
Março € 4.744,22 16/07/99

2000 Janeiro € 3.021,93 16/05/00
Março € 3.174,75 16/07/00
Abril € 3.243,14 16/08/00
Junho € 3.079,33 16/10/00
Julho € 5.589,32 16/11/00
Agosto € 3.234,84 16/12/00
Setembro € 3.173,35 16/01/01
Outubro € 2.985,04 16/02/01
Novembro € 6.285,48 16/03/01

2002 Fevereiro € 3.110,43 16/06/02
Março € 3.127,96 16/07/02
Abril € 3.141,20 16/08/02
Maio € 3.147,38 16/09/02
Junho € 3.182,40 16/10/02
Julho € 3.140,41 16/11/02
Agosto € 6.515,89 16/12/02
Setembro € 3.230,71 16/01/03
Dezembro € 6.390,83 16/04/03

2003. Janeiro € 2.965,56 16/05/03
Fevereiro € 3.143,95 16/06/03
Março € 3.155,39 16/07/03
Abril € 3.140,13 16/08/03
Maio € 3.177,86 16/09/03
Junho € 3.062,75 16/10/03
Julho € 3.617,59 16/11/03
Agosto € 6.166,83 16/12/03
Setembro € 2.755,78 16/01/04
Outubro € 2.784,67 16/02/04
Exercício Mês Valor Cometimento

Novembro € 2.925,42 16/03/04
Dezembro €4.501,19 16/04/04

2004. Agosto € 3.939,73 16/12/04
Outubro € 2.423,57 16/02/05
Novembro € 2.453,06 16/03/05
Dezembro € 3.593,57 16/04/05

2005. Janeiro € 2.779,76 16/05/05
Fevereiro € 2.790,42 16/06/05
Março € 3.722,37 16/07/05
Abril € 2.178,92 16/08/05
Maio € 1.608,66 16/09/05
Junho € 1.586,11 16/10/05
Julho € 1.592,50 16/11/05
Agosto € 1.596,73 16/12/05
Setembro € 1.622,32 16/01/06
Outubro € 2.272,22 16/02/06
Novembro € 1.463,04 16/03/06
Dezembro € 6.760,00 16/04/06

2. Membros de órgãos estatuários e equiparados:
€5.304,77(cinco mil trezentos e quatro euros com setenta e sete cêntimos), calculado de acordo com aplicação da taxa de 10% às remunerações base de incidência contributiva(art.º 13º do Decreto-Lei nº 199/99, de 8 de Junho):

Exercício Mês Valor Cometimento

2000. Janeiro € 104,75 16/05/00
Fevereiro € 104,75 16/06/00
Março € 104,75 16/07/00
Abril € 104,75 16/08/00

2002 Fevereiro € 115,00 16/06/02
Março € 115,00 16/07/02
Abril € 115,00 16/08/02
Maio € 115,00 16/09/02
Junho € 115,00 16/10/02
Julho € 115,00 16/11/02
Agosto € 230,00 16/12/02
Setembro € 115,00 16/01/03
Dezembro € 230,00 16/04/03
Exercício Mês Valor Cometimento

2003 Janeiro € 115,00 16/05/03
Fevereiro € 115,00 16/06/03
Março € 115,00 16/07/03
Abril € 115,00 16/08/03
Maio € 115,00 16/09/03
Junho € 115,00 16/10/03
Julho € 115,00 16/11/03
Agosto € 230,00 16/12/03
Setembro € 115,00 16/01/04
Outubro € 115,00 16/02/04
Novembro € 115,00 16/03/04
Dezembro € 172,50 16/04/04

2004. Agosto € 172,50 16/12/04
Outubro € 115,00 16/02/05
Novembro € 115,00 16/03/05
Dezembro € 172,50 16/04/05

2005. Janeiro € 115,00 16/05/05
Fevereiro € 115,00 16/06/05
Março € 114,19 16/05/05
Abril € 115,00 16/08/05
Maio € 115,00 16/09/05
Junho € 115,00 16/10/05
Julho € 115,00 16/11/05
Agosto € 114,04 16/12/05
Setembro € 115,00 16/01/06
Outubro € 230,00 16/02/06
Novembro € 115,00 16/03/06
Dezembro € 115,00 16/04/06


3. Beneficiários pensionistas por velhice:
€2.485,35 (dois mil quatrocentos e oitenta e cinco euros com trinta e cinco cêntimos), calculado de acordo com aplicação da taxa de 7,8% às remunerações base de incidência contributiva(art.º 17º, nº 2 do Decreto-Lei nº 199/99, de 8 de Junho):

Exercício Mês Valor Cometimento

2002. Janeiro € 58,50 16/05/02
Fevereiro € 58,50 16/06/02
Março € 58,50 16/07/02
Abril € 58,50 16/08/02
Exercício Mês Valor Cometimento

Maio € 58,50 16/09/02
Junho € 58,50 16/10/02
Julho € 58,50 16/11/02
Agosto € 117,00 16/12/02
Setembro € 58,50 16/01/03
Dezembro € 117,00 16/04/03

2003. Janeiro € 58,50 16/05/03
Fevereiro € 58,50 16/06/03
Março € 58,50 16/07/03
Abril € 58,50 16/08/03
Maio € 58,50 16/09/03
Junho € 58,50 16/10/03
Julho € 58,50 16/11/03
Agosto € 117,00 16/12/03
Setembro € 58,50 16/01/04
Outubro € 58,50 16/02/04
Novembro € 58,50 16/03/04
Dezembro € 87,75 16/04/04


2004. Agosto € 87,75 16/12/04
Outubro € 58,50 16/02/05
Novembro € 58,50 16/03/05
Dezembro € 87,75 16/04/05

2005. Janeiro € 58,50 16/05/05
Fevereiro € 58,50 16/06/05
Março € 58,09 16/07/05
Abril € 58,50 16/08/05
Maio € 58,50 16/09/05
Junho € 58,50 16/10/05
Julho € 58,50 16/11/05
Agosto € 58,01 16/12/05
Setembro € 58,50 16/01/06
Outubro € 117,00 16/02/06
Novembro € 58,50 16/03/06
Dezembro € 58,50 16/04/06


7) A sociedade arguida, sujeito passivo da referida obrigação, assume-se como mero substituto tributário, funcionando como um depositário das importâncias pagas pelos colaboradores, que lhe foram retidas ou descontadas, com a obrigação de as entregar nos cofres da segurança social nos prazos regulados por lei.
8) Todavia, tais contribuições, liquidadas, efectivamente cobradas e exigíveis pela Segurança Social, nunca foram entregues pelos arguidos AD.. e A… a esse organismo, como lhes competia, antes se tendo apropriado delas em benefício do seu património, sendo que já decorreram mais de 90 dias sobre o termo do prazo de entrega de tais montantes.
9) Mesmo após os arguidos terem sido notificados nos termos do disposto nos nºs 4, al. b) e 6 do art. 105°, aplicável ex vi art. 107° nº 2 do R.G.I.T., para procederem ao pagamento voluntário de tais quantias, não cumpriram integralmente as suas obrigações fiscais no prazo de 30 dias a contar de tal notificação, pois apenas pagaram o débito de cotizações anterior a Fevereiro de 2002 e efectuaram pagamentos relativos aos meses de Novembro de 2002 e Fevereiro a Setembro de 2004, não tendo contudo pago os juros referentes a esses períodos, nem até hoje efectuaram o pagamento dos restantes montantes supra discriminados e dos demais acréscimos legais.
10) Os arguidos A….e AD.., por si e em representação e no interesse da sociedade arguida, sabiam que os montantes deduzidos em sede de contribuições à segurança social não pertenciam à sociedade arguida, devendo ser entregues a essa entidade e que, não o fazendo, estavam a defraudar a confiança neles depositada, enquanto substitutos dos verdadeiros contribuintes. No entanto, agindo conjunta e concertadamente no seu interesse e no da sociedade arguida, diluíram as referidas quantias nos meios financeiros da sociedade arguida, integrando-as no património da sociedade e delas dispondo como se fossem da sociedade.
11) Agiram estes arguidos livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que aquele dinheiro pertencia à segurança social e a esta deviam fazer chegar, actuando com intenção de alcançarem para a sua representada um benefício a que sabiam não ter direito, assim causando à segurança social uma diminuição das receitas de montante idêntico ao benefício alcançado.
12) Bem sabiam os arguidos A… e AD.., ao agirem da forma descrita, que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

Da contestação:
15) Com as verbas retidas os arguidos AD… e A.. quiseram manter a sociedade arguida em funcionamento
16) A sociedade arguida acumulou prejuízos sucessivos ao longo dos anos, motivados, essencialmente, da conjuntura económica ou financeira, sobretudo derivada da fortíssima e feroz concorrência da Republica Popular da China, para o sector têxtil, o da arguida.
16) Os arguidos AD.. e A… optaram por garantir os postos de trabalho e funcionalidade da arguida à espera de melhores dias e optaram por pagar os salários e ir entregando à Segurança Social, à medida das possibilidades, os montantes supra descritos.
17) Os arguidos sentiam-se pressionados para pagar aos trabalhadores os salários dado que estes necessitavam do dinheiro para sobreviverem.
18) Se os trabalhadores fossem para o desemprego o Estado ficaria onerado, dado que passariam a receber o subsídio respectivo.
19) Os co-arguidos A… e AD… agiram à espera de melhores dias, que nunca chegaram.

Condições pessoais dos arguidos
20) A arguida AD… está desempregada e não recebe qualquer subsídio de desemprego.
Está separada judicialmente de pessoas e bens e vive da pensão de alimentos que este dá às filhas, no valor de cerca de cerca de €:1500,00 a €:2000,00.
Tem a seu cargo uma filha que se encontra a estudar na Universidade.
21) O arguido A. foi declarado insolvente por sentença datada de …/2001, transitada em julgado, proferida no âmbito do processo n.º…/2000, do 2° Juízo Cível de ….
22) O arguido A. está separado judicialmente.
Está reformado e recebe uma reforma da segurança social no valor de €:910,00, da qual 1/3 está penhorado.
Vive em casa da mulher, que é doméstica.
23) A sociedade arguida foi declarada insolvente, por sentença datada de …/2006, transitada em julgado, proferida no âmbito do processo ,…/06.4JCBR, do 4° Juízo Cível de Coimbra.
24) Os arguidos não têm antecedentes criminais.

2. 2. Factos não provados:
Não se provou, concretamente, que:
- Os arguidos fizeram suas as quantias referidas e integraram-nas nos seus patrimónios, delas dispondo como se fossem donos das mesmas.
- O arguido AU. exercia as funções de gerência da sociedade após o ano de 1995, tomando decisões.
- O arguido AU, por si e em representação e no interesse da sociedade arguida, sabia que os montantes deduzidos em sede de contribuições à segurança social não pertenciam à sociedade arguida, devendo ser entregues a essa entidade e que, não o fazendo, estava a defraudar a confiança nele depositada, enquanto substituto dos verdadeiros contribuintes. No entanto, agindo conjunta e concertadamente no seu interesse e no da sociedade arguida, fez suas as respectivas quantias, diluindo-as nos meios financeiros da sociedade arguida, integrando-as no seu património e delas dispondo como se fossem próprias e agiu com intenção de obterem para si um benefício a que sabia não ter direito.
- O arguido AU… agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que aquele dinheiro pertencia à segurança social e a esta o devia fazer chegar, actuando com intenção de alcançar para si e para a sua representada um benefício a que sabia não ter direito, assim causando à segurança social uma diminuição das receitas de montante idêntico ao benefício alcançado.
- o arguido AU… sabia, ao agir da forma descrita, que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

1.3. Motivação:
A convicção do Tribunal formou-se com base na conjugação de diversos elementos probatórios, concretamente:
- as declarações feitas pelo arguido A…, que relatou que na altura dos factos ele e a filha, a arguida AD.. eram gerentes da sociedade arguida, reconheceu que, efectivamente, não procederam à entrega à Segurança Social das quantias em causa na acusação, explicando contudo que tal se deveu ao facto da sociedade arguida estar a atravessar uma profunda crise financeira e não dispor de dinheiro para pagar à Segurança Social e simultaneamente pagar os salários dos trabalhadores e os fornecedores, tendo optado por efectuar estes últimos pagamentos, na esperança de que a situação melhorasse e pudessem saldar a dívida à Segurança Social, que entretanto se ia acumulando. Declarou que eram ele e a filha, a arguida AD, quem geria a sociedade arguida no período considerado, tomando todas as decisões.
- o teor dos documentos juntos aos autos.
- os depoimentos das testemunhas Maria T., técnicas da Segurança Social, que confirmaram os débitos da Sociedade arguida.
- Os depoimentos das testemunhas B., que eram trabalhadoras da sociedade arguida e credivelmente relataram as dificuldades económicas que esta atravessou e o facto dos empregados terem sempre recebido os vencimentos e ainda o facto dos gerentes efectivos da sociedade, nos períodos em causa, serem os arguidos AD.... e A…, sendo estes que decidiam todos os assuntos relacionados com a gestão da sociedade arguida.
- o depoimento da testemunha A.N. que era o técnico oficial de contas da sociedade arguida e relatou as dificuldades económicas por esta vividas.
- as regras da experiência e do normal acontecer.
- os certificados do registo criminal relativamente aos antecedentes criminais dos
arguidos.
- as declarações dos arguidos relativamente às circunstâncias pessoais destes e às condições actuais da empresa arguida.
Há que notar que a arguida AD…não quis prestar declarações.
No que concerne aos factos não provados, a verdade é que não se produziu em audiência de julgamento qualquer prova que permitisse dar como provado qualquer facto para além dos que nessa qualidade foram descritos.
Designadamente, não se provou que os arguidos A.. e AD… tivessem feito suas as quantias em causa, dado que se provou o contrário, concretamente que os arguidos integraram tais quantias no património da sociedade e dela dispuseram como se fossem desta, para pagar salários e fornecedores.
Quanto aos factos imputados ao arguido AU…, não se fez qualquer prova dos mesmos.
Efectivamente, desde logo o próprio arguido AU. declarou que a partir de 1995 foi residir e trabalhar para o Norte do País e deixou de ter qualquer responsabilidade pelas decisões tomadas na sociedade. Apenas permaneceu como gerente para efeitos legais e porque era exigida a existência de 3 gerentes para a sociedade poder funcionar.
O arguido A confirmou estas declarações do filho, assim como o fizeram as testemunhas B… e A. N., que declararam saber que o arguido AU. saiu da empresa muitos anos antes desta fechar.
Tais declarações não foram contrariadas por qualquer prova produzida e mereceram credibilidade, razão pela qual se deu como não provada a factualidade em causa.
Relativamente aos factos constantes da contestação que não se deram como provados nem como não provados, tal deve-se ao facto de se tratar de matéria conclusiva, ou de direito, ou matéria repetida ou irrelevante.
***
3. APRECIANDO.
3.1. Da descriminalização da conduta.
Entende a recorrente que os factos da acusação deixarem de ser puníveis, com a entrada em vigor da nova redacçãop ao artº 105º do RGIT, sendo agora só puíveis os factos referidos no artº 107 do RGIT, quando o montante em causa for superior a € 7500,00.
Vejamos então.
No dia 1 de Janeiro de 2009, entrou em vigor a Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, Lei do Orçamento de Estado para 2009, que, veio introduzir alterações no R.G.I.T. (Regime Geral das Infracções Tributárias), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho.
Assim, o Art. 113º desta Lei alterou o disposto no Art. 105º, n.º 1 do R.G.I.T. que passou a ter a seguinte redacção: “Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a € 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias”, sendo que, anteriormente, este normativo dispunha, que “Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias”.
Ora, como resulta da comparação das duas redacções – a actual e a anteriormente vigente – do Art. 105º, n.º 1 do R.G.I.T., verifica-se ter sido alterado o tipo-de-ilícito objectivo do crime de abuso de confiança fiscal, uma vez que passou a ser punida apenas a não entrega à administração tributária, total ou parcial, de prestação tributária de valor superior a € 7.500, enquanto que anteriormente a verificação deste tipo legal não exigia que a prestação tributária não entregue tivesse um valor mínimo.
Por sua vez, o Art. 107º do R.G.I.T. tem a seguinte redacção: “1 - As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos n.ºs 1 e 5 do artigo 105.º
2 - É aplicável o disposto nos n.ºs 4, 6 e 7 do artigo 105.º”.
Importa então concluir se face á tal alteração ao artº 105º do RGIT, o crime de abuso de confiança fiscal exige que a quantia retida, seja de, pelo menos, € 7500,00.
O Art. 63º, n.º 1 da Constituição prescreve que “Todos têm direito à segurança social”, incumbindo ao Estado “organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários” (n.º 2).
Por sua vez, no n.º 3 deste mesmo artigo especifica-se as finalidades da segurança social, prescrevendo que ”O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho”.
A Segurança Social propriamente dita surgiu, como se sabe, já no século passado, uma vez que, até então, as situações de falta de rendimentos não tinham qualquer tipo de intervenção estatal, cabendo aos próprios indivíduos, melhor ou pior, procurar sobreviver com os meios de subsistência de que dispusessem. Com a passagem paulatina do Estado Liberal para o Estado de Direito Social foram surgindo sistemas mais ou menos desenvolvidos de protecção social dos mais desfavorecidos, como aquele existente entre nós.
De facto, decorre destas disposições constitucionais, que concretizam parcialmente o princípio da democracia económica, social e cultural, uma “imposição constitucional conducente à adopção de medidas existenciais para os indivíduos e grupos que, em virtude de condicionalismos particulares ou de condições sociais, encontram dificuldades no desenvolvimento da personalidade em termos económicos, sociais e culturais” (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2.ª Edição, Coimbra, 1998, p. 323).
Por sua vez, e dada a escassez dos meios estatais (cada vez mais patente no caso da própria Segurança Social), põe-se, desde logo, a questão do financiamento do sistema de protecção social. E, entre as fontes de financiamentos prioritárias, contam-se, desde logo, as contribuições dos próprios trabalhadores ou órgãos sociais das empresas, descontadas das suas retribuições e entregues ao Estado para as repartir por pessoas necessitadas de apoio social.
Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição, Coimbra, 1993, concluem, pois, que “a segurança social não depende apenas do financiamento público, mas sim também (ou sobretudo) das contribuições dos respectivos beneficiários”.
Cumpre, pois, ao Estado assegurar, prima facie, que as contribuições para a Segurança Social sejam efectivamente descontadas e entregues, sob pena de não ser possível proceder ao pagamento das prestações sociais. Todo o sistema de segurança social assenta, assim, na cobrança efectiva das contribuições, repartidas “de forma igual pelos cidadãos”, no que constitui uma das vertentes do princípio da igualdade perante os encargos públicos (Gomes Canotilho, ob. cit., p. 393).
O sistema de Segurança Social assenta, pois, num pressuposto básico, que todos os trabalhadores e empregadores cumpram com as suas obrigações (só assim podendo existir igualdade entre todos), que não sendo impostos, assumem natureza parafiscal, devendo, para o efeito, ser sujeitos à fiscalização das entidades competentes e à aplicação de sanções.
Por isso, tornou-se necessária, a criação de tipos legais associados aos incumprimentos mais graves das obrigações para com a segurança social, permitindo a aplicação das sanções reservadas para o direito penal stricto sensu.
Porém, diferentemente do bem jurídico protegido nos crimes contra a administração fiscal, que será a confiança da administração fiscal na verdadeira capacidade contribuitiva do cidadão contrribuine, temos que o bem juridico protegido neste tipo de ilicito, contra a segurança social, é o patrimonio da segurança social.
É verdade, que esta questão foi inicialmente controversa, na nossa jurispprudência e houve entendimentos que defendiam que o ilícito de abuso de confiança contra a segurança social, só o seria para montantes iguais ou superiores a € 7.500, 00 (sete mil e quo«inhentos euros) enquanto que outros sempre defenderam que não deixava de ser crime, mesmo para montantes inferiores.
Contudo hoje a jursprudência desta Relação é pacifica, no sentido de se não aplicar ao artº 107 do RGIT, a alteração do artº 105º, do mesmo diploma.
Ne verdade, sobre esta mesma questão foi elaborado um estudo pelo colega da Relação de Guimarães, Desembargador Cruz Bucho, o qual conclui: “Tudo devidamente ponderado, afigura-se-nos que o limite de € 7500 a que alude o n.º 1 do artigo 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 113º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, não é aplicável ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social previsto no artigo 107º do RGIT”.
O artigo 113º da Lei n.º 64-A/2008, veio alterar a redacção do n.º 1 do artigo 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, mediante a introdução de um limite ao valor da prestação tributária ali considerada, passando-se a exigir que ela seja de "valor superior a € 7500".
No caso dos autos, foram aos arguidos imputados factos susceptíveis de integrar a prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, sendo que nenhuma das prestações, perfazia 7.500€.
Como doutamente se refere nesse estudo, uns entendem que a nova redacção dada ao artigo 105º, n.º 1 do RGIT pelo artigo 113º da Lei n.º 64-A/2009 de 31 de Dezembro, que estabeleceu o limite de €7500 para o crime de abuso de confiança fiscal, é também aplicável ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, por força do n.º 1 do artigo 107º desse mesmo RGIT (cfr. Ac. da Rel. de Lisboa de 25-2-2009, proc.º n.º 102/04.4TACLD.L1-3, rel. Nuno Garcia, in www.dgsi.pt e Ac. da Rel. de Guimarães de 23-3-2009, proc.º n.º 2378/08-2ª, rel. Anselmo Lopes) outros sustentam que o referido limite de € 7500 não tem aplicação em sede de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social (cfr. o Ac. da Rel. de Coimbra de 4-3-2009, proc.º n.º 257/03.5TAVIS.C1, rel. Jorge Raposo, além dos supra referidos e o Ac. da Rel. do Porto de 25-3-2009, proc.º n.º 131/01.5TASTS, rel. Maria Leonor Esteves, ambos in www.dgsi.pt ).
A redacção actual resultante da alteração legislativa é do seguinte teor: “Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a €7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias”.
Com esta nova redacção, por força daquele limite, é inquestionável que deixaram de ser punidas as condutas em que o valor da prestação tributária - o de cada declaração a apresentar à administração tributária, de acordo com o n° 7 do referido art. 105° - não excede € 7.500.
Contudo, a redacção do art. 107 do RGIT, que não sofreu alteração, é a seguinte: "1. As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos 1 e 5 do art. 105°.
2. É aplicável o disposto nos n.ºs 4, 6 e 7 do artigo 105º”.
Ora, como se sabe, o tipo de crime abuso de confiança contra a segurança social é autónomo, independente do do crime de abuso de confiança fiscal e um outro destes crimes tutelam bens jurídicos distintos, como também já se referiu.
Uma vez que a remissão para o crime de abuso de confiança fiscal apenas respeita às penas, não pode de modo algum entender-se que o nº 1 do art. 105 do RGIT se aplicava na totalidade, por força do disposto no art. 107, aos crimes de abuso de confiança contra a segurança social. Aliás se assim se entendesse, tal consistiria numa quase total despenalização dos factos integradores do crime de abuso de confiança contra a segurança social, pois que com a revogação do nº 6 do referido art. 105, ficaria totalmente despenalizado (nem contra-ordenação) o abuso contra a segurança social em que a dívida fosse inferior ou igual a 7500€. Ou seja estariamos a criar um espaçom de impubnidade para comportamentos muito mais censuráveis do que os tipificados como contra-ordenações contra a segurança social.
Assim, presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como impõe o art. 9º do Código Civil, tem de se concluir que o art. 113º da referida lei não procedeu a qualquer despenalização dos crimes de abuso de confiança contra a segurança social.
Sendo o ponto de partida na interpretação de qualquer lei o seu elemeto literal. Elemento este irremovível (O.. Ascensão, O Direito – Introdução e Teoria Geral, Lisboa, 13ª ed. 2005, pág. 396), pela simples leitura dos preceitos constata-se, por um lado, que os elementos típicos do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social constam integralmente do n.º1 do art.º 107° que permaneceu intocado perante as alterações introduzidas no RGIT pela Lei 64-A/2008; pelo outro, que a remissão constante do artigo 107°/1 se circunscreve às penas.
Consequentemente, a alteração introduzida pelo art.113.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, ao art.105.º, n.º1 do RGIT, não descriminalizou a não entrega total ou parcial, à segurança social de prestação igual ou inferior a € 7500, entendimento este uniforme desta Relação. (Neste sentido, vidé, entre outros, Acs do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16-09-2009, Processo nº 340/07.8TATND.C1, Relator: DR. ORLANDO GONÇALVES; de 08-07-2009, Processo nº 148/98.0IDCBR.C2, Relator: DR. RIBEIRO MARTINS; de 17-06-2009, Processo nº 37/05.3TASEI.C1, Relator: DR. FERNANDO VENTURA; de 04-03-2009, Processo nº 257/03.5TAVIS.C1, Relator: DR. JORGE RAPOSO;
Não estando o crime de abuso de confiança contra a segurança social previsto no art.107.º, n.º1 do RGIT sujeito aos elementos objectivos e subjectivos do crime de abuso de confiança a que alude o art.105.º, n.º1 do mesmo diploma, bem andou o tribunal “a quo”, ao condenar os arguidos, improcedendo, nesta parte o recurso.

***
3.2. Da prescrição.
Entende a recorrente que o crime, a existir, não é continuado e por isso deverá ser declarado prescrito, pelo menos os ocorridos até Julho de 2001.
Vejamos então.
Conforme se constata da factualidade dada como provada e que não é posta em crise pelo recorrente, a conduta dos arguidos teve lugar durante os anos de 1997 a 2005. Os mesmos arguidos agiram sempre da mesma forma, ou seja devido a dificuldades financeiras da empresa e num contexto de inércia por parte da entidade fiscalizadora, pelo que o tribunal a quo, entendeu, e bem, que se tratava de um crime continuado.
Diz-nos o artº 30º, nº1 do CP, que o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. Nesse normativo, o segmento «crimes efectivamente cometidos» permite delimitar as situações de concurso efectivo – pluralidade de crimes através da mesma conduta ou complexo de condutas compreendidas numa unidade natural de acção (ver Figueiredo Dias, Direito Penal ..., pág. 984.) - daquelas em que, apesar de preenchidos vários tipos de crime, deve considerar-se que existe um desvalor jurídico-social predominante e que impede a dupla valoração.
Nos termos do nº2 do artº 30º do CP, constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada de forma essencialmente homogénea e no quadro de solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa.
O crime continuado, integra uma unidade jurídica, construída por sobre uma pluralidade efectiva de crimes. Ou seja, perante uma repetição de factos e de resoluções criminosas de significado penal equivalente, com um nexo de continuidade, a ordem jurídica estipula a consideração dessa continuação de delitos como um único facto, no sentido jurídico-penal, ou seja, como uma unidade jurídica de acção, a sancionar da mesma forma que o concurso ideal.
Como refere o Prof. Eduardo Correia “pressuposto da continuação criminosa será verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito” (Direito Criminal, vol. 2, págs. 210 e 211). O mesmo professor, a propósito da exigência da conexão espaço temporal, volta a acentuar que a ideia fundamental e que legitima a figura é a da diminuição considerável da culpa e que a ligação entre as condutas relevante é a interior, podendo servir a conexão exterior para a afastar.
Ou seja, o crime continuado não integra um recorte ou pedaço de vida unificado, mas sim uma pluralidade de recortes ou pedaços de vida distintos, ainda dotados de homogeneidade, punidos unitariamente e com regras distintas em obediência a considerações de menor exigibilidade.
A factualidade provada nos presentes autos apresenta-nos uma perfeita homogeneidade de condutas (omissão de entrega do montante de descontos para a Segurança Social, efectuados aos trabalhadores por conta de outrém) com renovação da resolução criminosa sempre que a ocasião se proporcionou, tendo como motivação subjacente sempre as mesmas dificuldades financeiras da empresa. Nessas circunstâncias, admite-se que o esforço de manter a solvabilidade da empresa, e em última instância a sua sobrevivência, tenha arrastado os agentes para a conduta desviante, em termos de tornar sucessivamente mais difícil e menos exigível contrariar o recurso a esse expediente, diminuindo consideravelmente a culpa.
Estamos assim face a um único crime – um crime continuado. (Neste sentido vidé Ac. do TRLisboa, de 01-03-2007, Processo nº 618/07-9, Relator: ALMEIDA CABRAL, in www.dgsi.pt)
Sendo o crime continuado, o mesmo conumou-se com a não entrega da ultima das prestações devidas, no prazo de 90 dias após a sua dedução (artº 27º-B, nº1 do D.L nº20-A/90), ou seja no final de Março de 2006.
Face a tal, dúvidas não existem que a prescrição ainda não ocorreu (artº 15º, nº 1 do RJIFNA).
Por isso, também nesta parte improcederá o recuros.
***
III. Decisão:
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, negar provimento ao recurso, e, em consequência mantem-se a decisão recorrida.
Custas, pela recorrente, com 7Ucs de taxa de justiça.

***
(Processado e revisto, pelo relator, o primeiro signatário)

Coimbra,09 de Dezembro de 2009.


....................................................................
Calvário Antunes



....................................................................
Mouraz Lopes