Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
179/03.01IDACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: SENTENÇA
NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 10/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALCOBAÇA – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 379º. Nº 1 AL. C)
Sumário: 1. O vício processual de omissão de pronúncia reconduz-se a uma ausência de emissão de um juízo apreciativo sobre uma questão processual ou de direito material-substantivo que os sujeitos tenham, expressamente, suscitado ou posto em equação perante o tribunal e que este, em homenagem ao principio do dever de cognoscibilidade, deva tomar conhecimento
2. Quem acoima de nula uma decisão, , deve precisar e procurar evidenciar quais os concretos pontos de carência fundamentadora em que faz ancorar a sua pretensão, sob pena de não poder desencadear, no tribunal de recurso, uma cingida critica ao labor desenvolvido pelo tribunal recorrido.
Decisão Texto Integral: I. – Relatório.

Em contra mão o decidido no despacho prolatado no processo supra epigrafado em que à pretensão de descriminalização dos crimes pelos quais o arguido havia sido condenado por decisão datada de 16.12.2004, a desatendeu, e quanto à pretensão do Ministério Público de revogação da suspensão da execução da pena em que havia sido condenado na referida decisão determinou a sua “[…] prorrogação, por mais 3 (três) anos, do período de 1 (um) ano de suspensão da execução da pena de prisão aplicada neste processo ao arguido PJ (com terminus em 13 de Janeiro de 2009), mantendo-se vigente a condição de suspensão dessa execução cujo remanescente o arguido deverá cumprir até ao termo do período de suspensão”, recorre o arguido PJ que remata a motivação com que alentou o recurso com o sequente quadro conclusivo.

“1. Por Sentença de fls., proferida em 16/12/200 constante de fls., 236 a 156 e transitada em julgado no dia 13 de Janeiro de 2005, foi o Arguido PJ condenado pela prática, como autor material na forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelos artigos 6.º, 105.º, n.ºs 1, 2, 3, 4 e 7, do Regime Geral das Infracções Tributárias, artigos 26.º e 40.º, do Código do IVA, artigo 98.º, do Código do IRS e artigos 12.º, 14.º, n.º 1, 26.º, 30.º, n.º 1 e 2, 77.º e 79.º, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, subordinada ao dever de pagar, nesse mesmo prazo, as prestações tributárias em divida fixadas no pedido cível, ainda que no âmbito das execuções fiscais contra os arguidos instauradas;

2) O Arguido apenas procedeu ao pagamento de duas prestações, no valor de € 267,00 cada conforme fls., 291 e 292 dos autos;

3) O Arguido foi ouvido em declarações a fls., 337 e 338, no âmbito das quais esclareceu que não cumpriu a citada condição de suspensão da execução da pena de prisão em virtude de não ter disponibilidade económica para o fazer;

 4) No decorrer da Tomada de Declarações a fls., 337 e 338, foram entregues ao Arguido;

5) Documentos, sobre os quais o Arguido não prescindido do prazo de vista se pronunciou sobre os mesmo alegando o que acima se transcreveu e aqui se requer a sua apreciação;

6) Porém e em face do requerido, considerou a Meritíssima Juiz por Despacho o seguinte: “Em face do exposto, considero não ter ocorrido qualquer descriminalização da conduta dos arguidos, nem deve ter lugar no concreto caso a notificação a que alude o artigo 105.º, n.º 4 alínea b), do Regime das Infracções Tributárias …” (…) determino a prorrogação, por mais 3 (três) anos, do período de 1 (um) ano de suspensão da execução da pena de prisão aplicada neste processo ao arguido PJ (...);

7) A acrescentar a este requerimento veio o Arguido invocar encontrar-se descriminalizada sua conduta por força da alteração introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro no crime de abuso de Confiança Fiscal, previsto e punido pelo artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, e pela Lei 48/2007 de 20 de Agosto, alegando para o efeito o que acima se transcreveu e aqui se requer a sua apreciação;

8) Salvo devido respeito e que é muito, não podemos concordar com tal decisão;

9) Considerando que a alteração introduzida pela alteração introduzida pela Lei nº 53-A/2006 de 29 de Dezembro no crime de Abuso de Confiança Fiscal, previsto e punido pelo artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, e pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto, aplica-se ás prestações declaradas e comunicadas;

1O) Ao analisarmos a acusação de fls., o Arguido apenas não declarou e comunicou à Administração Fiscal as declarações de Modelo 22 de IRC respeitante ao ano de 2003;

11) No que respeita aos anos anteriores o Arguido declarou e comunicou as prestações tributárias por si devidas à administração tributária e a que estava obrigado, apenas não pagou os montantes a que estava obrigado;

12) Querendo com isto dizer que, não pode o Tribunal “a quo” considerar a actuação do Arguido na se consubstancia na forma continuada;

13) Isto é, estando-se perante um crime continuado o montante de € 50.000,00 referido no n.º 5 do artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias não se deve reportar à totalidade dos tributos retidos e não pagos, mas sim ao montante da prestação mais alta em apreço;

14) No caso em concreto dado que nenhuma das prestações atinge aquele valor, o crime praticado não foi aquele pelo qual o arguido foi condenado;

15) Nos termos do artigo 79.º do Código Penal, “o crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação”;

16) Nos termos em que a conduta do Arguido foi enquadrada, ou seja, tratando o caso como continuação criminosa então a consequência seria que a pena a aplicar teria de encontra-se de acordo com as regras desse instituto, o que leva a que a quantia relevante para o enquadramento legal não seja aquela que foi atendida na decisão;

17) É de entendimento unânime, ao que se supõe da jurisprudência, “no crime de abuso de confiança fiscal continuado, a quantia relevante para a determinação do tipo previsto no artigo 24.º do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras correspondente ao valor da apropriação mais elevada e não ao produto da soma de todas elas”. Vide Acórdão do tribunal da Relação do Porto de 25/05/2005 processo 0511850;

18) Nunca poderia o Arguido ser condenado pelo crime na forma continuada, e sendo tal facto levado em conta na consideração pela Meritíssima Juiz na não descriminalização da conduta do arguido;

19) Conforme já acima se alegou, não foi intenção do Arguido ocultar ou não pagar os montantes devidos à administração tributária;

20) O que acontece é que o Arguido é uma pessoa de condição social humilde;

21) Só não regularizou a situação porque de facto não o podia fazer;

22) O Arguido é pai de família e tem dois filhos, encontrando-se o mesmo vinculado ao pagamento de uma prestação de alimentos no valor mensal de € 250,00;

23) Assim, e pelo exposto deverá ser Revogado o Despacho recorrido no que concerne à prorrogação do prazo de cumprimento do pagamento dos tributos obtidos;

4) Caso assim não se entenda requer-se que os ilustres Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra, se dignem alterar a decisão do Despacho Recorrido proferida pela Meritíssima Juiz, no mínimo no sentido de dilatar o prazo de cumprimento do pagamento dos tributos obtidos, para (48) meses, para que o Arguido tenha capacidade financeira adequada e possa honrar tal divida para com Estado Português;

25) Por outro lado, o Despacho recorrido viola todos os princípios de prova consagrados tanto no C.P.P., como na Constituição da República Portuguesa

26) Não existem dúvidas que o Despacho recorrido viola o disposto no artigo 410.º do C.P.P., e que esse Venerando Tribunal pode apreciar as questões postas em crise, nos termos do n.º 2 desta disposição processual/legal;

27) Na verdade, no Despacho recorrido: -Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; Erro notório na apreciação da prova;

28) Pelo que tem tal Despacho de ser Revogado;

29) Deixando a Meritíssima Juiz de se pronunciar sobre estas questões que devesse apreciar, nomeadamente as já alegadas nesta peça processual, ou apreciando-as superficialmente, e com restantes lacunas, como acima já se disse;

30) Tanto mais, que as partes precisam de ser bem elucidadas sobre os motivos da decisão.

31) Sobretudo a parte vencida tem direito, como escreveu o Prof. Alberto dos Reis:” de saber porque razão a sentença lhe é desfavorável; e tem mesmo necessidade de saber, quando a sentença admite recurso para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o tribunal superior”, Ano, V, pág. 139.

32) Lendo, atentamente, o Despacho recorrido, nesta parte, ou noutra parte qualquer, verifica-se que não se indica nela um único fado concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo da condenação do arguido;

33) Acresce que, o Despacho recorrido viola o disposto no artigo 208.º da C. R. P., uma vez que segundo esta disposição Constitucional, “As decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na Lei”;

34) E o Despacho recorrido, viola do disposto no artigo 207.º da C.R.P., uma vez que esta norma é tão abrangente, que nem é necessário que os Tribunais, apliquem normas que infrinjam a Constituição, basta apenas e tão só, que violem “os princípios nela consignados”;

35) Viola também a Despacho recorrido o disposto no artigo 205° da C.R.P., nomeadamente o n.º 2, urna vez que: “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos… e dirimir os conflitos de interesses públicos e provados”;

36) Acresce que o Despacho recorrida viola o disposto nos artigos 374.º, 375.º e 377.º do C.P.P.;

37) Sendo o Arguido pessoa de condição social humilde, conforme resultou provado no Despacho recorrido, como nunca poderia aplicar-se uma prorrogação apenas por mais 3 (três anos) da forma e modo como foi determinado;

38) O Despacho recorrido é nulo, por interpretação e aplicação deficiente das normas legais citadas, conforme já acima se disse e provou.

39) Pelo que, V. Exas. certamente REVOGARÃO o Despacho recorrido, prorrogando o prazo de cumprimento do pagamento, por ser de LEI, DIREITO E JUSTIÇA.

Nestes termos, e, melhores de direito, requer-se a V. Exa. a REVOGAÇÃO do Despacho recorrido, prorrogando o prazo de cumprimento do pagamento das prestações a que está obrigado, ou caso assim não se entenda (por mera hipótese académica aqui se invoca) deverá ser reaberta a audiência para aplicação retroactiva da Lei penal mais favorável, nos termos do artigo 371.º-A do Código Penal”.

Na comarca a digna magistrada do Ministério Público advoga a manutenção do decidido para o que em resposta inconclusa argumentou.

1 – Vem o presente recurso interposto pelo arguido PJ da douta decisão proferida nos autos a fls.352 e seguintes.

Por sentença proferida em 16.12.2004 nos presentes autos a fls. 236 e seguintes, devidamente transitada em julgado em l3.0l.2005, foram os arguidos PJ e a sociedade comercial “Furaço – Construção Civil Unipessoal, Lda” condenados, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelos artigos 105.º n.º 1, n.º 2, n.º 4 e 7 do Regime Geral das Infracções Tributárias e artigos 26.º do Código do IV A e artigo 98.º do Código do IRS, na pena de 1 (um) ano de prisão, e numa pena de 100 dias de multa à taxa de 3€ (três), respectivamente.

Atendendo às circunstâncias mencionadas na douta sentença, entendeu-se suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido PJ pelo período de 2 anos e 6 meses, condicionada ao pagamento, nesse mesmo período, das prestações em dívida fixadas no pedido cível, ou seja 17.097,32€ (dezassete mil, noventa e sete euros, trinta e dois cêntimos) seja qual for o meio, ainda que no âmbito das execuções fiscais pendentes nos Serviços de Finanças, condição que o arguido não cumpriu, nem sequer parcialmente.

O arguido a fls. 309 dos autos veio requerer que fosse declarada descriminalizada a sua conduta em face da alteração introduzida pela Lei n.º 53-A/2006 de 29.12 ao artigo 105.º do R.G.I.T aprovado pela Lei n.o15/2001 de 5 de Junho.

Através do douto despacho proferido a fls. 352 e seguintes a M. Juiz a quo considerou não ter ocorrido qualquer descriminalização da conduta do arguido em da alteração introduzida pela Lei n.º 53-A/2006 de 29.12 ao artigo 105.º do R.G.I.T, e que in casu não deveria ter lugar a notificação a que alude o artigo 105.º n.º 4 alínea b) do R.G.I.T dado que os arguidos não apresentaram as respectivas declarações periódicas respeitantes às contribuições devidas a título de IVA, nem as declarações modelo 22 do IRC, nem as guias de retenção na fonte de IRS, não procedendo à comunicação à Administração Tributária das prestações tributárias.

Decidiu ainda manter a suspensão da execução da pena de prisão pelo período de 4 anos, prorrogando o respectivo período, com terminus em 13 de Janeiro de 2009, mantendo vigente a condição da suspensão, ou seja o pagamento, nesse mesmo período, das prestações em dívida fixadas no pedido cível, – 17.097,32€ (dezassete mil, noventa e sete euros, trinta e dois cêntimos).

II – O tema do Recurso.

Vem o arguido insurgir-se contra a decisão proferida, pugnando pela revogação da mesma, alegando que em face da alteração introduzida pela Lei n.º 53-A/2006 de 29.12 ao artigo 105.º do R.G.I.T aprovado pela Lei n.º15/2001 de 5 de Junho e pela Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto o regime é aplicável ao caso concreto, devendo ser revogada a prorrogação do prazo de cumprimento do pagamento dos tributos obtidos, ou caso assim não se entenda em face da situação económica do arguido deverá ser dilatado o prazo para cumprimento do pagamento para 48 meses.

III – Entendemos, porém, que não assiste qualquer razão ao arguido:

O artigo 95.º da Lei n.053-N2006 de 29 de Dezembro que aprovou o Orçamento Geral para o ano de 2007 alterou a redacção do n.º 4 do artigo 105.º da Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho que estabelece o Regime Geral das Infracções Tributárias, mais conhecido por RGIT.

Com a introdução das alterações, as quais entraram em vigor em 1 de Janeiro de 2007, o n.º 4 do artigo 105.º passou a ter a seguinte redacção:

“Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:

a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal da entrega da prestação.

b) A prestação, comunicada à Administração tributária através da · correspondente declaração, não paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.”

O artigo 95.º da Lei n.º 53-A/2006 de 29 de Dezembro acrescentou um novo pressuposto, a administração deve notificar o devedor para que este pague no prazo de 30 dias após a notificação e que o devedor, apesar de interpelado, não entregue a prestação devida.

Com a alteração legislativa preconizada pela Lei n.º 53-A/2006, o legislador não pretendeu alterar as previsões legais do artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias.

De facto, nenhuma alteração foi operada na tipologia do ilícito tal como estava e se mantém descrito na previsão do n.º1 do artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, nem o legislador revelou o propósito de operar qualquer descriminalização das anteriores condutas em que não foram entregues à administração tributária as prestações deduzidas nos termos da lei e que os arguidos estavam legalmente obrigados a entregar.

O legislador apenas pretendeu conferir aos contribuintes que haviam cumprido a obrigação de entregar a declaração de liquidação/pagamento do montante do imposto deduzido, uma nova oportunidade de satisfazer a obrigação tributária incumprida, mediante o pagamento do montante da prestação tributária em falta, acrescido dos respectivos juros de mora e da coima, desse modo os desonerando da punição pelo ilícito criminal cometido.

Quis o legislador distinguir, ao nível da punição, os casos em que o contribuinte cumpriu a obrigação de entrega da declaração, desse modo permitindo à administração fiscal desencadear de imediato o procedimento de cobrança coerciva do montante da prestação tributária declarada, relativamente aos casos em que também a obrigação da declaração foi incumprida, presumindo o legislador que, neste caso, a par da não entrega da prestação devida ao Estado, também coexiste uma clara intenção de a ocultar, facilitando a sua apropriação ilícita pelos infractores.

No primeiro caso, em que o contribuinte declara à administração tributária o montante do imposto deduzido embora não entregue, é legítimo presumir, até ao termo do prazo referido na ora aditada ai. b), que o contribuinte não quer apropriar-se da soma dos impostos deduzidos e nada quer ocultar à administração tributária, e que apenas possa ter ocorrido um atraso na sua entrega resultante de um ocasional problema de tesouraria ou qualquer outro motivo compreensível, justificando que lhe seja concedida uma nova oportunidade para satisfazer a obrigação legal incumprida relativa à entrega da prestação tributária em falta.

E cumprindo essa obrigação no prazo concedido, acrescida dos juros e coima, fica reparado o prejuízo patrimonial causado ao Estado, de modo a justificar um tratamento beneficiado ao nível da punição pela anterior omissão ilícita.

Mas se, mesmo depois de concedida essa nova oportunidade, o contribuinte infractor se mantém na situação de incumprimento quanto à obrigação legal de entregar a prestação tributária deduzida, a lei presume que se apropriou ilicitamente dessa prestação, punindo-o por essa apropriação ilícita ocorrida e consumada, não decorridos os 90 dias referidos na al. a) mais os 30 dias referidos na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, mas decorrido o prazo legal para a entrega dessa prestação, a que alude o n.º 1 do mesmo artigo.

No segundo caso, em que o contribuinte para além de não entregar a prestação tributária também nada declara, é legítimo presumir que não só se apropriou da prestação tributária como pretende ocultar a sua existência à administração tributária.

Pelo que se justifica um tratamento mais rigoroso ao nível dos pressupostos de punibilidade da conduta.

Consideramos que o objectivo das alterações foi, claramente, o de possibilitar a despenalização de condutas após a regularização fiscal, assim contribuindo para o combate à evasão fiscal, uma das principais medidas de política fiscal consagradas no Orçamento de Estado 2007, reforçando o cumprimento voluntário das obrigações tributárias e aumentando a receita global.

Uma vez mais, à semelhança do que acontecera com o n.º 4 do artigo 105.º, agora integrando a alínea a), são razões de política criminal que subjazem à formulação do preceito em análise: a entrega ainda que fora de prazo põe fim ao prejuízo patrimonial do Estado atenuando ou eliminando as exigências de prevenção.

Constituindo um incentivo ao pagamento das prestações em falta, é um instrumento de combate à evasão fiscal e, simultaneamente, aumenta a receita global e permite evitar os custos que o procedimento criminal acarreta para a administração fiscal.

Basta analisar o Relatório do Orçamento do Estado de 2007 a pág. 56 para daí se retirar que o legislador efectuou uma concreta distinção entre quem declara as suas obrigações tributárias e as não cumpre por ausência de pagamento e quem, pura e simplesmente, nem sequer declara tais obrigações, ocultando-as, quando aí enunciou “Neste sentido, não deve ser criminalizada a conduta dos sujeitos passivos que tendo cumprido as suas obrigações declarativas, regularizem a situação tributária em prazo a conceder evitando-se assim a proliferação de inquéritos por crime de abuso de confiança fiscal que, actualmente, acabem por ser arquivados por decisão do Ministério Público na sequência de pagamento do imposto.

O legislador decidiu conferir a quem declara e não vem posteriormente a pagar a correspondente prestação tributária, uma nova possibilidade, de dentro do prazo de 30 dias fixado e após notificação para esse efeito, regularizar a sua situação tributária e não ver o seu comportamento a ser punível.

Com interesse convém recordar os acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Fevereiro de 2007, 14 de Março de 2007, 21 de Março de 2007, de 12 de Setembro de 2007, de 10 de Outubro de 2007 e de 20 de Dezembro de 2007 disponíveis in www.dgsi.pt. relativamente a esta matéria onde é entendimento pacífico, de que não se tratando de um caso de modificação que tenha a ver com a definição do crime, não existiu alteração dos elementos da infracção do artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (a não entrega da prestação tributária retida no prazo legalmente fixado), que permaneceu tal como se definia anteriormente à Lei n.º 53-A/2006, de 29.12.

Não tendo havido eliminação do número das infracções nem modificação dos respectivos elementos constitutivos, não se configura qualquer hipótese de descriminalização, mas tão-só se verifica a previsão de uma outra condição de punibilidade que, se for o caso, deve ser tida em consideração se, e na medida em que, punibilidade que, se for o caso, deve ser tida em consideração se, e na medida em que, integrar um “regime” que “concretamente” se mostre mais favorável ao agente.

A nova lei é mais favorável para o agente pois lhe proporciona a possibilidade de, por acto dependente exclusivamente da sua vontade, preencher uma condição que provoca o afastamento da punição por desnecessidade de uma pena.

Conforme decidido no Acórdão n.º 6/2008 do Supremo Tribunal de Justiça publicado no DR n.º 94 de 15.05.2008: “a exigência prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do R.G.IT, na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006 configura uma nova condição objectiva de punibilidade que, por aplicação do artigo 2.º, n.º 4 do Código Penal, é aplicável aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. Em consequência, e tendo sido cumprida a respectiva obrigação de declaração deve o agente ser notificado nos termos e para os efeitos do referido normativo alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do R.G.I.T “

A nova lei, em concreto, revelando-se mais favorável ao arguido, deverá ser aplicada por força do disposto no artigo 29.º n.º 4 da C.R.P. e ao prescrito no artigo 2.º n.º 4 do Código Penal, caso se mostrem reunidos os pressupostos para tal.

Deste modo, e com vista à apreciação sobre a aplicabilidade ou não do disposto no artigo 105.º n.º 4 do R.G.I.T com a nova alteração, ao caso em apreço, importou verificar se os arguidos enviaram aos Serviços de Finanças as declarações periódicas dentro dos respectivos prazos a que estavam obrigados.

Ora, compulsados os autos verifica-se que a situação foi despoletada no âmbito de uma acção inspectiva promovida pelos Serviços Tributários aos exercícios da sociedade comercial dos anos 2000,2001 e 2002, a qual teve início em 14.10.2003. vd. Fls. 2 e seguintes dos presentes autos.

A referida inspecção foi efectuada porque não terem sido remetidas as declarações modelo 22 do IRC do ano 2000 e seguintes, dentro dos prazos para o efeito.

As declarações do IVA de 2000-03 e seguintes foram entregues sem qualquer movimento, portanto a zero, e não foram remetidas guias da retenção na fonte de IRS desde 2001.

Após a realização da inspecção foram então apurados os valores do IVA em dívida relativamente ao exercício comercial da sociedade comercial, apesar dos arguidos o esconderem (fazendo constar nas declarações remetidas – zero, sem qualquer movimentos activos ou passivos).

O arguido não procedeu ao envio das declarações, nem procedeu ao pagamento das quantias que eram devidas.

Procedeu apenas no decorrer da inspecção despoletada pela Administração Tributária à entrega, e portanto fora de prazo legal, do modelo 22 do IRC, dos exercícios dos anos 2000, 2001 a 2002 em 12.12.2003. – vd. Teor de fls. 105 a 107 dos autos.

Quando a não entrega da prestação tributária está associada à falta declarativa existe uma clara intenção de ocultação dos factos tributários à Administração Fiscal, o que aconteceu neste caso.

Os arguidos com a conduta realizada pretenderam ocultar a situação tributária da sociedade e com isso visavam não entregar à Administração tributária valores pecuniários que sabiam ser devidos. Resolução essa que permanece até hoje dado que o pagamento da quantia fixada a título de indemnização não se mostra liquidada.

Posto isto, entendeu-se e bem que não se mostram reunidos os pressupostos exigidos para dar cumprimento ao disposto no artigo 105.º n.º 4 alínea b) do R.G.I.T, não havendo lugar à notificação dos arguidos nos presentes autos para, no prazo de 30 dias, pagarem o valor da prestação tributária em falta, acrescida dos respectivos juros de mora e coima.

Da leitura da decisão recorrida e da apreciação da prova constante dos autos concluí-se que o arguido não tem razão no que invoca dado que não ocorreram quaisquer um dos vícios invocados ou outros de que cumpra conhecer nos termos do artigo 410.º do Código de Processo Penal.

Nenhuma razão existe para alterar o teor da decisão recorrida.

A M. Juiz a quo fez uma correcta ponderação das circunstâncias provadas nos autos em ordem à decisão proferida, que é justa, equilibrada e conforme a legislação aplicável.

Em nosso entendimento, a M Juiz a quo efectuou uma correcta interpretação dos elementos constantes dos autos, bem como efectuou uma correcta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicadas ao caso em concreto, não merecendo a douta decisão proferida qualquer censura.

Assim, deverá ser negado provimento ao recurso apresentado pelo arguido, mantendo-se a douta decisão recorrida nos seus precisos termos.”

Nesta instância o Exmo. Procurador-geral Adjunto coonesta a posição propugnada pela digna magistrada na 1ª instância.

Devendo o thema decidendum do recurso ser delimitado pelas conclusões do recurso[1] temos como temas a tratar para a decisão do presente recurso:

a) – Falta de fundamentação e Omissão de Pronúncia – Reabertura da audiência para aplicação do regime jurídico-penal mais favorável;

b) - Descriminalização dos ilícitos pelos quais o arguido foi condenado por decisão transitada datada de 16.12.2008;

c) – Incremento do período da suspensão que foi decretado no despacho impugnado;

II. – Fundamentação.

II.A. – Elementos Pertinentes para a Decisão.

- Sentença datada de 16.12.2004 foi decidido julgar:

“-parcialmente procedente, por parcialmente provada a acusação pública e, consequentemente, condeno:

· o arguido PJ pela prática como autor material e na forma continuada, nos termos dos arts 12.º, 14.º, n.º 1, 26.º, 30.º, nºs 1 e 2, 77.º e 79.º, todos do C.Penal e artigo 6.º°, do R.G.I.T de:

- um crime de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelos arts 105.º, nºs 1, 2, 4 e 7, do R.G.I.T e arts 26.º e 40.º, ambos do C.I.V.A e artigo 98.º, do C.I.R.S na pena de 1 (um) ano de prisão;

· Condenar objectivamente a arguida “F….. – Construção Civil Unipessoal, Lda.” pela prática do mesmo ilícito criminal, atento o disposto no artigo 11.º, do C.Penal e 7.º, do R.G.I.T, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa e € 3,00 (três euros).

· Face às circunstâncias acima referidas, nos termos do artigo 50.º, do C.Penal, suspende-se a execução da sobredita pena de prisão pelo período de (dois) anos e 6 (seis) meses, condicionado ao pagamento, nesse mesmo prazo, das prestações tributárias em dívida fixadas no pedido cível abaixo indicado, seja qual for o meio, ainda que, Decisão-Quadro âmbito das execuções fiscais contra os, mesmos instaurados.

Do pedido cível

-Condena-se os demandados “F……, Lda” e PJ a pagar, solidariamente, à Administração Tributária a quantia de €17.097, 32 (dezassete mil e noventa sete euros e trinta e dois cêntimos), até ao decurso do período fixado para a suspensão.” 

- Requerimento do arguido PJ datado de 04.02.2008 em que pedia que: “1. Declarar descriminalizada a conduta do Arguido, como crime, tendo em conta o disposto na Lei 53-A/2006, de 29/12, que aprovou o Orçamento de Estado para 2007;

2. Caso assim se não entenda, deverá ser reaberta a audiência para a aplicação retroactiva de lei penal mais favorável, nos termos do artigo 371º-A do Código Penal.”

- Promoção do Ministério Público de fls. 45 a 50 em que se advoga o indeferimento do requerimento mencionado no item antecedente.

- Acta constando as declarações do arguido tomadas em 08.02.2008 – cfr. fls. 51;

- Despacho recorrido que se deixa transcrito na íntegra – cfr. fls. 58 a 65.

“Por requerimento de fls. 321 a 324, vem o arguido invocar encontrar-se descriminalizada a sua conduta, por força da alteração da redacção do artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do R.G.I.T., concedida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro.

O Ministério Público pronunciou-se de fls. 330 a 335, considerando ser inaplicável in casu o enunciado normativo.

Cumpre apreciar:

Dispõe o artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na redacção que lhe foi conferida por via do disposto no artigo 95.°, da Lei n.º 53-Aj2006, de 29 de Dezembro – Lei do Orçamento do Estado para 2007, que os factos descritos nos arts 105.°, n.º 1 a n.º 4 do citado normativo só são puníveis se a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 (trinta) dias após notificação para o efeito.

Conforme resulta do teor literal do enunciado normativo, o seu âmbito de aplicação está estritamente circunscrito às situações em que o devedor comunica à administração fiscal ou à Segurança Social a prestação tributária por si devida através da correspondente declaração, não sendo contempladas pelo âmbito de aplicação da norma as situações de omissão de declaração das prestações devidas.

No caso concreto, os arguidos não apresentaram as respectivas declarações periódicas respeitantes às contribuições devidas a título de IVA, nem as declarações modelo 22 do IRC, nem as guias de retenção na fonte de IRS.

Em consequência não procederam os arguidos à comunicação à Administração Fiscal das mencionadas prestações tributárias, pelo que a indicada alteração legislativa não tem qualquer repercussão no caso vertente.

Em face do exposto, considero não ter ocorrido qualquer descriminalização da conduta dos arguidos, nem dever ter lugar no concreto caso a notificação a que alude o artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na redacção que lhe foi conferida por via do disposto no artigo 95.°, da Lei n.º53-A/2006, de 29 de Dezembro – Lei do Orçamento do Estado para 2007.

Pelo exposto, julgo improcedente, por não provada, a excepção invocada pelo arguido.

Por sentença proferida em 16 de Dezembro de 2004 constante de fls. 236 a 256 e transitada em julgado no dia 13 de Janeiro de 2005, foi o arguido PJ condenado pela prática, como autor material e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelos artigos 6.°, 105.°, n.ºs 1, 2, 4 e 7, do R.G.I.T., arts 26.° e 40.°, do Código do IVA, artigo 98.º do Código do IRS e artigos 12.°, 14.°, n.º 1, 26.°, 30.°, n.ºs 1 e 2,77.º e 79.°, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano, de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, subordinada ao dever de pagar, nesse mesmo prazo, as prestações tributárias em dívida fixadas no pedido cível, ainda que no âmbito das execuções fiscais contra os arguidos instauradas.

O arguido foi pessoalmente notificado da sentença em 16 de Dezembro de 2004 (cfr. fls. 257).

O arguido apenas procedeu ao pagamento de duas prestações, no valor de € 267,00 cada (cfr. fls. 291 e 292).

Foi o arguido ouvido em declarações a fls. 337 e 338, no âmbito das quais esclareceu que não cumpriu a citada condição de suspensão da execução da pena de prisão em virtude de não ter disponibilidade económica para o fazer.

Esclareceu não ter qualquer vínculo laboral efectivo desde 2004) realizando trabalhos esporádicos na área da construção civil, subsistindo com o auxílio dos seus pais, que lhe emprestam dinheiro. Acrescentou perspectivar o exercício de actividade laboral com carácter regular na área do comércio de painéis solares, aguardando o resultados dos testes efectuados aos painéis que pretende vender.

Declarou pretender pagar a quantia a cujo cumprimento está adstrito quando iniciar a sua actividade profissional.

O Ministério Público veio promover a revogação da suspensão da execução da pena de prisão nos moldes exarados de fls. 340 a 342.

Cumpre Decidir:

Com interesse para a decisão, encontra-se demonstrada nos autos a seguinte factualidade:

 1. – O arguido não tem qualquer vínculo laboral efectivo desde 2004, realizando trabalhos esporádicos na área da construção civil, pelos quais aufere rendimento incerto e não apurado, e subsistindo com o auxílio dos seus pais, que lhe emprestam dinheiro.

2. – O arguido vive com a esposa em casa pertencente a esta última.

3. – A esposa do arguido é estudante e aufere um subsídio de desemprego no valor mensal de € 400,00.

4. – O arguido tem dois filhos fruto de uma relação anterior ao casamento, os quais vivem com a progenitora, encontrando-se vinculado ao pagamento de uma prestação de alimentos no valor mensal de € 250,00.

I 5. – O arguido perspectiva o início, dentro de um ou de dois meses, de actividade laboral com carácter regular na área do comércio de painéis solares, aguardando o resultados dos testes efectuados aos painéis que pretende vender.

6. – O arguido tem veículo próprio, de 1998, o qual foi dado em garantia às finanças.

7. – O arguido apenas pagou duas prestações, no valor de € 267,00 cada, relativas à condição de suspensão da execução da pena de prisão aplicada neste processo, não tendo I efectuado qualquer outro pagamento.

8. – O arguido manifesta vontade de cumprir a condição de suspensão da execução da pena de prisão.

9. – O arguido não cometeu crimes no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada neste processo. 

Para demonstração da antecedente factualidade a convicção do tribunal teve por fundamento as declarações do arguido, as quais foram prestadas de forma espontânea, merecendo acolhimento, bem como foram valorados os documentos de as. 291 e 292 e o Certificado do Registo Criminal constante de fls. 348 a 350.

Estipula o artigo 56.º do Código Penal na redacção anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro. sob a epígrafe “Revogação da Suspensão”:

“1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira e repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.”

2. A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.”

Por via da alteração legislativa efectuada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, apenas foi modificada a redacção da alínea a) do n.º 1, do citado normativo, passando a constar, em substituição de plano individual de readaptação social, a alusão a plano de reinserção.

A revogação da suspensão da pena de prisão não reveste cariz obrigatório ou automático, tendo que se aferir, em face do caso concreto, se se encontram preenchidos os elencados condicionalismos legais determinativos dessa revogação.

No que ao caso respeita e tomando em atenção que a suspensão da execução da pena de prisão foi condicionada ao pagamento de uma quantia num prazo determinado e que o arguido não terá cometido crimes no decurso do período de suspensão, tem apenas aplicação ao caso o disposto na alínea a), do artigo 56.º, n.º 1, do Código Penal.

Nesta confluência e apenas no que ao caso respeita, a lei exige a cumulação de um pressuposto de ordem processual e outro de ordem material ou substantiva, para efeito de decidir a revogação da suspensão da execução da pena de prisão:

· Requisito Processual: Infracção grosseira ou reiterada dos deveres ou regras de conduta

· Requisito Material: as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

No que concerne à primeira das aludidas exigências, retira-se da matéria demonstrada nos autos que a mesma se encontra verificada: o arguido não cumpriu integralmente a obrigação que lhe foi imposta como condição da suspensão da execução da pena de prisão no prazo que lhe foi fixado para o efeito. 

Contudo, urge ponderar se as finalidades que motivaram a suspensão da execução da pena de prisão foram efectivamente frustradas ou se se encontram por ora satisfeitas.

Com efeito, aquando da prolação da decisão que determinou a suspensão da execução da pena de prisão, o tribunal não pode deixar de aquilatar a verificação do pressuposto material adjacente à aplicação de instituto. Na verdade e para efeito de possibilitar tal suspensão é necessário que o tribunal “… atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena ( … ) ((bastarão para afastar o delinquente da criminalidade)) ( … ). Para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.” (Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas – Editorial Notícias” 1993, pág. 342-343).

Atento o exposto, resta concluir, como defendia o Professor Figueiredo Dias (ob. cit., pág. 356-357), que o tribunal apenas poderá decidir-se pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão, em qualquer um dos casos de incumprimento das condições de suspensão, se tal inadimplemento revelar que as finalidades que fundaram a suspensão não podem, por meio desta, ser alcançadas; ou, dito por outra forma, se a infracção das regras impostas no período da suspensão infirmar definitivamente o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão e a esperança de, por meio desta, manter o arguido afastado da prática de condutas jurídico-penalmente ilícitas.

Tomando em atenção a {actualidade apurada nos autos, verifica-se objectivamente que o arguido adoptou um comportamento que materializa uma violação da condição positiva de suspensão da execução da pena de prisão.

Contudo, tal conduta, por si só, não pode motivar a imediata convicção do tribunal no sentido de se encontrar frustrada, de modo irreversível, a satisfação das exigências de prevenção geral e especial que determinaram essa suspensão.

Com efeito, dos autos resulta também que o arguido, no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão se manteve inserido a nível familiar, exerceu, embora de modo irregular, actividade profissional e não cometeu crimes durante esse período.

Evidencia-se também que o arguido manifesta vontade de cumprir a injunção imposta.

O arguido pagou o montante total de € 534,00 relativo à condição de suspensão da execução da pena de prisão) julgando-se plausível, em face da sua situação sócio-económica) a justificação que apresentou para o efeito de ter cessado o pontual cumprimento da obrigação imposta.

Julgo, por isso, que não é possível afirmar que a conduta do arguido invalidou definitivamente o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão da execução da pena ~ de prisão, efectuado aquando da prolação da sentença, encontrando-se, por ora, asseguradas, no essencial, as exigências que motivaram tal suspensão.

Pelos fundamentos que acima ficaram exarados, julgo que não existe fundamento para revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido e determinar o seu efectivo cumprimento.

Por outro lado, dispõe do seguinte modo o artigo 55.º do Código Penal, na redacção anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, sob a epígrafe “Falta de cumprimento das condições da suspensão”:

“Se, durante o período de suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regrar de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de readaptação, pode o Tribunal:

a) Fazer uma solene advertência;

b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;

c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação;

d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de 1 ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n. 5 do artigo 50.º.”

Face à alteração legislativa pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, passou a constar, no corpo do preceito e na sua alínea c), em substituição da expressão plano de readaptação, a alusão a plano de reinserção.

Cumpre atentar também no que dispõe o artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, de acordo com o qual o período de suspensão da execução da pena de prisão tem duração igual ao da pena de prisão aplicada, não podendo nunca ser inferior a um ano e cujo cômputo se inicia com o trânsito em julgado da decisão condenatória:

Na sua anterior redacção, o n.º 5, do citado preceito legal, determinava que o período de suspensão da execução da pena de prisão era fixado entre o mínimo de um ano e o máximo de cinco anos.

Constata-se, assim, que a “lei antiga” se mostra mais desfavorável ao arguido, na medida em que permite que o período de suspensão da pena de prisão e, em consequência, o tempo durante o qual o arguido continua adstrito a determinadas obrigações, pode ser superior ao período pelo qual a pena de prisão é aplicada.

Assim sendo e em obediência ao que preceitua o artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, deve ter lugar a aplicação do que dispõe o artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal, na sua nova redacção, por se afigurar a “nova lei” mais favorável ao arguido.

Nesta confluência, verifica-se que o período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido se deve fixar em 1 (um) ano, a contar da data do trânsito em julgado da sentença condenatória (o dia 13 de Janeiro de 2005).

Esse período decorreu integralmente.

Considero, contudo, que atentando na factualidade que se encontra acima descrita e com vista a assegurar o integral cumprimento dos fins preventivos em causa, mormente no que tange à vertente intimidativa da consciência da seriedade da ameaça penal e à reinserção do arguido, por forma a motivar a sua reflexão perante a gravidade da sua conduta e a propiciar o reajustamento do seu comportamento às exigências que regem a vida em sociedade, se mostra necessário proceder à prorrogação do período de suspensão da execução da pena de prisão por mais 3 (três) anos, durante os quais deverá o arguido cumprir o remanescente da condição de suspensão da execução da pena de prisão.

Pelo exposto, julgo dever manter-se a suspensão da execução da pena de 1 (um) ano de prisão, mas pelo período de 4 (quatro) anos (artigos 56.º a contrario sensu e 55.º, alínea d), do Código Penal).

Face a quanto ficou exarado, determino a prorrogação, por mais 3 (três) anos, do período de 1 (um) ano de suspensão da execução da pena de prisão aplicada neste processo ao arguido PJ (com terminus em 13 de Janeiro de 2009), mantendo-se vigente a condição de suspensão dessa execução cujo remanescente o arguido deverá cumprir até ao termo do período de suspensão.

II.B. – De direito.

II.B.1. – Falta de fundamentação e Omissão de Pronúncia – Reabertura da audiência para aplicação do regime jurídico-penal mais favorável.

O vício processual de omissão de pronúncia reconduz-se a uma ausência de emissão de um juízo apreciativo sobre uma questão processual ou de direito material-substantivo que os sujeitos tenham, expressamente, suscitado ou posto em equação perante o tribunal e que este, em homenagem ao principio do dever de cognoscibilidade, deva tomar conhecimento. O tribunal tem por obrigação emitir um juízo de apreciação e valoração sobre todas as questões que os sujeitos processuais reputem pertinentes para a decisão de um pleito que submetam à sua decisão. Independentemente da bondade ou inocuidade das questões, sob o ponto de vista jurídico, e da sua atinência ou não para a solução do conflito que é mister o tribunal ter que decidir, exige a lei que o tribunal emita pronúncia sobre todos elas, formulando um juízo de apreciação jurídico e de valoração para o objecto do processo ou para a resolução da questão material controvertida [[2]].

No recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.07.2008; proferido no processo n.º 08P1312, relatado pelo senhor Conselheiro Simas Santos escreveu-se a propósito da omissão de pronúncia que “A omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença”. [[3]]

Pretende o recorrente que a decisão recorrida deixou de se pronunciar sobre questões que lhe tinham sido postas á consideração – “as já alegadas nesta peça processual, ou apreciando-as superficialmente, e com restantes lacunas, como acima já se disse” (item 29.º) – pois a Constituição impõe que as decisões dos Tribunais sejam fundamentadas na forma prevista na lei ordinária (art. 205.º, n.º 1 CRP) e ao ter omitido pronúncia ou elaborado deficiente fundamentação violou o tribunal recorrido, no despacho sob impugnação, os mencionados preceitos constitucionais e os da lei ordinária – 374.º, 375.º e 377.º do Código de Processo Penal.

Tem vindo a ser entendido que sobre quem acoima de nula uma decisão, v. gr. por omissão ou deficiente fundamentação, deve precisar e procurar evidenciar quais os concretos pontos de carência fundamentadora ancoram a sua pretensão, sob pena de não poder desencadear, no tribunal de recurso, uma cingida critica ao labor desenvolvido pelo tribunal recorrido. A não ser assim, ou seja a não se impor este ónus ao peticionário, alargar-se-ia de forma intolerável o espaço de critica da decisão que tornaria insindicável ou dificilmente escrutinável o vício apontado. Apontar e referenciar, em concreto, a omissão ou a carência cabe no âmbito da formulação do pedido e da sua respectiva fundamentação e não onera em demasia o direito ao recurso. [[4]]    

Se percorrermos os itens onde o recorrente alega que o tribunal recorrido não cumprir com o dever de fundamentar constatar-se-á que não é indicada a parte da decisão em que o juiz se deixou de pronunciar sobre questões que lhe hajam sido submetidas para apreciação ou em que pontos da decisão as questões obtiveram ou mereceram uma critica superficial.

Se é certo que a revisão constitucional de 1997 – cfr. - artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa - veio impor uma mais apertada exigência no dever de fundamentação imposto aos tribunais quando ditam as suas decisões ao determinar que devem ser fundamentadas todas as decisões não sejam de mero expediente o facto é que não podem os recorrentes, quando pretendem acoimar uma decisão de nula, limitar-se a uma genérica e indefinida alusão a faltas omissões não localizáveis, referenciadas e identificadas no corpo da decisão.

“A fundamentação das decisões judiciais continua, pois, dependente da lei a que é atribuído o encargo de definir, com maior ou menor latitude, o âmbito do dever de fundamentação, sem que isso signifique total discricionariedade legislativa, “uma vez que o dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso. Nestes casos, particularmente, impõe-se a fundamentação ou motivação fáctica dos actos decisórios através da exposição concisa e completa dos motivos de facto, bem como as razões de direito que justificam a decisão” (V. Moreira e G. Canotilho, CRP Anotada, 2.ª Edição, 798-9)

Foi devolvido ao legislador o seu “preenchimento”, a delimitação do seu âmbito e extensão em termos prudentes evitando correr o risco de estabelecer uma exigência de fundamentação demasiado extensa e, por isso, inapropriada e excessiva. Limitou-se a consagrar o aludido princípio “em termos genéricos”, deixando a sua concretização ao legislador ordinário. (cfr. o ac. nº 310/94 do T. Constitucional – DR IIS de 29.8.94), sem que isso signifique, como se viu, que assiste ao legislador ordinário uma liberdade constitutiva total e absoluta para delimitar o âmbito da obrigatoriedade de fundamentação das decisões dos tribunais, em termos de esvaziar de conteúdo a imposição constitucional.

Têm sido atribuídas à fundamentação da sentença diversas funções:

— Contribuir para a sua eficácia, através da persuasão dos seus destinatários e da comunidade jurídica em geral;

— Permite, ainda, às partes e aos tribunais de recurso fazer, no processo, pela via do recurso, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz;

— Constitui um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere). E, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões (cfr. citado Ac. 680/98).

E a norma, que desenhou o dever de fundamentação no processo penal, cumpre todas estas funções, como vêem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal Constitucional (cfr. Ac. TC n.ºs 680/98 e 636/99, 102/99, 258/2001, 382/98 e AcSTJ de AcSTJ de 11.11.2004, proc. n.º 3182/04-5).”

Quando no item 29 o recorrente refere que a Meritíssima Juíza não se pronunciou sobre estas questões não refere quais as concretas questões que forma omitidas na decisão ou então as que acima são referidas (algumas delas absolutamente impertinentes para o momento processual, como sejam a de que o tribunal não deveria ter sido qualificada actuação do recorrente como continuação criminosa) foram tratadas, como seja o caso da descriminalização da conduta do arguido e a pretensão de ver alterada para 48 meses a prorrogação do período da suspensão.

Não ocorre, pois, a invocada nulidade.

Quanto à eventual violação, pelo despacho recorrido, dos preceitos constitucionais indicados nos itens 33 a 35 o recorrente deveria ter indicado em que sentido normativo lesionado ou seja qual o sentido de interpretação constitucional que deve ser dado aos preceitos invocados e porque é que o despacho ofende ou contraria esse sentido. O recorrente limita-se ou cinge a sua alegação à transcrição dos preceitos sem indicar qual o sentido interpretativo e normativo que, na sua perspectiva, deveria ter assumido o despacho recorrido para que ficasse conforme ao correcto sentido inscrito nas normas constitucionais invocadas.

À míngua do cumprimento desta exigência fica prejudicado o conhecimento da alegada inconstitucionalidade.

Queda por apreciar a pretensão do recorrente em ver reapreciada a pena que lhe foi imposta na decisão condenatória mediante a reabertura da audiência.

O requerente, ao que nos parece – dado que a motivação é um emaranhado desestruturado de apontamentos avulsos e inconsistentes sobre temas que não caberiam no momento processual em que o processo se encontra – pretenderia ver reaberta a audiência para aplicação da lei mais favorável. Não indica qual a lei mais favorável – ou talvez queira fazer essa indicação quando se refere à questão da continuação criminosa? – e não o poderia ter feito porquanto ao arguido foi imposta uma pena suspensa na sua execução e desde o momento em que foi condenado até agora nenhuma lei entrou em vigor que possa beneficiar o arguido, ou, explicitando, o recorrente quando foi condenado já a lei em vigor possibilitava a suspensão da pena em que foi condenado e o alargamento da possibilidade de suspensão da pena – de penas até três anos para penas até cinco anos – não influiu na pena que ao arguido foi imposta. Vale por dizer que a lei nova mais favorável não transporta nenhum benefício na concreta pena que ao arguido foi aplicada, no momento em que o foi. Acresce que o pedido de reabertura da audiência tem como requisito infranqueável, para além de outros que não vêm ao caso, que o requerente se encontre em execução da pena. Ora não se encontrando o requerente em execução de pena não pode abonar-se desta prerrogativa introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 04.09. 

II.B.2. – Descriminalização dos ilícitos pelos quais o arguido foi condenado por decisão transitada datada de 16.12.2008.

A questão que o requerente pretendia ver apreciada pelo tribunal – e que o tribunal apreciou como questão prévia - era a de saber se com a aposição de uma nova condição de punibilidade a conduta consumada antes da entrada em vigor da alínea b) do nº 4 do artigo 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias se encontrava despenalizada.

O recente acórdão para uniformização de jurisprudência prolatado, no dia 09.04.2008, pelo nosso mais Alto tribunal no processo nº 4080/07-3ª, disponível em www.stj.pt, veio fixar a seguinte jurisprudência que passará dever ser seguida pelos tribunais, a menos que fundadamente recusem a sua aplicação. A doutrina que lhe vem adjacente foi sufragada, por unanimidade, pelo Pleno das Secções criminais pelo que remar contra a sua doutrina se torna uma tarefa absolutamente insana.

Reza da seguinte forma a parte final do douto aresto a que se faz referência no parágrafo antecedente: “Face ao exposto entende-se que a alteração produzida pelo artigo 95 da Lei n.º 53-Aj2006 não implicou qualquer alteração nos elementos constitutivos do crime previsto no artigo 105.º do RGIT (a não entrega da prestação tributário retida no prazo legalmente fixado) que permaneceu modificado na sua tipicidade.

A alteração legal produzida revela-se tão-somente como a previsão de uma outra condição de punibilidade que deve ser equacionada na medida em que configure um regime concretamente mais favorável para o agente.

A questão em apreço conjuga-se, assim, pela forma superiormente exposta por Alimena. Refere o mesmo Autor que é indubitável a premissa legal, em termos de sucessão temporal de leis, que se revela na aplicabilidade a lei que é mais favorável ao réu.

Todavia, adianta, essa é apenas uma parte da questão pois que as disposições penais podem ser formadas por várias componentes. Na verdade, as normas que prevêem os crimes são compostas por várias partes. Algumas destas normas cindem-se em duas partes, sendo uma a relativa ao preceito e, a outra, à punição. A parte constitutiva do preceito é passível, por sua vez, de se subdividir conforme se refere aos elementos constitutivos ou às circunstâncias do fato ilícito, conforme se refere ao elemento material ou ao elemento psicológico do crime. Igualmente a parte que prevê a sanção pode regular, muito para além da qualidade ou da medida da pena, as condições de punibilidade

São conhecidos os motivos pelos quais em sede de sucessão de leis se derroga o principio da não retroactividade da lei penal quando a lei posterior é mais favorável ao réu.

Observamos, assim, que a consagração “ex novo” da existência de uma condição de punibilidade permite concluir no sentido de a fazer aparecer como mais favorável em confronto com aquela disposição de lei penal em que a punição do mesmo facto emergia incondicionadamente.

Pode-se objectar que, na sua essência, a subordinação da punição de um facto à presença de uma condição de punibilidade não tem por finalidade, em princípio, o favorecimento do réu. Todavia, não se pode ignorar que, embora a condição não seja emitida com o propósito de favorecer aquele, o certo é que a situação que objectivamente se configura é uma situação mais favorável para o eventual transgressor da norma penal. Por outro lado, e ainda no seguimento do entendimento de Alimena, se a lei posterior inova no confronto com a lei anterior no sentido de que considera dever punir sob condição um facto que a lei revogada reprimia incondicionalmente, é evidente que falta um interesse em punir quando não esteja verificada a condição.

Na verdade, e no que concerne á situação sob análise, foi intenção publicitada do legislador, expressa de forma inequívoca na letra da lei, o objectivo de conceder uma última possibilidade de o agente evitar a punição da sua conduta omissiva. A nova lei é mais favorável para o agente pois que lhe proporciona a possibilidade de, por acto dependente exclusivamente da sua vontade, preencher uma condição que provoca o afastamento da punição por desnecessidade de aplicação de uma pena.

A conclusão da aplicação da lei nova é iniludível face ao artigo 2º nº 4 do Código Penal.

Em conformidade com o exposto, o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, reunido em conferência, delibera na procedência do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência interposto pelo Ministério Público e, em consequência, fixar jurisprudência nos seguintes termos: “ - A exigência prevista na alínea b) do nº4 do artigo 105 do Regime Geral das Infracções Tributárias, na redacção introduzida pela Lei 53-A/2006, configura uma nova condição objectiva de punibilidade que, nos termos do artigo 2 nº 4 do Código Penal, é aplicável aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. Em consequência, e tendo sido cumprida a respectiva obrigação de declaração, deve o agente ser notificado nos termos e para os efeitos do referido normativo (alínea b) do nº4 do artigo 105 do Regime Geral das Infracções Tributárias)”.

Em face da doutrina que passará a ter força obrigatória geral para os tribunais não se vê razão para a contrariar, até pela razão adiantada de que a regra foi extraída nemine discrepante votará ao insucesso qualquer decisão que vá em seu contra, a menos que fosse suscitada a questão da inconstitucionalidade material da norma que foi objecto de apreciação no nosso mais Alto Tribunal.

À luz desta nova orientação interpretativa não restarão dúvidas que se mostram verificados os requisitos materiais para a incriminação do arguido e para a sua punição, se verificados os demais pressupostos de que a aplicação da pena.

Decidiu acertadamente o tribunal a quo ao não ter atendido à pretensão do requerente em ver despenalizada a conduta por que foi condenada.

II.B.3. – Incremento do período da suspensão que foi decretado no despacho impugnado.

A discordância do recorrente neste particular – da prorrogação do período da suspensão da execução da pena – radica em que em seu juízo o tribunal a quo deveria ter decretado um período mais dilatado, concretamente 48 (quarenta oito) meses em vez dos 3 três) anos que foi decidido.

A única razão para que o tribunal deveria ter decidido de forma diversa é porque o recorrente é de condição social humilde, conforme resultou do despacho recorrido.

Em nosso juízo o período de prorrogação é ajustado e não poderá ser dilatado sob pena de a sanção imposta ao recorrente se diluir e esvanecer sem que a esfera pessoal e patrimonial do arguido sinta a compressão do cumprimento que sempre terá que estar associado a um efeito regenerador da personalidade do condenado. Ao estabelecer este novo período para cumprimento da obrigação que lhe havia sido imposta o tribunal a quo ponderou a situação económica e familiar em que o arguido se encontra e equacionou, em face dos réditos exibidos e da possibilidade de melhoria futura da condição financeira, que o alargamento do período para cumprimento das obrigações apostas na decisão deveria ser de três anos. O período parece-nos ajustado e deve ser mantido.

III. – Decisão.

Na defluência do exposto decidem os juízes que constituem este colectivo, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, em:

_ Julgar o recurso totalmente improcedente e, consequentemente, manter o despacho sob impugnação.

- Condenar o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em seis (6) UC’s.

                                               Coimbra, 15 de Outubro de 2008


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(Gabriel Catarino, relator)


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(Barreto do Carmo)

[1] Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; WWW.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).

[[2]] I – A nulidade resultante de omissão de pronúncia, prevista na primeira parte da al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, verifica-se quando o tribunal deixa de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar”. – Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 14.03.2007, proferido no proc. nº 06P3188
“I – A nulidade por omissão de pronúncia «é a nulidade mais frequentemente invocada nos tribunais, pela confusão que constantemente se faz entre “questões” a decidir e “argumentos” produzidos na defesa das teses em presença. Deve evitar-se esse erro»; por outro lado, «também não integra o apontado vício a omissão de pronúncia sobre questões efectivamente suscitadas pelas partes quando a sua apreciação se encontre prejudicada pela solução encontrada para alguma ou algumas delas.» (cf. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, 1972, III, pág. 247). -Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 8.XI. 2006; proferido no proc. nº 06P967. Ver ainda o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 02.10.2008; proferido no processo n.º 08P418; in www.stj.pt.

[[3]] Mais pormenorizado quanto às exigências do recurso de facto e ao exame critico das provas a efectuar pelo tribunal da Relação no controlo da decisão da matéria de facto que lhe foi sujeita em recurso e a possibilidade de nulidade da decisão por omissão ou falta de fundamentação veja-se o ac. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 14.05.2008; proferido no proc. n.º 1139: “- Com a alteração ao CPP introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08, os moldes facultados de impugnação da matéria de facto, nos termos dos arts. 431.º, al. b), 428.º e 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, tornaram-se mais exigentes quando confrontados com os estabelecidos na versão anterior do art. 412.º e seus n.ºs 3 e 4. II - O legislador transmitiu essa exigência ao texto legal no que respeita à indicação dos factos a impugnar e às provas a produzir, e pôs termo à necessidade de transcrição da prova produzida, ao impor que o recorrente indique os concretos pontos de facto que se julguem incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida – als. a) e b) do n.º 3 do art. 412.º do CPP. III - Quando as provas tenham sido gravadas as especificações previstas nas als. b) e c) fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do n.º 2 do art. 364.º do CPP, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação – n.º 4 do art. 412.º. IV - E, no caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa – n.º 6 do art. 412.º –, não havendo lugar à transcrição da prova, substituída por aquela audição ou visualização. V - Quando à Relação se pede o reexame da matéria de facto, reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, tal reponderação envolve um julgamento parcelar, de via reduzida, mas que não dispensa nem o exame, ou seja a análise dos factos, nem a crítica, ou seja o mérito ou demérito dos vários meios de prova que alicerçam a convicção probatória posta em crise ex post à elaboração da sentença recorrida, nos termos do art. 374.º, n.º 2, do CPP, a razão por que uns são credíveis e outros não. VI - A reapreciação parcelar da matéria de facto, se não impõe uma avaliação global, também não se pode bastar com meras declarações e afirmações gerais quanto à razoabilidade do decidido na decisão recorrida, requerendo sempre – nos limites traçados pelo objecto do recurso – a reponderação especificada, um juízo autónomo, da força e compatibilidade probatória dos elementos que serviram de suporte à convicção em relação aos factos impugnados. VII - O Ac. do TC n.º 116/07 (DR II Série, de 23-04-2007) julgou inconstitucional a norma do art. 428.º do CPP, quando interpretada no sentido de que, tendo o tribunal de 1.ª instância apreciado livremente a prova perante ele produzida, basta para julgar o recurso interposto da decisão de facto que o tribunal de 2.ª instância se limite a afirmar que os dados objectivos indicados na fundamentação da sentença objecto do recurso foram colhidos da prova transcrita nos autos. VIII - Num caso em que a arguida, que interpôs o recurso ainda na vigência da redacção do art. 412.º do CPP anterior à trazida pela Lei 48/2007, enumerou especificadamente – ou seja, um por um, concretamente – os factos incorrectamente julgados, explicitando as concretas provas que autorizam solução diversa, e a resposta da Relação a esta crucial questão (na óptica dos direitos de defesa da arguida) se cifra na transcrição pura e simples da fundamentação decisória da 1.ª instância [o que lhe permitiu concluir que «perante a bem fundada motivação do tribunal recorrido, que é eloquente, nesta matéria, como é possível a recorrente vir igualmente pedir a sua absolvição»], tal adesão, meramente formal, aos fundamentos usados para alicerce da decisão recorrida é o inverso do percurso a seguir, na exigência da lei, porque o enunciado factual provado ou não provado precede os fundamentos decisórios que serviram para modelar a convicção do julgador. Na ordem lógica das coisas, os factos são a meta primeira a atingir, seguindo-se, no art. 374.º, n.º 2, do CPP, na especial estruturação da sentença, a fundamentação, o seu sustentáculo pelas provas, o enunciado destas, e não o inverso. IX - Ocorre, pois, omissão de pronúncia, pelo não conhecimento de questão que devia ser apreciada, o que inquina de nulidade o acórdão recorrido – cf. art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.

[4] Cfr neste sentido o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 15/11/2001, proc. n.º 3258/01-5