Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
344/08.3GASPS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: CRIME DE USURPAÇÃO DE COISA IMÓVEL
VIOLÊNCIA
Data do Acordão: 11/09/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SÃO PEDRO DO SUL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 215º, 1 DO C.P
Sumário: A violência ou ameaça grave, elemento objectivo do crime de usurpação de coisa imóvel, tem que ser dirigida contra as pessoas, e não contra as coisas.
Decisão Texto Integral:

11

Nos presentes autos, findo o inquérito preliminar, o digno magistrado do MºPº proferiu despacho final de arquivamento dos autos, por entender que não foram recolhidos indícios suficientes da prática, pelos arguidos A... e B..., do denunciado crime de dano, p e p. pelo artigo 212º do C. Penal.
*
O denunciante, C..., constituiu-se assistente e requereu a abertura da instrução, sustentando que os arguidos deviam ser pronunciados pela prática de um crime de dano, p e p. pelo artigo 212º do C. Penal e um crime de usurpação de coisa imóvel p e p pelo art. 215º, n.º1 do C. Penal.
Realizada a instrução, após debate instrutório, foi proferido despacho de não pronúncia – despacho de fls. 327-336.
*
Recorre o assistente do aludido despacho de não pronúncia
Na motivação do recurso formula as seguintes CONCLUSÕES:
1. Resulta suficientemente indiciado que os arguidos destruíram o tanque em causa nos autos, pois trata-se de um facto, além do mais, confessado pelos arguidos.
2.l Também resulta suficientemente indiciado que o tanque em causa não era propriedade dos arguidos, mas sim do assistente e sua mulher. Na verdade,
3. Tal tanque foi construído em 1958, sempre há mais de 50 anos, portanto, para recolher águas de várias nascentes pertencentes a D..., E... e F... (todos irmãos) como resulta dos depoimentos das testemunhas G... (passagem 4: 13. 5: 16. 6:51), H... (passagem 03:01 a 04:20), I... (passagem 02:28 a 0:40; 12:40 a 12:51; 15:45 a 15:51).
4. Que terreno onde foi construído era de uma pessoa que autorizou tal construção, sendo certo que esta, nunca utilizou o tanque ou a água do tanque para o que quer que fosse, ou seja: o terreno era de um dono que permitiu que outros construíssem o tanque em proveito exclusivo destes mesmos; tal resulta do depoimento das testemunhas G... (1.51 a 1:70; 2:49 a 2:60; 4:13 a 4:20; 6:51 a 7:12) H... (03:01 a 03:23; 09:57 a 10:30) E... (02:28 a 03:40; 08:30 a 10:25).
5. Resulta também do depoimento das testemunhas que o tanque está junto ao prédio da arguida (artigo matricial 1387°) - v. docs. 1, 2 e 3 juntos com o requerimento de abertura de instrução), entre um rego e o caminho, que nunca foi utilizado pelos proprietários de tal prédio enquanto donos deste prédio, sendo certo que este nunca foi irrigado com água de tal tanque (G... (1:51 a 3:49; 2:49 a 2:55; 6:51 a 6: 12), H... (03:01 a 4:20; 08:41 a 10:30), J... (06: 16 a 07: 12; 13:01 a 14:20; 21:40 a 21:50), I... (02:28 a 05:10; 08:30 a 10:05; 12:40 a 13:15), K... (02:54 a 0510; 13:06 a 13: 12), L... (02:09 a 05:10).
6. Resulta também do depoimento das testemunhas que a partir de pelo menos 1983, sempre desde há mais de 25 ou 30 anos, o assistente, por ter adquirido os prédios do tio I... e da tia F... e do sogro D... passou a ser o único utilizador do tanque, tendo à reconstrução total do mesmo, em betão armado (M...: 05:46 a 05:51; 23:49 a 24:00; H...: 13:32 a 17:18; J...: 06:16 a 08:20; 12:30 a 12:41; L...: 02:09 a 08:10).
7. O tanque em causa, bem como o solo onde foi construído desde há mais de 20 anos, por si, e desde há mais de 30, 40 ou 50 anos, pelos seus antepossuidores (I...; F... e D...) é possuído pelo assistente e por sua mulher, à vista de toda a gente, como coisa exclusivamente sua, sem oposição de quem quer que seja, de forma contínua, fazendo as reparações necessárias, limpando-o, nele recolhendo água diariamente e com a mesma irrigando os prédios rústicos referidos, sempre na convicção de exercer um direito de propriedade, que adquiriram por usucapião.
8. Os arguidos sabiam que o tanque não lhes (aos arguidos) pertencia e que era propriedade do assistente e de sua mulher.
9. Na verdade foi neste sentido o comportamento dos arguidos durante pelo menos o período que decorreu entre a data da compra do terreno contíguo ao tanque (art. matricial 1387°) em 1995 e a data em que o destruíram em 30 de Dezembro de 2008 (13 anos mais tarde).
10. Além de os arguidos saberem que o tanque não lhes pertencia por ser do conhecimento público que pertencia ao assistente (e sua mulher) os vendedores do prédio dito explicaram -lhes que o tanque não fazia parte do prédio vendido porque eles próprios (vendedores) não eram donos dele (G...: 2:58 a 3:30; M...; 1:57 a 3:30; 4:35 a 5:20; 06:42 a 06:51; 10:54 a 11:10; 23:49 a 23:58; J...: 14.50 a 16:31).
11. Estão preenchidos os tipos de crime de dano (destruição de coisa alheia e de usurpação de imóvel (invasão de coisa imóvel alheia com o intuito de exercer a propriedade).
12. Sendo certo que os arguidos agiram convencidos que praticavam um acto ilícito, punido como crime.
13. Na decisão instrutória deturpa-se o que disseram as testemunhas, nomeadamente a G…, quando se diz que dos autos indicia-se que os arguidos são proprietários do terreno em causa, quando na realidade o terreno aqui em causa é o do tanque e este nunca pertenceu aos arguidos.
14. Um tanque que nunca foi utilizado pelos arguidos, nem pelos antepossuidores do prédio que os arguidos compraram enquanto tal, e que resulta largamente demonstrado que foi construído em 1958 e começado a ser utilizado por pessoas diferentes do dono do terreno onde foi construído e depois, já desde 1983 pelo assistente, nunca pode ser propriedade dos arguidos e estes sabem muito bem disso.
15. A decisão instrutória é uma clamorosa injustiça que ignorou a prova produzida, e pretendeu (foram muitos os comentários da Ma Juíza nesse sentido) reduzir o problema a uma questão cível, quando não é.
16. Por isso, tem de confessar-se que, perante os comentários feitos pela Meritíssima Juíza ao longo da inquirição, foi sem surpresa que se tomou conhecimento da decisão, (o sentido da mesma já vinha sendo denotado) sobretudo também quando foram proferidas as alegações do Ministério Público nas circunstâncias que se deixam descritas atrás.
17. Mesmo que se entendesse que o terreno é dos arguidos - e não é - o tanque nunca é, por se tratar, na pior das hipóteses, de um direito de superfície.
18. Como pode ler-se, entre muitos outros, no Acórdão da Relação do Porto, de 09-12-2008, in www.dgsi.pte a que já se fazia referência no artigo 40° do requerimento para abertura de instrução, "O direito de superfície sobre coisa implantada é um verdadeiro direito de propriedade, não um simples direito real de gozo de coisa alheia (pertencente ao proprietário do solo) semelhante por exemplo ao usufruto, mas um direito de domínio sobre coisa própria - a propriedade superficiária, distinta da propriedade do dono do chão e paralela a esta - que incide sobre o espaço aéreo e subsolo por ela ocupado.
19. Por isso, o recorrente é de opinião que não foi feita justiça e tem esperança que a decisão instrutória seja revogada e substituída por outra onde os arguidos sejam pronunciados como se requereu, fazendo-se assim, justiça.
*
Respondeu o digno magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido, rebatendo ponto por ponto a motivação do recurso e concluindo, a final, pela sua total improcedência.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no seu douto parecer, pronuncia-se no mesmo sentido da resposta apresentada em 1ª instância.
Corridos vistos, após conferência, cumpre decidir.
***

II.

1. Constitui fundamento do recurso, a pronúncia dos arguidos pela prática de um crime de dano, p e p. pelo artigo 212º do C. Penal e um crime de usurpação de coisa imóvel p e p pelo art. 215º, n.º1 do C. Penal.
A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento - art. 286º, nº 1 do C. P. Penal.
Constitui assim, no C.P.P., uma actividade de averiguação processual complementar daquela que foi levada a cabo durante o inquérito preliminar, destinando-se, tendencialmente, a uma investigação mais aprofundada dos factos constitutivos de um crime e sua imputação a determinada pessoa.
Nos termos do art. 308º, n.º1 do C.P.P. Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, o juiz, por despacho pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário profere despacho de não pronúncia.
Por outro lado, de acordo com o disposto no art. 283°, n° 2, do C. P. Penal "Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança".
A referida “possibilidade razoável” de condenação em julgamento envolve um juízo retrospectivo de valoração dos meios de prova recolhidos no processo que fundamentam a acusação; e um juízo de prognose prospectivo sobre os meios de prova que poderão vir a ser produzidas ou examinadas na audiência de julgamento, sabendo-se que a produção de prova em julgamento obedece a princípios diferentes da fase de investigação e instrução, com destaque para a “institucionalização” do contraditório e os princípios da imediação e da concentração.
O referido juízo retrospectivo sobre as provas recolhidas não se compadece com dúvidas insanáveis, razoáveis e objectivas face ao princípio in dubeo pro reo, vigente em termos de apreciação da matéria de facto.
Exigindo-se pois, quer da parte do Ministério Público, quer da parte do Juiz de Instrução, uma convicção segura e acabada sobre a culpabilidade do arguido, ou seja, um juízo ou convicção equivalente ao de julgamento, na demonstração da objectividade do facto, na apreciação do material probatório que a suporta em conformidade com as normas relativas à aquisição e valoração das provas, nos critérios de racionalidade inerentes ao princípio da livre apreciação da prova.
Com efeito, na lição, sempre actual de CASTANHEIRA NEVES (Processo Criminal, Sumários, p. 39) “na apreciação da suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final - só que a instrução não mobiliza os mesmos elementos probatórios e de esclarecimento, e portanto de convicção, que estarão ao dispor do juiz na fase de julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a acusação”.
O juízo retrospectivo incide sobre os meios de prova recolhidos no processo e que fundamentam a acusação. Meios de prova que “não serão, salvo casos excepcionais, reforçados até à audiência de julgamento. A tendência natural será, pelo contrário, no sentido do enfraquecimento dessas provas já que (além da erosão do tempo) irão ser submetidas ao crivo do contraditório e atacadas através do efectivo exercício do direito de defesa, até aí substancialmente afectado” – cf. Jorge Noronha e Silveira, O conceito de indícios suficientes no processo penal português”, in JORNADAS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL E DIREITOS FUNDAMENTAIS, coordenação de Maria Fernanda Palma. Almedina, 2004 p. 168.
O mesmo juízo retrospectivo não se compadece com dúvidas insanáveis, razoáveis e objectivas, antes exige da parte quer do Ministério Público, quer do Juiz de Instrução, uma convicção segura e acabada sobre a culpabilidade do arguido, ou seja, um juízo ou convicção equivalente ao de julgamento, na sua estrutura fenomenológica, na objectividade de indagação fáctica e apreciação do material probatório, na conformação normativa pelas mesmas proibições de valoração da prova, na racionalidade lógica e metodológica em que assenta a sua livre apreciação dos elementos de prova coligidos, na parametrização (em prognose, na acusação, e actual, no julgamento) própria de condenação e no grau de convicção (que não se compadece, em ambos os casos, com a ideia de verosimilhança ou de admissão da margem “razoável” de dúvida) – cfr. Carlos Adérito Teixeira, «Indícios suficientes»: parâmetro de racionalidade e «instância» de legitimação concreta do poder-dever de acusar”, in REVISTA DO CEJ, nº1, p. 161; no mesmo sentido veja-se Paulo Dá Mesquita, Direcção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária, Coimbra Editora, 2003, p. 92 nota 127; e Jorge Noronha e Silveira, “O conceito de indícios suficientes no processo penal português”, in JORNADAS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL E DIREITOS FUNDAMENTAIS, coordenação de Maria Fernanda Palma, Almedina, 2004p. 168 e 169).
Pelo que a não formação de uma convicção segura acerca da culpabilidade do arguido, em virtude da prova recolhida suscitar dúvidas insanáveis, razoáveis e objectivas, deve conduzir a uma decisão de não pronúncia, mediante a mobilização do principio in dubio pro reo – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 439/2002 (in www.tribunalconstitucional.pt). Com efeito, entendeu aquele tribunal que: “a interpretação normativa dos artigos citados que exclui o princípio in dubio pro reo da valoração da prova que subjaz à decisão de pronúncia reduz desproporcionada e injustificadamente as garantias de defesa, nomeadamente a presunção de inocência do arguido, prevista no artigo 32º, nº2 da Constituição”.
Sendo exigível este grau de certeza na análise das provas recolhidas subjacente á decisão sobre a existência ou não de indícios suficientes coloca-se a questão de saber em que medida isso se compatibiliza com o facto da lei utilizar como critério de decisão a “possibi1idade razoável” de condenação.
A “possibilidade razoável” que o nº2 do artigo 283º do CPP reporta-se ao tal juízo de prognose, que sendo uma previsão assenta necessariamente numa avaliação probabilística. Não se reportando apenas à convicção que a autoridade competente tem de efectuar em relação aos elementos probatórios recolhidos mas ainda à possibilidade de confirmação dessa convicção, em audiência de julgamento, na medida em que a audiência de julgamento obedece a uma racionalidade específica, com os princípios da concentração da prova, da imediação, do exercício pleno do contraditório.

Isto posto, vejamos o caso concreto, tendo em vista cada um dos crimes imputados aos arguidos
*

2. Crime de usurpação de imóvel
Pratica o crime em referência (art. 215º, 1 do C.P.) “Quem, por meio de violência ou ameaça grave, invadir ou ocupar coisa imóvel (…)”.
Parece evidente que a violência ou ameaça grave - inerente ao conceito de “usurpação” que dá o nome ao crime - não pode ser a mera “violência” contra uma coisa ou um objecto, típica de um crime de dano – acto de destruir/inutilizar/tornar não funcional uma coisa ou objecto.
A “violência ou ameaça grave” instrumento da invasão ou ocupação do imóvel tem que ser exercida contra as pessoas. No sentido de, pela força ou intimidação física grave, tomar de assalto (invadir/ocupar) o bem imóvel, vencendo a oposição de outrem que até então detinha a posse desse bem imóvel ocupado ou invadido.
Ora, no caso dos autos, para além de, em termos de prova indiciária, tudo indicar que o tanque se encontrava dentro dos limites físicos de um prédio dos denunciados, não há notícia de qualquer violência contra quem quer que fosse.
Trata-se, como resulta da queixa apresentada, da mera destruição de um tanque, não havendo sequer notícia da presença de qualquer pessoa que, na ocasião, se opusesse, sequer e, como tal, pudesse ter sofrido a violência.
É assim, no caso, ostensiva, a falta do elemento do tipo objectivo do crime: por meio de violência ou ameaça grave.
Impondo-se, pois, neste ponto a rejeição do recurso por manifesta improcedência.


3. Crime de dano
Constituem elementos do tipo objectivo do crime de dano, nos termos do artigo 212º/1 do Código Penal: destruir no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia.
A que acrescem os elementos do tipo subjectivo: dolo em qualquer das modalidades previstas no 14º do C. Penal – directo, necessário ou eventual.
Não sendo punível, na falta de previsão específica, o crime negligente – art. 13º do CP.
O tipo objectivo do crime consubstancia-se na prática pelo agente dos actos descritos no tipo relativamente a uma coisa alheia, móvel ou imóvel, isto é, de uma coisa que não pertence ao agente.
Os aludidos actos podem traduzir-se em:
- Destruir, significa a perda total ou parcial da utilidade da coisa, implicando o sacrifício da sua substância, traduzindo-se na forma mais drástica do cometimento deste crime;
- Danificar, abrange os atentados à substância ou à integridade física da coisa que não atinjam o limiar da destruição;
- Desfigurar, significa uma alteração da imagem exterior da coisa, relativamente àquela que possuía originariamente.
- Tornar não utilizável, significa reduzir a utilidade da coisa relativamente à função a que se destinam, por referência à corporiedade da coisa, excluindo todas as condutas que impossibilitem a utilização daquela, mas que não atinjam a sua integridade - Cfr. Manuel da Costa Andrade, Comentário Conimbricense ao Código Penal, T. II, 1999, Coimbra Editora, p. 222.

Focando o caso concreto convém assentar, liminarmente, que não sofre dúvida que os denunciados, com recurso a uma máquina retro - escavadora, procederam á destruição de um tanque.
A objectividade e linearidade da destruição é, porém, inversamente proporcional à certeza da titularidade do direito sobre o tanque destruído.
Questionando-se, desde logo, qual o direito dos recorrentes violado.
Com efeito, nem os recorrentes sabem ao certo qual a natureza do direito que invocam.
Como evidenciam os vários fundamentos invocados.

Assim:
- De um lado invocam o direito de propriedade (cfr. conclusão 2.1.);
- De outro, adiantam o direito de superfície (cfr. conclusão 18);.
- Por último parecem inclinar-se no sentido de que o tanque constitui obra de aproveitamento de um direito de servidão que parece resultar da afectação do tanque ao aproveitamento de águas que afluíam ao mesmo – cfr. designadamente a conclusão n.º5.

Aliás, nesta perspectiva, a motivação do recurso mais parece a de uma acção de natureza civilista, onde são invocadas sucessivas causas de pedir. Do que a demonstração, tout court, da destruição de coisa consabidamente alheia.
Por outro lado invocam-se fundamentalmente acatos de posse ocorridos há muitos anos, na titularidade dos tios “antecessores” dos arguidos e do prédio hoje na mão dos arguidos.
E não existe (não é invocado) título de transmissão válido entre os antecessores dos recorrentes e estes.
De onde que estes, não podem aceder na posse desses antecessores ou continuar uma posse anterior à sua – cfr. art. 1256º, 1 e 2 do C. Civil.
Acresce que, para além da antiguidade dos actos de posse invocados não são especificados actos concretos de posse sobre o tanque já com o prédio adquirido pelos arguidos na titularidade destes, de onde pudesse resultar a evidência, para estes (arguidos) de que o tanque ali existente pertencia a terceiros.
E resultam dos autos elementos probatórios que apontam, inequivocamente, no sentido de que o tanque em questão se situa, inquestionavelmente, dentro dos limites físicos do prédio dos arguidos – cfr. além do mais a configuração do local resultante da planta junta a fls. 32.
Do mesmo modo a vendedora que transmitiu a titularidade, indiscutível, do direito de propriedade sobre o prédio aos arguidos, assume que o tanque se situava efectivamente dentro dos limites desse prédio. E a referência à no depoimento da transmitente do direito de propriedade sobre o prédio faz à utilização do tanque por terceiros não consta do título de transmissão do direito.
Sendo a indicação sobre o tanque meramente verbal, como tal sem relevo jurídico no que toca à oneração de imóveis. Surgindo mais no sentido da “possível utilização da água” do que do efectivo direito sobre o tanque – sobre o qual não foi efectuada qualquer referência na escritura do acto translativo do direito de propriedade sobre o terreno dentro do qual parece estar o tanque.
Certo é que existem depoimentos no sentido de que o “tio …”, a “tia …” e o “sogro …” utilizavam a água do tanque e até que este último procedeu à reconstrução do tanque.
Mas os negócios referenciados relativamente ao tanque são meramente verbais. E sempre entre familiares, dentro do bom relacionamento de vizinhança/familiaridade entre todos que bem pode traduzir actos de mera tolerância, que não da estrita afectação jurídica – não assumida explicitamente por ninguém. Além da aparente incongruência da titularidade de um tanque “dentro” de prédio alheio. E da ausência de actos de posse inequívocos da posse de terceiros sobre o tanque, existente no limite do prédio por si adquirido, já após a aquisição do terreno por parte dos arguidos.
Por último, resulta dos documentos juntos – cfr. descrição no registo predial e inscrições em vigor, além da planta junta a fls. 32 – que o prédio adquirido pelos arguidos perdeu a sua antiga natureza rústica, ali tendo sido edificada uma casa de habitação.
Como tal, a remoção do tanque (antigo, com finalidades de natureza rústica, como o próprio recorrente alega) com uma máquina retroescavadora, à luz do dia, sem oposição de eventuais interessados, não apresenta a natureza “típica” do crime de dano. Pois que não se trata de uma destruição pela destruição, com ânimo de danificar, suposta pelo crime de dano, típica, digamos, do crime de dano. Mas antes de um acto de reordenamento/melhoramento do prédio onde se situava o tanque.
A própria destruição, efectuada com uma máquina de grande dimensão, à luz do dia e, como tal, à vista dos eventuais interessados não constitui uma destruição “típica” do crime de dano - a malévola destruição pela destruição com o mero objectivo de danificar/destruir/inutilizar de uma coisa que seja incontroversamente alheia.
Aliás na prova produzida o recorrente não reporta nenhum depoimento que refira que os arguidos, ao destruir o tanque tivessem actuado cientes de destruir coisa alheia ou que quisessem efectivamente destruir, com dolo de dano, um tanque sabidamente alheio.
O processo penal não é o lugar próprio para definir a quem pertencia o tanque e/ou a que título. Constituindo a questão da titularidade do direito uma questão prévia/prejudicial da acção penal.
Sendo questionado o direito (o próprio recorrente manifesta dúvidas, hesitando entre propriedade, servidão e superfície) os interessados devem resolver previamente a questão em processo adequado.
De qualquer forma, surgindo perspectivas probatórias equívocas sobre a titularidade do tanque, sempre se imporia a aplicação do princípio in dubeo pro reo.
Entendendo-se assim, em conclusão, que não se mostram reunidos indícios suficientes da titularidade do direito dos recorrentes sobre o tanque, na acepção supra delineada e da convicção dos arguidos de estarem a violar o direito alheio.
Pelo que não merece censura a decisão recorrida.
***

III.
Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida. ---
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC