Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3377/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA LEITÃO
Descritores: CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
DESPEDIMENTO ILICITO
Data do Acordão: 11/25/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: CL.ª 17ª DO IRCT PARA O SECTOR DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE LIMPEZA E ACTIVIDADES SIMILARES . ARTº 4º, AL. B), DO DL Nº 64-A/89 .
Sumário: I – Em tese, no caso de perda do local de trabalho e surgindo uma nova empresa a exercer a mesma actividade e havendo convenção laboral nesse sentido, o contrato de trabalho mantém-se, ocorrendo apenas uma mudança da entidade patronal, pelo que a primeira empregadora fica desligada das obrigações que decorreriam do contrato de trabalho .
II – Se findar o contrato de prestação de serviços acordado com uma autarquia, e se for esta a assumir a responsabilidade pela execução do serviço que anteriormente estava cedido a uma empresa, não há mudança de entidade patronal em relação aos trabalhadores da empresa concessionada e empregadora .
III – Mas por esse simples facto não caduca o contrato de trabalho entre esta empresa e os seus trabalhadores que executavam o serviço anteriormente concessionado .
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes da Secção Social do T. Relação de Coimbra
A..., com o patrocínio do Mº.Pº intentou acção de Processo Comum, emergente de contrato individual de trabalho contra: B...., pedindo a condenação da Ré no pagamento da indemnização por antiguidade e juros de mora á taxa legal desde a citação.
Alegou para tanto e em síntese que:
-A. ré prestou á Câmara Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo serviços no âmbito de recolha de resíduos sólidos;
- O A entrou ao serviço da ré em 1999/08/02; como trabalhador de limpeza, mediante um contrato a prazo de 3 meses sucessivamente renovado;
- a relação laboral terminou em 2002/11/15; por despedimento verbal, sem processo disciplinar .
A Ré citada contestou a ré referindo em síntese que firmou com a C. M. de Figueira de Castelo Rodrigo um contrato de prestação de Serviços de recolha de Lixo, o qual podia terminar a qualquer altura;
quando o mesmo contrato terminou comunicou ao A. por carta a Caducidade do contrato o que ele aceitou;
assim nos termos do disposto na Cláusula 17º do I.R.C.T aplicável ao sector, publicado no B.T.E, 1º série, nº 8, de 28/02/93, a entidade patronal que tiver obtido a nova empreitada obriga-se a ficar com todos os trabalhadores que ali normalmente prestavam serviço.
Concluiu pela improcedência da acção.

Prosseguindo o processo seus regulares termos veio a final a ser proferida decisão que na total procedência da acção, condenou a Ré no peticionado.
Discordando apelou a demandada, alegando e concluindo:
1- Ao presente caso aplica-se o CCT entre a Associação das empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Profissões Similares e Actividades Diversas e Outros;
2- Nos termos da Clª 17ª do referido CCT, a perda de um local de trabalho por parte da entidade patronal não integra o conceito de caducidade, nem de justa causa de despedimento;
3- A Ré perdeu o local de trabalho que detinha no concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, pelo que deveria ter o trabalhador suscitado a aplicação do disposto no nº2 da cláusula 17ª , que prevê que em caso de perda de um local de trabalho, a entidade patronal que passar a ocupar-se da empreitada se obriga a ficar com todos os trabalhadores que ali normalmente prestavam serviço;
4- Tratando-se da recolha de lixo no concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, uma actividade que notoriamente nunca poderá deixar de ali ser exercida, os trabalhadores anteriormente afectos à mesma deverão assim transitar para a entidade que substituir a Ré na referida prestação, tenha essa nova entidade a natureza de adjudicatária dos serviços ou tratando-se da própria Câmara Municipal, caso esta chame a si a responsabilidade pela realização da recolha, já que esse é o espírito inequívoco do preceito do CCT em causa;
5- Sendo certo que, por força da subsequente portaria de extensão, foi alargado o âmbito de aplicação do mencionado CCT a todas as entidades patronais que em território nacional se dediquem à prestação de serviços de limpeza ou outras actividades similares, ainda que subsidiaria ou complementarmente à sua actividade principal;
6- Não existindo despedimento no caso concreto, não tem o A direito a qualquer indemnização por antiguidade;
7- Ainda que assim se não entendesse, em face do que resultou provado nos autos sempre haveria lugar à verificação de uma impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva da entidade empregadora receber o trabalho, por causa não imputável à mesma, o que levará a caducidade do contrato de trabalho;
8- Na verdade o trabalhador foi admitido pela recorrente porque a mesma vinha prestando na área do concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, os serviços de recolha do lixo que lhe haviam sido adjudicados pela respectiva Câmara Municipal, sendo certo que tem a recorrente a sua sede em Oliveira de Azeméis e apenas se encontrava a exercer a sua actividade em F. Castelo Rodrigo, na exacta medida em que lhe foi adjudicada a recolha de lixo nesse concelho, prestação essa que a Ré deixou de efectuar em 15/11/02 por não ter sido a mesma renovada e nunca ter exercido, nem passado a exercer qualquer outra actividade em F. Castelo Rodrigo, para lá da que prestava no âmbito da recolha do lixo que lhe foi adjudicada pela Câmara Municipal
9- A douta sentença recorrida violou o disposto na Clª 17ª do CCT supra mencionada e noutra vertente, o disposto no artº 4º b) do D.L. 64-A/89 de 27/2.
Contra alegou o A, louvando-se na decisão sob censura
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Dos Factos
Foi a seguinte a factualidade dada como assente na 1º instância.
1-A Ré prestou à Câmara Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo serviços no âmbito da recolha e limpeza de resíduos sólidos urbanos.
2-O A. entrou ao serviço da Ré em 1999.08.02.
3- Para, sob as ordens, direcção e fiscalização da mesma, exercer as funções de trabalhador de limpeza.
4-Mediante 3 contratos a termo certo, cada um pelo prazo de 3 meses, o último dos quais sucessivamente renovado, dos quais o A. não possui cópias, por se terem extraviado.
5-O A. auferia ultimamente o salário mensal de € 380,58.
6-No exercício das suas funções, o A. procedia à recolha dos resíduos sólidos urbanos, acompanhando o respectivo camião.
7-O A. trabalhava 7 h e 30 m por dia, de Segunda a Sexta-feira e 2,5 horas ao Sábado.
8-Tal relação laboral cessou em 2002.11.15.
9-Por motivo de despedimento verbal do A., por parte da Ré,
10-sem precedência de processo disciplinar
11-e apenas fundado na circunstância, de ter terminado a prestação de serviços da Ré à Câmara Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo.
12º. O Autor foi admitido pela Ré porque a mesma vinha prestando na área do concelho de Figueira de Castelo Rodrigo os serviços de recolha de lixo que lhe haviam sido adjudicados pela respectiva Câmara Municipal.
13º. A Ré tem a sua sede em Oliveira de Azeméis e apenas se encontrava a exercer a sua actividade em Figueira de Castelo Rodrigo na exacta medida em que lhe foram adjudicados os referidos serviços de recolha de lixo nesse concelho.
14º. Tal prestação de serviços em Figueira de Castelo Rodrigo poderia no entanto terminar a qualquer altura.
15º. Em 15 de Novembro de 2002, a Ré deixou de prestar serviços para a Câmara Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo, conforme decorre do ofício proveniente de tal entidade e dirigido
16- A Ré desconhece qual a nova entidade que passou a ser a adjudicatária dos serviços anteriormente prestados por aquela, já que a Câmara municipal de F. Castelo Rodrigo não lho transmitiu
17- Com efeito a Ré não exercia nem exerce, qualquer outra actividade em F. Castelo Rodrigo, para lá da que prestava no âmbito dos serviços de recolha do lixo, adjudicados pela Câmara Municipal.
Do Direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação- artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC-.
E assim temos que a única questão a dilucidar na presente impugnação, se reporta à análise do valor legal da declaração de caducidade do vínculo laboral que ligava a empregadora ao recorrido e por aquela emitida, para finalizar o mencionado contrato.
Como resulta das suas doutas alegações, a recorrente para fundamentar a licitude da sua posição arrima-se nomeadamente ao disposto na Clª 17º nºs 1 2 e 3 do CCT aplicável, que referem respectivamente que: “ a perda do local de trabalho por parte da entidade patronal não integra o conceito de caducidade, nem de justa causa de despedimento”(nº 1) ; que “ em caso de perda de um local de trabalho, a entidade patronal que tiver obtido a nova empreitada, obriga-se a ficar com todos os trabalhadores que ali normalmente prestavam serviço”( nº 2), e que: “ o trabalhador mantém ao serviço da nova empresa todos os direitos, regalias e antiguidade, transmitindo-se para a nova empresa as obrigações que impendiam sobre a anterior, directamente decorrentes da prestação de trabalho, tal como se não tivesse havido qualquer mudança de entidade patronal, salvo créditos que já deveriam ter sido pagos”
Como é consabido , este tipo de convenções tem uma feição negocial e outra regulamentar.
Traduz-se a primeira e em síntese no acordo obtido, como resultado de negociações previamente havidas entre os outorgantes, do que decorrem direitos e obrigações para ambas as partes( cfr. art.º 5º); enquanto que pela segunda as CCTs criam verdadeiras normas jurídicas, que vão incidir sobre os contratos individuais de trabalho, vigentes ou futuros, dentro do seu âmbito de aplicação dos ditos contratos individuais e substituem-se às condições menos favoráveis ao trabalhador, que porventura existam nestes- cfr. ob. e A citados- Vol. I, 9ª ed. pág. 96-.
Daí que se propenda para a teoria de que no que concerne à faceta obrigacional( formação do acordo, interpretação e integração das declarações negociais etc.) sejam aplicáveis as regras civilísticas relativas aos negócios jurídicos em geral- artºs 224 e 257º p. ex.- e subsidiariamente as respeitantes aos contratos; enquanto que, no aspecto em que tomam a natureza de verdadeiras normas jurídicas, o intérprete dever-se-á guiar pelos princípios a estas respeitantes- p. ex. artºs 9º e 10º do CCv -.
Ora e utilizando estes princípios cremos ser indubitável que a finalidade das aludidas disposições foi a de assegurar para os trabalhadores as maiores possibilidades de manutenção do seu posto laboral e no mesmo local onde trabalhava, face às contingências que podem levar à perda de um local do exercício da actividade.
Daí desde logo, que a perda do posto de trabalho, não implique a caducidade do contrato, mas antes faz impender sobre a nova entidade patronal o dever de “ receber” o trabalhador da empresa que anteriormente prestava os seus serviços, à entidade patronal sucedida.
Porém o desligamento do trabalhador relativamente à primitiva empresa, apenas poderá ocorrer se e quando, exista uma entidade patronal, que venha substituir a primitiva- chamemos- lhe assim -.
Se não fosse desta forma , então facilmente se frustaria a razão de ser das ditas cláusulas.
É que a substituição, pode não ser ( e não é muita das vezes) automática .
O que vale dizer, que neste lapso de tempo, o trabalhador não pode deixar de considerar-se vinculado pelo contrato de trabalho que o ligava à empresa com quem efectivamente contratara.
Temos então assim que – em tese- no caso de perda de local de trabalho e surgindo uma nova empresa a exercer a mesma actividade e por força do convencionado, o contrato de trabalho mantém-se, ocorrendo apenas uma mudança da entidade patronal, pelo que a primeira empregadora fica desligada das obrigações ( e naturalmente privada dos direitos) que decorriam do contrato de trabalho.
É o que resulta quer da interpretação das normas em causa, ao abrigo do disposto no artº 9º do CCv e que também corresponde ao entendimento que perante elas teria um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário( cfr. artº 236º nº1 da mesma codificação).
Mas isto será assim- reafirma-se- se e quando ocorra uma sucessão de empresas, obtendo “a substituta” uma nova empreitada, que surge em vez daquela que terminou e fora adjudicada a uma outra empregadora.
Ora a verdade é que , no caso concreto a Ré não logrou provar, como lhe competia( artº 342º nº2 do CCv) que esse circunstancialismo ocorreu.
Na verdade e conforme o ofício de fls. 67, resulta que após a cessação do contrato que celebrou com a apelante, para a recolha de lixos, foi a própria autarquia quem assumiu directamente esse encargo.
E a ser assim, nunca em nosso modesto entender- e salvo o devido respeito por opinião diversa- se poderia fazer apelo ao nº 2 da Clª 17ª já referida.
Desde logo porque sendo a aludida câmara uma pessoa colectiva de direito público, nunca o CCT em causa lhe seria aplicável.
Na realidade as convenções colectivas de trabalho( contrato colectivo, acordo colectivo ou acordo de empresa), são acordos celebrados entre associações de entidades patronais e trabalhadores , ou entre empresas e organismos representativos dos trabalhadores( cfr. Monteiro Fernandes, Dtº do Trabalho, 9ª ed. pág. 95).
Ora uma Câmara Municipal não é uma empresa e não pode naturalmente fazer parte de uma associação patronal, que tem por base naturalmente a existência de entidade de carácter privado.
Mas mesmo que assim se não entendesse( o que apenas por mera hipótese de raciocínio se aceita), a verdade é que a conclusão a que se teria que chegar era exactamente a mesma.
É que e por força do disposto no artº 2º nº 1 do D.L. 100/84 de 29/3, é da competência “ originária” das autarquias a satisfação dos interesses das populações respectivas no que concerne à salubridade e saneamento( neste domínio se incluindo como nos parece evidente, a recolha dos lixos).
E sendo assim, ao transmitir para a Ré o exercício desta última actividade- e porque desconhecemos em absoluto os termos contratuais em que ela foi feita- uma de duas: ou estamos perante um caso de concessão de serviço público ou então perante uma situação de “ gestão indirecta”.
Sabe-se a diferença entre estas duas figuras: enquanto na primeira, a pessoa colectiva de direito público (autarquia), transfere temporariamente para a entidade privada o exercício dos direitos exclusivos da exploração do serviço, passando este a correr por conta e risco de cessionário, já na segunda( que se traduz numa delegação da gestão) é a entidade pública que cria o serviço e conserva a responsabilidade pelo seu financiamento, conferindo à entidade privada apenas a competência necessária para conservar a organização e assegurar o regular e eficaz funcionamento do serviço( cfr. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, II Vol. 9ª ed. pág. 1096).
Seja como porém ,o certo é que em ambos os casos a natureza do serviço prestado não deixa de ser público e as entidades privadas devem ter sempre em vista que são colaboradores de interesses gerais, com o dever de respeitar as características próprias de um serviço público, porque sempre se tratará de uma delegação de serviços públicos.
Ora bem.
Se assim é e se após a rescisão do contrato com a Ré, foi a própria autarquia a assumir a responsabilidade pelo serviço de recolha de lixo( que já era sua originariamente) naturalmente que não se poderá aqui falar em “ nova empreitada”, como consta do aludido nº 2 da Clª 17.
O que sucede é que a Câmara chamou a si o dever que legal e directamente lhe competia.
O que vale dizer, que a norma convencional citada e à luz dos critérios interpretativos plasmados no citado artº 9º do CCv, não pode abranger este tipo de situações, antes se destinando aos casos em que ocorre uma efectiva sucessão de empresas, como oportunamente já se referiu.
Até porque e como é consabido a admissão de trabalhadores nas autarquias locais, está sujeita a regras e formalismos, que não têm paralelo nas empresas privadas, o que pode impedir a passagem imediata de um trabalhador de uma empresa privada para a sua nova entidade patronal.
E além do mais- e exactamente pela forma de recrutamento de pessoal, por parte das autarquias , que está sujeita a normas e condicionamentos legais explícitos( cfr. p. ex. os artºs 15º nº 1 n) e 39º nº 2 f) do já mencionado D.L. 100/84- nunca estas se poderiam obrigar nos termos do CCT invocado, sob pena de se colocarem em situação de violação da lei a que estão vinculadas, no que concerne à nomeação de pessoal, sua remuneração etc.
Significa isto e em conclusão que não caducando o contrato de trabalho, como se viu, não poderia a Ré desobrigar- se dele sem mais, baseando-se apenas no facto de a Câmara Municipal de F. Castelo Rodrigo, ter rescindido o contrato que lhe “ concessionava” a actividade de recolha de lixos e com o apelo à dita Clª 17ª, que aliás não invocou na sua declaração rescisória( cfr. fls. 39).
E a ser assim, somente se pode tirar a ilação que a comunicação feita ao A, traduz um efectivo despedimento desde logo ilegal, por ausência de processo disciplinar- cfr. artº 12º nº 1 a) do D.L. 64-A/89 de 27/2-.
Em face do expendido cumpre agora averiguar se face à lei geral e atenta a factualidade dada como assente, não terá a perda do local de trabalho( ou melhor dito a rescisão contratual operada pela C. M. Figueira Castelo Rodrigo), originado a caducidade do contrato de trabalho que ligava A e Ré, que é como se sabe um dos modos de por termo a este tipo de convénios- artº 3º nº 2 a) do mesmo D.L. -
Na realidade e de acordo com o disposto no artº 4 alínea b) ainda DL nº64-A/89 “o contrato de trabalho caduca nos termos gerais de direito, nomeadamente, verificando-se a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de a entidade empregadora o receber”.
Ora e remetendo agora para os aludidos “ termos gerais de direito” estabelece o artº 790º nº 1 do CCv, que a obrigação se extingue quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.
Como refere A Varela in “ Das Obrigações em Geral , 2º ed. II Vol., pág. 66, “ a prestação torna-se impossível quando por qualquer circunstância( legal, natural, humana) o comportamento do devedor se torna inviável”.
E continua aquela A “ Para que a obrigação se extinga é necessário segundo o espírito e a letra da lei, que a prestação se tenha tornado verdadeiramente impossível, seja por força da lei, seja por força da natureza( caso fortuito ou de força maior) ou por acção do homem”,
“ Causa da extinção da obrigação é a impossibilidade... da prestação...não a simples dificultas praestendi, a impossibilidade relativa”
Daqui se conclui que para que a obrigação se extinga não é suficiente a onerosidade extrema ou a dificuldade excessiva da prestação- cfr. Ac STJ, in CJ Acs STJ, VII, III, 268-.
Analisando o citado artº 4º temos que a impossibilidade a que a lei se refere, tem que ser vista de dois prismas- a do trabalhador efectuar a prestação e / ou a da empregadora a receber- CV.J. XVII, III, 256-.
É também consabido que a impossibilidade da prestação, para que possa conduzir ao fim do vínculo laboral- artº 4 citado e 3 nº 2 a) do mesmo diploma- tem que ser superveniente, absoluta e definitiva.
Por definição, a impossibilidade é superveniente quando a causa determinante só se verificar depois da constituição do vínculo laboral; é absoluta quando seja total, isto é, quando o trabalhador ou a entidade empregadora não estejam em condições de, respectivamente, prestar ou receber sequer parte do trabalho e definitiva na hipótese de afastar qualquer situação de temporariedade.
Menezes Cordeiro, no seu Manual de Direito de trabalho, ed. 1991, pág. 793, escreve: “ A jurisprudência mostra-se bastante exigente no tocante ao requisito da absolutidade; uma simples diminuição das qualidades do trabalhador , quando lhe possam ainda ser distribuídas outras tarefas, não conduz à caducidade. Haverá aqui uma manifestação pela positiva, do princípio da igualdade que permite favorecer os mais fracos”.
Também A Neto, in “ Contrato de Trabalho, Notas Práticas, 15ª ed. pág. 720 expõe que a impossibilidade será absoluta quando seja total, isto é, quando o trabalhador ou a entidade empregadora não estejam, em condições de respectivamente prestar ou receber sequer parte do trabalho.
E assim disserta” verifica-se a caducidade do contrato de trabalho se o trabalhador por doença natural, ficar total e definitivamente impossibilitado de prestar o serviço para que foi contratado ou outro, ou se por imposição legal ou administrativa a entidade patronal ficar em definitivo impedida de exercer a sua actividade”.
Ora e no caso concreto , demonstrado ficou que o motivo invocado pela entidade patronal para fazer cessar o contrato, foi como se disse a rescisão do convénio, que tinha com a aludida autarquia.
E também se apurou que a Ré apenas estava a exercer actividade em F. Castelo Rodrigo devido a este último contrato.
Todavia em nosso modesto entender, tal não é suficiente para integrar o conceito de “ impossibilidade definitiva de poder prestar trabalho”.
Efectivamente a Ré , embora que noutros locais, continua a exercer as suas funções.
O que por si só é bastante, para concluir que a tal impossibilidade definitiva de “ oferecer trabalho” , não existe, ou pelo menos a Ré não logrou demonstrá-la.
É que e para além do mais , nem sequer alegou que o A se recusara a ir laborar para outro local, sob as suas ordens, autoridade, fiscalização e direcção.
E nem mesmo que, retirada que lhe tinha sido a dita “ concessão”, ficava numa situação de total impossibilidade de manter o A ao seu serviço.
E tudo isto seria fundamental para se averiguar da existência da dita “ impossibilidade definitiva”.
Como a recorrente nada alegou sobre estes pontos, sendo que tal ónus sobre ela uma vez mais impendia( artº 342º nº2 CCv), a única conclusão a tirar é a de que, não existe motivo para a declaração da caducidade do contrato, ao abrigo do citado artº 4º b).
E assim sendo e pelos motivos idênticos ao oportunamente já indicados, essa declaração configura um despedimento ilícito.
Porém aqui surge um problema, que nem sequer foi aflorado na 1º instância.
É que o A apenas peticiona, o pagamento da denominada “ indemnização por antiguidade”.
E refere que laborou para a Ré desde 2/8/99 até 15/11/02, mediante 3 contratos a termo certo, por 3 meses cada, sendo certo que o último foi sendo sucessivamente renovado.
E toda esta facticidade ficou demonstrada.
Ora bem se se está perante um quadro de “ contrato a termo” o despedimento ilegal não confere ao trabalhador, o direito à indemnização por antiguidade.
É o que resulta do estabelecido no artº 52º do D.L. 64-A/89- cfr. neste sentido CJ/STJ; 2003, 1, 252-.
Por isso( dir-se-ia) a acção teria necessariamente que improceder, pois o pedido está , como se referiu, restringido à indemnização por antiguidade.
Salvo o devido respeito, não é todavia assim.
Na realidade e como se provou, as partes celebraram 3 contratos a prazo, sendo cada um deles por 3 meses; ora se a relação laboral começou em 2/8/99 isto significa que necessariamente o último convénio iniciou-se em 2/2/00.
E se – como também provado ficou- este derradeiro contrato foi sendo sucessivamente renovado e até 15/11/02 e dado que também vigorava por 3 meses, então de 2/2/00 até 15/11/02, inelutavelmente ocorreram muito mais que duas renovações.
Ora e de acordo com o disposto no artº 44º nº 2 também do D.L. 64-A/89 no caso de se tratar de contratos a prazo sujeitos a renovação, esta não pode efectuar-se por mais de duas vezes.
Se tal suceder, o contrato converte-se em contrato sem termo, conforme determina o artº 47º deste último diploma.
E assim sendo, uma que à data da cessação do contrato, o A tinha que legalmente ser considerado como um “trabalhador sem termo”, o seu direito à indemnização por antiguidade surge por força do disposto no artº 13º nº 3.
Daí que a pretensão do A tem que ser acolhida.
Termos em que e concluindo, confirmando-se ainda que com fundamentação algo diversa a sentença sob protesto, se julga improcedente a apelação.
Custas pela recorrente.