Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1873/09.7PTAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
ELEMENTO SUBJECTIVO
CONFISSÃO
PROVA INDIRECTA
Data do Acordão: 12/09/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE BAIXO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 14º, 69ºE 292º,Nº1 DO CP ; 127º E 343º DO CPP
Sumário: 1.Tendo o recorrente, após a leitura do auto de notícia , declarado pretender confessar, de forma livre, integral e sem reservas os factos que lhe são imputados (art. 343º, n.º1 do C.P) e que perguntado pelo Senhor Juiz se fazia essa confissão de livre vontade e fora de qualquer coacção, respondeu afirmativamente, não só não pode agora questionar a sentença relativamente à valoração positiva da confissão relativamente a factos da acusação que o próprio reconhece não terem sido objecto, sequer da decisão recorrida, como ainda que a sentença tem bom fundamento relativamente aos factos valorados.
2..Sabendo-se que o arguido tinha ingerido uma quantidade de bebida “adequada” a provocar uma taxa de 1,58 gr./l, os elementos do tipo subjectivo provam-se – prova indirecta– a partir da constatação dos factos objectivos, conjugada com as regras da experiência comum.
3.Na apreciação da prova indirecta ou indiciária que incide sobre factos diversos do tema de prova (sujeita à livre apreciação nos termos do art. 127º do CPP, que deve ser devidamente fundamentada) mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar.
4.No caso, afastada a inimputabilidade do agente, sabendo-se a formação académica/profissional do arguido e que - para obter o título de habilitação para a condução automóvel - teve que se submeter a testes sobre a legislação relativa à condução automóvel (vulgarmente chamado “exame de código”), onde a condução sob o efeito do álcool surgem como inimigo n.º1 das boas práticas, sabendo-se a taxa da alcoolemia revelada - 1.58 gr./l. – é manifesto que o recorrente não podia ignorar que a quantidade necessariamente ingerida, o fazia incorrer em responsabilidade criminal.
5.O elemento emocional do crime de condução sob o efeito do álcool não exige que agente saiba a exacta taxa, mas apenas que ao actuar da forma que actuou teve a consciência de que se encontra sob o efeito do álcool, admitindo pelo menos como possível (dolo eventual) que a quantidade de álcool que ingeriu o faz incorrer num o ilícito criminal.
Decisão Texto Integral: 11

I.
O arguido, R… identificado nos autos, recorre da sentença em que o tribunal recorrido decidiu condená-lo:
- como autor material, sob a forma consumada, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artºs. 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros); E AINDA, na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de 3 (três) meses.
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Na motivação do recurso, formula as seguintes CONCLUSÕES:
1- O Arguido não confessou integralmente e sem reservas os factos por que foi acusado, apenas admitindo ter-se conformado com o resultado do teste realizado, não requerendo contra-prova, então (após conhecimento desse resultado) atribuindo o mesmo à ingestão de um whisky;
2- Assim, apenas pode considerar-se que confessou os factos objectivos do crime, nenhum outro meio de prova existindo que possa infirmar as suas declarações prestadas em Audiência de Discussão e Julgamento, gravadas nos meios disponibilizados pelo sistema informático do Tribunal, como foi registado na Acta daquela Audiência (fls. 20 a 26 dos Autos);
3- Não se provou (nem tal consta da enumeração dos factos provados constante da douta Sentença recorrida) o facto, que era imputado ao Arguido na douta Acusação, de que este conduzia «sabendo que podia ter uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 j;/l, e, não obstante, decidiu conduzir aquela viatura nessas circunstâncias, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente punida»;
4- É irrelevante o facto considerado provado na douta Sentença recorrida de que «O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que não podia conduzir na via pública após ingestão de bebidas alcoólicas e que tal conduta era criminalmente punida», porquanto é lícita a condução após ingestão de bebidas alcoólicas, desde que a taxa de alcoolemia seja inferior a 0,5 gr/l, não constituindo crime a condução com uma taxa de alcoolemia inferior e 1,20 gr/l.
5- Por consequência, nada se provou quanto ao “tipo subjectivo do ilícito» em questão, designadamente, que o Arguido tenha praticado aqueles factos a título de dolo (Em qualquer das suas modalidades) ou de negligência.
6- Assim, o Arguido deveria ter sido absolvido, por não se verificar a prática do crime por que foi acusado, previsto e punido no Art.292º, nº1, do Cód. Penal,
7- E, ao considerar que o Arguido agiu com dolo eventual, a douta Sentença recorrida violou o disposto nos Arts. 13º e 14º do Cód. Penal, não se tendo igualmente provado quaisquer factos que permitam concluir que o Arguido agiu com negligência.
Termos em que, e melhores de direito, que desde já consideram proficientemente supridos, requer seja o presente recurso recebido e provido, revogando-se a douta Sentença recorrida e substituindo-se por outra que absolva o Arguido da prática do crime por que foi acusado.
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Respondeu o MºPº junto do tribunal recorrido, sustentando, em resumo, que: o recorrente não indica, nem na fundamentação do recurso nem nas conclusões que dela retira quais as passagens da gravação do seu próprio depoimento susceptíveis de inquinar a decisão; a sentença contém os factos que materializam os elementos do tipo subjectivo do crime.
No visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Ex. Mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual sufraga, desenvolvendo-a, a argumentação aduzida na resposta.
Foi cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP.
Corridos os vistos e realizado o julgamento, mantendo-se a validade e regularidade afirmadas no processo, cumpre decidir.
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II.
1. Das conclusões, que definem o objecto do recurso, resulta que este incide sobre a decisão da matéria de facto, sustentando o recorrente, em resumo, que “apenas pode considerar-se que confessou os factos objectivos do crime (…) não se provou que conduzia «sabendo que podia ter uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente punida»”. Na perspectiva de que não resultam provados os pressupostos dos elementos do tipo subjectivo do crime.
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2. A decisão da matéria de facto do tribunal recorrido é a seguinte:
A) Matéria de facto provada
1. No dia 15 de Agosto de 2009, cerca das 01:36 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula …, na Praça General Humberto Delgado, Glória, …
2. Submetido ao teste para detecção de álcool através do ar expirado, acusou uma taxa de álcool no sangue de 1,58 g/l;
3. O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que não podia conduzir na via pública após a ingestão de bebidas alcoólicas e que tal conduta era criminalmente punida;
4. Confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado e mostrou arrependimento;
5. Aufere mensalmente cerca de 700,00 €;
6. Pelo empréstimo bancário contraído para construção de casa encontra-se a pagar uma prestação mensal de cerca de 280,00 €;
7. Vive com seus pais;
8. Tem como habilitações literárias o Bacharelato em Engenharia Civil;
9. Necessita diariamente da carta de condução, quer para se deslocar para o trabalho, quer no âmbito da sua actividade profissional;
10. É tido como pessoa educada, trabalhadora e bem considerado no meio onde vive;
11. Não tem antecedentes criminais registados.
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B) Matéria de facto não provada:
Não se provaram outros factos que estejam em contradição com os antecedentes e que tenham relevância para a decisão da causa.
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C) Motivação da decisão de facto
O Tribunal formou a sua convicção com base:
a) nas declarações confessórias do arguido quanto a todos os factos de que vinha acusado, declarações do mesmo quanto à sua situação económica, familiar, habilitações literárias e necessidade da carta de condução;
b) no depoimento da testemunha R…, o qual teceu as melhores considerações acerca do comportamento e reputação do arguido, o qual demonstrou conhecer há largos anos;
c) no teor do documento de fls. 3, bem como do teor do certificado de registo criminal de fls. 12.
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3. Alega o recorrente que não confessou os factos relativos aos elementos do tipo subjectivo do crime e – por isso - não se provou nem resulta da matéria provada que conduzia sabendo era portador de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l .
Na mesma perspectiva alega que, quanto aos questionados elementos fáticos do tipo subjectivo que (cfr. conclusão 3ª), “nem tal consta da enumeração dos factos provados constante da douta Sentença”.
Para concluir que nada se provou quanto ao “tipo subjectivo do ilícito».

3.1.
Ora se os questionados pontos da matéria de facto “nem constam da sentença”, carece de objecto qualquer suposta impugnação da matéria de facto que se diz expressamente não ter sido dada como provada (não ponderada) pela mesma sentença.
Sustentando, como faz o recorrente que da acusação e da sentença não constam os elementos fácticos necessários ao preenchimento do tipo subjectivo do crime, não pode sustentar, simultaneamente, que existe erro de apreciação de matéria que não foi objecto de apreciação.
Daí que, como é bem salientado na resposta e no douto parecer o recorrente não impugna a matéria de facto pela forma exigida para a reapreciação da prova – não identifica, designadamente, nem na motivação nem nas conclusões, as concretas passagens do seu depoimento que o tribunal recorrido não tenha valorado ou que devesse ter valorado de forma diferente e que valoradas em conformidade com os critérios legais sejam susceptíveis de “impor” decisão diferente da recorrida, como exige o art. 412º,, n.º3 e 4 do CPP.
Com efeito, como se viu, mais do que impugnar o julgamento de determinado ponto da matéria de facto dada como provada, alega, quanto aos questionados factos constitutivos do tipo subjectivo que (cfr. conclusão 3ª), “nem tal consta da enumeração dos factos provados constante da douta Sentença”.
Por outro lado, não consta, efectivamente, da matéria provada, aquilo que o recorrente questiona, a saber o conhecimento da exacta taxa de alcoolemia de que era portador, ou seja, que “actuou sabendo era portador de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l”.
Não podendo, pois, materialmente impugnar-se a valoração da prova correspondente à matéria que não foi apreciada.

Por outro lado a perspectiva de que não consta da matéria provada o conhecimento do estado de alcoolemia não levaria à consequência pretendida pelo recorrente. Com efeito, nessa perspectiva estaríamos perante um vício de insuficiência de apuramento de matéria de facto relevante para a decisão previsto no art. 412º, n.º2, al. a) do CPP.
Vício que teria como consequência típica o reenvio para novo julgamento com vista ao apuramento desse matéria (art. 426º do CPP).
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3.2. Na perspectiva da valoração da prova verifica-se que o recorrente ignora, ainda, o que ficou consignado (que ele verdadeiramente não põe em causa uma vez que não contesta a confissão – do óbvio evidenciado pelo teste realizado e de que não foi pedida contraprova -) na acta da audiência (cfr. fls. 21) que constitui documento autêntico não impugnado, ou seja que “após a leitura do auto de notícia o arguido declarou pretender confessar, de forma livre, integral e sem reservas os factos que lhe são imputados (art. 343º, n.º1 do C.P. Penal”
E que “perguntado pelo Mmo. Juiz se fazia essa confissão de livre vontade e fora de qualquer coacção, respondeu afirmativamente”.
Daí que, na sequência e por efeito dessa sua declaração, o MºPº “prescindiu da prova testemunhal”.
De onde resulta não só que não pode o recorrente questionar a sentença relativamente à valoração positiva da confissão relativamente a factos da acusação que o próprio reconhece e alega não terem sido objecto, sequer da decisão recorrida, como ainda que a sentença tem bom fundamento relativamente aos factos valorados.
Ainda na perspectiva da valoração da prova o recorrente omite, ostensivamente, a parte da motivação da sentença que se reporta a “o teor do documento de fls. 3”
E trata-se de prova pericial pré-constituída, de apreciação vinculada, subtraída à livre apreciação do juiz, que revela insofismavelmente a taxa de 1,58 gr./l..
Ora, sabendo-se que tinha ingerido uma quantidade de bebida “adequada” a provocar uma taxa de 1,58 gr./l, os elementos do tipo subjectivo provam-se – prova indirectaa partir da constatação dos factos objectivos, conjugada com as regras da experiência comum.
Com efeito é conhecida a clássica distinção entre prova directa e prova indirecta ou indiciária – cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Curso de Processo Penal, 3ª ed., II vol., p. 99. Aquela incide directamente sobre o facto probando, enquanto esta incide sobre factos diversos do tema de prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar.
Embora a nossa lei processual não faça qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária, a aceitação da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, embora sendo uma convicção pessoal, como acima se disse, terá que ser sempre objectivável e motivável.
Na apreciação da prova indirecta ou indiciária que incide sobre factos diversos do tema de prova (sujeita à livre apreciação nos termos do art. 127º do CPP, que deve ser devidamente fundamentada) mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar. Exigindo que apenas se pode extrair o facto probando do facto indiciário quando tal seja corroborado por outros elementos de prova, por forma a que sejam afastadas outras hipóteses igualmente possíveis – cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 3ª ed., II vol., p. 100/1001.
Aliás a associação entre elementos de prova objectivos e regras objectivas da experiência leva alguns autores a afirmarem a sua superioridade perante outros tipos de provas, nomeadamente a prova directa testemunhal, onde também intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será mais perigoso de determinar, qual seja a credibilidade do testemunho – cfr. Mittermayer Tratado de Prueba em Processo Penal, p. 389.
Nesta perspectiva o Ac. do ST J de 11-11-2004, Proc. n° 04P3182, in www.dgsi.pt, se decidiu que: O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz valer através de uma espécie de presunções. O recurso às presunções naturais não viola o princípio do in dubio pro reo.

Sendo a prova por concurso de circunstâncias absolutamente indispensável em processo Penal, posto que, se a mesma fosse excluída, ficariam na mais completa impunidade um sem fim de actividades criminais – cfr. FRANCISCO ALCOY, Prueba de Indicios, Credibilidad del Acusado y Presuncion de Inocencia, Editora Tirant Blanch, Valencia 2003, p. 25; Climent Durán, La Prueba Penal, p. 597, citando a melhor doutrina e a jurisprudência do Tribunal Constitucional de Espanha.
Ora, no caso, afastada a inimputabilidade do agente, sabendo-se a formação académica/profissional do arguido e que - para obter o título de habilitação para a condução automóvel - teve que se submeter a testes sobre a legislação relativa à condução automóvel (vulgarmente chamado “exame de código”), onde a condução sob o efeito do álcool surgem como inimigo n.º1 das boas práticas, sabendo-se a taxa da alcoolemia revelada - 1.58 gr./l. – é manifesto que o recorrente não podia ignorar que a quantidade necessariamente ingerida, o fazia incorrer em responsabilidade criminal.
É assim manifesta a improcedência do recurso no que toca à valoração da prova.
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3.3. Perspectiva de direito - verificação dos elementos do tipo subjectivo do crime
O dolo desdobra-se nos chamados elementos intelectual (representação, previsão ou conhecimento dos elementos do tipo de crime) e volitivo (vontade de realização daqueles elementos do tipo objectivo) nas modalidades nas 3 modalidades previstas no art. 14º do C. Penal - actuação com intenção de realizar o facto típico (dolo directo); aceitação da realização dos elementos do tipo objectivo como consequência necessária da conduta (dolo necessário); e conformação ou indiferença pela realização do resultado previsto como possível (dolo eventual).
A que acresce um elemento emocional que é dado, em princípio, pela consciência da ilicitude – cfr. Figueiredo Dias, Jornadas de Direito Criminal, Fase I, ed. do Centro de Estudos Judiciários, 1983, p. 71-72 e Rev. Port. de Ciência Criminal, ANO 2, 1º, p. 18-19. “Elemento emocional que se adiciona aos elementos intelectual e volitivo; uma qualquer posição ou atitude de contrariedade ou indiferença face às proibições ou imposições jurídicas (…) quando o agente revela no facto uma posição ou uma atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever-ser jurídico-penal” – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, Coimbra Editora, 2004, p. 333.
Como ensina Figueiredo Dias (Direito Penal, 2004, Parte Geral, I, p. 333 e 489) o dolo não pode esgotar-se no tipo de ilícito e não é igual o dolo do tipo, mas exige ainda do agente um momento emocional – a consciência da ilicitude - que se adiciona aos elementos intelectual e volitivo, ou seja, uma qualquer posição ou atitude de contrariedade ou indiferença face às proibições jurídicas.
Como tal – atitude perante a proibição, não exige a noção exacta de todas as consequências jurídicas da acção ou de toda a dimensão dos efeitos jurídicos desta. Não se exige o grau de conhecimento do jurista. Mas apenas do senso/cidadão comum, a quem a proibição é dirigida.
A consciência de que a acção é ilícita e – apesar disso – decide levá-la a cabo assumindo uma atitude de contrariedade ou indiferença pela proibição.
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Na apreciação do caso dos autos importa salientar, liminarmente, que o recorrente foi condenado - com base na aludida taxa de alcoolemia de 1,58 gr./l. - pela categoria menor da culpa dolosa, o dolo eventual.
Como reconhece, aliás, explicitamente o recorrente – cfr. conclusão n.º7.
E, como resulta também de forma explícita da fundamentação jurídica da sentença, o tribunal recorrido considerou que “o arguido actuou pelo menos com dolo eventual”.
Assim, não tendo o MºPº interposto recurso e visto o princípio da proibição da reformatio in peius, é na perspectiva da modalidade menor do dolo que importa apreciar a pretensão do recorrente, o mesmo é dizer, se a matéria de facto provada preenche os elementos do dolo eventual.
Ora resulta da matéria provada que “bem sabendo que não podia conduzir na via pública após a ingestão de bebidas alcoólicas” (elemento intelectual do dolo) e que “tal conduta era criminalmente punida” (elemento emocional do dolo) o arguido, ainda assim, (sabendo que não podia conduzir na via pública após a ingestão de bebidas alcoólicas sabendo que não podia conduzir sob o efeito do álcool) exerceu a condução automóvel, voluntária e livremente.
O elemento emocional do crime de condução sob o efeito do álcool não exige que agente saiba a exacta taxa, mas apenas que ao actuar da forma que actuou teve a consciência de que se encontra sob o efeito do álcool, admitindo pelo menos como possível (dolo eventual) que a quantidade de álcool que ingeriu o faz incorrer num o ilícito criminal.
Aliás, no caso (atenta a levada taxa de alcoolemia, significativamente acima da taxa mínima prevista no tipo objectivo), qualquer eventual erro sobre a ilicitude nem seria desculpável porquanto o arguido exercia a perigosa actividade da condução automóvel, sujeita à prévia aprovação em exame teórico e prático sobre a condução automóvel, tendo o dever de saber os limites legalmente estabelecidos e que a condução sob o efeito do álcool constitui um dos factores mais relevantes da sinistralidade automóvel.
Estão pois verificados os elementos do dolo: intelectual (representação), volitivo (exerceu voluntariamente a condução) e emocional (sabendo que era criminalmente punido).
Aliás o arguido, sabendo que ingerira a quantidade de bebidas alcoólicas - que determinou taxa, verificada, de 1,58 gr. – foi tratado benevolamente, com base (apenas) no dolo eventual e não pelo dolo directo ou necessário, como seria fácil de justificar, em termos de senso comum, sabendo-se, além do mais, a formação profissional do arguido e que, para obter o título de condução de que é titular teve que se submeter a testes sobre a legislação e a praxis da condução automóvel, onde a condução sob o efeito do álcool surgem como inimigo n.º1 das boas práticas. Sendo manifesto que para acusar 1,20 gr./l não basta um “simples wysky” (que anda apenas pelos 0,2 gr./l.) Quanto mais para acusar 1.58 gr./l.
É pois, também nesta perspectiva, de todo inconsistente a pretensão do recorrente.

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III.
Nos termos e com os fundamentos expostos decide-se julgar o recurso improcedente, com a consequente manutenção da decisão recorrida. ----
Custas pelo arguido, com taxe de justiça que se fixa, atenta a extensão das questões suscitadas e total falta de fundamento, em 8 (oito) UC.