Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | TERESA ALBUQUERQUE | ||
Descritores: | INVENTÁRIO SUBSEQUENTE A DIVÓRCIO COMPETÊNCIA | ||
Data do Acordão: | 07/12/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA POR UNANIMIDADE | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 1083.º, N.º 1, ALÍNEA B) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
Sumário: | O inventário em consequência de divórcio corre por apenso à acção onde foi proferido o divórcio. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
I - AA, requereu, por apenso à acção de divórcio em que foi parte e que terá corrido termos no Tribunal em causa, processo de inventário para partilha dos bens comuns, invocando o disposto no art 1133º CPC, tendo sido proferido, no tocante a esse requerimento, o seguinte despacho: «Remeta os presentes autos à distribuição, por inexistir fundamento legal – ao contrário do que sucedia em face do artigo 1404º, nº 3 do CPC na redacção dada pelo DL. 227/94 de 8/9– para a sua apensação ao processo de divórcio».
II – Inconformado, interpôs apelação, que concluiu nos seguintes termos: 1.º A Autora requereu a 21 de Março de 2022, por apenso à acção de divórcio, nos termos do artigo 1133.º do CPC, processo de inventário para partilha dos bens comuns. 2.º Por despacho datado de 24 de Março de 2022, o Tribunal a quo decidiu remeter “os presentes autos à distribuição, por inexistir fundamento legal – ao contrário do que sucedia em face do artigo 1404º, nº 3 do CPC na redacção dada pelo DL. 227/94 de 8/9– para a sua apensação ao processo de divórcio.” – Cfr. Despacho datado de 24 de Março de 2022 (com referência 87973911). 3.º Tal despacho fere o disposto no artigo 206.º, n,.º2 do CPC, bem como o artigo 122.º da LOSJ, contrariando o artigo 1083º nº 1 b) do CPC. 4.º Porquanto, e salvo melhor entendimento, o processo para partilha dos bens comuns do casal é dependente do processo de divórcio judicial, sendo consequência deste - “é da sentença de divórcio que emerge o direito à partilha dos bens comuns do casal.” – Cfr. Acórdão do TRC de 23/02/2021. 5.º Correndo, assim, por apenso, nos termos do citado artigo 206.º, n.º2 do CPC. 6.º Não podendo colher a fundamentação do Despacho do Tribunal a quo – “por inexistir fundamento legal – ao contrário do que sucedia em face do artigo 1404º, nº 3 do CPC na redacção dada pelo DL. 227/94 de 8/9– para a sua apensação ao processo de divórcio.” 7.º Vejamos, “Da não menção no art. 1133º do C.P.C. que esse inventário corre por apenso ao processo de divórcio não se pode retirar a conclusão contrária tanto mais que a apensação àquele processo resulta dos referidos art. 1083º nº 1 b) e 206º nº 2 do C.P.C.” – Cfr. Acórdão do TRG de 27/05/2021. 8.º E “A regra da apensação mantém justificação pela relação de dependência e conexão entre ambos os processos, e é a que melhor se coaduna com a competência exclusiva dos tribunais judiciais para tramitar, nomeadamente, o inventário requerido na sequência de divórcio judicial. Pelo que, tendo em conta o disposto no art. 206º, nº 2, do C.P.C., não podemos retirar do confronto entre o atual art. 1133º do C.P.C. e o correspondente anterior art. 1404º, que o inventário deva ser tramitado de forma autónoma e independente nos tribunais de família e menores ainda que aí tenha corrido termos a ação que lhe deu origem e que com ele é conexa.” – Cfr. Acórdão do TRP de 23/02/2021. 9.º “Em suma, concluímos que cabendo aos juízos de família e menores preparar e julgar ações de separação de pessoas e bens e de divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil (sem prejuízo das competências atribuídas às conservatórias do registo civil em matéria de divórcio ou separação por mútuo consentimento), cabe-lhes ainda tramitar, por apenso, os processos de inventário que deles decorram, nos termos dos arts. 122, nº 2, da LOSJ, e 206, nº 2, do C.P.C.” – Cfr. Acórdão do TRL de 14/07/2020. 10.º Assim, deve o processo inventário para partilha dos bens comuns do casal ser tramitado por apenso ao processo de divórcio, revogando-se o despacho e ordenando a apensação deste inventário à ação de divórcio. 11.º Sendo dado provimento ao presente recurso.
Não houve contra-alegações.
III – Os factos necessários ao conhecimento do recurso emergem do acima relatado.
IV – Importa apreciar no presente recurso se o processo de inventário que se mostre subsequente a uma acção de divórcio deve ser instaurado por apenso a esta, ou se, como se decidiu na 1ª instância, deve ser objecto de distribuição.
O anterior CPC estabelecia, expressamente, no respectivo art 1404º/3, que o inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento corria por apenso a estes processos. E a questão dessa possível apensação volta a colocar-se hoje, depois que a L 117/2019 de 13/9, entrada em vigor em 1/1/2020, tendo revogado o regime jurídico do processo de inventário decorrente da L 23/2013 de 5/3, e voltando a instituir, ainda que em paralelo com o inventário notarial, o inventário judicial a que se reportam os (acrescentados) arts 1082º a 1135º do actual CPC, não contém norma correspondente á daquele nº 3 do art 1404º/3. Na sequência da opinião de Tomé dAlmeida Ramião, que se expressou no sentido de que [1] «perante a ausência de norma expressa em sentido adverso, o processo de inventário instaurado no âmbito do art 1133º do CPC, continua a ser tramitado como processo autónomo e independente, cuja competência está deferida aos Tribunais de Família e Menores, nos termos do referido nº 2 do art 122º da LOSJ», alguns tribunais da 1ª instância têm vindo a entender ordenar à distribuição os processos de inventário que vêm dirigidos aos tribunais que decidiram a acção de divórcio para serem tramitados por apenso a tais acções. Deve salientar-se que, quer para os processos de divórcio, quer para os de inventário, o tribunal materialmente competente é o mesmo - os juízos de família e menores – como resulta da al c) do nº 1 do art 122º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) e do nº 2 dessa norma, onde se preceitua que, «os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos instaurados em consequência da separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos». Importa ainda atender ao art 1083º CPC - como se viu, decorrente da Lei 117/2019 de 13/9 - que estabelece, a propósito da repartição de competências entre os tribunais judiciais e os cartórios notarias que, «O processo de inventário é da competência exclusiva dos tribunais judiciais», entre outras situações, «sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial»- nº 1 al a). Feitas estas considerações, há que lembrar que à margem dos critérios específicos da competência, desde há muito que um outro se deve entender como existente- constituindo afloramento do mesmo o art 73º CPC a respeito da acção de honorários - a que se poderá designar de competência por conexão ou dependência, que permite falar de foro conexional [2] , sem que quanto a esta “competência” se levantem objeccções, a menos que a mesma implique a sobreposição relativamente aos critérios da competência material, o que como já se viu, na situação dos autos não sucede. As razões específicas deste tipo de competência radicam na economia e celeridade processual e, por vezes, na imediação, como sucede na acção de honorários a que se refere o referido art 73º CPC[3], ou na acção de responsabilização civil do administrador de insolvência a que se refere o art 59º do CIRE [4]. Já Anselmo de Castro [5] individualizava a “competência por conexão”, referindo que «as regras anteriormente enunciadas deixam de funcionar sempre que surja a figura de conexão de causas». Com efeito, como afirma (ainda em função das normas do aCPC) é, afinal, é a figura da conexão de causas e, consequentemente, a competência por conexão, que justifica as soluções de «nas acções cumuladas, quer em cumulação subjectiva (arts 31º/1 e 27º), quer em cumulação objectiva (art 470º/1), a competência do tribunal se estender aos diferentes pedidos, contanto que seja competente em relação a um deles». Acrescentando que, «a mesma regra da extensão da competência por conexão, e ainda por razão idêntica (a conveniência do tratamento das diferentes causas em conjunto), verifica-se na reconvenção (art 98º) e no pedido de declaração incidental (art 96º/2)». A lei processual reporta-se ainda ao que designamos por competência por conexão no art 206º CPC, que, ao estabelecer que actos processuais estão sujeitos a distribuição na 1ª instância, refere, no seu nº 2, que «as causas que por lei ou despacho devam considerar-se dependentes de outras são apensadas àquelas de que dependem». São, aliás, várias as manifestações desta dependência por conexão, justamente no direito da família, sendo esse tipo de competência que justifica a instauração por apenso na prestação de contas pelo cabeça de casal (art. 947º), a atribuição da casa de morada de família por dependência da ação de divórcio pendente ou finda (art. 990º/4), a autorização para a prática de actos por dependência de processo de inventário ou de maiores acompanhados (art 1014º/4), a nomeação judicial de titulares de órgãos sociais para efeito de representação da pessoa coletiva em causa pendente (art. 1054º/2) ou ainda os casos previstos nos arts. 881ª/3, 915º, 924º e 959º, como o assinalam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa [6]. Deste modo, não podendo excluir-se que o decidido na acção de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens possa influenciar a partilha subsequente – pense-se na data da fixação da separação, nos termos e para o efeito previsto no nº 2 do art 1789º CC – e realçando-se na já referida al b) do nº 1 do art 1083º CPC, ao estabelecer a competência exclusiva dos tribunais judiciais para o inventário, a utilização do vocábulo «dependência», tem-se como muito pouco discutível, na perspectiva deste Tribunal, que o legislador não tivesse querido para estes inventários que os mesmos corressem por dependência ao processo de divórcio. Nesse sentido pronunciam-se Pedro Pinheiro Torres[7], referindo, concretamente: “(…) Será, porventura, relevante, fazer referência aos tribunais competentes para a instauração do processo de inventário para partilha de bens comuns do casal dissolvido por divórcio, uma vez que a solução quanto ao tribunal competente dependerá do órgão em que tiver ocorrido o processo de divórcio, sendo competente para o inventário subsequente o divórcio decretado judicialmente, o tribunal em que este foi decretado, devendo o processo de inventário correr por apenso àquele, de que é dependente, nos termos do n.º 2 do artigo 206.º do CPC». E também Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa [8], que deixam bem claro: «Agora, que foi restaurada a competência dos tribunais judiciais para a tramitação dos processos de inventário, faz todo o sentido que o processo de inventário subsequente a sentenças declarativas de divórcio ou de separação, ou de anulação do casamento, proferidas no âmbito de processos judiciais seja tramitado nos tribunais judiciais e que, ademais, corra por apenso a tais processos (competência por conexão), nos termos do art. 206º, nº 2»[9].
Do que decorre haver que revogar a decisão recorrida, devendo o inventário em causa ser tramitado por apenso ao processo de divórcio judicial dos interessados. . V – Pelo exposto, acorda este Tribunal em revogar a decisão recorrida, determinando que o processo de inventário prossiga os seus termos por apenso ao processo de divórcio judicial dos interessados.
Sem custas. Coimbra, 12 de Julho de 2022
(…)
[3] - Parece ser dominante na jurisprudência, embora discutível, o entendimento, a propósito da acção de honorários, no sentido da mesma não poder correr por apenso a uma acção principal que corre ou correu termos num tribunal de competência especializada, em virtude de tal colidir com a atribuição de competência em razão da matéria.Como se refere, a título de exemplo, respectivamente, nos acórdãos da Relação de Lisboa de 23/2/2006 [3] e de 8/3/2007 [3], «A acção de honorários só correrá por apenso ao processo onde foram prestados os serviços, quando o tribunal seja materialmente competente, tanto para a acção onde foram prestados os serviços como para a de honorários» 2. Donde se impõe concluir que o Tribunal de Comércio é incompetente, em razão da matéria, para conhecer da acção de honorários»; «A norma do artigo 76.º do Código de Processo civil respeita à competência territorial para a acção de honorários que deve ser intentada no tribunal da causa na qual foi prestado o serviço, devendo aquela correr por apenso a esta; pressupõe-se que o tribunal da causa tem competência, em razão da matéria, para conhecer da acção de honorários pois, se não tiver, esta acção terá de ser proposta autonomamente». O ponto de vista de Carvalho Fernandes/João Labareda a respeito da questão em apreço, é o de que não obstante não «existir nenhuma disposição que, só por si, sustente a conclusão de a acção de responsabilidade constituir um incidente ou um apenso do processo», «há que convir em que a responsabilidade do administrador, resultando da violação funcional de deveres que lhe incumbem, é originada no próprio devir processual e constitui, por isso, uma questão inteiramente conexionada com a insolvência», para concluir que, «neste contexto, cremos que o tribunal do processo será ainda competente para a acção de responsabilidade que, então, deve ser autuada por apenso», pondo em relevo, e em abono do seu entendimento, que «esta solução, é de resto, não só a que melhor se ajusta aos princípios da economia processual, como também a que melhor permite um adequado julgamento». |