Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
879/09.0T2OVR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
NOVO REGIME DOS RECURSOS
PROCESSO PENDENTE
Data do Acordão: 06/21/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE OVAR - COMARCA DO BAIXO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO ART.º 688 CPC
Decisão: INDEFERIDA
Legislação Nacional: ARTS.11 Nº1 DO DL Nº 303/2007 DE 24/8, 275, 685, 700 Nº3, 817 CPC
Sumário: 1. Em processo de oposição à execução, instaurado depois de 1.1.2008, é aplicável o novo regime de recursos resultante do DL nº 303/2007 de 24.8, apesar de o processo da acção declarativa em que foi proferida a sentença dada à execução ter-se iniciado em 2001.

2. Não sendo o requerimento de interposição do recurso acompanhado da alegação do recorrente, tal requerimento deve ser indeferido.

3. Não se encontra justificação bastante para interpretar restritivamente a norma do artigo 11º nº 1 do DL nº 303/2007 de 24.8, segundo a qual as disposições do presente decreto-lei (sobre o novo regime de recursos) não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM EM CONFERÊNCIA O SEGUINTE:

A)- Aos 2011-03-29 foi proferido o seguinte despacho pelo relator:

«Em 6.3.2009 A (…) instaurou a presente oposição à execução 688-B/2001, que lhe havia sido movida aos 3.01.2009 por J (…) com base em sentença.

Após a contestação, foi proferida sentença que julgou improcedente a oposição.

Desta decisão, o oponente interpôs recurso aos 7.10.2010, tendo tal recurso sido admitido nos termos do regime dos recursos do CPC na redacção anterior ao DL nº 38/2003 de 8.3 (cf. fl. 54). E apenas aos 3.01.2011 o recorrente apresentou as alegações do recurso.

Dado que a decisão que admita o recurso não vincula o tribunal superior (nº 5 do art. 685º-C do CPC na versão do DL nº 303/2007 de 24.8), cumpre decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do art. 700º nº 1 al. b) do CPC.

O novo regime de recursos, segundo o qual as alegações devem ser apresentadas com o requerimento de interposição do recurso, foi instaurado pelo DL nº 303/2007 de 24.8.

O artigo 12º, nº 1 do DL nº 303/2007 dispõe que o “presente decreto-lei entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2008” e o nº 1 do artigo 11º do mesmo diploma dispõe que “as disposições do presente decreto-lei não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor”.

O presente processo, de oposição à execução, não pendia à data de 1.1.2008. Só foi instaurado posteriormente, em 6.3.2009, conforme data de apresentação do requerimento inicial que consta a fl. 8. É-lhe portanto aplicável a versão do CPC decorrente do DL nº 303/2007.

Um processo apensado continua a ser um processo. O processo, apesar de apensado, pende desde a data em que ele mesmo é instaurado. A data de instauração é a data de apresentação da petição inicial ou do requerimento inicial respectivo.

O art. 684º-B do CPC, nessa nova versão, preceitua nos nºs 1 e 2:

1 — Os recursos interpõem-se por meio de requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão recorrida (…).

2 — O requerimento referido no nº anterior deve incluir a alegação do recorrente.

E o art. 685º-C do CPC, nessa nova versão, preceitua nos nºs 1 e 2 al. b):

1—Findos os prazos concedidos às partes para interpor recurso, o juiz emite despacho sobre o requerimento, ordenando a respectiva subida, excepto no caso previsto no nº 3.

2 — O requerimento é indeferido quando: …b) Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões.

Consequentemente, dado que o requerimento de interposição do recurso não foi acompanhado da alegação do recorrente, deve ser indeferido.

Argumentou o recorrente, no seu requerimento de interposição do recurso, que a execução se iniciou por apenso à acção sumária 688/01 “iniciada em 2008” (quereria dizer 2001) e citou o Despacho proferido nesta Relação pelo relator Teles Pereira no Pº 280/07.0TBLSA-F.C1.

Esse douto despacho não foi proferido no âmbito deste processo.

Foi proferido sobre reclamação contra despacho (emitido num cautelar instaurado em 10/04/2008) que não admitira o recurso por omissão da inclusão da alegação respectiva no requerimento de interposição.

Tal reclamação foi tramitada nos termos decorrentes do artigo 688º do CPC na redacção introduzida pelo DL 303/2007, de modo que a decisão de reclamação deixou de ser proferida pelo Presidente da Relação, e foi tramitada com base na tutela da “aparência” e por forma a «alcançar uma tramitação unitária e indubitável dos processos», conforme aí consta.

Ora, o presente processo nada tem a ver com os procedimentos cautelares.

E, por outro lado, aqui é juridicamente impossível «alcançar uma tramitação unitária e indubitável dos processos» (processo executivo e processo de oposição à execução ou processo da acção declarativa), dado que o presente processo tem uma tramitação completamente autónoma e diferenciada da do processo executivo, como se vê pelo artigo 817º do CPC, bem como tramitação completamente autónoma e diferenciada da do processo declarativo que, aliás, há muito findou. Nem se vê qual o normativo donde se possa concluir pela tutela da aparência no presente caso.

Donde, a doutrina do douto despacho, além de nos não vincular, não nos aproveita.

Sumariando:

1.Em processo de oposição à execução, instaurado depois de 1.1.2008, é aplicável o novo regime de recursos resultante do DL nº 303/2007 de 24.8, apesar de o processo da acção declarativa em que foi proferida a sentença dada à execução ter-se iniciado em 2001.

2. Não sendo o requerimento de interposição do recurso acompanhado da alegação do recorrente, tal requerimento deve ser indeferido.

Decisão:

Consequentemente, e nos termos dos artigos 684º-B, nº 2, e 685º-C, nº 2 al. b), 685º-C, nº 5, e 700º nº 1 al. b) do CPC (na redacção dada pelo DL nº 303/2007 de 24.8), vai indeferido o requerimento de recurso.

Custas pelo recorrente».

                                                                xxx

B)- É deste despacho que vem a presente reclamação para a conferência, para que, conforme o artigo 700º nº 3 do CPC, sobre a mesma matéria se profira acórdão.

Atendendo à mesma factualidade descrita no relatório do antecedente despacho, cumpre apreciar e decidir.

O recurso não foi admitido pelo relator porque, em suma, entendeu que ao processo de oposição à execução, em virtude de ter sido instaurado depois de 1.1.2008, é aplicável o novo regime de recursos implementado pelo DL nº 303/2007 de 24.8, que foi desrespeitado. Como o requerimento de interposição do recurso não veio acompanhado da alegação, o mesmo foi indeferido.

Tal decisão está em harmonia com idêntica decisão proferida pelo mesmo Relator e respectivos Adjuntos, na reclamação para a conferência na apelação 7201/07.9TBLRA-A.C1, e em despacho pelo mesmo Relator no processo nº 1645/07.3TBGRD-A.C1, em qualquer destes casos também a respeito de recursos interpostos em processos de oposição a execuções.

Não se encontram motivos para alterar esse entendimento.

Pode desenvolver-se, todavia, a justificação da posição que defendemos.

Em primeiro lugar, deve notar-se que as decisões acabadas de referir, proferidas nos processos nº 7201/07.9TBLRA-A.C1 e nº 1645/07.3TBGRD-A.C1, incidiram sobre recursos interpostos em processos de oposição a execuções, as quais haviam sido instauradas antes do início de vigência do DL nº 303/07, enquanto esses processos de oposição foram instaurados depois do início de vigência do DL nº 303/07. A questão respeitava a processos instaurados por apenso a essas execuções.

Mas, no presente caso, tanto a execução como a oposição à execução foram instauradas depois do início de vigência do DL nº 303/07. O que sucede é que o próprio processo executivo foi instaurado por apenso a uma acção declarativa proposta antes do início de vigência do DL nº 303/07. Enquanto para nós este aspecto é irrelevante, já para o agora recorrente serve de ponto de partida para defender que esse aspecto deve determinar a aplicação do antigo regime de recursos, embora não tenha avançado algum argumento jurídico complementar que a esse aspecto confira específica relevância.

Na verdade, o agora recorrente vale-se da doutrina do despacho proferido por outro relator desta Relação e do despacho proferido aos 6.10.2008, fotocopiados nos autos. Sucede que também nesses casos a questão punha-se em relação a recursos interpostos em processos de oposição, iniciados depois do início de vigência do DL nº 303/07, por apenso a execuções instauradas antes do início de vigência do DL nº 303/07, sem que aí se faça referência à data de instauração de acções declarativas a que porventura essas execuções estivessem apensadas.

Ora, não deixamos de manifestar a estranheza, senão o absurdo, da hipótese de perante uma acção declarativa instaurada por exemplo há dez ou quinze anos atrás, vir agora, ou daqui a mais uns anos, ser instaurada uma execução, a que seja deduzida oposição, ainda vir pretender-se aplicar o regime de recursos que vigorava naquela data, há dez ou quinze anos atrás. E o absurdo da consequência leva-nos à rejeição da hipótese.

A pretensão agora manifestada pelo recorrente radica, não no simples facto de a oposição ter sido deduzida por apenso a um processo executivo, mas sim fundamental-mente no facto de esse processo executivo estar por sua vez apensado a um processo declarativo instaurado antes do início de vigência do DL nº 303/07.

Note-se: a oposição não segue por apenso a tal processo declarativo mas sim ao processo executivo. Ao que parece, para o agora recorrente a cadeia sucessiva de apensa-ções será suficiente para que se aplique a este apenso de oposição à execução o antigo regime de recursos. Só que os próprios argumentos dos despachos fotocopiados (em cuja doutrina o recorrente se baseia) acabam por acrescidamente não valer nesta situação, pois que não se pode claramente afirmar, quanto à oposição à execução, que «a mesma acha-se estrutural, instrumental e funcionalmente ligada á acção executiva, a esta correndo por apenso», como consta desse despacho fotocopiado a fls. 75 ss. É evidente que a oposição à execução não tem ligação estrutural, instrumental ou funcional à acção declarativa.

 Em segundo lugar, e com todo o respeito por entendimentos adversos, os argumentos das doutas decisões fotocopiadas não nos convencem, mesmo para os casos em que as oposições às execuções sigam por apenso a execuções instauradas antes do início de vigência do DL nº 303/07, sendo essas oposições deduzidas depois dessa data.

 A fundamentação dessa posição expressa nos despachos fotocopiados é, conforme fls. 75 ss (peça do processo 558/06.0TBVGS-C.C1, despacho de 6.10.2008), a seguinte:

«Como é sabido, a oposição à execução, conquanto se consubstancie numa acção declarativa autónoma, a mesma acha-se estrutural, instrumental e funcionalmente ligada à acção executiva, a esta correndo por apenso. A sua regulamentação encontra-se toda ela inserida e subordinada ao Título do Cód. Proc. Civil que rege sobre a Execução para Pagamento de Quantia Certa, sendo por isso -- e consoante expende Fernando Amâncio Ferreira -- uma acção enxertada na executiva. Em idêntico pendor refere Artur Anselmo de Castro que "a oposição está instituída, na e para a execução...” (realce do texto). Em razão desta conexão funcional, a extinção da instância de uma das acções poderá determinar -- como outrossim salienta aquele primeiro Autor -- a extinção da outra, sendo que a de oposição jamais poderá subsistir actuante sem a executiva.

«Assim sendo, como é, ressalta à evidência a absoluta necessidade e conveniência de assegurar para a tramitação ou processado de ambas as implicadas acções uma uniformidade ou homogeneidade de regime, sob pena de, como a Reclamante bem obtempera, se dar azo a uma marcada "confusão", propiciadora, desde logo, de indesejáveis perplexidades e/ou equívocos, porventura irremediáveis nos seus funestos reflexos. Repare-se que, volvendo à Oposição em apreço, apesar da data da sua entrada em juízo, o respectivo processo não deixa de manter um número referenciado a 2006, mais precisamente 558/06, o da autuação da Execução, cuja produção de efeitos ela visou impedir.

«Ora, foi justamente em vista dessa nuclear homogeneidade que o legislador - como se considera no douto Despacho de 16.06.2008, prolatado pelo Exmº Desembargador esta Relação, Dr. Teles Pereira -, instituiu tal norma ínsita no n° 1, do art. 11°, intencionada a - conforme nesse mesmo Despacho se lê -, "...alcançar uma tramitação unitária e indubitável dos processos, desde o seu começo até ao seu fim, abrangendo a fase dos recursos ordinários, independentemente das respectivas vicissitudes processuais. " E isso - de novo segundo a mesma douta peça -, por motivos não só de segurança jurídica, senão também de tutela de legítimas expectativas indutoras a ponderosos, relevantes, investimentos de confiança.

«E sendo essa a teleologia subjacente a tal disposição normativa, obviamente que essa almejada e inequívoca unidade de processamento só poderá ser alcançada tendo como referente o regime vigorante no início de toda a trama processual em causa, ou seja, o regime sob a égide do qual foi instaurado o processo principal, seja, o da execução. Recorrendo uma vez mais ao douto Despacho a que nos vimos atendo, " ...formando o apenso uma unidade orgânica com uma acção principal anteriormente proposta, em termos que nos permitem a caracterização desta (da acção principal) como processo preponderante e matricial daquele (do apenso), cremos que o objectivo de alcançar uma unidade coerente da tramitação de um processo por referência à globalidade do ordenamento processual em vigor aquando do começo desse mesmo processo, é plenamente alcançada pela consideração do processo principal - rectius, da data de instauração deste - como factor decisivo na determinação do regime de recursos globalmente aplicável".

«Nestes termos, pois, indiferentemente à data da instauração da oposição, é sempre pelo regime adjectivo vigente à data da propositura da correspondente execução que a respectiva tramitação se terá de nortear -- salvo expressa e inequívoca determinação em contrário, inclusive no que tange ao processamento dos correspectivos recursos ordinários» (sublinhados de origem).

Nesse texto, como se vê dos destaques a negrito, vem reconhecido – e seria de justificação extremamente difícil não o reconhecer – que a oposição à execução, a correr por apenso ao processo de execução, tem a natureza de acção declarativa e desenvolve-se em um processo: o processo apensado aos autos de execução ([1]). E também refere a oposição «entrada em juízo» e a «data da instauração da oposição». Como toda e qualquer acção tem como suporte um processo, com um início, uma tramitação e um fim, torna-se então evidente que ali não se nega que a oposição se desenvolve em um processo, o processo de oposição à execução (dantes designada embargos de executado).

Ora, o artigo 11º nº 1 do DL citado refere: «… as disposições do presente decreto-lei não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor».

Quer dizer: sabendo-se que por regra geral a lei processual civil é de aplicação imediata, e portanto o DL (com o novo regime de recursos) se aplicaria, a partir do seu início de vigência (1.1.2008), a todos os processos que pendessem nessa data, o legislador entendeu efectuar uma ressalva. O novo regime não se aplicaria aos processos então pendentes, o mesmo vale por dizer que o novo regime apenas se aplicaria aos processos instaurados a partir de 1.1.2008, atendendo decerto à preocupação de evitar a aplicação de vários regimes de recursos no mesmo processo, com toda a perturbação e confusão que, se assim não fosse, poderia ocorrer. 

Como todos os juristas e práticos do direito saberão identificar o que é um processo, então, numa interpretação declarativa simples dessa norma, que não faz distinção ou restrição entre processos pendentes, estava indicado que o processo de oposição à execução, instaurado depois de 01.01.2008, não se considerasse como pendente nessa data para o efeito da ressalva de aplicação dessa norma e, portanto, da ressalva de submissão ao regime de recursos inovado pelo DL nº 303/2007.

Tal significa, ao fim e ao cabo, que os doutos despachos cuja doutrina o recorrente perfilha fizeram uma interpretação restritiva do referido preceito do artigo 11º nº 1, embora não a tenham designado como tal. Onde a lei diz que as disposições do presente decreto-lei não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, o julgador entendeu que a norma se devia restringir apenas a alguns desses processos pendentes.

Na interpretação restritiva, o intérprete limita a norma aparente, por entender que o texto vai além do sentido devido: o legislador maius dixit quam voluit ([2]). Evidentemente, a restrição interpretativa tem de ser justificada em texto, por quem a efectua ou por quem a defende. O recorrente não tem justificação própria para a restrição, antes remete para os despachos que invocou.

A justificação da interpretação restritiva nos despachos invocados não é clara. Não se percebe se tais despachos operaram a interpretação restritiva porque a oposição está apensada a uma execução ou porque a oposição está funcionalmente conexa com a execução ou porque a oposição está estrutural, instrumental e funcionalmente ligada à acção executiva ou porque a restrição é necessária por «motivos não só de segurança jurídica, senão também de tutela de legítimas expectativas indutoras a ponderosos, relevantes, investimentos de confiança» ou por todas essas razões conjuntamente.

Quanto à apensação a outro processo:

O legislador não erigiu a apensação como critério de aplicação ou não da norma. Nem vemos que ela facilite a operacionalidade da norma, que, na nossa perspectiva, visa afastar a norma geral segundo a qual a lei processual civil é de aplicação imediata, com base na preocupação de evitar a aplicação de vários regimes de recursos no mesmo processo, com toda a perturbação e confusão que, se assim não fosse, poderia ocorrer.

A seguir-se a posição dos doutos despachos invocados, entraríamos num labirinto de hipóteses de apensação em que a certeza ou a segurança jurídica (também ali invocada) é que sairia prejudicada.

A não haver razão para se restringir aquela solução aos apensos à execução (e tal razão não vem exposta claramente), pôr-se-ia a questão de saber se a mesma solução seria de aplicar às acções apensadas (art. 275º do CPC) ou apenas às acções incidentais de outras acções, em que haja apensação de processos. Mas ainda aqui há quem avente que, a seguir-se tal tese, se deveria distinguir os casos em que o processo principal já está findo quando o processo apensado é instaurado (v.g. divórcio e inventário subsequente) e os casos em que o processo principal está pendente (v.g. inventário e prestação de contas).

A incerteza ou insegurança jurídica são evidentes. Mas essa incerteza deriva da interpretação restritiva, não da interpretação declarativa simples do dito artigo 11º nº 1.

Quanto à ligação estrutural, instrumental e funcional da oposição à execução:

Estruturalmente, a acção de oposição à execução é autónoma, pois que se inicia com a entrada da respectiva petição inicial, tem tramitação própria e autónoma (cf. art. 817º CPC) e termina com a prolação de sentença (prolação que inexiste na execução) ([3]). Além disso, tem tributação autónoma.

A ligação instrumental da oposição à execução é evidente, pois que se trata de acção incidental: é um instrumento ou meio processual tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo. Isso não contende com o facto de se tratar de acção, com processo próprio. E o dito artigo 11º/1 refere-se a processos.

A funcionalidade é evidente, pois que em certos casos o recebimento da oposição pode conduzir à suspensão da execução e a procedência da oposição conduz à extinção da execução. Tal justifica a normação do artigo 817º e segs no Título dedicado ao processo de execução. Mas nada adianta de útil à referida instrumentalidade.

Mas a funcionalidade, que existirá quando haja apensação mas pode existir mesmo sem apensação, é tópico justificativo duvidoso. É que a funcionalidade processual, se servisse de justificação para a restrição interpretativa do dito artigo 11º/1, não teria de cingir-se ao âmbito das execuções e respectivas oposições. Pôr-se-ia a questão também, por exemplo, em relação a: cautelares e respectivas acções definitivas; embargos de terceiro opostos a cautelares ou a execuções (etc); acção (porventura autónoma) de redução de liberalidades inoficiosas e inventário; acção de reivindicação, visando partilha adicional a solicitar em inventário que já findou; acções apensadas nos termos do artigo 275º do CPC (o que implica apensação dos processos); reclamações de créditos a seguir por apenso a execução ou insolvência; acção prejudicial na pendência de outra acção entretanto suspensa; execução eventualmente apensada ao processo da acção de condenação. E nesses casos sempre se questionaria se relevaria ou não haver apensação entre os vários processos e se relevaria ou não a circunstância de o processo principal, ou o processo auxiliar, já ter findado ou pender. A incerteza ou insegurança jurídica seriam então evidentes, ao contrário do que sucede com a aplicação do preceito numa interpretação declarativa simples.

Donde se conclui que a restrição operada não se justifica por «motivos de segurança jurídica». Restringir a norma do dito artigo 11º/1 apenas a alguns dos processos pendentes é que constitui verdadeiramente motivo de incerteza e insegurança jurídica.

Ou seja: a propugnada interpretação restritiva traz mais problemas do que aqueles que resolve e não encontra, no nosso ponto de vista, justificação.

Quanto à “tutela de legítimas expectativas indutoras a ponderosos, relevantes, investimentos de confiança”:

A legítima expectativa das partes, quanto ao regime de recursos aplicável ao processo, está protegida pela simples circunstância de a lei não ser retroactiva e, para mais, tratando-se de regime apenas aplicável a processos instaurados a partir do início de vigência do diploma.

Consequentemente, a segurança jurídica e a tutela da legítima expectativa das partes não serve de argumento para restringir a interpretação do dito artigo 11º/1.

O legislador não disse mais do que queria, mas precisamente aquilo que queria.

O argumento do número do processo:

No despacho invocado (a fls. 75 ss), utiliza-se o argumento de que a oposição tem o mesmo número do processo executivo. Porém, trata-se de argumento meramente formal, a nosso ver irrelevante. O que se diz dos nºs, dir-se-ia dos nomes: duas serras, uma instrumento e outra acidente orográfico, não são a mesma coisa apesar de o nome ser o mesmo e apesar de se poder serrar na serra; duas pessoas não passam a ser a mesma pessoa por terem o mesmo nome. Note-se, todavia, que no caso do despacho fotocopiado a fls. 75 o apenso diferencia-se do processo principal por ao nº daquele acrescer a letra C. No nosso caso os processos têm nºs diferentes.

C)- Conclui-se, sintetizando:

1.Em processo de oposição à execução, instaurado depois de 1.1.2008, é aplicável o novo regime de recursos resultante do DL nº 303/2007 de 24.8, apesar de o processo da acção declarativa em que foi proferida a sentença dada à execução ter-se iniciado em 2001.

2. Não sendo o requerimento de interposição do recurso acompanhado da alegação do recorrente, tal requerimento deve ser indeferido.

3. Não se encontra justificação bastante para interpretar restritivamente a norma do artigo 11º nº 1 do DL nº 303/2007 de 24.8, segundo a qual as disposições do presente decreto-lei (sobre o novo regime de recursos) não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, dado que nada nos leva a concluir que o legislador disse mais do que queria.

Decisão:

Pelo exposto, acordam, em conferência, em confirmar a reclamada decisão do relator, indeferido o requerimento de recurso.

Custas pelo reclamante.

Coimbra, 2011-06-21

Virgílio Mateus ( Relator )

Carvalho Martins

Carlos Moreira


[1] No sentido de que tem a natureza de acção declarativa, vide Anselmo de Castro, Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 8, 47 e 306. No mesmo sentido, claramente José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5ª ed, p.189 a 203, onde refere a oposição à execução como uma “contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo” e “uma verdadeira acção declarativa”.
[2] Cf. Prof. Dr. Castro Mendes, Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1994, p. 233.

[3] Como consta do acórdão do STJ de 09.02.2006 (relator Conselheiro Salvador da Costa, processo 06B152, www.dgsi.pt), “a fase declarativa da oposição à execução, estruturalmente extrínseca à acção executiva, configura-se, como contra-execução, destinada à declaração da sua extinção, sob o fundamento de inexistência da obrigação exequenda ou do título executivo ou da ineficácia deste último”.