Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
830/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO DE ANDRADE
Descritores: CRIME RODOVIÁRIO
PENA CURTA/ MÉDIA DE PRISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 05/18/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA - 3º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 40º, 50º E 71º, DO CÓDIGO PENAL
Sumário: I – Conquanto a culpa constitua limite inultrapassável da medida da pena, a prevenção geral assume, na sua determinação, o primeiro lugar como finalidade da mesma.
II – A suspensão da execução da pena de prisão depende de juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do condenado.

III – Em princípio, não deve ser suspensa na sua execução a pena de 7 meses de prisão cominada a arguido por condução em estado de embriaguez, como elevada taxa de alcoolemia, já condenado por duas vezes pelo mesmo facto, pois tal equivaleria a aceitar que qualquer indivíduo poderia conduzir sob o efeito do álcool após haver sido condenado por duas vezes pelo crime de condução em estado de embriaguez, sabendo que à terceira o mais que arriscaria era uma pena com execução suspensa.

IV – Aliás, em matéria de tráfico rodoviário, atentas as prementes necessidades de prevenção, vem sendo entendido como mais adequado o recurso às penas curtas de prisão – short sharp shock.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, EM AUDIÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1. Em processo sumário, foi o arguido A..., melhor identificado nos autos, condenado:
- pela prática de um crime de condução em estado de embriaguês agravado, p. e p pelo art. 292º n.º1 e 294º do C. Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de 1 (um) ano.
2. Inconformado com tal decisão, dela recorre o arguido, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
A sentença recorrida apresenta erro notório na apreciação da prova, de acordo com o prescrito no art. 410º, n.º2, al. c) do C. P. P..
Com efeito deveria ter sido dado como provado que a taxa de alcoolemia foi provocada por ingestão de medicamentos, sendo verdade que certo tipo de fármacos (designadamente para tratamentos psiquiátricos) parecem poder provocar um aumento desta taxa.
Devia ter-se dado como provado que o arguido agiu livre, mas não conscientemente (devido à ingestão de medicamentos).
Devia ter-se dado como provado a existência de muitas dúvidas sobre se a taxa de alcoolemia verificada foi ou não provocada por quaisquer medicamentos ingeridos pelo arguido.
Tais conclusões do acervo fáctico impõem a total absolvição do arguido, uma vez que este agiu sem dolo e sem culpa
Mesmo que assim não se entendesse devia concluir-se por determinação da medida da pena inferior à que foi determinada, nomeadamente pelo mínimo do enquadramento legal.
Deveria ter-se dado como provado que a simples censura do facto e ameaça da prisão são suficientes à prevenção e ocorrência de novos crimes praticados pelo arguido.
Verificando-se as circunstâncias do art. 50º do C. Penal deveria concluir-se pela suspensão da execução da pena de prisão a aplicar ao arguido.
Deveria ter-se dado como provado que o arguido é motorista profissional.
E que a sua faculdade de conduzir é fundamental para a sua sobrevivência.
Tais conclusões impõem que, a ser aplicada a sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir, a mesma, não deve ultrapassar o mínimo de 3 meses.
A matéria fáctica dada como provada impõe a total absolvição do arguido ou e, se assim não se entender, a redução da pena de prisão para o mínimo legal, com suspensão da sua execução e a redução da sanção acessória de conduzir para o mínimo legal.
3. Respondeu o digno magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido concluindo no sentido de que deve ser concedido parcial provimento ao recurso, suspendendo-se a execução da pena de prisão aplicada ao arguido por período não inferior a 4 anos, devendo manter-se, em tudo o mais, a decisão recorrida.
No mesmo sentido se pronuncia o Ex.mo P.G.A. no seu douto parecer.
Corridos os vistos e realizada a audiência, não se verificando obstáculos à apreciação de mérito, cumpre decidir.
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4. São as questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões que o tribunal de recurso tem que apreciar, sendo o âmbito do recurso definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação – Cfr. Germano Marques as Silva, Curso de processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), bem como Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., p. 74 e decisões ali referenciadas.
Assim, em função das conclusões, as questões a decidir são três: relativamente à decisão da matéria de facto a existência de erro notório na apreciação da prova. Em matéria de direito determinar se existe fundamento para reduzir a pena principal e a pena acessória ao mínimo das respectivas molduras e, em relação à pena principal, definir se mesma deve ser suspensa na respectiva execução.
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5. Para cuja decisão importa ter presente a decisão da matéria de facto. Que é a seguinte:
A - Matéria de Facto Provada
1. No dia 15 de Outubro de 2004, às 10.00h., o arguido conduzia o veículo pesado de rnercadorias, articulado, de matrícula XL-74-77/L-136688 ao serviço de Transportes Centrais Castelo de Paiva, Lda., na A1, ao km. 129,71, no sentido norte-sul, sendo portador de urna taxa de alcoolemia no sangue de 2,07 gr./l.
2. O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que tinha ingerido bebidas alcoólicas, e que incorria em responsabilidade criminal.
3. O arguido foi condenado anteriormente: por crime de ofensa á integridade física praticado em 06.03.1998 por sentença datada de 13-12-1999; por crime de injúria à autoridade e condução em estado de embriaguez praticado a 25-10-1999 tendo sido condenado na pena única de 139 dias de multa e inibição por 45 dias por sentença de 26-10-1999; por crime de furto tentado praticado a 27-01-2001 na pena de 80 dias de multa por sentença transitada em 21-05-2003, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez praticado a 27-02-2003 na pena de 90 dias de multa por sentença transitada a 25-03-2003.
4. O arguido é motorista, trabalhando para a firma Transportes Centrais Castelo de Paiva, L.da, auferindo mensalmente a quantia de €495,00.
B - Motivação da Matéria de Facto Provada
O Tribunal formou a sua convicção relativamente à questão da culpabilidade nas declarações do arguido, o qual assinalou que tinha bebido bebidas alcoólicas. No entanto, veio referir que se encontrava a fazer tratamento ao estômago, e que a taxa deveria ter sido impulsionada pelos medicamentos. Ora, neste âmbito, importa dizer que a taxo de álcool reflecte o que o arguido bebeu, e não sendo acrescentada com os medicamentos, sendo indiferente se estes têm ou não têm reflexos ao nível da consciência do arguido, pelo que neste segmento não dei credibilidade à declaração do arguido, por outro lado atentei ao depoimento do agente autuante, isento atenta a sua postura em audiência, e que foi claro: o arguido foi interceptado na A1 a conduzir, dele saía um cheiro a álcool, de imediato procederam à pesquisa, assinalando o resultado obtido pelo doc. de fls. 3, o qual atentei. No que diz respeito à questão da determinação da sanção, atentei ao certificado de registo criminal de fis. 32 a 35 e emitido a 29-10-2904 e declarações do arguido relativamente à sua vivência pessoal, as quais pela forma espontânea com que furam prestadas, me convenceram.
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6. 1. O erro notório na apreciação da prova, constitui uma das três situações enunciadas no art. 410º, n.º2 do CPP como fundamento do recurso.
Tais situações constituem fundamento do recurso “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito” – texto do corpo do referido n.º2 do art.410º. Sendo aliás de conhecimento oficioso do tribunal - acórdão do STJ para fixação de jurisprudência de 19.10.1995 publicado no DR, I-A Série de 28.12.95.
No entanto, a modificação ou censura da decisão da matéria de facto com este fundamento tem o seu âmbito delimitado desde logo pelo texto do mesmo preceito - “desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência”
Trata-se de “um vício de raciocínio na apreciação das provas evidenciado pela simples leitura da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio” Ac. STJ de 03.06.1998, processo n.º 272/98, citado por SIMAS SANTOS / LEAL HENRIQUES, in Recursos em Processo Penal, Ed. Rei dos Livros, 5ª ed., p. 68.
“O conceito de erro notório na apreciação das provas tem que ser interpretado como o tem sido o conceito de facto notório em processo civil, ou seja, de que todos se apercebem directamente, ou que, observados pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório” – Ac. STJ de 06.04.1994, na CJ/STJ, t.2/1994, p. 186.
Existe “Quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica do homem médio, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena não arguidos de falsos” – cfr. Ac. STJ 10-03.99, SASTJ n.º 29, p. 73.
Ou quando se dão como provados factos “que face às regras da experiência comum e à lógica corrente não se podiam ter verificado” - Ac. STJ 02.06.99, proc. 354/99, citado por Maia Gonçalves, em anotação ao art. 41º do seu C.P. Anotado, 13ª ed..
Vício que apenas pode verificar-se relativamente à decisão da matéria de facto ou aos factos tidos como provados ou não provados e não às interpretações ou conclusões de direito com base nesses factos, tal como resulta da letra da lei e da respectivo ratio – vício relativo à apreciação da prova.
No caso em apreço, na perspectiva do recurso, o erro notório radica em que deveria ter sido dado como provado que a taxa de alcoolemia revelada foi provocada por ingestão de medicamentos.
Fundamentando tal pretensão com a afirmação de que “certo tipo de fármacos (designadamente para tratamentos psiquiátricos) parecem poder provocar um aumento desta taxa … devia ter-se dado como provado a existência de muitas dúvidas sobre se a taxa de alcoolemia verificada foi ou não provocada por quaisquer medicamentos ingeridos pelo arguido”.
Daqui resulta que, na própria alegação do recurso, não se trata de erro que resulte do texto da decisão ou as regras da experiência. Muito menos que seja notório, evidente ou que salte à vista do enunciado da decisão. A existir radica antes e apenas na desconformidade da decisão com o depoimento do arguido e recorrente – porque a “única” prova que invoca para que o tribunal devesse dar como provada a sua versão dos factos é o seu próprio depoimento.
Ora os sujeitos processuais prescindiram do registo ou documentação da prova (cfr. declaração em acta, a fls. 15). O que, sem prejuízo do disposto no artigo 428º, n.º2 do CPP vale como renúncia ao recurso em matéria de facto.
E como se observou os vícios do art. 410º têm que resultar do texto da decisão, e não, portanto, de qualquer reapreciação do depoimento do arguido que não resulte da decisão.
A decisão observa a este respeito, na respectiva fundamentação: “O Tribunal formou a sua convicção relativamente à questão da culpabilidade nas declarações do arguido, o qual assinalou que tinha bebido bebidas alcoólicas. No entanto, veio referir que se encontrava a fazer tratamento ao estômago, e que a taxa deveria ter sido impulsionada pelos medicamentos. Ora… importa dizer que a taxa de álcool reflecte o que o arguido bebeu, e não sendo acrescentada com os medicamentos, sendo indiferente se estes têm ou não têm reflexos ao nível da consciência do arguido… por outro lado atentei ao depoimento do agente autuante, isento atenta a sua postura em audiência, e que foi claro: o arguido foi interceptado na A1 a conduzir, dele saía um cheiro a álcool, de imediato procederam à pesquisa, assinalando o resultado obtido pelo doc. de fls. 3”.
Verifica-se assim que a decisão assenta na prova pericial – resultado da recolha se sangue e análise efectuada com o equipamento técnico apropriado. Ainda nas declarações do arguido na parte em que confirmam o referido meio de prova e constatação da taxa de álcool evidenciada. Não atribuindo credibilidade ao depoimento do arguido na parte em alegou que a taxa de álcool “devia ter sido impulsionada por medicamentos”.
Assentando ainda no depoimento do agente da autoridade que procedeu ao teste.
Fundamentação esta perfeitamente lógica e racional que se encontra em conformidade com os critérios de apreciação da prova e de elementares regras de prudência e senso comum. E que a fundamentação do recurso não põe em crise, salvo na forma primária da sua afirmada não concordância.
Sendo certo que, como bem observa a decisão recorrida, uma coisa á o álcool evidenciado no sangue, provocado pelas bebidas alcoólicas ingeridas, outra diferente o estado de alteração da consciência eventualmente provocada pela ingestão de medicamentos. Que seguramente se não transformam em álcool.
Podendo acrescentar-se que nem o arguido identificou sequer os supostos medicamentos tomados, nem juntou qualquer outro meio de prova que pudesse corroborar o seu depoimento.
Aliás em conformidade com a afirmação no condicional: “devia... parecem…”.
Além do mais o recorrente não arrolou qualquer prova nesse sentido, sendo certo que tratando-se de questão técnica – medicamentos que se convertem ou potenciam o efeito do álcool – se impunha o confronto de alguém com conhecimento técnico sobre o assunto ou a produção de prova pericial.
Mesmo que tivesse ingerido medicamentos – o que nenhuma prova confirma - sabendo que lhe causavam perturbações potenciadas pelo álcool, mais uma razão para se abster de ingerir bebidas alcoólicas, evitando assim colocar a sua segurança e a dos restantes utentes da via pública em perigo.
Não tem assim o menor fundamento a pretensão do recorrente na parte relativa à matéria de facto.
Refere o arguido que devia ter sido dado como provado que é motorista de profissão, como consta do auto de detenção.
Mas trata-se de matéria dada como provada – resulta do facto n.º4: O arguido é motorista, trabalhando para a firma Transportes Centrais Castelo de Paiva, L. da.
Sendo certo que, exercendo a condução profissionalmente, maior dever de cuidado se lhe exigia.

6.2. No que concerne à pena principal, o recorrente questiona apenas a medida da pena de prisão e a suspensão da sua execução. Estando fora de questão a aplicação da pena de multa, no pressuposto de que não satisfaz, no caso, as finalidades da pena, tendo em atenção os antecedentes criminais do arguido, nomeadamente os relativos a este mesmo crime.
O crime pelo qual o arguido foi condenado é punido, em abstracto, com pena de prisão até 18 meses (crime agravado com a moldura do art. 292º agravada de 1/3 nos limites máximo e mínimo, nos termos do art. 294º, n.º1 do C. Penal).
Dentro de tais limites foi fixada em 7 meses, abaixo do meio da respectiva moldura.
Dispõe, em norma introduzida pela Reforma operada pelo DL 48/95 de 15.03, o art. 40º do C. Penal: 1. A aplicação das penas... visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 2 Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Como escreve o mesmo Professor (in As Consequência Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, p. 62 e 72) “... só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal a conferir fundamentos e sentido às reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas de prevenção positiva ou de integração, isto é de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face á violação da norma ocorrida”. ... “O reclamado efeito positivo da intervenção estadual sobre a evolução as personalidade do delinquente (efeito ressocializador) não pode ser demonstrado – e foi antes rotundamente negado (...) radicando-se a ideia de que aquele efeito é praticamente impossível de alcançar, pelo menos no meio fechado”.
Dentro dos limites permitidos pela prevenção geral positiva, actuam os pontos de vista da prevenção especial de socialização que vão determinar, em ultimo termo, a medida da pena.
O art. 71º, nº1 - denotando não ter sido adaptado à nova “hierarquia” dos fins das penas estabelecidos pela nova redacção do art. 40º - estabelece o critério geral de que “a medida da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigência de prevenção”.
Critério que é precisado no nº2: na determinação da pena há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.
Circunstâncias definidas nas várias alíneas do citado nº2, que se reconduzem a três grupos ou núcleos fundamentais: factores relativos à execução do facto {alíneas a), b) e c)}; factores relativos à personalidade do agente {alíneas d) e f)}; e factores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto {alínea e)}.
Ora no caso o grau de ilicitude é elevado, uma vez que o arguido conduzia com uma taxa de álcool superior a 2gr./l.. Portanto mais de 0,80 gr./l. acima do limite punido já dentro desta moldura. Fazendo-o numa auto-estrada, a centenas de quilómetros da sua área de residência ou da sede da sua actividade profissional.
Repare-se aliás no motivo da intercepção do arguido constante do auto de notícia: após denúncia, por vários condutores, de que conduzia de forma visivelmente desajustada.
Sendo certo que, numa taxa de álcool no sangue acima de 2gr./l., pode afirmar-se a realidade da embriaguês, sem a presença de qualquer outro dado clínico – cfr. J.ª Gisbert Calabuig, Medicina Legal e Toxicologia, Salvat Editores, S. A., 4ª ed. Barcelona, 1991.
E com apenas 1,20 g/l o risco de acidente aumenta 16 vezes – de acordo com estudo disponível no Portal da DGV na Internet, em htt://www.agroportal.pt.
Em face do elevado grau de incumprimento dos deveres inerentes ao exercício da condução (com efeito nefasto de todos conhecidos nos índices de sinistralidade rodoviária, que em Portugal desde a Revolução de 74 já matou mais pessoas do que a chamada Guerra Colonial) dada a sua especial eficácia curativa e intimidatória sobre pessoas socialmente estabelecidas, de há muito que vem sendo advogada a necessidade premente, em matéria de tráfego rodoviário, como tratamento preventivo mais adequado, o recurso às penas curtas de prisão – short sharp shoc – cfr. Costa Andrade, Jornadas de Direito Penal, Ed. CEJ 1983, p. 212.
No que toca ao grau de culpa, também o mesmo é elevado, até porque como o próprio alega e resulta da matéria provada é condutor profissional e a condução de um veículo automóvel pesado, articulado, exige especial destreza por parte do condutor.
Acresce que o arguido foi condenado, já por duas vezes, a pena de multa, por crimes da mesma natureza do agora julgado. Demonstrando esta condenação que as penas já aplicadas pelo mesmo tipo de crime, em 1999 e em 2003 não satisfizeram as finalidades de prevenção especial, tanto que não impediu que o arguido tenha voltado a praticar, pela terceira vez, o mesmo crime, na forma agravada.
Sendo certo ainda que o arguido revela ainda uma personalidade desconforme com as exigências da vida em comunidade, tendo sofrido condenações anteriores por outros tipos de crime - de injúria, ofensa à integridade física e furto tentado.
Pelo que situando-se a pena aplicada abaixo do meio da respectiva moldura, não merece censura.

6.3. Relativamente à medida da pena acessória, também a decisão recorrida fundamenta desenvolvidamente a aplicação em concreto. Sem que mais uma vez o recorrente rebata os respectivos fundamentos dentro do quadro legal aplicável.
A pena acessória de proibição de conduzir aplicável tem como limite mínimo 3 meses e máximo 3 anos (art. 69º do mesmo Diploma). Tendo sido fixada, no caso, em 12 meses.
A aplicação da pena acessória pressupõe sempre a aplicação de uma pena principal, sendo a determinação da respectiva medida concreta de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação daquela, enunciados no art. 71º do C. Penal – cfr. Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, Universidade Católica, p. 28 e Maia Gonçalves, C. Penal Anotado, 15ª ed., p. 237.
Não estabelecendo critérios distintos para a determinação da pena acessória, a determinação desta deve operar-se mediante recurso aos critérios gerais constantes do art. 71º do CP, com a ressalva de que a finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita, na medida em que a sanção acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral – cfr. entre outros Ac. RC de 07.11.1996, na CJ/1996, t. 5, p. 47; Ac. RC de 18.12.1996, na CJ/1996, t. 5, p. 62; e Ac. RC de 17.01.2001, CJ/2001, t. 1, p. 51.
Na definição do “quantum” concreto deve assim ser atribuído o lugar de primazia à prevenção especial de prevenção da perigosidade do agente revelada no facto. Devendo também assegurar o efeito de prevenção geral de intimidação, esta funcionará porém num patamar inferior, como limite suficiente para alcançar tal finalidade e servir de emenda cívica ao arguido.
Ora, no caso, em função da perigosidade do agente revelada no facto [motorista de profissão, a conduzir um veículo pesado de mercadorias articulado, na Auto-estrada (A1), com uma taxa de álcool no sangue superior a 2 gramas/l.], face ainda às duas condenações anteriores pelo mesmo crime, uma delas pouco mais de um ano antes da prática deste crime, tendo a pena acessória sido fixada também abaixo do meio termo da respectiva moldura, não merece censura.

6.4. No que toca á suspensão da execução da pena principal, postula o art. 50º do C. Penal que o tribunal suspende a execução da pena de prisão não superior a 3 anos de prisão se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Assim, para além do pressuposto formal (pena inferior a 3 anos de prisão), a lei exige um pressuposto de ordem material, ou seja a verificação, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do caso, de um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido no futuro.
Tal juízo não deve assentar necessariamente numa «certeza», bastando uma «expectativa» fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e, consequentemente, a ressocialização em liberdade do arguido – cfr. Ac. STJ de 08.07.1998, CJ/STJ, tomo II/98, p. 237.
Expectativa/prognose que se há-de construir, no entanto, a partir dos factos provados nos autos, no âmbito dos pressupostos enunciados pelo art. 50º.
Ora no caso nem o recorrente fundamenta em concreto com base em que matéria de facto possa ser formulado o referido juízo de prognose favorável.
Por outro lado o pressuposto da protecção dos bens jurídicos violados, que o art. 40º, n.º1 do C. Penal, após a Reforma de 95, pôs em destaque como primeira finalidade das penas, não ficaria acautelado, no caso (sabido que o arguido já cometeu, por duas vezes, o mesmo tipo de ilícito) não acautelando a confiança da comunidade na tutela da norma.
Com efeito a suspensão equivalia a aceitar que qualquer indivíduo (por maioria de razão dado que no caso se trata de um condutor profissional e conduzia um veículo pesado, articulado, que exige maior rigor na condução), pode conduzir sob o efeito do álcool, com uma taxa superior a 2 gr/l., numa auto-estrada, sabendo que ainda à terceira e apesar do elevado grau de ilicitude, o mais que arrisca é uma pena suspensa, tida muitas vezes, ainda que indevidamente, como absolvição, uma vez que mantendo-se o agente sossegado, durante a suspensão, nada lhe acontece.
Para mais sem que alguma circunstância especial aponte em sentido contrário.
Muito menos pode concluir-se, da matéria provada, que as necessidades de prevenção especial ficariam satisfeitas com a referida suspensão – face às anteriores condenações, que revelam que as sucessivas penas não conseguiram o efeito desejado de prevenir a prática de novos crimes pelo arguido.
Que a ausência de assunção da responsabilidade, de arrependimento, de postura crítica em relação à sua conduta, de vontade sequer manifestada no sentido de se corrigir, arredam de forma ainda mais categórica.
Pelo que também neste aspecto o recurso carece de fundamento.
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7. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso. ----
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC.