Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
698/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERREIRA DE BARROS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
REVERSÃO
ADJUDICAÇÃO
Data do Acordão: 04/12/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA LOUSÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 77º, N.º1 DO CE (DL N.º 168/99, DE 18.09)
Sumário: A inobservância do prazo de 90 dias, previsto no n.º1 do art. 77º do Código das Expropriações (DL n.º 168/99, de 18.09), para dedução do pedido de adjudicação do bem expropriado, cuja reversão fora autorizada, não implica a extinção do direito de pedir a adjudicação.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I)- RELATÓRIO

No dia 22.07.2004, A... e sua irmã B... deduziram, no processo de expropriação n.º 175/91 arquivado no Tribunal da Lousã, pedido de adjudicação da parcela n.º 52 que fora expropriada e adjudicada à extinta JAE.

Como fundamento do pedido alegaram o seguinte:
-São os únicos interessados na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito dos pais C... e D...;
-A parcela cuja adjudicação se requer, consiste em terrenos expropriados para construção da EN 242- beneficiação entre Condeixa e Lousã, incluindo as Variantes entre Miranda do Corvo e Lousã;
-No processo de expropriação acima referido intervieram como expropriados os seus pais;
-Através do ofício n.º 01230, de 23.12.2003, o I.E.P. comunicou ao Requerente A... que a reversão da parcela expropriada havia sido autorizada pelo Senhor Secretário de Estado das Obras Públicas;
-Dado que os Requerentes não dispunham de todos os documentos necessários à instrução do pedido de adjudicação, nomeadamente a cópia da sentença que arbitrou a indemnização, foi solicitada a sua remessa ao I.E.P.;
-E o I.E.P. enviou cópia da sentença por ofício datado de 26.04.2004;
-Pelo que só nessa data a comunicação da autorização da reversão da parcela expropriada deverá ser considerada perfeita e plenamente eficaz.

Por extemporâneo, foi o pedido de adjudicação liminarmente indeferido, como se vê do despacho exarado a fls. 54.

Inconformados com tal decisão, agravaram os Requerentes, insistindo na tempestividade do pedido, e extraindo da sua alegação as seguintes conclusões:
1ª- O n.º1 do art. 2º do DL n.º 227/2002, de 30.10 relativo à natureza e regime do IEP, estipula que este é “um instituto público, dotado de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e património próprio, sujeito à tutela e superintendência do Ministro das Obras Públicas Transportes e Habitação”;
2ª-Detém, para o exercício das suas atribuições, “poderes, prerrogativas e obrigações conferidas ao Estado pelas disposições legais e regulamentares aplicáveis”, nomeadamente quanto “a processos de expropriação, nos termos previstos no respectivo Código”, como dita a alínea a) do n.º3 do art. 6º do referido diploma;
3ª- Nos termos do n.º1 do art. 1º dos seus Estatutos, publicados em anexo ao DL supracitado, se dispõe no n.-º1 do art. 1º que o IEP “é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio”;
4ª-Dúvidas não restam pois da natureza pública do IEP, que como tal se encontra sujeito, na sua actuação, à disciplina administrativa, nomeadamente aos ditames vertidos no título IX da CRP, na LPTA e no Código de Procedimento Administrativo;
5ª-Por imposição do n.º1 do art. 76º do CE “a decisão sobre o pedido de reversão é notificada ao requerente, à entidade expropriante e aos interessados cujo endereço seja conhecido”;
6ª-Não tendo havido requerente na situação em apreço, uma vez que a iniciativa da acção reversiva partiu do IEP, mais premente se torna a obrigação de notificação do acto que autoriza a reversão aos interessados, àqueles que por ele podem vir a ser afectados, no estrito respeito pelo n.º 3º do art. 268º da CRP e pelo art. 66º do CPA;
7ª-Pelo ofício n.º 001230, datado do dia 23.12.2003, o IEP limitou-se a informar o Recorrente A... de que sua Excelência o Secretário de Estado das Obras Públicas havia autorizado a reversão da parcela n.º 52, expropriada no âmbito da construção de uma via pertencente à Rede Rodoviária Nacional, a Variante entre Miranda do Corvo e Lousã à EN- 342;
8ª-O IEP negligenciou manifestamente a sua obrigação de notificação, na medida em que as alíneas a) e b) do art. 68º do CPA obrigam a que a notificação contenha “o texto integral do acto administrativo” e “a identificação do procedimento administrativo, incluindo a indicação do autor do acto e a data deste”;
9ª-Para além disso, a generalidade da doutrina sempre se tem pronunciado no sentido de que toda a fundamentação do acto deve fazer parte do conteúdo da notificação;
10ª-Acresce que o IEP, aquando da notificação do acto, não forneceu ao Recorrente A... alguns documentos necessários à instrução do pedido de adjudicação exigidos pelo art. 77º do CE, nomeadamente cópia da sentença judicial que arbitrou o valor da indemnização;
11ª-Pelo exposto, é manifesto que a notificação operada pelo ofício n.º 001230 do IEP viola o art. 268º, n.º 3 da CRP e os arts. 66º e 68º do CPA, que não obedece à forma legal prevista, omitindo elementos essenciais como os fundamentos da decisão notificada, o seu texto integral e a sua data;
12ª-Este entendimento é amplamente aceite pela nossa jurisprudência - vide acórdãos de 25.05-2004, de 03-05-2004 e de 30-10-2002 do STA;
13ª- A notificação é um acto integrativo do próprio acto administrativo, na medida em que lhe confere eficácia. Assim, o acto administrativo sub judice, porque a sua notificação é deficiente (na medida em que não respeita os formalismos legalmente estabelecidos) carece de eficácia e não é oponível aos Recorrentes;
14ª-O recurso aos expedientes previstos nos arts. 31º ou 82º da LPTA é facultativo e o seu não uso não determina a extemporaneidade do pedido;
15ª-Foi só com a obtenção dos documentos enviados em anexo ao ofício n.º 000479 do IEP de 26.04.2004 que o Recorrente A... se encontrou em situação de poder despoletar o pedido de adjudicação da parcela anteriormente expropriada;
16ª-Terá então que se entender que é a partir do dia 26.04.2004 que deverá ser contado o prazo de 90 dias para a dedução do pedido de adjudicação da parcela expropriada;
17ª-Só esta visão dos factos dá corpo ao respeito pelo principio pro actione, largamente acolhido pela nossa jurisprudência;
18ª-Contando-se o prazo para dedução do pedido de adjudicação a partir do dia 26.04.2004, e tendo este dado efectivamente entrada no Tribunal da comarca da Lousã no dia 22.07.2004, tal pedido é tempestivo porque deduzido dentro do prazo legalmente previsto para o efeito;
19ª-Ao indeferir o requerimento apresentado pelos Recorrentes, o despacho do Tribunal a quo, viola o n.º1 do art. 77º do CE;
20ª-Ainda que assim não se entenda, há que considerar que os Recorrentes são os únicos herdeiros e, por isso, os únicos interessados na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de C... e D...;
21ª-Consequentemenete, ambos deviam ter sido devidamente notificados do acto autorizativo da reversão;
22ª-O IEP pura e simplesmente demitiu-se da sua obrigação de notificar a Recorrente B...;
23ª-Verifica-se então uma situação de manifesta falta de notificação, violadora do art. 268º, n,º3 da CRP e do art. 66º do CPA;
24ª-“Ineficácia ou inoponibilidade (subjectiva) são, portanto, consequências irremediáveis da falta de notificação do acto administrativo, de qualquer falta de notificação do acto administrativo, de qualquer acto administrativo, desfavorável ou favorável que deva ser notificado, claro está”;
25ª-Entretanto, ao passar a procuração forense aos seus mandatários, a Recorrente B... teve conhecimento oficial do acto administrativo a 15.07.2004, tornando-se-lhe, a partir desse dia, o acto oponível;
26ª-Há uma situação de litisconsórcio activo legal entre os beneficiários da reversão, pelo que o pedido de adjudicação tem de ser deduzido pelos dois herdeiros em conjunto;
27ª-Destarte, será a partir do dia 16.07.2004 que deve ser contado o prazo de 90 dias previsto no n.º 1 do art. 77º do CE para dedução pelos interessados em conjunto, do pedido de adjudicação;
28ª-O requerimento dos Recorrentes, tendo dado entrada no Tribunal da Lousã, no dia 22.07.2004, é tempestivo porque deduzido dentro do prazo legalmente previsto para o efeito.

O IEP contra-alegou no sentido da manutenção do despacho de indeferimento liminar.

Foi mantido o despacho impugnado.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



II)- OS FACTOS

Com interesse ao julgamento do recurso dá-se por assente a seguinte factualidade:
1- No dia 22.07.2004 os ora Recorrentes deduziram, no Tribunal Judicial da Lousã, pedido de adjudicação da parcela n.º 52 que fora adjudicada à expropriante Junta Autónoma de Estradas, no âmbito do processo de expropriação n.º 175/91 que correu termos por aquele Tribunal, sendo expropriados C... e D... (doc. de fls. 33 a 36);
2- Os Recorrentes são os únicos interessados na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito dos pais C... e D... (docs. de fls. 38 e 40);
3- A reversão foi requerida por D..., então viúva, no dia 10.11.1998 (doc. de fls. 105);
4- Por ofício registado com A/R, datado de 23.12.2003, e dirigido ao Recorrente A..., o IEP comunicou a autorização da reversão da parcela n.º 52, conforme despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas;
5- Mais informou, além do mais, nesse ofício, que, “nos termos do disposto no n.º1 do artigo 77º do citado diploma legal, deverá ser deduzido pedido de adjudicação da parcela em questão perante o Tribunal da comarca da situação do imóvel, no prazo de 90 dias a contar da presente notificação” e “o pedido de adjudicação deverá ser exercido em conjunto com os demais herdeiros” (doc. de fls. 49);
6- A Requerente da reversão faleceu no dia 08.08.2003;
7- O Recorrente A... remeteu uma carta, com a data de 16.04.2004, a solicitar ao IEP o envio de cópia da sentença de adjudicação proferida no processo de expropriação, bem como cópia da guia relativa à indemnização arbitrada (doc. de fls. 43);
8- O IEP satisfez o solicitado mediante ofício datado de 26.04.2004 (doc. de fls. 43 a 48).


III)- O DIREITO

Tendo em apreço as conclusões do recurso, a delimitar o seu objecto, a única questão a resolver consiste em saber se é tempestivo o pedido de adjudicação formulado pelos Recorrentes ao abrigo do n.º 1 do art. 77º do Código das Expropriações aplicável (Lei n.º 168/99, de 18.09.99).

Vejamos.
O direito de reversão de bens expropriados está agora previsto no art. 5º do Código das Expropriações ( Lei n.º 168/99, de 18.09, diploma a pertencem as normas a indicar doravante sem menção de origem). Através desse direito é concedido ao expropriado a possibilidade de recuperar a propriedade do bem expropriado, se no prazo de 2 anos, após a data da adjudicação, os bens expropriados não forem aplicados ao fim que determinou a expropriação, ou se, entretanto, tiverem cessado as finalidades da expropriação (alíneas a) e b) do n.º1 do art. 5º).
O exercício do direito de reversão contempla duas fases: a fase administrativa a decorrer perante a entidade que declarou a utilidade pública da expropriação (arts. 74º a 76º) e a fase judicial perante o tribunal judicial competente (arts. 77º a 79º). Com efeito, a reversão é requerida à entidade que houver declarado a utilidade pública da expropriação ou que haja sucedido na respectiva competência (n.º1 do art.74º ), sendo a decisão sobre o pedido de reversão notificada ao requerente, à entidade expropriante e aos interessados cujo endereço seja conhecido (n.º1 do art. 76º).

E, nos termos do n.º1 do art. 77º, autorizada a reversão, o interessado deduz, no prazo de 90 dias a contar da data da notificação da autorização, perante o tribunal da comarca da situação do prédio ou da sua maior dimensão, o pedido de adjudicação, instruindo a sua pretensão com os seguintes documentos….). Entretanto, ao n.º1 de tal normativo foi conferida nova redacção, ao abrigo da Lei n.º 2002, de 19.02, passando a ser competente o Tribunal Administrativo de Círculo da situação do bem ou da sua maior extensão.

Como acima se relatou, o Tribunal a quo indeferiu liminarmente o pedido de adjudicação com base na sua extemporaneidade, considerando que a notificação da autorização da reversão ocorreu mediante carta registada com A/R, datada de 23.12.2003 e o pedido de adjudicação foi deduzido em Tribunal no dia 22.07.2004, portanto, já para além do prazo legal de 90 dias.
Não obstante os ora Recorrentes, no requerimento inicial, terem alegado, como razão justificativa para a dedução tardia do pedido, que não dispunham de todos os documentos necessários à instrução do pedido de adjudicação, nomeadamente cópia da sentença proferida ano processo de expropriação, tendo, para tal, pedido a sua remessa ao IEP que só a enviou por ofício datada de 26.04.2004.
E apesar de os Recorrentes terem defendido que a notificação da autorização da reversão deveria ser considerada perfeita e plenamente eficaz através desse ofício, datado de 26.04.2004, a verdade é que o Tribunal a quo não acolheu essa argumentação.

Nas conclusões do recurso, os Recorrentes persistem na tempestividade da dedução do pedido de adjudicação, estribando-se na deficiente notificação da autorização da reversão e na falta de notificação da Recorrente B... e, neste último caso, o prazo legal de 90 dias até deve ser contado a partir do dia 16.07.2004.

Sem dúvida que o IEP é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e património próprio, tal como defendem nas conclusões 1ª a 4ª (DL n.º 227/2002, de 30.10). Todas as obrigações e direitos do IEP foram, entretanto, assumidas por EP- Estradas de Portugal, Entidade Pública Empresarial, abreviadamente EP- Estradas de Portugal, como decorre do n.º1 do art. 2º do DL n.º 239/2004, de 21 de Dezembro, continuando esta entidade a manter a natureza de instituto público, como se vê da própria designação.
Sendo assim, como órgão da Administração Pública, está sujeito às disposições do Código de Procedimento Administrativo, como prescreve o n.º 2 do mesmo diploma (DL n.º 442/91, de 15 de Novembro).

E sobre a notificação dos actos administrativos regem os arts. 66º a 70º do citado diploma (CPA). E no tocante ao conteúdo da notificação, determina o n.º1 do art. 68º que deve constar:
a) O texto integral da acto administrativo;
b) A identificação do procedimento administrativo, incluindo a indicação do autor do acto e a data deste;
c) O órgão competente para apreciar a impugnação do acto e o prazo para este efeito, no caso de o acto ser susceptível de recurso contencioso.
E de harmonia com o n.º2, “o texto integral do acto pode ser substituído pela indicação resumida do seu conteúdo e objecto, quando o acto tiver deferido inteiramente a pretensão formulada pelo interessado ou respeite à prática de diligências processuais”.
Também n.º 3 do art. 268º da Lei Fundamental prescreve que os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.
Ora, como acima se deu por assente, a reversão da parcela expropriada foi requerida pela mãe dos Recorrentes, no dia 10.11.98, como se vê do documento junto pela entidade Apelada com a sua alegação. Portanto, contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, não foi o IEP que deu origem ao processo de reversão, tendo existido uma requerente (D...).
Tal pretensão foi deferida pelo Secretário de Estado das obras Públicas e o IEP procedeu à notificação de tal autorização por via postal (carta registada com A/R) dirigida ao Recorrente A.... A Requerente D..., mãe dos Recorrentes, falecera no dia 08.08.2003.

Ora, consta dessa notificação informação sobre a autorização da reversão que fora requerida, mais se informando que, nos termos do n.º1 do art. 77º do CE, “deverá ser deduzido pedido de adjudicação da parcela em questão perante o Tribunal da Comarca da situação do imóvel, no prazo de 90 dias a contar da presente notificação”. Ainda se informou que “o pedido de adjudicação deverá ser exercido em conjunto com os demais herdeiros.” Por fim, nessa carta informa-se o destinatário sobre o valor da indemnização a restituir e sua actualização, perfazendo o montante de € 3.623,73.

No caso, a autorização da reversão limitou-se a deferir inteiramente a pretensão da Requerente D..., deduzida no dia 10.11.98. Consequentemente, em vez do texto integral do acto, a notificação podia consistir na indicação resumida do conteúdo e objecto do acto administrativo (n.º2 do art. 68º do CPA), ou seja, na simples autorização da reversão. A identificação do procedimento administrativo ressaltava claramente da notificação (“Pedido de Reversão da Parcela de Terreno n.º 52- EN 324- Beneficiação entre Condeixa e Lousã, incluindo as Variantes entre Miranda do Corvo e Lousã”), indicando-se o Secretário de Estado das Obras Públicas como o autor do acto. Mais se informou sobre o prazo de 90 dias para deduzir, no Tribunal, o pedido de adjudicação da parcela.
Não consta, porém, a data da autorização da reversão, ou seja, a data do despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas. E tanto basta para concluir que a notificação é deficiente, carecendo de eficácia e inoponível aos Recorrentes, tal como defendem.

E só por essa razão pode ser a notificação julgada deficiente, pois de nada vale argumentar que o IEP, aquando da notificação, não forneceu os elementos necessários à instrução do pedido de adjudicação, nomeadamente cópia da sentença proferida no processo de expropriação n.º 175/91. Com efeito, foram os expropriados, pais dos ora Recorrentes, notificados da sentença de adjudicação do direito de propriedade da parcela à então JAE, como se vê de fls. 29 v., e nenhuma obrigação tinha o IEP de fornecer cópia de tal sentença juntamente com a notificação. Aliás, o pedido de adjudicação teria que ser instruído apenas com os documentos mencionados nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 77º, e aí não figura a junção de cópia da sentença proferida no processo de expropriação. Decorre até dos autos que apenas no dia 16.04.2004, o Recorrente A... se lembrou de pedir ao IEP a cópia da dita sentença, como se vê do documento de fls. 43. E o IEP até foi diligente em satisfazer tal pedido, o responder por carta datada de 26.04.2004.

Em suma, pode dizer-se que a notificação da autorização da reversão, operada pela notificação por via postal, datada de 23.12.2003, não é conforme ao art. 68º do Código de Procedimento Administrativo, padecendo de deficiência apenas por não fazer constar a data do despacho de autorização, tornando-se, por isso ineficaz e inoponível aos Recorrentes.

Mas mesmo que assim se não se entendesse, a verdade é que interpretando o prazo de 90 dias previsto no nº1 do art. 77º do CE, como um prazo peremptório, ou seja, como um prazo cujo decurso extingue o direito de praticar o acto (n.s 1 e 2 do art. 145º do CPC), então tal norma não deixaria de ser inconstitucional. Com efeito, nos termos do n.º1 do art. 51º do CE, “a entidade expropriante remete o processo de expropriação ao Tribunal da comarca da situação do bem expropriado ou da sua maior extensão no prazo de 30 dias, a contar do recebimento da decisão arbitral, acompanhado de certidões actualizadas das descrições e das inscrições em vigor dos prédios na conservatória do registo predial competente e das respectivas inscrições matriciais, ou de que os mesmos estão omissos, bem como da guia de depósito á ordem do Tribunal do montante arbitrado ou, se for o caso, da parte em que este exceda a quantia depositada nos termos da alínea b) do n.º1 ou do n.º5 do artigo 20º; se não for respeitado o jazo fixado, a entidade expropriante deposita, também, juros moratórios correspondentes ao período, calculados nos termos do n.º2 do art. 70º, e sem prejuízo do disposto nos arts. 71º e 72º”.
E o n.º 2 do art. 51º prescreve o seguinte:
“Se o processo não for remetido a juízo no prazo fixado, o Tribunal determina, a requerimento de qualquer interessado, a notificação da entidade expropriante para que o envie no prazo de 10 dias acompanhado da guia de depósito, sob cominação de o mesmo ser avocado.”

Isto é, após a declaração de utilidade publica, iniciado o processo de expropriação e realizada a arbitragem, a entidade expropriante é obrigada a remeter o processo a Tribunal, no prazo de 30 dias a contar do recebimento da decisão arbitral, a fim de ser adjudicada a propriedade e posse da parcela, salvo quanto à posse, se já houver posse administrativa (n.º5 do art. 51º). Mas, se a entidade expropriante não remeter o processo a Tribunal para adjudicação no citado prazo, não fica, por isso, impedida de, posteriormente, o remeter a Tribunal para adjudicação da propriedade e posse, esta se for o caso. Ou seja, não fica impedida de praticar o acto, decorrido esse prazo de 30 dias.

Então, por que razão impedir o expropriado que viu autorizada a reversão do bem, de pedir a adjudicação da propriedade, mesmo depois de decorrido o prazo de 90 dias previsto no n.º1 do art. 77º?
Por que razão haveria o particular de ser penalizado face à entidade expropriante? Aliás, determina o n.º1 do art. 78º que “a entidade expropriante ou quem ulteriormente haja adquirido o domínio do prédio é citada para os termos do processo, podendo deduzir oposição, no prazo de 20 dias quanto aos montantes da indemnização indicada nos termos da alínea d) do n.º1 do artigo anterior e da estimativa a que se refere a alínea e) do mesmo número”. Ou seja, a oposição fica apenas limitada ao montante da indemnização, do valor das benfeitorias e deteriorações, estando vedada oposição sobre eventual não observância por parte do expropriado do citado prazo de 90 dias para dedução do pedido de adjudicação da propriedade. Através do processo reversivo o expropriado almeja readquirir o direito de propriedade que anteriormente detinha sobre o bem, repondo-se o statu quo ante, por ter sido reconhecido pela autoridade administrativa, que anteriormente declarara a utilidade pública da expropriação, a insubsistência do fundamento jurídico do acto expropriativo ou a causa expropriandi. Considerar, pois, o prazo do n.º1 do art. 77º como um prazo peremptório, corresponderia a violar a Lei Fundamental no seu art. 62º (direito de propriedade privada), quando o expropriado se vê privado do bem sem que ocorra a efectiva prossecução da utilidade pública porque já reconhecida a inexistência da causa expropriandi, no art. 13º (princípio da igualdade) até relativamente à entidade expropriante que está sempre em tempo para pedir em Tribunal a adjudicação do bem mesmo não cumprindo o prazo de 30 dias aludido no n.º1 do art. 51º, e até nos seus básicos princípios da justiça e proporcionalidade em que assenta o Estado de Direito Democrático (arts. 1º, 2º e alínea b) do art. 9º).
De qualquer modo, o direito de reversão só cessa ou caduca nas hipóteses previstas nos n.ºs 4 e 5 do art. 5º do CE.

Em suma, e designadamente com base no fundamento apontado, é de concluir que o despacho sob exame não é de manter, na medida em que julgou extemporâneo o pedido de adjudicação por inobservância do prazo de 90 dias previsto no n.º1 do art. 77º.


IV)- DECISÃO

Nos termos e pelos motivos expostos, acorda-se em:
1-Conceder provimento ao Agravo.
2-Revogar a decisão impugnada que deve ser substituída por outra a dar seguimento ao pedido de adjudicação.
3-Sem custas.
COIMBRA,

(Relator- Ferreira de Barros)

(1º Adj.- Des. Helder Roque)

(2º Adj.- Des. Távora Vítor)