Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
329/06.4TAMLD.C1.
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO VENTURA
Descritores: PENA DE MULTA
DETERMINAÇÃO DO QUANTITATIVO DIÁRIO
Data do Acordão: 11/05/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA MEALHADA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 47.º, N.º 2 DO CÓDIGO PENAL
Sumário: I. - O sistema de sanção pecuniária diária em montante variável, acolhido no nosso ordenamento penal, procura obviar aos inconvenientes assacados à pena de multa, a saber, o peso desigual para pobres e ricos, e constitui corolário evidente do princípio da igualdade, impondo o mesmo sacrifício qualquer que sejam os meios de fortuna.
II. - Através da autonomização da operação de determinação da pena consubstanciada na definição do quantitativo diário da pena, procura conferir-se ao sistema elasticidade na adequação à situação económico-financeira do condenado, preservando eficácia preventiva, tanto no plano da prevenção geral positiva – contrariando a percepção comunitária de que a sanção pecuniária não é dissuasora – como da prevenção especial de integração – obrigando o condenado a genuína reflexão, através de real sacrifício, sem colocar em causa mínimos de subsistência.
Decisão Texto Integral: Nos presentes autos com o NUIPC 329/06.4TAMLD do Tribunal Judicial da Mealhada, por sentença proferida em 20 de Maio de 2008, foi o arguido … condenado pela prática de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo artº 256º, nº1, al. b), do Código Penal, com referência aos artº 255º, al. a), também do CP, e 100º do D.L. 555/99, de 16/6, na redacção do D.L. 177/2001, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €9,00 (nove euros), perfazendo o total de €1.350,00 (mil, trezentos e cinquenta euros).
Nos presentes autos com o NUIPC 329/06.4TAMLD do Tribunal Judicial da Mealhada, por sentença proferida em 20 de Maio de 2008, foi o arguido … condenado pela prática de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo artº 256º, nº1, al. b), do Código Penal, com referência aos artº 255º, al. a), também do CP, e 100º do D.L. 555/99, de 16/6, na redacção do D.L. 177/2001, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €9,00 (nove euros), perfazendo o total de €1.350,00 (mil, trezentos e cinquenta euros).
Inconformado com a condenação, na parte relativa ao quantitativo diário da multa, veio o magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo interpor recurso, com formulação das seguintes conclusões:
Ao fixar o quantitativo diário da pena de multa em que condenou o arguido em € 9,00, violou o Tribunal o disposto no n ° 2 do art ° 47° do Código Penal porquanto tal taxa, pouco acima do limite mínimo se atentarmos na moldura legal daquela taxa que, no caso em apreço, oscila entre € 1,00 e € 498,80, se revela manifestamente desproporcionada à moldura legal prevista e aos rendimentos do arguido, colocando mesmo em causa as finalidades de prevenção dessa pena;
Com efeito, considerando a situação socio-económica e familiar do arguido que exerce profissão de engenheiro civil desde 1985, sendo sócio da sociedade de construção civil que executou a obra "PP, Lda.", que aufere da sua actividade cerca de € 50.000,00 anuais, e a esposa cerca de € 10.000,00 anuais, que vive em casa própria e que tem 3 filhos, com 26, 20 e 1 ano de idade, concluímos que a taxa fixada peca por defeito, revelando-se desadequada e desproporcionada aos rendimentos auferidos pelo arguido;
Atente-se que o agregado familiar do arguido goza de rendimento mensal de € 50.000, valor que quase perfaz 12 vezes o montante fixado para o salário mínimo nacional e que, mensalmente, per capita, atinge os € 1000,00 (mil euros), isto é, mais do dobro do salário mínimo nacional;
Ao fixar-se para a pena de multa uma taxa diária de € 9,00 a um arguido inserido num agregado familiar que, mensalmente, em termos globais, aufere quase 12 vezes o montante fixado para o salário mínimo nacional e que, mensalmente, per capita, aufere mais do dobro salário mínimo nacional, não se revela adequada e proporcional tal taxa se considerarmos que, mesmo na redacção do n ° 1 do art ° 47° do Código Penal aqui aplicável por ser mais favorável ao arguido, a jurisprudência já vinha entendendo que a alguém que auferisse o salário mínimo nacional a taxa diária da pena de multa não deveria ser aplicada em montante inferior a € 5,00, atendendo à desactualização dos valores fixados naquele normativo face à evolução económica entretanto registada no nosso país;
Cremos que a pena de multa deve ser doseada para que a mesma represente um sacrifício para o condenado. Esta mesma ideia veio recentemente a ser reforçada pelo legislador ao aumentar o valor mínimo da taxa diária da pena de multa para os € 5,00, expressando assim a preocupação em que as sanções penais não percam a sua validade perante a comunidade se fixadas em valores pouco significativos, muitas vezes abaixo dos valores previstos para a generalidade das contra-ordenações.
Assim, no caso em apreço, ponderando a situação económica do arguido e seu agregado familiar, cremos que a taxa diária da pena de multa não deverá ser fixada em valor inferior a € 35,00, sob pena de, assim não sendo, se fazer perigar as finalidades de prevenção da pena aplicada.
Motivos pelos quais entendemos dever o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, modificar-se o quantitativo diário da pena de multa aplicada, fixando-a em valor não inferior a € 35,00, assim não se fazendo perigar as finalidades de prevenção da pena de multa em que o arguido foi condenado.
Respondeu o arguido:
A culpa do arguido é menor e as exigências de prevenção também, mesmo assim na determinação da medida concreta da pena aplicou 150 dias de multa
Para apurar o valor monetário para cada dia de multa, a Meritíssima Juiz atendeu quer à moldura penal abstracta quer ao número máximo de dias de multa, e nesse enquadramento é relevante o montante a pagar pelo arguido, isto é 1350.00€.
A pena é adequada e proporcional assegurando perfeitamente as finalidades de prevenção no caso em concreto.
As finalidades de prevenção no caso em concreto são mínimas pelo que a pena aplicada assegura a função preventiva.
E representa sem duvida um sacrifício para o Arguido que a sente como uma verdadeira punição, com justa proporção entre o mal do crime e o mal da pena que lhe foi aplicada.
Deverá pois manter-se a decisão da Meritíssima Juiz a quo , assim se fazendo Justiça
Neste Tribunal o Sr. Procurador-Geral adjunto tomou posição, no sentido da procedência do recurso.
Cumprido o disposto no artº 417º, nº2, do CPP, veio o arguido reiterar que a pena de multa, vista na sua globalidade é perfeitamente proporcional e adequada cumprindo a função preventiva, representando sem dúvida um sacrifício para o arguido.
Colhidos os vistos, foi realizada conferência.
Fundamentação. Âmbito do recurso.
É pacífica a doutrina e jurisprudência[i] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso[ii].
O objecto do processo abrange uma única questão, a saber, a adequação do quantitativo diário da multa fixado pelo Tribunal.
Dos factos pertinentes
De acordo com o disposto no artº 47º, nº2, do CP[iii], a fixação do quantitativo correspondente a cada dia de multa deve ser efectuada em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
Com relevo para a definição dessa situação, vem dado como provado que:
13. O arguido exerce a profissão de engenheiro civil, desde 1985, sendo sócio da, sociedade de construção civil que executou a obra "PP, Lda".
14. O arguido aufere da sua actividade cerca de 50.000€ anuais, e a esposa cerca de 10.000€.
15. Vive em casa própria.
16. O arguido tem três filhos, de 26, 20 e 1 ano de idade.
Da decisão recorrida
O Tribunal a quo motivou a decisão na parte impugnada, da seguinte forma:
Nos termos do n°2 do artigo 47° do CP, "cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 1 e € 498,80 que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenando e dos seus encargos pessoais".
A propósito das condições económicas do agregado familiar do arguido, sabe-se apenas que goza efectivamente de uma situação económica estável e desafogada, mesmo ponderando o facto de ter três filhos, pelo que, ao abrigo do art. 47°, n°2, anterior redacção (por ser este o regime mais favorável) opta-se por um quantitativo diário de multa de €9.
Pelo que, é este o valor que se aplica ao arguido, o que perfaz uma pena de multa no total de € 1.350,00.
Apreciação
Como se disse, a questão colocada radica, em primeiro lugar, na definição da situação económica e financeira do condenado. Ao contrário do que parece entender o arguido, não são aqui pertinentes considerações sobre a culpa do agente, a qual foi considerada, em termos inteiramente correctos e bem fundamentados, na parte da decisão relativa ao quantum da pena de multa. Observe-se que, perante moldura abstracta de 60 a 360 dias, o tribunal a quo fixou a pena em 150 dias.
Na verdade, o sistema de sanção pecuniária diária em montante variável acolhido no nosso ordenamento penal procura obviar a um dos maiores inconvenientes assacados à pena de multa, a saber, o peso desigual para pobres e ricos, e constitui corolário evidente do princípio da igualdade, impondo o mesmo sacrifício qualquer que sejam os meios de fortuna. Através da autonomização da operação de determinação da pena da definição do quantitativo diário da pena procura conferir-se ao sistema elasticidade na adequação à situação económico-financeira do condenado, preservando eficácia preventiva, tanto no plano da prevenção geral positiva – contrariando a percepção comunitária de que a sanção pecuniária não é dissuasora – como da prevenção especial de integração – obrigando o condenado a genuína reflexão, através de real sacrifício, sem colocar em causa mínimos de subsistência[iv].
Dito isto, importa ainda considerar, como Maurach/Gossel/Zipf[v], que a definição dos parâmetros adequados à caracterização da situação económico-financeira do condenado constitui o ponto mais obscuro de todo o sistema de dias de multa, em particular quando perante profissões liberais, reconhecidamente dotadas de grande capacidade de plasticidade fiscal, e ainda mais quando se depara com a titularidade de património de valor difícil de avaliar, como acontece com a participação no capital social de sociedade por quotas.
Importa acrescentar, face ao caso em apreço, que, pese embora os limites aplicáveis sejam aquele estabelecido pela versão original do CP de 1982 – €1,00 e €498,80 – a erosão monetária e o acréscimo salarial médio tornam aquele limite mínimo, vinte e seis anos decorridos, fortemente desadequado, porque irrisório. Daí a respectiva alteração pelo legislador da Lei 59/2007, de 4/9, com vista à actualização dos valores relevantes face panorama actual da sociedade portuguesa, culminando com a estipulação do valor mínimo de €5,00. Então, esse mesmo parâmetro referencial, ainda contido nos limites da norma aplicável, deve, em obediência à ratio do sistema, nortear a fixação do quantitativo diário da multa, obviando à distorção que foi sendo paulatinamente introduzida no sistema jurídico português, em que o nível sancionatório contra-ordenacional (coimas) é significativamente superior ao que decorre do sistema penal (penas de multa), invertendo a estrutura valorativa que justifica materialmente os dois ordenamentos.
Ora, o arguido … desenvolve a actividade de engenheiro civil, a que acresce a participação social em sociedade que, aliás, ostenta o seu nome na denominação social e foi a principal beneficiada pela conduta desviante[vi]. Recorrendo exclusivamente às declarações do arguido[vii], o tribunal a quo refere que aufere «cerca de 50.000€ anuais», o que, distribuído por 12 meses, representa o rendimento mensal 4.166,66€ (quatro mil, cento e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos). Esse valor corresponde grosso modo a nove vezes o valor do salário mínimo nacional[viii], sem contar com os dividendos da aludida sociedade.
No plano dos encargos, sabe-se apenas que conta três filhos, com 26, 20 e 1 ano de idade, o que certamente gera encargos. Todavia, haverá então que considerar igualmente o rendimento da esposa – 10.000,00 anuais – para a satisfação das despesas globais do agregado.
Assim, a fixação do quantitativo diário da multa em apenas €9,00 (nove euros) mostra-se fortemente inadequado, não respeitando o princípio da igualdade, e coloca em crise a eficácia preventiva da sanção pecuniária, tanto mais quanto a conduta censurada encontrou correspondência em benefício patrimonial.
Tomando o nível financeiro e patrimonial do arguido, o montante indicado pelo Ministério Público no recurso mostra-se mais razoável, correspondendo inteiramente à relação entre o rendimento do arguido e o salário mínimo nacional – nove vezes – tomando o valor de €5,00 como o limite mínimo ajustado.
Procede, assim, o recurso.
Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em:

Conceder provimento ao recurso e fixar a taxa diária em €35,00 (trinta e cinco euros) e, em consequência, modificar a decisão recorrida no sentido da condenação do arguido … pela prática de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo artº 256º, nº1, al. b), do Código Penal, com referência aos artº 255º, al. a), também do CP, e 100º do D.L. 555/99, de 16/6, na redacção do D.L. 177/2001, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €35,00 (trinta e cinco) euros, perfazendo €5.250,00 (cinco mil, duzentos e

[i] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2ª ed., Ed. Verbo, pág. 335 e Ac. do STJ de 99/03/24, in CJ (STJ), ano VII, tº 1, pág. 247.
[ii] Cfr., por exemplo, art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2, 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP e acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/95, publicado sob o n.º 7/95 em DR, I-A, de 28/12/95.
[iii] Seja na redacção vigente à data dos factos seja naquela conferida pela lei 59/2007.
[iv] Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Ed. Notícias, 1993, págs. 118 a 120.
[v] Reinhart Maurach, Karl Heinz Gossel e Heinz Zipf, Derecho Penal, Parte General, 2, Astrea, Buenos Aires, 1995, pág. 659.
[vi] Facto provado com o nº 7, onde se refere: Sabia o arguido que, com a referida actuação, possibilitava que a Câmara Municipal da Mealhada concedesse alvará de autorização de utilização do edifício construído, nomeadamente das fracções A,B,C,D,K,L,M,J,N,S,T,U,V,W,AB,AC,AD,AE,AF, como veio a ocorrer, e que assim a sociedade proprietária do mesmo obteria benefício ilegítimo.
[vii] Diz-se na decisão recorrida: Quanto à situação pessoal do arguido o tribunal fundou-se nas declarações do mesmo que se nos afiguraram credíveis.
[viii] Actualmente situado em €426,00 mensais ou, multiplicado por 14 meses, €5.964,00 anuais, de acordo com o D.L. 397/2007, de 31/12.


Inconformado com a condenação, na parte relativa ao quantitativo diário da multa, veio o magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo interpor recurso, com formulação das seguintes conclusões:
Ao fixar o quantitativo diário da pena de multa em que condenou o arguido em € 9,00, violou o Tribunal o disposto no n ° 2 do art ° 47° do Código Penal porquanto tal taxa, pouco acima do limite mínimo se atentarmos na moldura legal daquela taxa que, no caso em apreço, oscila entre € 1,00 e € 498,80, se revela manifestamente desproporcionada à moldura legal prevista e aos rendimentos do arguido, colocando mesmo em causa as finalidades de prevenção dessa pena;
Com efeito, considerando a situação socio-económica e familiar do arguido que exerce profissão de engenheiro civil desde 1985, sendo sócio da sociedade de construção civil que executou a obra "PP, Lda.", que aufere da sua actividade cerca de € 50.000,00 anuais, e a esposa cerca de € 10.000,00 anuais, que vive em casa própria e que tem 3 filhos, com 26, 20 e 1 ano de idade, concluímos que a taxa fixada peca por defeito, revelando-se desadequada e desproporcionada aos rendimentos auferidos pelo arguido;
Atente-se que o agregado familiar do arguido goza de rendimento mensal de € 50.000, valor que quase perfaz 12 vezes o montante fixado para o salário mínimo nacional e que, mensalmente, per capita, atinge os € 1000,00 (mil euros), isto é, mais do dobro do salário mínimo nacional;
Ao fixar-se para a pena de multa uma taxa diária de € 9,00 a um arguido inserido num agregado familiar que, mensalmente, em termos globais, aufere quase 12 vezes o montante fixado para o salário mínimo nacional e que, mensalmente, per capita, aufere mais do dobro salário mínimo nacional, não se revela adequada e proporcional tal taxa se considerarmos que, mesmo na redacção do n ° 1 do art ° 47° do Código Penal aqui aplicável por ser mais favorável ao arguido, a jurisprudência já vinha entendendo que a alguém que auferisse o salário mínimo nacional a taxa diária da pena de multa não deveria ser aplicada em montante inferior a € 5,00, atendendo à desactualização dos valores fixados naquele normativo face à evolução económica entretanto registada no nosso país;
Cremos que a pena de multa deve ser doseada para que a mesma represente um sacrifício para o condenado. Esta mesma ideia veio recentemente a ser reforçada pelo legislador ao aumentar o valor mínimo da taxa diária da pena de multa para os € 5,00, expressando assim a preocupação em que as sanções penais não percam a sua validade perante a comunidade se fixadas em valores pouco significativos, muitas vezes abaixo dos valores previstos para a generalidade das contra-ordenações.
Assim, no caso em apreço, ponderando a situação económica do arguido e seu agregado familiar, cremos que a taxa diária da pena de multa não deverá ser fixada em valor inferior a € 35,00, sob pena de, assim não sendo, se fazer perigar as finalidades de prevenção da pena aplicada.
Motivos pelos quais entendemos dever o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, modificar-se o quantitativo diário da pena de multa aplicada, fixando-a em valor não inferior a € 35,00, assim não se fazendo perigar as finalidades de prevenção da pena de multa em que o arguido foi condenado.
Respondeu o arguido:
A culpa do arguido é menor e as exigências de prevenção também, mesmo assim na determinação da medida concreta da pena aplicou 150 dias de multa
Para apurar o valor monetário para cada dia de multa, a Meritíssima Juiz atendeu quer à moldura penal abstracta quer ao número máximo de dias de multa, e nesse enquadramento é relevante o montante a pagar pelo arguido, isto é 1350.00€.
A pena é adequada e proporcional assegurando perfeitamente as finalidades de prevenção no caso em concreto.
As finalidades de prevenção no caso em concreto são mínimas pelo que a pena aplicada assegura a função preventiva.
E representa sem duvida um sacrifício para o Arguido que a sente como uma verdadeira punição, com justa proporção entre o mal do crime e o mal da pena que lhe foi aplicada.
Deverá pois manter-se a decisão da Meritíssima Juiz a quo , assim se fazendo Justiça
Neste Tribunal o Sr. Procurador-Geral adjunto tomou posição, no sentido da procedência do recurso.
Cumprido o disposto no artº 417º, nº2, do CPP, veio o arguido reiterar que a pena de multa, vista na sua globalidade é perfeitamente proporcional e adequada cumprindo a função preventiva, representando sem dúvida um sacrifício para o arguido.
Colhidos os vistos, foi realizada conferência.
Fundamentação. Âmbito do recurso.
É pacífica a doutrina e jurisprudência[i] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso[ii].
O objecto do processo abrange uma única questão, a saber, a adequação do quantitativo diário da multa fixado pelo Tribunal.
Dos factos pertinentes
De acordo com o disposto no artº 47º, nº2, do CP[iii], a fixação do quantitativo correspondente a cada dia de multa deve ser efectuada em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
Com relevo para a definição dessa situação, vem dado como provado que:
13. O arguido exerce a profissão de engenheiro civil, desde 1985, sendo sócio da, sociedade de construção civil que executou a obra "PP, Lda".
14. O arguido aufere da sua actividade cerca de 50.000€ anuais, e a esposa cerca de 10.000€.
15. Vive em casa própria.
16. O arguido tem três filhos, de 26, 20 e 1 ano de idade.
Da decisão recorrida
O Tribunal a quo motivou a decisão na parte impugnada, da seguinte forma:
Nos termos do n°2 do artigo 47° do CP, "cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 1 e € 498,80 que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenando e dos seus encargos pessoais".
A propósito das condições económicas do agregado familiar do arguido, sabe-se apenas que goza efectivamente de uma situação económica estável e desafogada, mesmo ponderando o facto de ter três filhos, pelo que, ao abrigo do art. 47°, n°2, anterior redacção (por ser este o regime mais favorável) opta-se por um quantitativo diário de multa de €9.
Pelo que, é este o valor que se aplica ao arguido, o que perfaz uma pena de multa no total de € 1.350,00.
Apreciação
Como se disse, a questão colocada radica, em primeiro lugar, na definição da situação económica e financeira do condenado. Ao contrário do que parece entender o arguido, não são aqui pertinentes considerações sobre a culpa do agente, a qual foi considerada, em termos inteiramente correctos e bem fundamentados, na parte da decisão relativa ao quantum da pena de multa. Observe-se que, perante moldura abstracta de 60 a 360 dias, o tribunal a quo fixou a pena em 150 dias.
Na verdade, o sistema de sanção pecuniária diária em montante variável acolhido no nosso ordenamento penal procura obviar a um dos maiores inconvenientes assacados à pena de multa, a saber, o peso desigual para pobres e ricos, e constitui corolário evidente do princípio da igualdade, impondo o mesmo sacrifício qualquer que sejam os meios de fortuna. Através da autonomização da operação de determinação da pena da definição do quantitativo diário da pena procura conferir-se ao sistema elasticidade na adequação à situação económico-financeira do condenado, preservando eficácia preventiva, tanto no plano da prevenção geral positiva – contrariando a percepção comunitária de que a sanção pecuniária não é dissuasora – como da prevenção especial de integração – obrigando o condenado a genuína reflexão, através de real sacrifício, sem colocar em causa mínimos de subsistência[iv].
Dito isto, importa ainda considerar, como Maurach/Gossel/Zipf[v], que a definição dos parâmetros adequados à caracterização da situação económico-financeira do condenado constitui o ponto mais obscuro de todo o sistema de dias de multa, em particular quando perante profissões liberais, reconhecidamente dotadas de grande capacidade de plasticidade fiscal, e ainda mais quando se depara com a titularidade de património de valor difícil de avaliar, como acontece com a participação no capital social de sociedade por quotas.
Importa acrescentar, face ao caso em apreço, que, pese embora os limites aplicáveis sejam aquele estabelecido pela versão original do CP de 1982 – €1,00 e €498,80 – a erosão monetária e o acréscimo salarial médio tornam aquele limite mínimo, vinte e seis anos decorridos, fortemente desadequado, porque irrisório. Daí a respectiva alteração pelo legislador da Lei 59/2007, de 4/9, com vista à actualização dos valores relevantes face panorama actual da sociedade portuguesa, culminando com a estipulação do valor mínimo de €5,00. Então, esse mesmo parâmetro referencial, ainda contido nos limites da norma aplicável, deve, em obediência à ratio do sistema, nortear a fixação do quantitativo diário da multa, obviando à distorção que foi sendo paulatinamente introduzida no sistema jurídico português, em que o nível sancionatório contra-ordenacional (coimas) é significativamente superior ao que decorre do sistema penal (penas de multa), invertendo a estrutura valorativa que justifica materialmente os dois ordenamentos.
Ora, o arguido … desenvolve a actividade de engenheiro civil, a que acresce a participação social em sociedade que, aliás, ostenta o seu nome na denominação social e foi a principal beneficiada pela conduta desviante[vi]. Recorrendo exclusivamente às declarações do arguido[vii], o tribunal a quo refere que aufere «cerca de 50.000€ anuais», o que, distribuído por 12 meses, representa o rendimento mensal 4.166,66€ (quatro mil, cento e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos). Esse valor corresponde grosso modo a nove vezes o valor do salário mínimo nacional[viii], sem contar com os dividendos da aludida sociedade.
No plano dos encargos, sabe-se apenas que conta três filhos, com 26, 20 e 1 ano de idade, o que certamente gera encargos. Todavia, haverá então que considerar igualmente o rendimento da esposa – 10.000,00 anuais – para a satisfação das despesas globais do agregado.
Assim, a fixação do quantitativo diário da multa em apenas €9,00 (nove euros) mostra-se fortemente inadequado, não respeitando o princípio da igualdade, e coloca em crise a eficácia preventiva da sanção pecuniária, tanto mais quanto a conduta censurada encontrou correspondência em benefício patrimonial.
Tomando o nível financeiro e patrimonial do arguido, o montante indicado pelo Ministério Público no recurso mostra-se mais razoável, correspondendo inteiramente à relação entre o rendimento do arguido e o salário mínimo nacional – nove vezes – tomando o valor de €5,00 como o limite mínimo ajustado.
Procede, assim, o recurso.
Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em:

Conceder provimento ao recurso e fixar a taxa diária em €35,00 (trinta e cinco euros) e, em consequência, modificar a decisão recorrida no sentido da condenação do arguido … pela prática de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo artº 256º, nº1, al. b), do Código Penal, com referência aos artº 255º, al. a), também do CP, e 100º do D.L. 555/99, de 16/6, na redacção do D.L. 177/2001, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €35,00 (trinta e cinco) euros, perfazendo €5.250,00 (cinc

[i] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2ª ed., Ed. Verbo, pág. 335 e Ac. do STJ de 99/03/24, in CJ (STJ), ano VII, tº 1, pág. 247.
[ii] Cfr., por exemplo, art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2, 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP e acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/95, publicado sob o n.º 7/95 em DR, I-A, de 28/12/95.
[iii] Seja na redacção vigente à data dos factos seja naquela conferida pela lei 59/2007.
[iv] Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Ed. Notícias, 1993, págs. 118 a 120.
[v] Reinhart Maurach, Karl Heinz Gossel e Heinz Zipf, Derecho Penal, Parte General, 2, Astrea, Buenos Aires, 1995, pág. 659.
[vi] Facto provado com o nº 7, onde se refere: Sabia o arguido que, com a referida actuação, possibilitava que a Câmara Municipal da Mealhada concedesse alvará de autorização de utilização do edifício construído, nomeadamente das fracções A,B,C,D,K,L,M,J,N,S,T,U,V,W,AB,AC,AD,AE,AF, como veio a ocorrer, e que assim a sociedade proprietária do mesmo obteria benefício ilegítimo.
[vii] Diz-se na decisão recorrida: Quanto à situação pessoal do arguido o tribunal fundou-se nas declarações do mesmo que se nos afiguraram credíveis.
[viii] Actualmente situado em €426,00 mensais ou, multiplicado por 14 meses, €5.964,00 anuais, de acordo com o D.L. 397/2007, de 31/12.