Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2087/03.5TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: PROVA PERICIAL
DEVER DE COLABORAÇÃO DAS PARTES
APRECIAÇÃO DA PROVA
ERRO NOTÓRIO
VENDA
COISA DEFEITUOSA
Data do Acordão: 01/29/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGO 649º, 568.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; 388º, DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGOS 42.º E 43.º DO CÓDIGO COMERCIAL
Sumário: 1. Enquanto que, na prova pericial, o perito funciona como agente de prova, sendo ele que capta e aprecia os factos, o técnico que elabora o parecer, no âmbito do estipulado pelo artigo 649º, do CPC, não é agente de prova, mas mero auxiliar do verdadeiro agente, que é o Juiz, prestando a este esclarecimentos (pareceres técnicos), como acontece com as partes.
2. O dever de cooperação para a descoberta da verdade e na administração da justiça, imposto às partes e a terceiros, não prejudica as regras próprias da legislação comercial que, em princípio, prevalecem sobre aquelas, não se podendo requerer de comerciante que seja terceiro, nem a entrega, nem a exibição de livros da escrituração comercial ou de documentos a ela relativos, com ressalva das questões de sucessão universal, comunhão ou sociedade e no caso de insolvência.
3. O erro notório na apreciação da prova verifica-se quando se emite um juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto contra o que resulta de elementos que constam dos autos e cuja força probatória não haja sido infirmada ou de regras da experiência comum, sob pena de, fora destes casos excepcionais, o erro notório relevante só poder resultar do texto da própria decisão recorrida, em virtude de o conhecimento da prova, oralmente, produzida em audiência se encontrar subtraído, pela sua intrínseca natureza, a qualquer reapreciação pelo tribunal de recurso.
4. Não faltando, em absoluto, a fundamentação, poderá haver fundamentação errada, que contende apenas com o valor lógico da sentença, sujeitando-a a alteração ou revogação, em sede de recurso, mas sem que produza a nulidade.
5. Uma coisa é a demonstração da denúncia do defeito, efectuada por quem não é parte na acção, e outra, bem distinta, é a conformação da mesma, de modo a poder configurar, validamente, o exercício do direito correspondente.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


“A…”, com sede em Meirinhas, Pombal, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra “B…”, com sede em Alcobertas, Rio Maior, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 191.020,41€, alegando, para o efeito, em resumo, que, nos anos de 2000 e 2001, comprou à ré várias quantidades de dolomite 70, que se destinava a ser incorporado no processo de fabrico de telhas, mas que era portador de uma granulometria superior à indicada, que deveria situar-se abaixo do patamar de 0,120 um, e se apresentava contaminada com calcite, factos de que deu conhecimento à ré, em Junho de 2001.
Na verdade, continua a autora, a dolomite vendida pela ré destinava-se a ser incorporada no processo de fabrico de telhas, daí resultando que tenha provocado deficiências que as tornam, absolutamente, impróprias para os fins a que se encontravam afectas, em consequência do que sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais, para cujo ressarcimento reclama a condenação da ré a pagar-lhe a peticionada indemnização.
Na contestação, a ré alega, em síntese, que é falso que alguma vez tenha vendido à autora dolomite contaminada com calcite e com granulometria superior à pretendida por esta, razão pela qual não pode ser responsabilizada pela indemnização dos danos reclamados na petição, cuja verificação impugna, sendo certo que, de resto, nem sequer se encontram, suficientemente, concretizados, concluindo com o pedido de condenação da autora como litigante de má-fé, em valor a arbitrar pelo Tribunal.
Na réplica, a autora alterou e ampliou o pedido, mantendo a sua posição inicial, outrotanto acontecendo com a ré, em relação à tréplica que apresentou.
A ré interpôs recurso de agravo da decisão que indeferiu, por impertinente, a perícia contabilística e fiscal às suas contas e ainda às contas de diversas pessoas e empresas, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outra que admita a perícia requerida, formulando as seguintes conclusões:
1ª - A autora na sua douta p.i. refere que os defeitos incidem sobre algumas centenas de milhares de telhas (n° 37° da p.i), ao mesmo tempo que refere, que houve por parte dos seus clientes várias reclamações e devolução de telhas "avariadas", mas não existem nos autos quaisquer facturas das vendas invocadas e a ré requereu que a autora juntasse aos mesmos as referidas, o que não foi feito. Além do mais as notas de crédito que já se encontram nos autos não fazem qualquer referência às facturas e de nenhuma delas se infere que estejam directa ou indirectamente relacionadas com telhas vendidas e “avariadas” pelo que se encontram preenchidos os requisitos do artigo 388° do CC para que seja ordenada a perícia requerida.
2ª - Os actos de comércio praticados entre as empresas estão fiscal e contabilisticamente sujeitos ao regime previsto no artigo 35° do Código do IVA, pelo que a perícia visa dotar o julgador dos elementos que lhe permitam, com rigor, apurar a veracidade dos factos, em obediência, também a este preceito - não podemos ignorar que estão referidos nos autos mais de 171.321 telhas referenciadas como tendo "defeito", que as mesmas terão sido vendidas a terceiros, mas não se documentam nem as vendas nem as quantidades, e o tribunal não tem outra forma de apurar estes factos sem o recurso à perícia.
3ª - As diligências requeridas pela ré são assim, também, diligências instrutórias, cujo objectivo é a apreensão e compreensão da realidade dos factos pelo julgador, que no entender da ré, face à posição assumida pela autora, em particular na sua p.i, exigem conhecimentos especializados, e, devem ser, por isso, efectuadas por especialistas ou peritos, e, ninguém melhor do que pessoas ou entidades de reconhecida idoneidade (artigo 568/1 e 4 do CPC) para levar a cabo o requerido, sendo que a perícia pode ser ordenada por perito a designar pelo Tribunal, já que o mesmo tem poder para tal, dentro dos poderes que a lei lhe confere, uma vez que não está obrigado a aceitar o perito ou a entidade indicada pela parte.
4ª - Termos em que deve o douto despacho recorrido ser revogado, por violação da lei substantiva - do artigo 388° do CC e da lei adjectiva - do artigo 568°/1 e 4 do CPC, por erro na interpretação e respectiva aplicação destas normas, e substituído por outro que ordene a perícia requerida pela ré, pois só assim se fará justiça.
Nas suas contra-alegações, a autora sustenta que deve ser mantido o despacho recorrido.
O Exº Juiz não se pronunciou, neste particular, nos termos e para os efeitos do preceituado pelo artigo 744º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC).
A sentença julgou a acção, parcialmente, provada e procedente, e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora uma indemnização de 141.017,15 euros, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, a contar da data do trânsito em julgado da mesma, condenando ainda a ré a pagar à autora uma quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre 19.584 euros e o valor dos benefícios fiscais de que a autora tenha beneficiado, por força das doações mencionadas na resposta ao quesito 15º, no mais julgando a acção improcedente, com a consequente absolvição da ré do pedido.
Desta sentença, a ré interpôs recurso de apelação, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as conclusões em que se suportam as questões a decidir.
Nas suas contra-alegações, a autora entende que deve ser mantida a sentença recorrida e julgado improcedente o recurso.

*

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir, em ambos os recursos, em função das quais se fixa o respectivo objecto, considerando que o «thema decidendum» dos mesmos é estabelecido pelas conclusões das correspondentes alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do CPC, são as seguintes:
I – A questão da admissibilidade da prova pericial.
II – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.
III – A questão da nulidade da sentença.
IV – A questão do montante dos danos indemnizáveis.

I.DA ADMISSIBILIDADE DA PROVA PERICIAL

A ré sustenta, nas alegações do agravo, que importa ordenar a perícia por si requerida, com vista a apurar, através das facturas e notas de crédito, os defeitos que recaíram sobre as telhas vendidas, porquanto os actos de comércio praticados entre empresas encontram-se, fiscal e contabilisticamente, sujeitos ao regime previsto no artigo 35°, do Código do IVA, e a perícia visa dotar o julgador dos elementos que lhe permitam, com rigor, apurar a veracidade dos factos.
Por seu turno, no requerimento da prova pericial, a ré solicita uma peritagem fiscal e contabilística às contas da autora e de várias empresas, com vista a apurar, nas relações comerciais existentes entre si, a facturação emitida pela autora, referente às vendas feitas a cada uma delas, as reclamações efectuadas e respectivas quantidades, traduzidas na anulação das facturas e consequente emissão de notas de débito e/ou de crédito e respectiva restituição do IVA, as guias de transporte das mercadorias devolvidas e as guias de remessa e respectivas quantidades.
A autora, ouvida em conformidade com o disposto pelo artigo 578º, nº 1, do CPC, opôs-se, terminantemente, à sua realização, por ser, manifestamente, ilegal, impertinente e dilatória.
A decisão recorrida considerou que pertence à autora, que alegou que lhe foram devolvidas mercadorias, e não à ré, o ónus da prova que esta pretende ver produzida, a qual, pela sua impertinência, e porque contende com factos cuja percepção ou valoração não exige especiais conhecimentos que escapam à experiência comum das pessoas ou à cultura geral dos juízes, não admitiu.
Dispõe o artigo 388º, do Código Civil (CC), que “a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.
A prova por arbitramento ou pericial traduz-se na percepção, por meio de pessoas idóneas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo Juiz, designadamente, que é a hipótese que aqui interessa considerar, por necessitar de conhecimentos científicos ou técnicos especiais, ou na apreciação de quaisquer factos, na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca de outros factos, caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 261..
Na verdade, quando a matéria de facto suscite dificuldades, de natureza técnica, cuja solução dependa de conhecimentos especiais que o Tribunal não possua, pode o Juiz, em qualquer estado da causa, nos termos do estipulado pelo artigo 649º, nº 1, do CPC, requisitar os pareceres técnicos indispensáveis ao apuramento da verdade dos factos.
A faculdade que a lei confere ao Juiz de requisitar os pareceres técnicos indispensáveis ao apuramento da verdade dos factos tem em vista auxiliar e esclarecer o Tribunal quanto ao exame e interpretação de factos que, pela sua natureza técnica, demandam conhecimentos especiais.
Porém, a função do técnico que elabora o parecer, nos termos do estipulado pelo artigo 649º, nº 1, é diversa da função dos peritos nomeados, em conformidade com o disposto pelo artigo 568º e seguintes, ambos do CPC.
Enquanto que, na prova pericial, o perito funciona como agente de prova, sendo ele que capta e aprecia os factos, o técnico que elabora o parecer, no âmbito do estipulado pelo artigo 649º, do CPC, não é agente de prova, mas mero auxiliar do verdadeiro agente, que é o Juiz, a quem pertence a observação e apreciação dos factos, ao passo que a esse técnico cabe prestar os esclarecimentos (pareceres técnicos) ao Juiz, como acontece com as partes Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV, 1981, 319 e 507..
O Tribunal «a quo» considerou como uma das razões explicativas da inadmissibilidade do exame pericial a circunstância de este contender com factos cuja percepção ou valoração não exige especiais conhecimentos que escapam à experiência comum das pessoas ou à cultura geral dos juízes.
Pretende a ré, através do exame pericial, o acesso à facturação emitida pela autora, referente às vendas, alegadamente, objecto de devolução, feitas a cada uma das aludidas empresas comerciais, devido a deficiências de fabrico, bem assim como às notas de débito e/ou de crédito e respectiva restituição do IVA, às guias de transporte das mercadorias devolvidas e às correspondentes guias de remessa.
O exame a realizar destina-se a analisar vários dos elementos da escrita em geral, quer da autora, quer dos terceiros a quem esta vendeu a mercadoria adquirida à ré, com vista a fazer prova das questões suscitadas nos autos, nomeadamente, daquelas a que aludem os pontos da base instrutória ou os quesitos da perícia.
Porém, consta da factualidade que ficou consagrada que a autora recebeu de vários clientes, concretamente, daqueles que estão identificados no documento de folhas 80 e 81, a partir de Março de 2001, reclamações referentes a produtos que estes lhe tinham comprado e que ela havia produzido com matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, mas que estava contaminada com calcite, com granulometria superior a 250 um, sendo certo que alguns desses clientes devolveram à autora, transportando para as instalações desta, os produtos que lhe tinham adquirido, e outros colocaram à sua disposição os artigos que lhe haviam comprado.
Entretanto, a autora, tendo verificado, previamente, o bem fundado das reclamações que lhe eram apresentadas por aqueles clientes, aceitou dar sem efeito as vendas desses produtos, ficando a dever-lhes as quantias por eles despendidas com a respectiva compra, por via da emissão de correspondentes notas de crédito, a favor deles, e custeou as despesas de remoção e substituição de alguns produtos que já estavam colocados em telhados.
Esta factualidade foi captada pelo Tribunal «a quo», conforme se alcança do teor do despacho de fundamentação de folhas 1019 e seguintes, nomeadamente, através dos depoimentos das testemunhas Tertuliano Gregório de Sousa, Eduardo de Sousa Pinto, Carlos Mota Conceição, Francisco Manuel de Sousa e José Carlos Bernardo, e bem assim como do teor das notas de crédito de folhas 726 a 757, inclusive, e dos documentos de folhas 79, 80 e 81.
Por outro lado, em relação à possibilidade da realização de inspecções ou exames às escriturações mercantis, dispõe o artigo 534º, do CPC, que “a exibição judicial, por inteiro, dos livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos rege-se pelo disposto na legislação comercial”.
A este propósito, estipula o artigo 42º, que “a exibição judicial da escrituração mercantil e dos documentos a ela relativos, só pode ser ordenada a favor dos interessados, em questões de sucessão universal, comunhão ou sociedade e no caso de insolvência”, acrescentando, porém, o artigo 43º, nº 1, que “fora dos casos previstos no artigo precedente, só pode proceder-se a exame da escrituração e dos documentos dos comerciantes, a instâncias da parte ou oficiosamente, quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida”, devendo o mesmo ter lugar, continua o respectivo nº 2, “…no domicílio profissional ou sede deste [comerciante], em sua presença, e é limitado à averiguação e extracção dos elementos que tenham relação com a questão”, todos do Código Comercial.
Assim sendo, o dever de cooperação para a descoberta da verdade e na administração da justiça, imposto às partes e a terceiros, a que aludem os artigos 519º, nº 1, 266º, 266º-A, 528º, 531º e 535º, todos do CPC, tem limites, ditados pela ideia de não exigibilidade, não prejudicando as regras próprias da legislação comercial, que prevalecem sobre aquelas, não se podendo requerer de comerciante que seja terceiro, nem a entrega, nem a exibição de livros da escrituração comercial ou de documentos a ela relativos, com ressalva das questões de sucessão universal, comunhão ou sociedade e no caso de insolvência Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV, 1981, 48 e 49; e III, 1981, 329 e 330..
Porém, o comerciante a quem pertença a escrituração a exibir ou a examinar e que não seja terceiro, apenas está sujeito às diligências requeridas pela parte contrária, desde que seja responsável por qualquer acto que imponha a sua realização.
As normas em análise pretendem conciliar, de forma proporcional, o direito ao segredo comercial e o princípio da cooperação com vista à descoberta da verdade material e na administração da justiça.
Efectivamente, a protecção da escrituração comercial pelo sigilo, de harmonia com o disposto nos artigos 41º e 30º, não constitui princípio absoluto, comportando, além do mais, os desvios contemplados pela possibilidade de «exibição judicial» e de «exame por apresentação», em conformidade com o estipulado pelos artigos 42º e 43º, todos do Código Comercial, respectivamente, preceitos esses que o artigo 524º, do Código de Processo Civil de 1939, a que corresponde, actualmente, o artigo 519º, nº 1, do CPC, aliás, não revogaram.
Enquanto, porém, a «exibição judicial» envolve o exame completo dos livros, permitindo uma devassa total da actividade profissional do comerciante, e só pode, por isso, ter lugar, nos casos, taxativamente, enumerados no artigo 42º, já o «o exame por apresentação» constitui, segundo o preceituado pelo artigo 43º, um exame restrito aos lançamentos que interessam à prova de determinado facto concreto, não assumindo, consequentemente, a mesma gravidade.
Por seu turno, o aludido dever de colaboração em nada afecta os regimes especiais estabelecidos nos mencionados artigos 42º e 43º, do Código Comercial, referentes à escrituração comercial, que se mantêm em pleno vigor, sendo certo, outrossim, que estes preceitos não respeitam apenas à produção de provas, tratando-se de normas de direito substantivo, de garantia do crédito dos comerciantes, do segredo e do êxito das suas operações STJ, de 15-6-93, BMJ nº 428, 607; e de 21-4-93, BMJ nº 426, 491..
O exame judicial limitado ou o exame por apresentação pode, assim, ser requerido, por qualquer das partes em litígio, supondo sempre uma acção judicial em que existam interesses controvertidos, sendo ainda susceptível de incidir sobre a escrituração de quem não seja posto em causa, desde que, apesar dessa circunstância, tenha interesse ou responsabilidade na questão em litígio, como acontece, nos casos de solidariedade activa ou passiva, não fazendo, porém, sentido entender que possuem interesse ou responsabilidade na questão controvertida, tão-só, pelo simples facto de os livros e os documentos pertencerem a qualquer das partes no processo, em virtude da sua existência ser inerente à própria qualidade de parte na acção STJ, de 21-4-93, BMJ nº 426, 491. .
Por isso, os peritos ou o Tribunal, na hipótese de inspecção judicial, não reproduzem as partes da escrita comercial, inspeccionadas ou examinadas, limitando-se a analisar os dados e a extrair as notas que entenderem convenientes, mas sempre no escritório do comerciante, evitando que a escrita, ou parte dela, esteja à disposição do Tribunal, fora do controlo daquele.
No caso em apreço, apesar de o exame pericial ter sido requerido pela ré, a autora só está sujeita ao exame da sua escrita comercial, em conformidade com o estipulado pelo artigo 43º, do Código Comercial, se tiver dado azo a essa diligência, se tiver interesse na questão ou se for responsável pelo facto de a ré necessitar do exame para comprovar que efectuou o pagamento do produto da venda.
Efectivamente, o exame pericial requerido pela ré não se traduz numa diligência de prova impertinente, porquanto tem a ver com pontos da base instrutória, nem dilatória, porquanto não pretende adiar, mas antes fornecer ao julgador elementos da escrita da sociedade autora, que podem ser importantes para a decisão da causa.
Porém, não é lícito o exame solicitado na escrituração e nos documentos de terceiros, estranhos ao processo, por falta de interesse ou responsabilidade destes na questão controvertida, o que neutralizaria a eventual admissibilidade do exame isolado na escrituração e nos documentos da autora, se outras razões, além do mais, o não desaconselhassem, como já se expôs.

II. DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Decorre, implicitamente, ao longo das alegações da apelação da ré, que esta se insurge contra os critérios que presidiram à apreciação e valoração da prova produzida nos autos e que obteve eco, designadamente, no despacho que procedeu às respostas da matéria contida na base instrutória.
Porém, a ser assim, importa, desde logo, salientar que a ré não indica os pontos concretos da base instrutória a alterar, nem o sentido de orientação das respostas a consagrar, passando ao lado da circunstância de haverem conhecido resposta explicativa cinquenta e oito dos sessenta e três pontos daquela peça, cinco dos quais tiveram resposta negativa.
Assim, invocando a ré, hipoteticamente, a necessidade de ser alterada a matéria dada como demonstrada ou não provada, não esclareceu quais os concretos pontos da base instrutória que tal requeriam, nem o sentido exacto das respostas que entende corresponderem, correctamente, à prova produzida nos autos.
Neste particular, registe-se que, segundo o texto preambular do DL nº 39/95, de 15 de Fevereiro, «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta do recurso», ou seja, o duplo ónus de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando, claramente, qual a parcela ou segmento da decisão proferida que considera viciada, por erro de julgamento, e de fundamentar, em termos concludentes, as razões por que discorda do decidido, indicando ou concretizando os meios probatórios, constantes de auto ou documento incorporado no processo ou de registo ou gravação nele realizada, que implicam decisão diversa da tomada pelo Tribunal, quanto aos pontos da matéria de facto impugnada pelo recorrente Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, 1999, 465. , tal como vem reproduzido no artigo 690º-A, nºs 1, a) e b), e 2, do CPC.
Por seu turno, o erro notório na apreciação da prova, enquanto vício da sentença, pressupõe um juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e que se torne incontestável a existência de erro de julgamento sobre a prova reduzida, isto é, verifica-se quando se emite tal juízo contra o que resulta de elementos que constem dos autos e cuja força probatória não haja sido infirmada ou de dados do conhecimento público generalizado, sob pena de, fora destes casos excepcionais, o erro notório relevante só poder resultar do texto da própria decisão recorrida, em virtude de o conhecimento da prova, oralmente, produzida em audiência se encontrar subtraído, pela sua intrínseca natureza, a qualquer reapreciação pelo tribunal de recurso.
O erro-vício, fundamento de anulação da decisão recorrida, há-de resultar do próprio texto da decisão, eventualmente conjugado com as regras da experiência comum, nos casos de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou de erro notório na apreciação da prova.
E o erro notório na apreciação da prova tem lugar quando, face a elementos constantes dos autos cuja falsidade não foi invocada, ou perante dados do conhecimento público generalizado, se dão por verificados ou não ocorridos certos factos, mostrando-se incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida, sendo certo que a invocação de contradições entre a decisão e a prova produzida em audiência é, em regra, improcedente, com o fundamento em erro notório na apreciação da prova, fora de um contexto de gravações, por exemplo, videográficas, do julgamento.
Assim sendo, este Tribunal da Relação entende que se devem declarar demonstrados os seguintes factos:
A ré é uma sociedade que se dedica à produção e comercialização de pedra e de outras matérias-primas para a construção e indústria, nomeadamente de dolomite, sendo da sua responsabilidade o embalamento da mercadoria - A).
Durante os anos de 2000 e 2001, a autora comprou à ré, que lhe vendeu, várias quantidades de dolomite, nos termos, preços e condições de pagamento descritos nos documentos juntos a folhas 16 a 62, cujo teor a sentença dá por, integralmente, reproduzido - B).
A partir de Agosto de 2001, a autora não mais comprou dolomite à ré - C).
A autora é uma sociedade que se dedica ao fabrico e subsequente comercialização de telhas, afins e outros acessórios cerâmicos - 1º.
A dolomite CaMg (CO3)2 - Carbonato de Cálcio e Magnésio; pertence à classe dos carbonatos e, dentro desta, ao grupo da dolomite. é usada, em cerâmica, para inibir o aparecimento de eflorescências coradas de sais solúveis de vanádio e para evitar libertações gasosas prejudiciais ao ambiente - 2º.
Quando encomendava as quantidades de dolomite, referidas em B), a autora exigia e a ré comprometia-se a entregar-lhe dolomite 70, com uma granulometria nunca superior a 100 um, sendo que 99% dessa dolomite deveria ter granulometria não superior a 70 um, não devendo existir qualquer calcite nessa dolomite - 3º.
A ré forneceu à autora, mais do que uma vez, nos anos de 2000 e 2001, designadamente, em 29 de Maio de 2001, matéria-prima que identificava como sendo dolomite 70, mas que tinha granulometria superior a 100 um e na qual também existia calcite CaCO3 - Carbonato de Cálcio; pertence à classe dos carbonatos e, dentro desta, ao grupo da calcite., com granulometria superior a 250 um, matéria-prima essa que a autora utilizou no fabrico de telhas, afins e acessórios cerâmicos - 4º, 5º, 43º – A.
Funcionários da autora suspeitaram, por mera visão a olho-nú, que existia matéria-prima com granulometria superior a 100 um, num dos sacos fornecidos pela ré, em 29 de Maio de 2001, e como contendo dolomite 70, o que aconteceu quando esse saco estava a ser aberto para o seu conteúdo ser introduzido na linha de produção da autora - 4º, 5º, 43º – B.
A autora colheu uma amostra da matéria-prima que existia no saco, referido na alínea B) da resposta aos quesitos 4º, 5º e 43º, e sujeitou-a a exame em laboratório especializado (Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro), tendo-se verificado, por referência a essa amostra, que existia matéria-prima com granulometria superior a 400 um e constituída essencialmente por calcite, bem assim como matéria-prima com granulometria inferior a 400 um, constituída por uma mistura de dolomite e calcite, tendo a autora tomado conhecimento do que acaba de ser referido, em data nunca anterior a 17 de Julho de 2001 - 4º, 5º, 43º - C.
A autora sujeitou a exame, em laboratório especializado (Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro), uma telha que tinha sido produzida com matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, a qual tinha sofrido rebentamentos superficiais (crateras), tendo-se verificado a presença de calcite no centro desses rebentamentos, sendo a calcite que provocou esses mesmos rebentamentos, tendo a autora tomado conhecimento do que acaba de ser referido, em data nunca anterior a 17 de Julho de 2001 - 4º, 5º, 43º - D.
A autora colheu partículas isoladas que existiam no interior do saco, referido na alínea B) da resposta aos quesitos 4º, 5º e 43º, e sujeitou-as a exame em laboratório especializado (Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro), tendo-se verificado que se tratava de calcite, tendo a autora tomado conhecimento do que acaba de ser referido, em data nunca anterior a 17 de Julho de 2001 - 4º, 5º, 43º - E.
A autora recolheu uma amostra da matéria-prima que existia no interior do saco, referido na alínea B) da resposta aos quesitos 4º, 5º e 43º, e efectuou ela mesmo um exame tendente a determinar a respectiva granulometria, tendo verificado que 29,4% da amostra tinha granulometria não inferior a 1000 um, que 47,4 % da amostra tinha granulometria não inferior a 500 um, que 58,9 % da amostra tinha granulometria não inferior a 250 um e que 65,6 % da amostra tinha granulometria não inferior a 125 um, de tudo isso tendo dado conhecimento à ré, por fax de 25 de Junho de 2001, o qual se encontra junto a folhas 67 e 68 dos autos e que a sentença dá por, integralmente, reproduzido - 4º, 5º, 43º - F.
A incorporação, no processo de fabrico de telhas, afins e acessórios cerâmicos, de calcite com granulometria superior a 250 um, provoca nesses produtos rebentamentos do tipo daqueles que estão referidos na alínea D) da resposta aos quesitos 4º, 5º e 43º - 6º, 44º - A.
Os rebentamentos, referidos na alínea A) da resposta aos quesitos 6º e 44º, são provocados pelo contacto da calcite também aí referida com a humidade, mesmo a atmosférica, dependendo a duração do período de tempo até ao qual se registam tais rebentamentos de vários factores, como o período de exposição à humidade, o tamanho das partículas de calcite, o teor da humidade - 6º, 44º - B.
A incorporação, no processo de fabrico de telhas, afins e acessórios cerâmicos, de dolomite com granulometria superior a 700 um, provoca nesses produtos rebentamentos do tipo daqueles que estão referidos na alínea D) da resposta aos quesitos 4º, 5º e 43º - 6º, 44º - C.
A utilização, pela autora, no fabrico de telhas, afins e outros acessórios cerâmicos, de matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, mas na qual existia calcite com granulometria superior a 250 um, provocou rebentamentos superficiais (crateras), nesses produtos, bem assim como o aparecimento neles de partículas de cor branca - 7º, 45º - A.
As anomalias, referidas na alínea A) da resposta aos quesitos 7º e 45º (rebentamentos; partículas de cor branca), só são detectadas, muitas das vezes, depois da instalação dos produtos (telhas, afins e acessórios), pelo cliente final - 7º, 45º - B.
Só era possível detectar a presença de calcite com granulometria superior a 250 um na matéria-prima fornecida pela ré à autora, como sendo dolomite 70 e, assim, impedir a utilização dessa calcite no fabrico de telhas, afins e acessórios cerâmicos, se durante o processo de produção desses produtos tivesse sido feito um controlo sistemático e integral da composição química e da granulometria das matérias-primas fornecidas pela ré à autora, o que esta não fez, por confiar no compromisso da ré de que forneceria apenas e só dolomite, sempre com granulometria não superior a 100 um - 7º, 45º - C.
Era possível detectar a presença de calcite nos materiais produzidos pela autora com matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, mas na qual existia calcite com granulometria superior a 250 um, se os materiais assim produzidos fossem sujeitos a controlo de qualidade que envolvesse a colocação dos mesmos em contacto com água ou a sistemática determinação da composição química deles, o que a autora não fez por confiar no compromisso da ré de que forneceria apenas e só dolomite, sempre com granulometria não superior a 100 um - 7º, 45º - D.
Já depois de 25 de Junho de 2001, a ré informou a autora de que a contaminação da dolomite com calcite, designadamente com calcite de granulometria superior a 250 um, poderia ter ocorrido na embalagem dos sacos correspondentes (Big Bags) - 46º.
Por sugestão da ré, a autora passou a comprar-lhe dolomite em sacos de 50 Kgs, até ao dia 23 de Agosto de 2001, dado que, segundo a ré, a embalagem de dolomite nestes sacos era feita em termos que tornavam impossível a contaminação de dolomite com calcite, designadamente com calcite com granulometria superior a 250 um, sendo que entre 25 de Junho de 2001 e 23 de Agosto de 2001, a autora ainda comprou à ré, dada a garantia prestada por esta, 156 toneladas de produto que a ré denominava dolomite 70 - 38º, 47º.
Apesar da garantia prestada pela ré e que está referida na resposta aos quesitos 38º e 47º, por cautela e tendo em vista controlar a granulometria da matéria-prima que lhe era fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, a autora colocou peneiros de 300 um nas suas linhas de produção, tendo constatado que continuavam a aparecer, naquela matéria-prima, partículas com granulometria superior a 300 um - 48º, 49º.
Na sequência do referido na resposta aos quesitos 48º e 49º e das reclamações por isso apresentadas pela autora à ré, funcionários daquela e desta procederam à peneiração de matéria-prima fornecida pela ré à autora, em sacos de 50 Kgs, como sendo dolomite 70, utilizando-se, para o efeito, peneiros de 300 um, tendo todos confirmado que naquela matéria-prima existia material com granulometria superior a 300 um - 50º, 51º.
Os rebentamentos do tipo dos referidos nas respostas aos quesitos 4º, 5º, 6º, 7º, 43º, 44º e 45º causam mau aspecto e degradação nos produtos em que se verificam, particularmente nas telhas e afins, designadamente pequenas fracturas, crateras e manchas de cor contrastante com o restante material, além de que podem conduzir a infiltrações de águas, inviabilizando-se, assim, a utilização das telhas e afins em causa para a função com vista à qual foram produzidos e vendidos - 8º.
O referido nas respostas aos quesitos 6º, 7º, 8º, 44º e 45º constituiu impedimento comercial a que a autora vendesse e venda os produtos que produziu com utilização de matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, mas em que se encontrava calcite com granulometria superior a 250 um - 9º.
Dado o referido na resposta ao quesito 9º, a autora ficou impedida de vender e mantém nas suas instalações os produtos melhor identificados e descriminados a folhas 79 dos autos, que a sentença dá por reproduzida, produtos esses que produziu com matéria-prima fornecida pela ré e contaminada com calcite com granulometria superior a 250 um, ascendendo a 41.870,70 euros, sem IVA, e a 48.331,37 euros, com IVA, o valor comercial desses produtos - 10º, 11º.
A autora recebeu de vários clientes seus, concretamente daqueles que estão identificados no documento de folhas 80 e 81, a partir de Março de 2001, reclamações referentes a produtos que esses clientes tinham comprado à autora e que ela tinha produzido com matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, mas que estava contaminada com calcite com granulometria superior a 250 um, reclamações por via das quais era dado conhecimento à autora do aparecimento nesses produtos de deficiências do tipo das descritas nas respostas aos quesitos 6º a 8º, 44º e 45º - 12º - A.
Alguns desses clientes devolveram à autora, transportando para as instalações desta, os produtos que lhe tinham adquirido - 12º - B.
Outros clientes colocaram à disposição da autora os produtos que lhe tinham comprado, devendo a autora providenciar, se quisesse, pelo transporte deles para as suas instalações - 12º - C.
Tendo verificado, previamente, o bem fundado das reclamações que lhe eram apresentadas por aqueles clientes, a autora aceitou dar sem efeito as vendas desses produtos a esses clientes, aceitou ficar a dever-lhes as quantias por eles despendidas com a compra daqueles produtos, por via da emissão de correspondentes notas de crédito a favor deles, e aceitou custear as despesas de remoção e substituição de alguns produtos que já estavam colocados em telhados - 12º - D.
A autora satisfez os direitos de crédito que reconheceu aos seus clientes, nos termos mencionados na alínea D) da resposta ao quesito 12º, e custeou as despesas de remoção e de substituição que, também, aí se referiram, tendo, com isso, despendido a quantia global de 79.146,45 euros, sem IVA, tudo nos termos que melhor resultam discriminados no documento de folhas 80 e 81 dos autos, que a sentença dá por, integralmente, reproduzido - 12º - E.
Para lá dos produtos que a autora ficou impedida de vender e que estão referidos na resposta aos quesitos 10º e 11º, a autora ofereceu aos Bombeiros Voluntários de Pombal, à Junta de Freguesia das Meirinhas e à ART - Associação de Recuperação de Toxicodependentes, que aceitaram a oferta, produtos que tinha produzido com utilização da matéria-prima referida na resposta ao quesito 9º e que, por isso, não podia vender, produtos esses que valiam, se não padecessem dos defeitos daí decorrentes, 19.584 euros, sem IVA, tendo essas entidades sido, previamente, informadas das deficiências que se registavam no material oferecido - 15º.
A autora tinha, no mercado, fama de produzir materiais da melhor qualidade, imagem que foi atingida pelo facto de ter vendido produtos que produziu com utilização de matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, mas em que se encontrava calcite com granulometria superior a 250 um, com as consequências melhor referidas na alínea A) da resposta aos quesitos 7º e 45º e na resposta ao quesito 8º, de tudo tendo resultado uma menor procura dos produtos vendidos pela autora e desconfianças na mente dos consumidores - 16º, 17º.
A ré comprometeu-se a fornecer à autora dolomite 70, em cuja composição não poderiam entrar substâncias com granulometria superior a 100 um, devendo 99% dessa dolomite ter granulometria não superior a 70 um, toda livre de impurezas ou de outras circunstâncias que, de alguma forma, fossem susceptíveis de adulterar o fim a que se destinavam os produtos a ser produzidos com essa dolomite - 18º.
A presença de calcite na matéria-prima fornecida pela ré à autora, como sendo dolomite 70, foi desconhecida pela autora até, pelo menos, 17 de Julho de 2001, dado o referido na alínea C) da resposta aos quesitos 7º e 45º - 19º - A.
Até ao momento, referido na alínea B) da resposta aos quesitos 4º, 5º e 43º, a autora não logrou detectar a presença na matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, de material com granulometria superior a 100 um, uma vez que a matéria-prima fornecida pela ré o era em sacos fechados que eram carregados nas instalações da ré e dado que a autora não procedia a um controlo da granulometria do material fornecido pela ré, por confiar no compromisso por esta assumido de que não fornecia material com granulometria superior a 100 um - 19º - B.
Se não for realizado o controlo de qualidade, referido na alínea D) da resposta aos quesitos 7º e 45º, os efeitos da utilização de calcite com granulometria superior a 250 um, na fabricação de telhas, afins e acessórios cerâmicos, só se manifestam, a maior parte das vezes, depois da venda e, mesmo, da instalação desses produtos - 19º - C.
Só, a partir de Março de 2001, é que a autora tomou conhecimento do aparecimento, em produtos que tinha produzido com matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, mas que estava contaminada com calcite, de deficiências do tipo das descritas nas respostas aos quesitos 6º a 8º, 44º e 45º - 19º - D.
A matéria-prima fornecida pela ré à autora, como sendo dolomite 70, mas que se encontrava contaminada por calcite com granulometria superior a 250 um, era absolutamente inútil para o fim a que a mesma se destinava, ou seja, a produção de telhas, afins e acessórios cerâmicos - 20º.
A telha lusa branca e hidrofogada, produzida pela autora com a matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, tinha um custo de produção de 0,561 euros e um preço de revenda indicativo de 0,71 euros, sem prejuízo de reduções que a autora aceitava introduzir neste preço, em alguns negócios de venda deste produto - 21º - A.
A telha lusa branca vidrada, produzida pela autora com a matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, tinha um custo de produção de 0,75 euros e um preço de revenda indicativo de 1,44 euros, sem prejuízo de reduções que a autora aceitava introduzir neste preço, em alguns negócios de venda deste produto - 21º - B.
A telha lusa sintra vidrada, produzida pela autora com a matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, tinha um custo de produção de 0,75 euros e um preço de revenda indicativo de 1,44 euros, sem prejuízo de reduções que a autora aceitava introduzir neste preço, em alguns negócios de venda deste produto - 21º - C.
O beirado bica sintra vidrado transparente, produzido pela autora com a matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, tinha um custo de produção de 0,922 euros e um preço de revenda indicativo de 2,35 euros, sem prejuízo de reduções que a autora aceitava introduzir neste preço, em alguns negócios de venda deste produto - 21º - D.
O beirado capa branco vidrado transparente, produzido pela autora com a matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, tinha um custo de produção de 0,846 euros e um preço de revenda indicativo de 2,35 euros, sem prejuízo de reduções que a autora aceitava introduzir neste preço, em alguns negócios de venda deste produto - 21º - E.
O telhão luso branco início vidrado, produzido pela autora com a matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, tinha um custo de produção de 0,974 euros e um preço de revenda indicativo de 9,74 euros, sem prejuízo de reduções que a autora aceitava introduzir neste preço, em alguns negócios de venda deste produto - 21º - F.
O canto 11 peças sintra vidrado, produzido pela autora com a matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, tinha um custo de produção de 10,096 euros e um preço de revenda indicativo de 44,62 euros, sem prejuízo de reduções que a autora aceitava introduzir neste preço, em alguns negócios de venda deste produto - 21º - G.
O telhão luso branco, produzido pela autora com a matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, tinha um custo de produção de 0,778 euros e um preço de revenda indicativo de 1,31 euros, sem prejuízo de reduções que a autora aceitava introduzir neste preço, em alguns negócios de venda deste produto - 21º - H.
O remare luso branco, produzido pela autora com a matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, tinha um custo de produção de 0,381 euros e um preço de revenda indicativo de 0,38 euros, sem prejuízo de reduções que a autora aceitava introduzir neste preço, em alguns negócios de venda deste produto - 21º - I.
O beirado bica branco, produzido pela autora com a matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, tinha um custo de produção de 0,747 euros e um preço de revenda indicativo de 1,03 euros, sem prejuízo de reduções que a autora aceitava introduzir neste preço, em alguns negócios de venda deste produto - 21º - J.
O beirado capa branco, produzido pela autora com a matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, tinha um custo de produção de 0,713 euros e um preço de revenda indicativo de 1,03 euros, sem prejuízo de reduções que a autora aceitava introduzir neste preço, em alguns negócios de venda deste produto - 21º - L.
O canto 11 peças branco vidrado, produzido pela autora com a matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, tinha um custo de produção de 10,096 euros e um preço de revenda indicativo de 44,62 euros, sem prejuízo de reduções que a autora aceitava introduzir neste preço, em alguns negócios de venda deste produto - 21º - M.
O beirado bica branco vidrado transparente, produzido pela autora com a matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, tinha um custo de produção de 0,922 euros e um preço de revenda indicativo de 2,35 euros, sem prejuízo de reduções que a autora aceitava introduzir neste preço, em alguns negócios de venda deste produto - 21º - N.
A telha canudo mini vidrada, produzida pela autora com a matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, tinha um preço de revenda indicativo de 1,03 euros, sem prejuízo de reduções que a autora aceitava introduzir neste preço, em alguns negócios de venda deste produto - 21º - O.
No período compreendido, entre 1 de Janeiro de 1996 e 23 de Agosto de 2001, a ré e a autora mantiveram relações comerciais, no âmbito das quais a primeira vendeu à segunda 2.792.000 Kgs de um produto, denominado dolomite 70 - 22º.
Tais mercadorias sempre foram entregues à autora, nas instalações da ré, sitas em Casal da Fisga, Rio Maior, onde eram carregados os respectivos sacos, sendo da responsabilidade da autora a carga, o transporte, a descarga, a armazenagem e demais manuseamentos das mesmas - 23º.
Até 29 de Maio de 2001, o produto denominado dolomite 70, fornecido pela ré à autora, foi-o em sacos de 1.000 Kgs, devidamente fechados; a partir de 29 de Maio de 2001, também houve fornecimentos, em sacos de 50 Kgs, devidamente fechados, por parte da ré à autora, do produto denominado dolomite 70 - 24º.
O processo de fabrico do produto que a ré forneceu à autora é feito em circuito fechado e interno, hermeticamente fechado, dependendo a composição química do produto final da composição química dos produtos utilizados na fase inicial desse processo (pedras a serem colocadas na tala de alimentação em que se inicia o processo de produção) - 25º.
Terminado o respectivo processo de fabrico, o produto fabricado é colocado em sacos, que são fechados e, assim, vendidos aos clientes, designadamente à autora - 26º.
A ré nunca recebeu reclamações de quaisquer outros clientes a quem forneceu matéria-prima, identificada como sendo dolomite 70, apesar de ter vendido a vários outros clientes, até 31 de Dezembro de 2001, várias toneladas dessa matéria-prima - 29º.
A ré submete a matéria-prima que produz e depois vende, como sendo dolomite 70, a controlos granulométricos, seja por via lazer, seja por via húmida, na fase final do respectivo processo de produção e durante a sua carga pelos clientes compradores - 30º e 31º - A.
Os controlos granulométricos, por via húmida, feitos na fase final do processo de produção, são levados a cabo, de hora a hora, devendo cerca de 99% do produto ter granulometria não superior a 70 um, o que nem sempre acontece - 30º e 31º - B.
São esporádicos os controlos granulométricos feitos na fase da carga, devendo cerca de 99% do produto ter granulometria não superior a 70 um, o que nem sempre acontece - 30º e 31º - C.
Se a autora tivesse sujeitado toda a mercadoria que a ré lhe vendeu, como sendo dolomite 70, a um controlo granulométrico e químico, teria constatado que alguma daquela mercadoria continha calcite com granulometrias diversas, incluindo calcite com granulometria superior a 250 um, não sendo a mesma introduzida no processo de fabrico dos produtos que a autora fabrica e comercializa - 33º.
Não se provou que a presença de calcite, em telhas, afins e outros acessórios produzidos pela autora, tenha resultado de qualquer outra contaminação decorrente de qualquer outra causa que não seja a presença de calcite na matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70 - 34º.
Os produtos, referidos na resposta ao quesito 15º, estão a ser usados, não tendo sido apresentada qualquer reclamação, pelas instituições donatárias dos mesmos - 36º.
No dia 29 de Maio de 2001, a ré forneceu à autora 24 sacos de 1.000 Kgs cada, de um produto que denominava dolomite 70, entre os quais se conta o que está referido nas alíneas B), C) e E) da resposta aos quesitos 4º, 5º e 43º, tendo todos esses sacos sido carregados, no mesmo dia e uns a seguir aos outros, nas instalações da ré, para um veículo da autora, sendo que todo esse produto resultou do mesmo processo e técnicas de fabrico - 37º.
Os sacos onde o produto fornecido pela ré à autora foi embalado, destinam-se a conter pó, no seu interior, não sendo susceptíveis, enquanto permanecem fechados, de permitir a entrada de partículas de pó para o seu interior - 39º.
Os sacos onde foi embalado o produto vendido pela ré à autora, foram fornecidos pela ré, sendo que a embalagem do produto e o fornecimento dos sacos fazem parte do acordo que a autora e a ré celebraram, com vista ao fornecimento do produto - 40º.
A ré tem um estabelecimento comercial - 53º.
Se estivesse e estiver a funcionar em condições de perfeição e sem qualquer espécie de anomalia, o processo que a ré utilizava e utiliza no fabrico da matéria-prima que comercializava e comercializa, como sendo dolomite 70, compreende diversas fases, a saber:
Þ extracção nas pedreiras e transporte para a unidade fabril da ré das pedras que vão ser utilizadas naquele processo de fabrico, pedras essas que entram numa talva de alimentação da fábrica, passando por um separador de terras;
Þ de seguida, as pedras entram numa britadeira que as reduz a britas com espessura compreendida entre 0 a 8 ctms, sendo essas britas transportadas numa tela transportadora para outra talva que alimenta três 3 moinhos de martelos que reduzem o produto a dimensões compreendidas entre os 0 e 0, 6 mm;
Þ o produto acabado de referir é, depois, transformado em pó que é separado por um separador aerodinâmico e aspirado por um sistema de ventilação que o transporta por aspiração a cerca de 20 mts de altura, sendo aí descarregado por dois ciclones que separam o pó do ar, após o que o produto passa para o ciclo de armazenagem, para o efeito do que é previamente conduzido para um alimentador estanque, que o descarrega em silos;
Þ depois de entrar nos silos, o produto final é directamente ensacado em sacos, as mais das vezes de uma tonelada cada, sacos esses que são fechados e assim vendidos aos clientes, entre os quais se contava a autora - 56º a 58º - A.
O processo que a ré utilizava e utiliza, no fabrico da matéria-prima que comercializava e comercializa, como sendo dolomite 70, permitia e permite evitar a contaminação daquela matéria-prima com calcite ou com qualquer outra substância que lhe seja estranha, se a ré só utilizar pedras de dolomite naquele processo, e se o mesmo estiver a funcionar em condições de perfeição e sem anomalias, condicionantes essas que não se provou que se tenham registado na concreta produção da matéria-prima fornecida pela ré à autora, como sendo dolomite 70, mas que estava contaminada de calcite - 56º a 58º - B.
A dolomite é um carbonato de magnésio e de cálcio, em cuja composição entram, entre outros, o óxido de cálcio, numa percentagem que varia entre os 35% e os 40%, e o óxido de magnésio, numa percentagem que varia entre os 15% e os 20% - 59º.
A dolomite é uma matéria-prima que a autora usa no seu processo de fabrico de telhas, afins e acessórios cerâmicos - 61º.

III. DA NULIDADE DA SENTENÇA

Entende ainda a ré que o Tribunal «a quo» incorreu em erro de julgamento, determinante da nulidade da sentença, por violação do disposto pelo artigo 668º, nº 1, b), c), d) e e), do CPC.
Dispõe o artigo 668º, nº 1, do CPC, que “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão [b], quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão [c], quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento [d] e quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido [e]”.
Defende a ré que a sentença é nula porque não especificou os fundamentos de facto que justificam a decisão proferida.
Porém, a falta de motivação, a que alude o artigo 668º, nº 1, b), do CPC, consiste na total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão, e não, apenas, numa incompleta ou deficiente especificação dessa matéria STJ, de 1-3-90, BMJ nº 395, 479. .
Assim, através do exame do despacho que contém as respostas proferidas em relação à matéria integrante da base instrutória, constante de folhas 1019 a 1033, resulta bem evidente o complexo fáctico que ficou demonstrado, e bem assim como a análise crítica circunstanciada da motivação em que se fundou a convicção do Tribunal «a quo».
Por seu turno, aí se refere que a testemunha Vítor Manuel Carreira Domingues, que trabalha no sector de produção da autora, desde há cerca de 31 anos, detectou, a olho-nú, que num dos sacos de matéria-prima fornecida pela ré, em 29 de Maio de 2001, existia produto com granulometria, claramente, superior à máxima que o dolomite 70 pode conter.
Efectivamente, ficou ainda demonstrado que, no dia 29 de Maio de 2001, a ré forneceu à autora vinte e quatro sacos dolomite 70, contendo cada qual 1000 Kgs, entre os quais se encontrava aquele a que se reportam as alegações de recurso da ré, com granulometria superior a 400 um, essencialmente, proveniente de calcite, bem assim como matéria-prima com granulometria inferior a 400 um, constituída por uma mistura de dolomite e calcite, tendo a autora tomado conhecimento do sucedido, nunca antes de 17 de Julho de 2001.
A isto acresce que todos esses sacos foram carregados, no mesmo dia, uns a seguir aos outros, nas instalações da ré, resultando todo esse produto do mesmo processo e técnicas de fabrico, sendo certo que a ré tem um estabelecimento comercial que, se estivesse e estiver a funcionar em condições de perfeição e sem qualquer espécie de anomalia, condicionantes essas que não se provou que se tenham registado, na concreta produção da matéria-prima fornecida pela ré à autora, alegadamente, como sendo dolomite 70, permitiria evitar a contaminação daquela matéria-prima com calcite ou com qualquer outra substância que lhe seja estranha, desde que a ré, igualmente, só utilizasse pedras de dolomite naquele processo de fabricação.
Ora, não faltando, em absoluto, a fundamentação, poderá haver fundamentação errada, que contende, apenas, com o valor lógico da sentença, sujeitando-a a alteração ou revogação, em sede de recurso, mas sem que produza a respectiva nulidade Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, III, 1970, 232 e 233..
E, quanto à invocada falta de conhecimento oficioso da excepção da prescrição decorrente do facto de a autora ter deixado precludir todos os prazos que tinha para reclamar os defeitos dos produtos que lhe estavam a ser fornecidos pela ré, por facto que lhe é, exclusivamente, imputável, para além de se tratar de um prazo de caducidade e não de prescrição, como resulta do estipulado pelos artigos 916º, 917º e 298º, nº 2 Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 1997, 212 e 213; Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial), Contratos, 2000, 135; RC, de 13-4-99, CJ, Ano XXIV, T2, 32., a mesma não pode ser apreciada, oficiosamente, pelo Tribunal, por não ter sido estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, necessitando de ser invocada por aquele a quem aproveita, atento o disposto pelos artigos 333º, nºs 1 e 2, e 303, todos do CC.
Por outro lado, para efeitos de ser dado como demonstrado que alguns clientes da autora reclamaram, junto desta, os defeitos do produto que à mesma tinha sido vendido pela ré, não importava, manifestamente, que aqueles tivessem denunciado os vícios ou a falta de qualidade da coisa, dentro dos prazos consagrados pelo artigo 916º, do CC, porquanto os mesmos não são parte na acção e a materialidade desse facto não exige o estrito cumprimento da formalidade que a mesma importa.
Com efeito, uma coisa é a demonstração da denúncia do defeito, efectuada por quem não é parte na acção, e outra, bem distinta, é a conformação da mesma, de modo a poder configurar, validamente, o exercício do direito correspondente.
Diga-se ainda que não consubstancia nulidade de sentença, por omissão de pronúncia, mas antes eventual erro de julgamento da matéria de facto, a não apreciação de documentos juntos aos autos, que, a sê-lo, poderia levar a decisão de sinal contrário.
No caso dos autos, também, se não verifica o vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, porquanto esta nulidade ocorre quando o raciocínio do juiz aponta num sentido e, no entanto, decide em sentido oposto, ou, pelo menos, em sentido diferente Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 1984, 671., quando os fundamentos jurídicos invocados na sentença conduziriam, logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V, 1981, 141., enquanto que, na realidade, o que se passa é uma divergência de avaliação, por parte da recorrente, sobre o significado dos factos, factos estes que o Tribunal, ao abrigo do princípio da liberdade de julgamento, consagrado pelos artigos 396º, do CC, e 655º, nº 1, do CPC, valorou, de forma diferente, apreciando, livremente, as provas, segundo a sua prudente convicção.
A nulidade da sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão, é realidade distinta do erro de julgamento, de facto ou de direito, e pressupõe que os primeiros conduzam, logicamente, a decisão diversa da que foi proferida, não sendo caso de nulidade de sentença, por contradição entre os seus fundamentos e a decisão, mas antes de erro de julgamento, aquele em que a subsunção da factualidade consagrada ao Direito aplicável conduz a uma solução jurídica distinta da estabelecida STA, de 21-10-98, Acórdãos Doutrinais do STA, 448º, 478..
E a omissão de pronúncia consiste no facto de o juiz ter deixado de proferir decisão sobre questão que devia apreciar, traduzindo o incumprimento, por parte daquele, do dever de julgar, prescrito no artigo 660º, nº 2, do CPC, não se devendo confundir a «omissão de pronúncia» com o «erro de apreciação» ou «erro de julgamento» de qualquer ponto controvertido, o qual só pode ser sindicado, em sede de recurso jurisdicional reportado ao mérito.
Como assim, não ocorre omissão de pronúncia se a sentença se absteve, expressamente, de conhecer de questões suscitadas, «ex novo», pelo recorrente STA, de 20-3-97, BMJ nº 465, 616..
Efectivamente, neste particular, importa registar que a ré suscita, nas alegações da apelação, como questões novas, a não relevância, para efeitos de responsabilidade daquela, de todos os fornecimentos efectuados, após 25 de Junho de 2001, em virtude do sistema de auto-controlo accionado pela autora, a ausência de válidas reclamações dos fornecimentos, por parte de outros clientes da autora, e a contribuição desta para o agravamento dos danos.
Porém, a apelante não suscitou, na contestação, essa problemática, o que constitui uma questão nova vertida nas conclusões das alegações, e porque, também, não se traduz, em matéria indisponível, encontra-se vedada ao conhecimento do Tribunal da Relação, por força do preceituado pelos artigos 660º, nº 2, 664º e 684º, nºs 2 e 3, do CPC STJ, de 2-2-88, BMJ, nº 374, 449; de 14-10-86, BMJ nº 360, 526; de 16-7-81, BMJ, nº 309, 283. .
Finalmente, diz a ré que a sentença recorrida padece do vício da nulidade, por ter condenado em quantia superior ao pedido e aos eventuais prejuízos, efectivamente, sofridos pela autora.
Com efeito, no articulado inicial, a autora formulou o pedido de condenação da ré a pagar-lhe, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, o montante de 191020,41€, sendo certo que a sentença recorrida, na parcial procedência da acção, condenou a ré a pagar à autora uma indemnização de 141017,15€, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, a contar da data do trânsito em julgado da mesma, e ainda uma quantia a liquidar, em execução de sentença, correspondente à diferença entre 19.584€ e o valor dos benefícios fiscais de que a autora tenha beneficiado, por força das doações mencionadas na resposta ao quesito 15º, no mais julgando a acção improcedente, com a consequente absolvição da ré no pedido.
Aliás, ao contrário do que a ré defende na contestação, o valor peticionado, no articulado inicial, a título de danos patrimoniais, no montante de 161020.41€, é inferior ao resultado da soma das suas várias parcelas, que ascendem a 163945,86€, pelo que, também, por esta via, o total não é superior ao somatório do conjunto das várias parcelas.
Assim sendo, não se alcança que a sentença esteja incursa neste apontado vício da nulidade que a ré argui.

IV. DO MONTANTE DOS DANOS INDEMNIZÁVEIS

Defende a ré que nada se provou quanto à verificação de danos de natureza não patrimonial.
A este propósito, ficou provado, contrariamente ao sustentado pela ré, que a autora tinha, no mercado, fama de produzir materiais da melhor qualidade, imagem esta que foi atingida pelo facto de ter vendido produtos que produziu com utilização de matéria-prima fornecida pela ré, como sendo dolomite 70, mas em que se encontrava calcite com granulometria superior a 250 um, de tudo tendo resultado uma menor procura dos produtos vendidos pela autora e desconfianças na mente dos consumidores.
Assim sendo, a menor procura dos produtos vendidos pela autora e as desconfianças verificadas na mente dos consumidores constituem uma inequívoca afectação da sua imagem comercial, com inquestionáveis repercussões no volume das respectivas vendas, representando um dano que, pela sua gravidade, merece a tutela do direito e, como tal, é passível de indemnização pecuniária, nos termos do estipulado pelo artigo 496º, nº 1, do CC Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 428; Vaz Serra, RLJ, Ano 113º, 96; STJ, de 21-3-95, BMJ nº 445, 487., mesmo em sede de responsabilidade civil contratual, em que se move a causa de pedir da acção STJ, de 8-2-2001, Revista nº 3546/01, Sumários nº 48; de 9-12-93, CJ (STJ), Ano I, T3, 174; e de 27-1-93, BMJ nº 423, 494..
Sem embargo de se não haver demonstrado o quantitativo da lesão verificada, expressa na medida da diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos, como critério de cálculo da indemnização, a que se reporta o artigo 566º, nº 2, do CC, importa, ainda assim, estabelecê-lo, com recurso à equidade, por falta de elementos suficientes para determinar com precisão os danos causados ao lesado, mas com afastamento do mecanismo da liquidação, em execução de sentença, atendendo ao grau da culpabilidade do responsável e à sua situação económica e do lesado, no montante de 10000,00€, tal como foi definido pela sentença recorrida.
Relativamente aos danos de natureza patrimonial, insurge-se a ré contra a sua condenação, na quantia global de 79146,45€, sem IVA, que a autora despendeu, em virtude dos direitos de crédito que reconheceu aos seus clientes e das despesas de remoção e de substituição, em consequência do bem fundado das reclamações que lhe foram apresentadas por aqueles, dando sem efeito as vendas desses produtos aos mesmos, aceitando ficar a dever-lhes as quantias por eles despendidas com a compra daqueles produtos, por via da emissão de correspondentes notas de crédito, a seu favor, e custear as despesas de remoção e substituição de alguns produtos que já estavam colocados em telhados.
Reapreciando a matéria de facto que ficou demonstrada, nomeadamente, o teor dos documentos de folhas 80 e 81, em que a mesma se baseou, neste particular, importa considerar que, totalizando 93105,04€ o valor das devoluções, incluindo o IVA aplicável, este no quantitativo de 12756,59€, ascende o diferencial a 80348,45€, e não a 79146,45€, conforme consta da sentença, o que, a poder tratar-se de um mero lapso material, não é desfavorável à ré, antes pelo contrário, mas que, de todo o modo, se não corrige, em conformidade com o estipulado pelos artigos 667º, nºs 1 e 2, do CPC, considerando que a autora o não solicitou.
Não ocorre, assim, como, aliás, já se disse, em momento anterior, o alegado vício da condenação em quantidade superior ao pedido, determinante da nulidade da sentença.
Improcedem, pois, com o devido respeito, as conclusões constantes da apelação da ré.

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CONCLUSÕES:

I – Enquanto que, na prova pericial, o perito funciona como agente de prova, sendo ele que capta e aprecia os factos, o técnico que elabora o parecer, no âmbito do estipulado pelo artigo 649º, do CPC, não é agente de prova, mas mero auxiliar do verdadeiro agente, que é o Juiz, prestando a este esclarecimentos (pareceres técnicos), como acontece com as partes.
II - O dever de cooperação para a descoberta da verdade e na administração da justiça, imposto às partes e a terceiros, não prejudica as regras próprias da legislação comercial que, em princípio, prevalecem sobre aquelas, não se podendo requerer de comerciante que seja terceiro, nem a entrega, nem a exibição de livros da escrituração comercial ou de documentos a ela relativos, com ressalva das questões de sucessão universal, comunhão ou sociedade e no caso de insolvência.
III - O erro notório na apreciação da prova verifica-se quando se emite um juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto contra o que resulta de elementos que constam dos autos e cuja força probatória não haja sido infirmada ou de regras da experiência comum, sob pena de, fora destes casos excepcionais, o erro notório relevante só poder resultar do texto da própria decisão recorrida, em virtude de o conhecimento da prova, oralmente, produzida em audiência se encontrar subtraído, pela sua intrínseca natureza, a qualquer reapreciação pelo tribunal de recurso.
IV - Não faltando, em absoluto, a fundamentação, poderá haver fundamentação errada, que contende apenas com o valor lógico da sentença, sujeitando-a a alteração ou revogação, em sede de recurso, mas sem que produza a nulidade.
V - Uma coisa é a demonstração da denúncia do defeito, efectuada por quem não é parte na acção, e outra, bem distinta, é a conformação da mesma, de modo a poder configurar, validamente, o exercício do direito correspondente.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar não provido o agravo e improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar, inteiramente, as doutas decisões recorridas.

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Custas, a cargo da ré-recorrente