Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
24/10.0GAIDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: PENA ACESSÓRIA DE EXPULSÃO DE ESTRANGEIROS
NACIONAIS DOS ESTADOS MEMBROS DA COMUNIDADE EUROPEIA
Data do Acordão: 11/02/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - CÍRCULO JUDICIAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART.ºS 34º, N.º 1, DO DECRETO-LEI N.º 15/93, DE 22 DE JANEIRO E 28º, DA LEI N.º 37/2006, DE 9 DE AGOSTO
Sumário: Sendo os arguidos cidadãos estrangeiros nacionais de Estados membros da Comunidade Europeia, não lhes é aplicável a pena acessória de expulsão do País, prevista no art.º 34º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, mas a de afastamento do território nacional, nos termos do art.º 28º, da Lei n.º 37/2006, de 9 de Agosto.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:
1. No Círculo Judicial de Castelo Branco, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, os arguidos:
- A..., vendedor ambulante de roupa, residente em França, actualmente em prisão preventiva no estabelecimento prisional de Lamego;
- B..., natural da Tunísia, residente em França, actualmente em prisão preventiva no estabelecimento prisional de Viseu; e
- C..., natural de França, actualmente em prisão preventiva no estabelecimento prisional de Viseu;
aos quais foi imputada, na acusação pública a fls. 299/307, a prática de factos susceptíveis de integrar em co-autoria material, na forma consumada, um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas anexas II-A, II-B e I-C, artigo 2.º, n.ºs 1 e 2, a contrario, da lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, e ao Mapa do artigo 9.º da Portaria 94/96, de 26 de Março.
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2. Por acórdão de 4 de Julho de 2011, o tribunal colectivo julgou a acusação procedente e, em consequência, proferiu decisão do seguinte teor:
A) Condenou cada um dos arguidos, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º/1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 6 (seis) anos de prisão;
B) Aplicou a cada um dos arguidos a pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 6 (seis) anos;
C) Declarou perdida a favor do Estado, nos termos do disposto no artigo 35.º/1 da Lei n.º 15/93 e 109.º/1 do Código Penal, a viatura Renault Express, com a matrícula …, bem como a balança apreendidas nos autos;
D) Determinou a restituição aos arguidos dos telemóveis e da quantia monetária apreendidos nos autos.
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3. Inconformado, o arguido A... interpôs recurso, tendo finalizado a respectiva motivação com as seguintes (transcritas) conclusões:
1.ª - As provas prestadas em audiência de julgamento não são suficientes para considerar o arguido culpado do crime pelo qual foi acusado.
2.ª - As declarações prestadas pelo arguido no primeiro interrogatório judicial não podem ser mais valorizadas que as prestadas em audiência, em particular se não se verificarem nas primeiras todas as condições humanas à sua tomada - cerca de 20 horas sem dormir, depois de terem sido submetidos a actos de violência física e psíquica, e comprovadamente terem sido algemados e submetidos a cárcere privado durante cerca de oito horas.
3.ª - Não está nos autos devidamente fundamentada a opção por diversas versões consideradas.
4.ª - As apreensões feitas nos autos em relação ao produto estupefaciente são ilegais por não serem feitas por OPC ou precedidas de mandato judicial.
5.ª - O momento processual que o arguido escolhe para falar em julgamento não pode ser utilizado em seu desfavor.
6.ª - O julgador imediato da prova oral prestada, porque imediata, está melhor qualificado para avaliar o seu conteúdo, a sua prestabilidade decisória, não podendo depois pretender defender mais valor às declarações prestadas perante outro decisor que não o de julgamento, só porque foram mais convincentes à tese da convicção formulada.
7.ª - O enquadramento factual do crime pelo qual o arguido foi condenado permite considerar mais justa a pena de prisão de 4 anos.
Entende assim terem sido violadas, pelo menos, as normas constantes dos artigos 125.º, 127.º, 128.º, 141.º, 178.º, 251.º, 253.º, 255.º, 257.º, 343.º, 355.º, 356.º, n.º 7, 374.º, n.º 2, todos do CPP.
Em cumprimento do disposto no art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, invoca o recorrente:
a) Ao longo das suas alegações, o arguido foi expondo os concretos pontos da matéria de facto que entende merecerem outra decisão, pretendendo assim ser dispensado de as repetir;
b) Contudo, por questões de sistematização e uma vez que pugna pela sua desresponsabilização, entende dever ser reapreciada a prova constante do depoimento de:
i. Todos os arguidos;
ii. As testemunhas E..., F... e G…. As passagens concretas são as transcritas.
Para poder concluir-se que o recorrente não praticou qualquer crime nem isoladamente nem em co-autoria com os restantes arguidos. Para poder concluir-se a final que são muito insuficientes as provas de que:
a) Viajou para Portugal em cumprimento de plano destinado a vender droga em comparticipação com os restantes arguidos;
b) Viajou com o arguido B...na mesma viatura;
c) Que entrou no “WW...” com o arguido B...;
d) Que se encontrava a vender estupefacientes;
e) que tivesse consigo produto estupefaciente;
f) que tivesse adquirido ou contribuído para a aquisição de produto estupefaciente.
Assim, e nos termos sobreditos,
Se pretende que, sendo proferida nova decisão que absolva o arguido do crime pelo qual foi condenado, se crê que seja reposta a justiça do caso.
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4. Na resposta que apresentou ao recurso, o Ministério Público defendeu a sua improcedência.
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5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em parecer a fls. 911/913, assumiu igual posição.
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6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrente não exerceu o seu direito de resposta.
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7. Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência.
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II. Fundamentação:
1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:
Conforme Jurisprudência constante e pacífica dos nossos tribunais superiores, são (tão só) as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação que delimitam e fixam o objecto do recurso.
Globalmente consideradas as conclusões do recurso interposto pelo arguido A..., são estas as questões suscitadas que cumpre apreciar e decidir:
A) Se a apreensão, efectuada no âmbito dos presentes autos, do produto estupefaciente é ilegal, por não ter sido feita por órgão de polícia criminal ou precedida de mandado judicial;
B) Valor probatório das declarações prestadas pelo recorrente no 1.º interrogatório de arguido detido;
C) Se o acórdão recorrido é nulo, por falta de fundamentação, nos termos do disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal;
D) Alterabilidade da matéria de facto provada;
E) Se alterada a matéria de facto, em consonância com a pretensão da recorrente, este deve ser absolvido do crime de tráfico de estupefacientes que lhe está imputado;
F) Assim não sucedendo, se a pena concreta imposta ao recorrente peca por excesso, sendo justificada a sua redução para 4 anos de prisão.
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2. No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos:
1. Na área desta comarca, junto ao parque de campismo, decorreu entre os dias 17 e 26 de Agosto o festival de música electrónica denominado WW... .

2. Com efeito, o local onde se realizava tal evento era vedado sendo necessário o pagamento da quantia de € 175,00 para aceder ao seu interior.

3. Em data não concretamente apurada, os arguidos A..., B... e C…, todos residentes em França, formularam o propósito de se deslocar a Idanha-a-Nova para frequentarem tal festival e uma vez no seu interior procederem à venda de diversos produtos estupefacientes, repartindo entre si os proveitos daquela actividade.

4. Na concretização de tal desígnio, os arguidos deslocaram-se para Idanha-a-Nova no veículo de marca Renault, modelo Express, de matricula …, propriedade de B..., e, após pagarem o preço do respectivo bilhete, acederam ao interior do festival.

5. No dia 19 de Agosto de 2010, a hora não concretamente apurada mas situada entre as 00.00 horas e as 04:00 da manhã, em plena execução do plano anteriormente traçado, em comunhão de esforços e repartição de tarefas, os arguidos encontravam-se no interior do recinto do Festival WW..., mais concretamente junto à zona da restauração, a vender produtos estupefacientes aos frequentadores do referido Festival, quando foram interceptados por, pelo menos, dois Relações Púbicas do festival.

6. Assim, nas circunstâncias de tempo e lugar supra mencionadas, os arguidos tinham consigo:
- um produto de cor amarela, com o peso bruto de 54,9gramas, dividido em 47 panfletos individuais, que após análise revelou conter ANFETAMINAS;
- 358 comprimidos de cor branca, que sujeitos a análise, 267 dos mesmos relevaram ser MDMA, com peso líquido de 78,692gramas, e um grau de pureza de 2,6%, suficientes para 20 doses individuais, substância essa proibida pela tabela II-A, sendo os restantes a substância MCPP, que não se encontra abrangida nas tabelas;
- um saco plástico contendo um produto com o peso bruto de 68,6 gramas, que submetido a exame revelou conter ANFETAMINAS, com peso líquido de 48,340gramas, e um grau de pureza de 0,5%, suficiente para 2 doses individuais;
- um produto de cor branca, com o peso líquido de 1,112gramas, que após análise revelou conter MDMA, com um grau de pureza de 2,4%, insuficiente para uma dose individual;
- dois sacos plásticos contendo uma substância com peso bruto 4 gramas, que submetida a exame revelou ser CANABIS, com peso líquido de 4,286g, e um grau de pureza de 6,6% THC, suficiente para 3 doses individuais, substância essa proibida pela tabela l-C;
- 711 micro-selos, cujo exame não revelou qualquer substância proibida;
- um telemóvel de marca Global High Tech, modelo HG-M160;
- um telemóvel da marca Sony Ericsson, modelo W595;
- um produto de cor amarela, com o peso bruto de 55,5 gramas, dividido em 49 panfletos individuais, que após análise revelou conter ANFETAMINAS;
- € 300,00 em dinheiro, repartido em 2 notas de € 50,00, 9 notas de €20,00, 1 nota de € 10,00 e 2 notas de €5,00;
- uma balança de precisão da marca USA WEIGHT, modelo Alabama, n.º 08606;
- as chaves do veículo de marca Renault, modelo Express, matricula …, propriedade de B...,
Sendo que todos os arguidos tinham consigo algum do produto estupefaciente supra mencionado.

7. O arguido C... conduziu dois Relações Públicas do festival ao veículo de marca Renault, modelo Express, matrícula …, propriedade de B..., encontrando-se oculto no interior das duas forras das portas da frente, que o primeiro desparafusou, os seguintes objectos:
- dois sacos plásticos contendo uma substância amarela com o peso bruto de 490 gramas, que sujeito a análise revelou conter ANFETAMINAS, com peso líquido de 194,142 gramas e 261,049 gramas, respectivamente, um grau de pureza de 8,9% e 8,5%, suficiente para 170 e 218 doses individuais, substância essa proibida pela tabela II-B;
- um produto de cor amarela com o peso bruto de 54,9 gramas, dividido em 40 panfletos individuais, que após exame revelou ser ANFETAMINAS.

8. Os 136 panfletos apreendidos nos autos, sendo que 40 deles se encontravam no interior do veículo, uma vez sujeitos a análise pericial revelaram conter ANFETAMINAS, com um peso líquido global de 143,960 g, um grau de pureza de 9,2%, revelando ser suficiente para 117 doses individuais, substância essa proibida pela tabela II-B.

9. Os arguidos adquiriram os produtos supra referidos a um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, todos contribuindo para a sua aquisição, que destinavam à venda e cedência aos consumidores que se encontrassem no WW... FESTIVAL, o que lograram concretizar nos termos descritos em 5.

10. Os arguidos, que conheciam a natureza estupefaciente das substâncias que detinham, agiram de forma livre, voluntária e consciente, de acordo com um plano previamente traçado e em repartição de tarefas, no que concerne a aquisição do produto e venda daquelas substâncias, cujo lucro pretendiam dividir entre si.

11. Tais substâncias excedem a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de dez dias.

12. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a mera posse, venda, distribuição ou cedência a terceiros dos produtos estupefacientes que detinham era proibida e punida por lei penal.

13. O arguido A... é o mais velho de dois irmãos, tendo a sua família sido abandonada pelo pai quando o arguido era ainda criança, inexistindo, há cerca de 25 anos, contactos entre pai e filho.

14. O arguido foi educado pela progenitora em ambiente intra-familiar afectuoso e em condições de estabilidade económica.

15. Frequentou a escola até aos 19 anos de idade, onde conseguiu obter formação na área da cozinha e restauração, tendo começado a trabalhar ainda na adolescência, conciliando o trabalho com os estudos; mais tarde mudou o ramo de actividade para a venda ambulante.

16. Com 23 anos (desde 2004) passou a viver em união de facto com uma cidadã francesa que já tinha um filho com dois anos (actualmente com 9 anos), de uma anterior relação, e da vivência em comum com o arguido nasceram dois filhos, agora com 4 anos e 6 meses e 2 anos e 3 meses de idade.

17. O arguido referiu auferir cerca de € 20.000,00 por mês, sendo o único suporte económico da família, já que a companheira não trabalha, sendo que pagam de renda de casa o montante mensal de € 750,00.

18. Desde os cerca de 20 anos de idade que é consumidor esporádico de anfetaminas, canabis e haxixe, essencialmente em contextos festivos.

19. O arguido B... é de origem tunisina, tendo nascido no seio de uma família radicada há vários anos no sul de França.

20. Os pais do arguido estão em processo de divórcio e o arguido, antes de ser preso, vivia sozinho, embora permanecesse algum tempo na casa dos progenitores.

21. O arguido frequentou durante dois anos um curso superior de turismo mas nunca trabalhou na sua área de formação, tendo optado por se dedicar à venda de t-shirts em mercados e festivais de música.

22. Tem um filho com cerca de dois anos e meio, que vive com a mãe, a quem o arguido entrega, a título de alimentos, a quantia mensal de € 250,00.

23. O arguido é consumidor ocasional de haxixe e anfetaminas, sobretudo em contextos festivos.

24. O arguido C... nasceu em França, no seio de uma família de origem espanhola, sendo um de oito irmãos; o pai é o único elemento activo dos progenitores, já que a mãe se dedicou a tempo inteiro à vertente doméstica e à guarda dos filhos.

25. O arguido frequentou o sistema de ensino francês até ao equivalente ao 9.º ano de escolaridade, tendo depois optado pela vertente profissional e, sem qualquer formação profissional específica, iniciou-se no sector da construção, onde reuniu alguma experiência como pintor.

26. Antes de vir para Portugal fez um estágio numa empresa ligada à comercialização e aplicação de pneus, tendo recebido uma proposta de trabalho da mesma empresa para quando regressasse a França.

27. Tem uma filha com cerca de dois anos de idade.

28. É consumidor de haxixe desde a adolescência, consumindo esporadicamente anfetaminas.

29. O arguido C... foi condenado:
- em 17 de Junho 2005, pela prática de um crime de roubo em conjunto, cometido em 29 de Janeiro de 2004, na pena de 2 meses de prisão com suspensão;
- em 20 de Agosto de 2009, pela prática de um crime de roubo qualificado por duas circunstâncias, cometido em 24 de Julho de 2006, na pena de 4 meses de prisão com suspensão.

30. O arguido B...não tem antecedentes criminais, sendo que em sede de antecedentes criminais nada se logrou apurar quanto ao arguido A....
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3. Relativamente aos factos não provados, está escrito no acórdão:
Para além dos que resultam logicamente excluídos da matéria de facto dada como provada, não se provou que:
1. Tenham sido os arguidos a repartir, com recurso à balança digital apreendida, parte do produto estupefaciente que adquiriram em doses individuais.

2. A quantia monetária apreendida constitua o respectivo produto das vendas de estupefaciente efectuadas pelos arguidos.
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5. Relativamente à motivação da decisão de facto, ficou consignado:
O Tribunal fundou a sua convicção:
1. Nas declarações dos arguidos:
- B..., que referiu conhecer o arguido A… há cerca de dois anos e o arguido C… há menos tempo; confirmou ter entrado no recinto onde se realizava o WW... por volta das 22 horas, tendo estacionado a carrinha apreendida nos autos, que lhe pertence, no local indicado por um segurança para o efeito; logo a seguir foi abordado por um indivíduo que lhe propôs vender-lhe anfetaminas, MDMA e LSD, por € 650,00, e ele, arguido, atendendo ao preço proposto e à quantidade de estupefaciente em causa, considerando que iria fazer um bom negócio, aceitou tal proposta; assim adquiriu tal produto, sendo que parte já se encontrava dividida e referiu que a sua intenção era destiná-lo ao seu consumo e da amiga com quem tinha vindo ao festival e ao consumo de amigos que viesse a encontrar no mesmo, tendo admitido que, eventualmente, poderia vender ou trocar parte desse produto estupefaciente; referiu ter guardado parte do produto no seu carro, tendo guardado consigo duas pequenas bolas de anfetaminas e os selos que supunha serem de LSD e dirigiu-se à zona de restauração, onde veio a encontrar os outros dois co-arguidos, que aí se encontravam a comer, todos tendo estado a conversar alguns minutos; entretanto foi buscar comida e regressou para o local onde se encontravam os restantes arguidos sendo que, mal regressou apareceram vários seguranças que os abordaram (aos três arguidos), agrediram-nos e imobilizaram-nos, tendo ele atirado para o chão as bolas de anfetaminas e o LSD, produtos que foram apanhados pelos ditos seguranças; o arguido referiu ainda que, de seguida, os três arguidos foram levados para uma barraca e passado algum tempo levaram-no ao carro dele, que revistaram, sendo que ele, arguido, entregou o estupefaciente que aí havia guardado aos seguranças do Festival; referiu ainda ter pedido emprestada a balança apreendida nos autos a um cidadão francês que viu no sítio dos restaurantes, para pesar o que tinha comprado e que não a devolveu logo porque queria ainda pesar o que tinha guardado no carro, versão esta dos factos, no que toca à posse da dita balança que não se mostra minimamente razoável nem convincente;
- Os arguidos A… e C… prestaram declarações coincidentes entre si, no essencial:
Vieram de França inseridos num grupo de 5 no automóvel da companheira do A..., que avariou em Espanha;
Os três arguidos conheciam-se de França, ainda que, em relação ao B..., de forma mais superficial;
Encontraram o B...já no festival;
Foram abordados por 10 a 15 indivíduos que lhes bateram e os conduziram até a um barracão, onde foram revistados.
Em julgamento o arguido B...assumiu que lhe pertencia todo o produto estupefaciente apreendido, com excepção da erva, que o arguido C... disse ser dele.
Refira-se, a propósito e para melhor se compreender a dinâmica e a produção da prova que, inicialmente, apenas o arguido B... quis prestar declarações e que os restantes arguidos apenas o fizeram no final da segunda sessão de julgamento, quando faltava ouvir apenas uma testemunha de acusação que, nesse dia não estava presente.
Na sequência das declarações dos arguidos A... e C..., coincidentes também com as prestadas em julgamento pelo arguido B...quanto à pertença do estupefaciente - com excepção da erva - e perante a descrição feita pelas testemunhas infra mencionadas acerca do contexto e causa próxima da abordagem, e dado ser a versão agora trazida pelos arguidos absolutamente antagónica em relação ao que haviam prestado ao juiz de instrução – de onde resultava, ainda que num primeiro momento, que o produto estupefaciente pertencia aos três, versão também esta que já perante o juiz de instrução veio a ser corrigida, ainda que num segundo momento, quando surgiu pela primeira vez a versão de que todo o estupefaciente pertencia ao B... - conforme a justificação que melhor consta da acta -, veio a ser ordenada a leitura das declarações que os arguidos prestaram ao juiz de instrução.
Nesse momento estavam os três de acordo que o produto estupefaciente foi adquirido pelos três. Ainda perante o juiz de instrução os arguidos A... e C... vieram a prestar novas declarações, referindo o primeiro que, quer ele próprio, quer o C..., desconhecia a existência de droga no veículo do B...(tendo o arguido A... referido, em audiência de julgamento, que decidiu prestar novas declarações quando a GNR lhe explicou que o crime em causa era muito grave, conversa que, a ter existido, como é perfeitamente verosímil, não tendo o arguido manifestado qualquer dificuldade de entendimento com a GNR, atenta a diferença de linguagem, confere toda a credibilidade ao depoimentos das testemunhas H... e I..., ambos agentes da GNR, que referiram que, confrontado com o produto estupefaciente apreendido, no posto da GNR, este mesmo arguido referiu que aquele pertencia aos três arguidos) e o segundo que tinha assumido, perante o JIC, que tinha na sua posse uma bola de anfetaminas, veio depois dizer estar arrependido ter aceite guardar a bola de anfetaminas que lhe foi apreendida, a solicitação do arguido B....
Confrontados com esta mudança absolutamente radical de versões, o arguido C... disse que, perante o JIC, havia assumido que havia também comprado o produto estupefaciente para não criar problemas ao B...e porque não queria que este fosse preso. Em julgamento, reiterou esta afirmação referindo que ao dizer que a droga era dele queria apenas ajudar um amigo. O arguido A..., por sua vez, em julgamento, referiu que estava convencido que ao afirmar que a droga era dos três, diminuía a quantidade/gravidade dos factos e todos seriam beneficiados, desde logo na medida de coação e isto porque ficou com muita pena do B....
Por outro lado, o C…, em julgamento, negou peremptoriamente ter estado na posse de qualquer estupefaciente para além da erva, quando mesmo no segundo momento, perante o JIC, não negou que lhe tivesse sido encontrada a bola de anfetaminas; apenas rectificou que a tinha consigo a pedido do B..., facto de que então verbalizava arrependimento.
Em consonância, com a questão da posse e pertença do produto estupefaciente, saliente-se ainda que o arguido C... disse ao JIC, numa versão que não sofreu rectificação, que o veículo do B...foi objecto de “revista” após ele próprio ter indicado o local onde o mesmo se encontrava estacionado, o que faz sentido com a primeira versão, coincidente e concordante, dos três arguidos mas que se revela absolutamente inconciliável com a segunda versão.
Versão que para além de inconciliável é desmentida pelas testemunhas que afirmam que o arguido C... não só os conduziu ao carro, como foi ele próprio que retirou uma bola de anfetaminas que estava oculta algures no forro de uma das portas, que ele próprio desaparafusou para o efeito.
Se já se revela, em tese e em abstracto, pouco ou nada verosímil que alguém assuma a compropriedade de produtos estupefacientes por pena ou para ajudar “um amigo” (que, aliás, tanto o arguido A..., como o C..., frisaram conhecer apenas de forma bastante superficial, aqui surgido, de resto, outro ponto de discórdia entre as várias versões que os arguidos foram apresentando quanto à viagem e chegada ao festival) de forma a aligeirar a sua responsabilidade, assim criando e originando a sua própria responsabilidade penal – que, de outra forma não teria (desprezando aqui o facto de o arguido B...concordar hoje que todo o produto estupefaciente hoje lhe pertencia, tese que a merecer acolhimento - que não merece, como adiante veremos - levaria os outros dois arguidos à estaca zero da responsabilidade penal), o facto é que, em concreto, quer a tese da assunção de responsabilidade por motivos altruístas, quer a tese da falta de responsabilidade, de todo, são categoricamente desmentidas pela prova testemunhal produzida que passaremos a analisar.

2. Nos depoimentos conjugados das testemunhas:
- E…, relações públicas do WW... Festival, tendo referido que quando passava na zona dos restaurantes, juntamente com o F…, foi alertado por um dos seguranças de que estariam uns indivíduos, que a testemunha identificou como sendo os arguidos, a “despachar algo”; a testemunha referiu que quando os seguranças lhe chamaram a atenção para o comportamento dos arguidos estavam dois indivíduos junto deles que olharam para trás, meteram qualquer coisa ao bolso e retiraram-se do local; a testemunha e o referido F... começaram a dirigir-se para o sítio onde se encontravam os arguidos mas estes reagiram de forma negativa, tendo “crescido” para as testemunhas, obrigando-as a reagir, a imobilizar os arguidos, tendo admitido que se envolveram em luta com os arguidos; entretanto pediram reforços e levaram os arguidos para um contentor que servia de apoio às diferentes equipas de RP’s e seguranças, servindo-se, para o efeito de uma pick up da organização; a testemunha referiu ainda que no meio da confusão um dos arguidos deixou cair uma bolsa de colocar à cintura ao chão, a qual foi levada também na viatura, sendo que aí a testemunha viu, no respectivo interior, sendo que a dita bolsa estava aberta, algum dinheiro e algo que parecia produto estupefaciente; entretanto, depois de os arguidos terem estado no interior do dito contentor, ela testemunha, foi novamente chamada, juntamente com o F..., para levarem o arguido C... até uma viatura, o que fizeram, sendo que este tinha as chaves da mesma e, da porta do carro, aquele arguido retirou um saco com produto que a testemunha também presumiu ser estupefaciente, o qual também foi levado para o dito contentor;
- F…, também relações públicas do WW... Festival, e cujo depoimento nos pareceu particularmente coerente e consistente, tendo confirmado que andava a fazer a ronda com a testemunha anterior, quando viu o arguido B...de pé, a abordar algumas pessoas, que encaminhava para a mesa onde se encontravam sentados os outros arguidos e, aí, trocavam algo, de forma discreta; por causa desse comportamento dirigiram-se aos arguidos e perguntaram-lhes o que estavam a fazer mas aqueles, logo que viram os rádios que as testemunhas traziam, tentaram agredi-los; mais referiu que as duas testemunhas reagiram e imobilizaram os arguidos, sendo que os seguranças que estavam perto do local desapareceram; a testemunha referiu ainda que o arguido B...tentou fugir e engolir uns selos que tinha consigo e o arguido C... tirou do interior do casaco uns sacos com panfletos, circunstância que lhe despertou a atenção e o assustou porque chegou a pensar que fosse uma arma ou uma faca, sendo que o próprio arguido disse que aquilo era droga; confirmou que os arguidos foram levados para o já mencionado contentor e que, mais tarde, foi com a testemunha E... e o arguido C... até uma viatura, por tal lhe ter sido ordenado, sendo que ela, testemunha, permaneceu no carro do Festival e o E... foi com o arguido até à dita viatura, tendo regressado de lá com um produto em forma de bola, que “cheirava mal”; a testemunha referiu ainda que em cima da mesa do contentor viu vários objectos, inclusivamente uma balança digital, desconhecendo quem os depositou naquele local;
- G..., que chefiava uma das equipas de RP’s no “WW... Fest”, tendo referido ter sido avisado pelas duas testemunhas anteriores, via rádio, que estavam a “passar droga” na zona dos restaurantes, sendo que depois aquelas lhe contaram que os arguidos se mostraram agressivos para com as testemunhas; veio a encontrar os arguidos, as duas testemunhas e alguns seguranças no contentor da “Close Protection”, sendo que dentro desse contentor, em cima de uma mesa estavam já alguns objectos, fotografados a fls. 85, tendo afirmado a testemunha, todavia, que todos os arguidos tinham consigo produto estupefaciente, sendo que um deles só tinha selos de LSD “contrafeitos”, embora não tenha conseguido precisar o que cada um dos arguidos tinha consigo; referiu ainda que foi ele quem deu ordem às duas testemunhas anteriores para irem ver se havia mais droga na viatura ou noutro local, sendo que as chaves da viatura estavam em cima da mesa, não se recordando qual dos arguidos (C... ou B...) foi com as testemunhas;
- I..., também relações públicas do WW... Festival, tendo esclarecido que foi chamado para ficar com os arguidos até à chegada da GNR, o que só aconteceu por volta das 8 horas da manhã, já que trabalhava em turnos diferentes dos das duas primeiras testemunhas; esteve com os arguidos até à chegada da GNR, a quem os entregou e confirmou que em cima da mesa existente no contentor se encontravam diversos objectos, não conseguindo precisar, todavia, o que era transportado ou detido por cada um;
- H..., agente da GNR no N.I.C. de Idanha-a-Nova, tendo referido que, por volta das 6 horas da manhã, foi contactado pelo destacamento, que por sua vez havia sido contactado pela testemunha …, dando notícia de que tinham sido encontrados uns indivíduos a traficar no recinto do festival; quando chegou ao contentor os arguidos estavam sentados no chão, com as mãos algemadas atrás das costas; em cima da mesa estavam os objectos fotografados a fls. 85, sendo que a dita testemunha lhe disse o que havia sido encontrado com cada um dos arguidos, tendo sido com base nessa informação que veio a ser lavrado o auto;
- I..., tendo confirmado, em síntese, as declarações das testemunhas anteriores e referido que o auto foi efectuado de acordo com o que a testemunha I... lhes disse quanto ao que cada um dos arguidos detinha em termos de produtos estupefacientes, sendo que, todavia, no Posto os arguidos disseram que o estupefaciente era de todos.
Em síntese conclusiva, desprezando as patentes contradições das testemunhas RP´s sobre factos acessórios, que por isso não valoramos, em cuja origem não será alheia a natureza das funções que exercem em locais como o dos autos, mas sem que tenham a virtualidade de abalar a credibilidade e verosimilhança quanto ao núcleo essencial dos factos em apreciação, o certo é que, neste aspecto particular, resulta que os três arguidos foram surpreendidos em pleno exercício, conjugado e com tarefas repartidas, que ia desde a abordagem de quem passava e o seu encaminhamento - levadas a cabo pelo B...- até à mesa onde estavam o C... e o A..., que forneciam o estupefaciente, o que é reforçado pelo facto de que aos três, indistintamente, ainda que não se tenha apurado o quê em concreto, foi apreendido produto estupefaciente.
Destes dois quadros, que retratam dois momentos distintos, subsequentes, complementares e concordantes entre si, outra conclusão não é possível extrair de que os três arguidos, em execução de um plano previamente delineado e em conjugação de esforços e repartição de tarefas, detinham produto estupefaciente que tencionavam fornecer a terceiros, como chegaram a fazer, tendo sido surpreendidos em plena actividade.

3. No exame pericial de fls. 199 a 201.

4. No auto de pesagem/apreensão de fls. 23; no teste rápido de fls. 24; no auto de apreensão de fls. 25; na guia de entrega e termo de entrega de fls. 26-27; nas fotografias de fls. 85 a 88, 130 a 138; no auto de apreensão de fls. 97-110; autos de exame directo de fls. 166, 241, 242 (aqui se devendo salientar que, do confronto e análise daquele auto de apreensão e do último exame directo, resulta claramente terem sido apreendidos no interior da viatura pertencente ao arguido B..., mais concretamente no interior do porta luvas, dois cartões com chaves referentes a dois quartos de um hotel sito em Carretera Ciudad Rodrigo, Km. 33,60, Coria, o que vai de encontro à versão apresentada em 1.º interrogatório judicial pelos arguidos B...e C... de que seguiram viagem juntos para Portugal desde Coria, tendo chegado juntos ao Festival, tal como consta da acusação, e infirma claramente a versão apresentada pelos arguidos em audiência de julgamento de que só teria mantido o primeiro contacto entre si na zona dos restaurantes, dentro do recinto do WW..., não tendo tido os arguidos A... e C... qualquer contacto com a viatura do B...(mais uma vez se notando o carácter volátil e desconcertante que a verdade assume na boca dos arguidos, que se vai moldando e adaptando conforme as circunstâncias e, sempre, seguramente, aos seus interesses pessoais imediatos);

5. Nos documentos de fls. 600 e 601, quanto à situação laboral do arguido C....

6. Nos Certificado de Registo Criminal de fls. 555 e 556.

7. Nos relatórios sociais de fls. 566 a 579.
*
No que concerne à matéria de facto dada como não provada fundou-se o Tribunal na inexistência de prova suficientemente consistente, firme e estruturada sobre os factos em causa, de modo a poder o Tribunal formar um juízo positivo isento de dúvida sobre os mesmos.
*
4. Mérito do recurso:
4.1. Da invocada ilegalidade da apreensão dos produtos estupefacientes:
Elementos relevantes a considerar:
O processo teve início com o auto de notícia de fls. 3/4, lavrado pelo Agente da GNR H..., donde consta:
«No dia 19 de Agosto de 2010, pelas 06H30, fui informado pelo operador rádio do Destacamento Territorial da GNR de Idanha-a-Nova que, no interior do “Festival WW...”, os seguranças ao recinto tinham retido um grupo de (3) três indivíduos por terem sido detectados a vender produtos que se presumem ser estupefacientes.
Desloquei-me ao local, acompanhado pelo Cabo (…) I... (…), onde recebemos os indivíduos, os estupefacientes e 300€ em dinheiro em notas do Banco Central que se encontrava na posse dos indivíduos.
Os indivíduos foram-nos entregues pelo segurança do “Festival WW...”, que se identificou como sendo I... (…).
Foi-nos dito pelo segurança qual o produto que se presume que seja estupefaciente que cada indivíduo trazia e que se passa a descrever, bem como a identidade dos mesmos (…)».

Em despacho proferido no dia 19-08-2010, o Ministério Público validou “as apreensões efectuadas”.

Em sede de 1.º interrogatório judicial dos arguidos, a Sr.ª Juíza de Instrução proferiu despacho deste teor:
«Os detidos foram previamente constituídos arguidos nos termos do disposto no art. 58.º do C.P.Penal.
Valido a detenção dos arguidos porque legalmente realizada, como resulta da descrição do auto de notícia de fls. 3 e 4 e da documentação que o acompanha que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
Validam-se igualmente as apreensões realizadas por observarem o quadro legal aplicável.
Com efeito, os arguidos foram abordados por seguranças do recinto do festival “WW...” na sequência de terem sido por estes detectados a vender produtos que se presumiram tratar-se de estupefacientes.
Na sequência de tal facto as autoridades policiais foram chamadas ao local e foi-lhes transmitida a realidade percepcionada pelos referidos seguranças que lhes entregaram os 3 arguidos e descriminaram o estupefaciente apreendido a cada um e encontrado no interior do veículo de matrícula …, pertencente ao B….
Em face do exposto, os arguidos foram conduzidos ao Posto da GNR e foram identificados, constituídos arguidos e prestaram Termo de Identidade e Residência.
Nesta conformidade, não se vislumbra que a apreensão dos produtos estupefacientes descriminados nos autos padeça de qualquer irregularidade».

Auscultadas as declarações prestadas em julgamento, referiu o arguido B..., no conspecto que ora importa ter em conta:
«(…). Os seguranças abordaram os três. Eram 10 ou 15, não se lembra muito bem, era já noite. Saltaram-lhes em cima, deram-lhes socos. Ele começou a fugir, tentou fugir e deitou fora tudo o que tinha, as 2 pequenas bolas de anfetaminas e o LSD. Deitou para o chão.
(…).
Depois levaram-nos para uma barraca e foi aqui, neste momento, que começaram a dar porrada, a baterem-lhes.
Revistaram-no; os seguranças viram a chave do carro e após perguntaram-lhe se o veículo era dele; disse que sim. (…) Após partiram o vidro pára-brisas da viatura, revistaram-na; o depoente deu, então, tudo o que tinha dentro do veículo ao segurança, a droga que estava dentro dele».

E o arguido A...:
Da zona da restauração, foram levados, por seguranças, para um contentor. «Prenderam-nos, antes, com um fio de plástico duro». Revistaram-nos, meteram-lhe as mãos nos bolsos (…). A si, tiraram-lhe a chave do carro, do seu Clio, o telefone portátil e €300 (…). Só tive conhecimento das drogas no interior do Posto da GNR, na cela. Antes, nunca vi a balança, a droga. No contentor vi sacos fechados. Quando entrámos os três no contentor, já os seguranças tinham os sacos pequenos na mão (…). Depois, foram com o B... ao carro e vieram com 2 sacos grandes».

E, por sua vez, o arguido C...:
Na zona da restauração, «puseram-lhe algemas. Levaram-nos, num veículo automóvel, para o contentor (…). Chamaram o B… e puseram sacos de droga à frente dele».

No que tange à prova testemunhal, foi dito pela testemunha E…:
«Era relações públicas no “Festival WW...”.
Não assistiu a nenhuma revista aos arguidos. Mas na altura em que os transportámos, num veículo, para o contentor, vi uma bolsa que estava aberta e que tinha no seu interior supostamente droga e dinheiro.
Não se recorda se algum dos arguidos deitou fora o que tinha.
Fui, com o meu colega F..., ao carro, Renault Express, de um deles, acompanhados pelo arguido C..., que levou as chaves da viatura. Este abriu a viatura com a chave e retirou das “forras” de uma das portas um produto, uma massa.
Não revistou a viatura nem nenhum dos arguidos. Foi o arguido C... que transportou para o contentor a droga retirada do interior da referida viatura automóvel».

Narrou a testemunha F…:
«Desempenhava, com a testemunha anterior, funções de relações públicas no “Festival WW...”. Na zona da restauração, o arguido C... tirou do interior de um casaco, umas “coisas” brancas, divididas, contidas em pequenos sacos brancos.
Levámos os arguidos para o contentor. Não os algemámos.
O arguido C... disse que havia mais produto numa carrinha, estacionada nas proximidades. Foram os três, o depoente, a testemunha E... e o arguido C..., ao local onde estava estacionada uma carrinha Renault Express. Eu fiquei dentro do carro da empresa, enquanto o E... e o arguido C... se dirigiram àquela viatura, donde trouxeram um saco contendo um produto com configuração de “bola”.
Um dos arguidos, o B..., chegou a tirar uns papéis, umas folhas. Até quis pôr “isto” na boca para provar que era “falso”.
Os arguidos meteram as “coisas” em cima da mesa do contentor: eu vi, naquele local, uma balança, dinheiro, e um saco com “coisas brancas”».

Por seu lado, depôs nos seguintes termos a testemunha G...:
«É Agente da GNR, mas esteve no “WW... Fiest” como supervisor de relações públicas (…).
Quando os arguidos foram transportados para o contentor, tinham dinheiro e produto estupefaciente (…).
Eu estava no meu contentor quando chegaram. Os arguidos foram para o contentor vazio e chamámos a segurança (…). O F... e o E... entraram no contentor com os arguidos e retiraram-se quando os seguranças chegaram (…). As “coisas” foram quase todas retiradas pelos arguidos. Eu quando cheguei, só vi um arguido tirar de dentro dum sapato o LSD contrafeito. Quando chegou, a mesa já tinha “algumas coisas” em cima. Mas viu tirar “coisas” dos bolsos”. Mas não posso afirmar o que cada um dos arguidos tirou dos bolsos.
Um dos arguidos acompanhou o F... e o E... a uma carrinha, sem que a tal fosse forçado. Apareceram, depois, com o “bolo grande”, visível na fotografia de fls. 86, com o peso de 274 gr.».
*
Estatui o artigo 178.º do Código de Processo Penal:
«1 - São apreendidos os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objectos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros susceptíveis de servir a prova.
2 - Os objectos apreendidos são juntos ao processo, quando possível, e, quando não, confiados à guarda do funcionário de justiça adstrito ao processo ou de um depositário, de tudo se fazendo menção no auto;
3 - As apreensões são autorizadas, ordenadas ou validadas por despacho da autoridade judiciária;
4 - Os órgãos de polícia criminal podem efectuar apreensões no decurso de revistas ou de buscas ou quando haja urgência ou perigo na demora, nos termos previstos na alínea c) do n.º 2 do artigo 249.º;
5 - (…);
6 - (…)».
Dispõe, por sua vez, o artigo 249.º:
«1 - Compete aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova.
2 - Compete-lhes, nomeadamente, nos termos do número anterior:
(…)
c) Proceder a apreensões no decurso de revistas ou buscas ou em caso de urgência ou perigo na demora, bem como as medidas cautelares necessárias à conservação ou manutenção dos objectos apreendidos».
A apreensão é uma medida de obtenção de prova, que visa a guarda dos vestígios da prática do crime detectado. Por isso, os vestígios detectados são juntos ao processo ou “confiados à guarda” de funcionário judicial ou depositário.
A apreensão está concebida no Código de Processo Penal como uma medida cautelar que tem como escopo facilitar a instrução do processo, permitir a indisponibilidade da coisa ou simultaneamente os dois fins, protegendo portanto a realização do direito criminal.
A previsão da citada alínea c), no inciso “ou em caso de urgência ou perigo na demora” comporta medidas urgentes, que importa adoptar em face das circunstâncias do caso, com vista a evitar, nomeadamente, a perda das provas, incompatíveis, por conseguinte, com qualquer dilação, nomeadamente a condição de imposição de prévia autorização da autoridade judiciária. Ou seja, trata-se de uma disposição processual de natureza eminentemente cautelar, voltada para situações de emergência em que a suspeita de existência de prova de um crime não se compadece com demoras sob pena da sua evaporação; a sua aplicação tem de bastar-se com tal suspeita, seja ela anterior ou concomitante à intervenção da autoridade judiciária, desde que suportada em fundamento razoável e que, pela natureza das coisas, nem sequer carece de ser isenta de toda a dúvida.
Neste circunstancialismo, as apreensões devem ser validadas por despacho do Ministério Público na fase de inquérito. Efectivamente, não se compreenderia a competência do juiz para sindicar as diligências do artigo 178.º, quando a competência para as ordenar, na referida fase processual, cabe àquela Magistratura (cfr., a contrario, arts. 268.º, 269.º e 270.º, n.º 2, do CPP).
*
Dito isto, cabe então verificar se a apreensão dos produtos estupefaciente é ilegal, como professa o recorrente.
A resposta, afigura-se-nos, só pode ser negativa.
Como decorre dos autos, maxime das declarações dos arguidos e dos depoimentos das testemunhas acima identificadas, aqueles foram detidos em flagrante delito, por crime de tráfico de estupefacientes, pelas testemunhas E... e F…, nos precisos termos do disposto no artigo 255.º, alínea c), do Código de Processo Penal.
Confrontando as declarações dos arguidos com as testemunhas em causa, nenhuma razão se vislumbra para que se não conceda credibilidade aos depoimentos que, na vertente agora em apreciação, estas prestaram, no sentido de que nenhum revista foi efectuada aos primeiros, tendo sido estes que, sem qualquer coacção física ou psíquica exercida sobre os mesmos, procederam à entrega dos produtos estupefacientes e diversos objectos que detinham em seu poder.
Deste modo, não se vislumbra a existência de nenhum acto de apreensão efectuado por entidade diversa de órgão de polícia criminal. Ou seja, os terceiros, relações públicas ou seguranças em funções no “WW... Fiest”, apenas se limitaram a recolher as substâncias, dinheiro e objectos que lhes foram entregues pelos próprios arguidos.
O acto de apreensão, esse foi efectuado posteriormente por quem tinha competência funcional para tanto; por dois Agentes da GNR.
Com a entrega dos arguidos, nos termos do disposto no artigo 255.º, n.º 2, do CPP, impor-se-ia, naturalmente, a apreensão dos produtos e objectos, tendo em vista a elaboração do expediente para a apresentação dos arguidos ao Ministério Público, a que se seguiria, presuntivamente, o 1.º interrogatório judicial previsto no artigo 141.º daquele diploma legal.
Daí a urgência na prática do acto em causa.
A par, se a medida não se tivesse consumado no momento em que se verificou, existiria o risco de se esvairem ou desaparecem vestígios relevantes da eventual prática de crime de tráfico de estupefacientes.
*
4.2. Sobre o valor probatório das declarações prestadas pelo recorrente no 1.º interrogatório de arguido detido:
Do disposto no art. 355.º do Código de Processo Penal, preceito que enuncia os princípios de proibição de valoração de prova, resulta, segundo a norma do n.º 1, que «não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência», com ressalva, nos termos do n.º 2, quanto às «provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas». É o que acontece com as declarações anteriormente prestadas perante o juiz, as quais podem ser lidas quando houver contradições ou discrepâncias com as feitas em audiência (artigo 356.º, n.º 3).
Permitindo o artigo 357.º do CPP a leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido perante o juiz de instrução, ainda que, note-se, prestadas no decurso de 1.º interrogatório judicial de arguidos detidos e contidas no respectivo auto, quando houver contradições ou discrepâncias sensíveis entre elas e as feitas em audiência, que não possam ser esclarecidas de outro modo, não constitui violação de qualquer preceito legal a circunstância de o tribunal colectivo de 1.ª instância ter valorado, no sentido em que o fez, o teor das declarações do recorrente no primeiro dos referidos actos processuais.
*
4.3. Se o acórdão recorrido padece da invocada nulidade:
Na al. a) do n.º 1 do supra citado art. 379.º do CPP comina-se de nula a sentença que não contiver as menções referidas no art. 374.º, n.ºs 2 e 3, al. b) do mesmo Código.
Esta disposição está intimamente ligada à do art. 127.º do CPP, nos termos do qual “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
O julgador é, assim, livre ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja «vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório». Prof. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, Vol. I, pág. 211.
No entanto, a livre convicção do juiz não se confunde com a sua convicção íntima, caprichosa e emotiva, dado que é o livre convencimento lógico, motivado, em obediência a critérios legais, passíveis de motivação e de controlo, na esteira de uma “liberdade de acordo com um dever”, que o processo penal moderno exige, dever esse que axiologicamente se impõe ao julgador por força do princípio do Estado de Direito e da Dignidade da Pessoa Humana.
A livre convicção não pode ser vista em função de qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, mas antes deve perspectivar-se segundo as regras da experiência comum, num complexo de motivos, referências e raciocínio, de cariz intelectual e de consciência, que deve de todo em todo ficar de fora a qualquer intromissão interna em sede de conhecimento.
Isto é, na outorga, não de um poder arbitrário, mas antes de um dever de perseguir a chamada verdade material, verdade prático-jurídica, segundo critérios objectivos e susceptíveis de motivação racional. Cfr., Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Vol. I, pág. 202-206.
Vigorando na nossa lei adjectiva penal um sistema de persuasão racional e não de íntimo convencimento, instituiu o legislador mecanismos de motivação e controle da fundamentação da decisão de facto, dando corpo ao princípio da publicidade, em termos tais que o processo - e, portanto, a actividade probatória e demonstrativa -, deva ser conduzido de modo a permitir que qualquer pessoa siga o juízo, e presumivelmente se convença como o julgador. Cfr. Prof. Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, pág. 302.
A obrigação de fundamentação respeita à possibilidade de controle da decisão do julgador, a viabilizar a exigível sindicabilidade da decisão e a reforçar a sua compreensibilidade pelos destinatários directos e da comunidade em geral, como elemento de relevo para a sua aceitação e legitimação.
É, pois, na fundamentação da sentença, sua explicitação e exame crítico que se poderá avaliar a consistência, objectividade, rigor e legitimidade do processo lógico e subjectivo da formação da convicção do julgador. Não é suficiente a mera indicação das provas, sendo necessário revelar o processo racional que conduziu à expressão da convicção.
«Com efeito, só assim o decisor justifica, perante si próprio, a decisão (o momento da exposição do raciocínio permite ao próprio apresentar e conferir o processo lógico e racional pelo qual atingiu o resultado), e garante a respectiva comunicabilidade aos respectivos destinatários e terceiros (dando garantias acrescidas de que a prova juridicamente relevante foi não só correctamente recolhida e produzida, mas também apreciada de acordo com cânones claramente entendíveis por quem quer).
Assim que baste que apenas um dos referidos passos do juízo devido seja omitido, para que se esteja a prejudicar a tutela judicial efectiva que tem de ser garantida como patamar básico da convivência social, impossibilitando ou diminuindo a justificação e compreensibilidade do decidido» Paulo Saragoça da Mata, A livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Organizadas pela Faculdade da Universidade de Lisboa e pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, com a colaboração do Goerthe Institut, Almedina, pág. 261-279. .
Só motivando nos moldes descritos a decisão sobre matéria de facto, mesmo vendo a questão do prisma do decisor, é possível aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da referida convicção, para que seja permitido sindicar se a prova não se apresenta ilógica, arbitrária, contraditória ou violadora das regras da experiência comum.
A análise crítica da prova não terá, no entanto, de ser exaustiva, mas apenas a suficiente para se poder concluir que a decisão assentou na prova produzida e não é fruto de qualquer discricionariedade ou arbitrariedade.
Assim, o dever de indicação e exame crítico das provas, como elemento da fundamentação da decisão de facto, não exige, naturalmente, uma assentada do depoimento das testemunhas, ou seja, que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética.
Como não impõe uma fundamentação formalmente distinta para cada um dos arguidos ou uma fundamentação autónoma para cada um dos factos.
Em síntese conclusiva, dir-se-á, pois, que a exigência normativa do exame crítico das provas torna insuficiente a referência àquilo em que o tribunal se baseou, tornando-se necessário saber o porquê, a razão de ser da formação da convicção do tribunal.
Enunciados estes princípios e analisada a exposição dos motivos probatórios exarada na sentença recorrida, verifica-se que o tribunal a quo expôs satisfatoriamente os motivos de facto que fundamentaram o decidido.
Considerou provado, em apertada mas suficiente síntese, que:
- Em data não determinada, os três arguidos formularam o propósito de se deslocar a Idanha-a-Nova para frequentarem o “WW... Festival” e, uma vez no seu interior, procederem à venda de diversos produtos estupefacientes, repartindo entre si os proveitos daquela actividade;
- No dia 19 de Agosto de 2010, em plena execução do plano antes delineado, em comunhão de esforços e repartição de tarefas, os arguidos encontravam-se, junto à zona da restauração, a vender produtos estupefacientes da natureza dos referidos nos ponto 6. e 7. aos frequentadores do referido Festival;

Conforme expressa fundamentação, supra reproduzida, o tribunal a quo motivou, suficientemente, as razões que determinaram a formação da sua convicção. Fê-lo ao longo de fls. 688 v. a fls. 692 v., não se limitando a uma simples enunciação ou especificação dos meios de prova que considerou relevantes e decisivos, mas procedendo também a uma análise crítica das provas, da qual decorre perfeitamente reconstituído o “iter” que conduziu ao juízo de valoração.
Assim, no que agora importa considerar, o tribunal aferiu criticamente a relevância das declarações dos arguidos, quer as prestadas em sede de 1.º interrogatório judicial quer as prestadas em audiência de discussão e julgamento.
Mas na lógica interna da decisão, a fundamentação sobre a prova dos factos não se acolheu exclusivamente ao conteúdo, contraditório, das ditas declarações dos arguidos. Dela resulta que o tribunal teve também em conta: os depoimentos das testemunhas E…, F… e G..., os quais, como se diz, não obstante encerrarem contradições entre si, são dotadas de credibilidade e verosimilhança quanto ao núcleo essencial dos factos dados como provados e não provados; o exame pericial de fls. 199 a 201; o auto de pesagem/apreensão de fls. 23; a guia de entrega e termos de entrega de fls. 26/27; as fotografias de fls. 85 a 88 e 130 a 138; o auto de apreensão de fls. 97/100; o auto de exame directo de fls. 166, 241 e 242.
Pelo exposto, temos como evidente que a fundamentação contida no acórdão é bastante para atingir os objectivos da lei, supra referidos.
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4.4. Se a matéria de facto provada deve sofrer as alterações que o recorrente preconiza:
Na exegese do recorrente, os elementos probatórios pontualmente indicados na motivação do recurso não suportam os seguintes factos provados:
- que o próprio viajou para Portugal em cumprimento de plano destinado a vender droga em comparticipação com os restantes arguidos;
- que viajou com o arguido B...na mesma viatura;
- que entrou no “WW... Fiest” com o arguido B...;
- que se encontrava a vender estupefacientes;
- que tivesse consigo produto estupefaciente;
- que tivesse adquirido ou contribuído para a aquisição de produto estupefaciente.
Deste modo, estão expressamente impugnados os pontos 3., 4., parte do ponto 5., ponto 6., no que ao recorrente diz respeito, 9., 10. e 12.
Na dimensão impugnatória contida no recurso, o recorrente explicita, a seu modo, porque razão a prova que indica “impõe” decisão diversa da recorrida, ancorando-se, fundamentalmente, no teor contraditório dos depoimentos prestados pelas testemunhas E…, F… e G... e na excessiva valoração conferida às declarações prestadas pelos arguidos no decurso do primeiro interrogatório de arguido detido, relativamente aqueloutras decorrentes da audiência de discussão e julgamento.
Há que verificar, por audição, o conteúdo da prova, relevante, oralmente produzida no decurso do julgamento, e sindicar as declarações dos arguidos no decurso do 1.º interrogatório judicial a que se reporta o artigo 141.º do CPP, para, depois, avaliarmos se o juízo de convicção dos julgadores do tribunal de 1.ª instância está alicerçado, de forma objectiva, lógica e racional, nos elementos de prova considerados.
Em síntese alargada, em julgamento foi referido pelos arguidos:
A) B...:
Veio a Portugal para assistir ao “WW... Fiest”;
Partiu de Montpellier, França, na companhia de um amigo. Partiram às 2h da manhã do dia 19 de Agosto e chegaram ao festival nesse mesmo dia, por volta das 22h.
Estacionou o seu veículo automóvel num local que lhe foi indicado.
Entretanto, encontrou uma pessoa que lhe propôs a venda de estupefacientes (anfetaminas, ecstasy com MDMA e LSD). Comprou, tendo pago pela totalidade €650. Uma parte comportava 2 “bolas” grandes e 2 “bolas” pequenas. A outra parte das anfetaminas já estava doseada em, aproximadamente, 150 panfletos. Um dos sacos detinha também ecstasy e selos de LSD.
Comprou a droga para consumo próprio e de amigos que entretanto aparecessem; poderia eventualmente proceder a “trocas directas” de produtos estupefacientes com terceiros. Se a situação se proporcionasse, não sabe se não venderia a amigos.
Depois de adquirir os estupefacientes, retornou ao seu veículo, onde meteu uma parte dos produtos (ecstasy e duas bolas grandes de anfetaminas).
Levou com ele 2 bolas pequenas de anfetaminas e os selos de LSD.
Após, dirigiu-se ao interior do “Festival” e, na zona da restauração, encontrou os outros arguidos.
Estiveram a falar; foi pedir comer; voltou outra vez ao local onde se encontravam os outros dois arguidos. Foi nesse momento que surgiu a segurança. Eram 10 ou 15 elementos. Saltaram-lhe em cima, deram-lhe socos. Começou a fugir e deitou fora tudo o que tinha, as 2 pequenas bolas de anfetaminas e o LSD. Os seguranças apanharam, do chão, estas substâncias.
Posteriormente, foram levados, pelos seguranças, para uma “barraca”, onde permaneceram cerca de 3h, desde aproximadamente a 1/1,30h da manhã.
Em determinada altura, acompanhou os seguranças ao seu veículo, tendo os mesmos procedido à revista da viatura. Acabou por entregar todas as substâncias que ali se encontravam.
Enquanto esteve com os outros arguidos não lhes “deu” nenhum estupefaciente, nem viu que aqueles detivessem substâncias dessa natureza.
Era ele que tinha a balança de precisão na sua posse, a qual havia pedido emprestada a um frequentador do “Festival”, com o objectivo de pesar a droga que havia comprado.

B) Arguido A...:
Partiu de sua casa, em França, para o Festival, com o arguido C... e mais 3 pessoas, no dia 18 de Agosto. Vieram de carro. Teve um problema mecânico com a viatura, em Coria, Espanha. O veículo ficou nesta localidade.
Dormiram num hotel, em Coria, nessa noite de 18/19 de Agosto.
No dia 19 apanharam o comboio, na cidade de Carnaveral, até Elvas. Aqui, pediram boleia a pessoas que também se deslocavam para o “Festival”. Ele e outro companheiro de viagem foram juntos. Os restantes elementos, foram noutras viaturas.
No recinto do Festival, foram comer. Nesse momento viram o B…, o qual já conhecia, de França, há 2 anos/ 2 anos e meio, por fazerem os mesmos mercados.
Quando o B... se sentou à mesa onde ele se encontrava conjuntamente com os restantes elementos que o acompanharam na viagem, 10 ou 15 seguranças começaram a bater nos 3 arguidos.
Após terem decorrido 10 minutos, levaram-nos para dentro de uma viatura automóvel e, de seguida, para o interior de um contentor. Revistara-nos, meteram-lhe as mãos nos bolsos. Ao depoente tiraram-lhe a chave do seu veículo automóvel, o telefone portátil e 300€. Não tinha mais nada.
Em certo momento, os seguranças foram com o B... à Renault Express e voltaram com dois sacos grandes.
No contentor viu sacos, mas desconhecia o que continham.
Só teve conhecimento da droga apreendida quando já se encontrava no interior do Posto da GNR. Aqui, o B... disse que a droga lhe pertencia.

C) Arguido C...:
Veio com o A... e mais 3 pessoas, de França, para assistirem ao «WW... Fiest». Chegaram a Coria, Espanha, e o carro teve uma avaria. Pernoitaram num hotel. Prometeram, no hotel, que pagariam a estadia quando regressassem de Portugal. De Canaveral até Elvas foram de comboio. Daqui, para o Festival, foram de boleia, os cinco no mesmo veículo automóvel.
No recinto do Festival, foram comer. Entretanto, por mero acaso, encontraram o arguido B.... Quando se encontravam os três sentados numa mesa, foram agredidos por 10/15 seguranças. Puseram-lhe algemas e levaram-nos, numa viatura automóvel “Pick Up”, para um contentor, onde permaneceram, sentados no chão, com as mãos atrás das costas, algemados, cerca de 4 horas.
Os seguranças chamaram o B..., saíram com este e quando voltaram puseram sacos de droga à frente daquele arguido, em cima duma mesa.
Quanto entrou no contentor, por estar atordoado, não conseguiu ver se já estava alguma coisa na referida mesa.
A “erva” era sua.
Depois de estar na cela do Posto da GNR, o B... disse que as “coisas” eram dele.
No fase do 1.º interrogatório judicial a que foram submetidos, o B... pediu-lhes, a si e ao A..., para dizerem que parte dos produtos/objectos eram seus, de modo a que o primeiro não fosse “muito incriminado”. Acedeu ao pedido; teve pena dele.
Conhece o B...há muito tempo, do local onde mora, embora não sejam vizinhos. Seu vizinho é o A... Por vezes o B...ia visitar o A... e foi nesses circunstâncias que conheceu o primeiro.

Cingindo-nos às declarações dos arguidos em fase de 1.º interrogatório judicial (sessão do dia 19-08-2010), são do seguinte teor:
D) Arguido B...:
Entrou no festival às 21,00 do dia de ontem.
Saiu de França na sua viatura na companhia do arguido C....
O arguido A...também saiu com ambos, mas conduzia a sua própria viatura.
Em Espanha, Coria, avariou-se o veículo do arguido A...
A partir do referido local os três arguidos seguiram viagem juntos no seu veículo, sendo que ao seu lado seguiu o arguido A...e na parte de trás da carrinha o C....
O veículo do arguido A...ficou em Espanha.
Os referidos produtos estupefacientes estavam em parte na posse dos arguidos, sendo um pouco consigo e o restante no interior do seu veículo.
Todo o estupefaciente apreendido foi adquirido conjuntamente pelos três, pelo preço global de cerca de 650€.
Todo o produto estupefaciente era para consumo dos três e parte para partilhar com amigos de que estavam à espera.
Tinham a droga na mão.
Todos os arguidos tinham anfetaminas.
O declarante também tinha LSD.
As anfetaminas que se encontravam no interior do seu veículo pertenciam aos três arguidos.
Era ainda sua intenção levar parte do produto estupefaciente adquirido para França.
A erva apreendida não era sua; seria de um dos outros arguidos, não sabendo precisar qual.
A balança digital apreendida foi pedida emprestada para pesarem o produto estupefaciente adquirido após a transacção efectuada.
Conhece o arguido A… há 2 anos e o arguido C... há uns dois meses.

E) Arguido A...
Saiu de França conduzindo o seu veículo; não veio com os outros dois arguidos.
Seguiu no seu veículo até Espanha e partiu do referido país. Deslocou-se de comboio e, posteriormente, chegou, à boleia, a Idanha-a-Nova, dado que a sua viatura teve uma avaria.
Veio na companhia de duas outras pessoas que, presentemente, não sabe onde se encontram.
Entrou no festival ontem de madrugada, pela 1,30h.
Quando foi abordado pelos seguranças do recinto, encontrava-se na companhia dos arguidos B... e C....
O C... é seu vizinho, em França, e o B... já muito tempo que o conhece.
Combinaram os três encontrarem-se no festival “WW...” e nada mais acordaram.
Na sua posse apenas tinha a quantia de 300 euros em notas e duas gramas de marijuana que destinava ao seu consumo.
O produto que foi apreendido e que se encontra no interior de sacos de plástico, quer em “bruto” quer dividido em por doses envoltas em saquinhos de plástico, não se trata de cocaína mas de anfetaminas.
Tal produto estupefaciente foi adquirido em conjunto pelos três arguidos, na quantidade de 200 gramas e pela quantia de 200€.
Esse produto havia sido adquirido, há dois dias, em forma pura.
A balança digital apreendida é do B... e servia para pesar estupefaciente que compravam.
O facto de as anfetaminas terem sido divididas por doses justifica-se, por se tratar da quantidade que poderiam ter na sua posse.
Podem consumir 15 gramas de anfetaminas por dia.
Não destinava o haxixe e as anfetaminas que adquiriu à venda ou cedência a consumidores.
Os outros arguidos também não destinavam o produto estupefaciente em causa a venda.

F) C...:
Saiu de França com o arguido A…. Deslocaram-se ambos no veículo do arguido A…, que teve uma avaria em Coria, Espanha.
O arguido B... foi ter com eles à referida localidade.
A partir daí, seguiram os três no veículo do B..., uma Renault Express de dois lugares.
O A...seguiu ao lado do B... e o declarante na parte de trás do veículo.
Chegou ontem ao Festival, aproximadamente pelas 10 horas.
Trouxe consigo a quantia de 500€, que despendeu em hotelaria, restaurante e discotecas.
Detinha uma bola de anfetaminas.
Os comprimidos de ecstasy são do arguido B..., bem como o ecstasy em pó.
Os 711 selos de LSD não lhe pertencem e não estavam na sua posse. Pensa que pertencem ao arguido B....
Desconhecia que o B... tinha estupefaciente consigo, de outra forma não teria aceite vir com este ao Festival.
Compraram os três o estupefaciente apreendido, tendo todos entregue parte do dinheiro devido pela aquisição, cerca de 600€.
Precisa agora que os outros dois arguidos terão adquirido o estupefaciente apreendido e que, posteriormente, o arguido B... lhe disse que a sua parte correspondia a 150-200€.
As anfetaminas que lhe foram apreendidas não eram para seu consumo, mas para venda a pessoas interessadas que se encontrassem no festival “WW...”, com excepção de crianças.
A bola de anfetaminas era para repartir em pedaços, fazendo doses de uma grama por pacote.
Não conhece muito bem o arguido B....
A balança apreendida era de alguém que se encontrava no festival “WW...”.
Não venderam nada porque não tiveram tempo.
No que respeita ao outros dois arguidos, talvez o produto apreendido se destinasse à venda, mas a final não sabe bem se assim seria.

Interrompida a diligência para o dia 10 de Agosto de 2010, nesta data os arguidos A... e C... prestaram os seguintes esclarecimentos:
G) Arguido A...:
Nem ele nem o arguido C... sabiam da existência do produto estupefaciente que foi encontrado no veículo pertencente ao arguido B....
Saiu de França no veículo da sua companheira - o qual não foi conduzido por si, uma vez que não tem carta de condução -, acompanhado de dois outros colegas, o … e uma amiga de nome … .
Afinal deslocaram-se cinco pessoas no dito veículo, sendo para além dos já mencionados, ainda o arguido C... e o irmão deste.

H) C...:
O produto estupefaciente que lhe foi apreendido - uma bola de anfetaminas -, com o peso de 47 gramas, não lhe pertence, é do arguido B....
O arguido B... tinha muito produto estupefaciente consigo e, por isso, dividiu-o com os arguidos A...e o declarante.
No seu caso, o B... pediu-lhe expressamente que guardasse o referido produto.
Nas declarações prestados anteriormente afirmou que tinha comprado o aludido produto para não criar problemas ao arguido B...; não queira que este fosse preso.
Precisa ainda que saiu de França na companhia do arguido A…, com seu irmão mais novo, um colega de nome …e uma rapariga de nome … .

Como é dado ver, são de vulto as contradições existentes nas declarações dos arguidos, quer entre as que cada arguido prestou em sede de 1.º interrogatório judicial e na fase de julgamento, quer entre as globalmente prestadas pelos três arguidos nas referidas fases processuais.
Sem a pretensão de sermos exaustivos, tal a diversidade e intensidade de discrepâncias/contradições que se evidenciam, faremos alusão às mais marcantes, no contexto da apreciação e valoração da prova.
O arguido B..., na fase de julgamento, salientou o modo como se deslocou ao evento festivo. Fez toda a viagem no seu veículo automóvel Renault Express, na companhia de um amigo, que não é nenhum dos arguidos.
Porém, no 1.º interrogatório, asseverou ter saído de França na companhia do arguido C.... Em Espanha, juntou-se-lhes o arguido A..., cujo veículo se tinha avariado.
Retornando ao julgamento, segundo disse, só ele adquiriu as anfetaminas, o ecstasy e o LSD, sucedendo que os restantes arguidos nem sequer sabiam da existência desses produtos estupefacientes.
Volvendo ao 1.º interrogatório, a versão então apresentada está nos antípodas da supra referida. «Todo o produto estupefaciente apreendido foi adquirido pelos três arguidos»; «As anfetaminas que se encontravam no interior do seu veículo pertenciam aos três arguidos»; «Todo o produto estupefaciente era para consumo dos três e, parte, para partilhar com amigos».

Por sua vez, o arguido C... C..., na primeira fase do interrogatório judicial, no dia 19 de Agosto de 2010, em acto quase imediato à sua detenção por órgão de polícia criminal, disse ter saído de França com o arguido A…, no veículo deste. Por força de uma avaria verificada em Coria, Espanha, a partir deste país seguiram no veículo do arguido B..., que este conduzida.
Os três arguidos adquiriram, conjuntamente, o produto estupefaciente, sendo as anfetaminas que detinha destinadas a actos de venda.
No dia seguinte, 20 de Agosto de 2010, na continuidade da diligência, afirmou, paradoxalmente, que a bola de anfetaminas que lhe fora apreendida pertencia ao arguido B..., apresentando para o desfasamento de posições uma outra (inimaginável) versão, traduzida na circunstância de, no dia anterior, veja-se bem!, não pretender «criar problemas ao arguido B...».
Em julgamento, nova visão dos acontecimentos: viajou para Portugal acompanhado pelo arguido A...A... e mais 3 pessoas. Perante a avaria do veículo, viajaram, primeiramente, de comboio e, depois, à boleia.
Só por circunstâncias fortuitas encontraram o arguido B... no recinto do Festival. Apenas no Posto da GNR tomou conhecimento da existência de produto estupefaciente na posse do arguido B....

Por fim, quanto ao recorrente, em 1.º interrogatório, numa primeira fase, seguida à da detenção, afirmou, peremptoriamente, a forma como se deslocou: no seu veículo, sem a presença dos outros dois arguidos.
O produto estupefaciente foi comprado, em conjunto, pelos três arguidos, na quantidade de 200 gramas, em forma pura.
Nenhum dos arguidos destinava o produto estupefaciente a venda a terceiros.
Nos esclarecimentos prestados no dia seguinte perante a Sr.ª Juíza de Instrução, afinal não sabia da existência de produto estupefaciente dentro do veículo do arguido B...e, acerca da logística da viagem referiu, depois de mais uma posição diferenciada, que se havia deslocado juntamente com o arguido C... e mais três pessoas.
Em julgamento manteve, no fundo, esta versão.
A análise global e complexiva das diversas versões sustentadas, nas diversas fases do processo, pelos arguidos, só pode corresponder a uma estratégia concertada entre todos, após a primeira fase do interrogatório judicial dos arguidos, visando o assumir da responsabilidade exclusiva dos factos pelo arguido B....
Efectivamente, fere as mais elementares regras de experiência que, no contacto imediato com o Juiz de Instrução, todos os arguidos assumam, sem verdade, a responsabilidade pela detenção, em comunhão, dos produtos estupefacientes que acabaram por ser apreendidos.
Aliás, nesse momento, o recorrente fez alusão expressa à detenção, em conjunto, de 200 gramas de anfetaminas, em forma pura, a significar que o produto, tal como se apresentava na altura da sua apreensão, foi posteriormente sujeito a operação de “corte”, ou seja, de adição de outras substâncias. Atente-se que o grau de pureza das anfetaminas, quando apreendidas, variava entre 0,5% e 9,2%.

Mas as declarações dos arguidos prestadas no decurso do 1.º interrogatório judicial têm a corroboração periférica dos testemunhos prestados em audiência de julgamento por E…, F… e G..., todos a exercer a função de relações públicas no “WW... Fiest”.
1. Extrata-se do depoimento da primeira:
«Eu já não me recordo muito bem, mas sei que houve uma altura em que parecia que os arguidos estavam a vender algo, a “passar algo” a alguém (…). Estávamos no local, eu e o meu colega F...; antes dois seguranças perguntaram-nos: “Eles não parecem estar a “despachar algo”? (…). Interpretou que lhes estavam a transmitir que os indivíduos estavam a vender algo supostamente ilícito (…), talvez estupefaciente. Mas não sabe, não viu.
(…).
Os seguranças afastaram-se e os arguidos levantaram-se e investiram contra nós (…) e nós defendemo-nos.
(…) Entretanto comuniquei ao meu chefe, o Sr. G…, e ele apareceu. Levámos os três arguidos para o posto dos RP´s (relações públicas), que é um contentor (…). Na altura em que nós levámos os arguidos, havia uma bolsa que estava aberta e que tinha lá dentro droga, segundo supôs, e dinheiro (…)».
Foi com o arguido C... ao local onde se encontrava a Renault Transit. Aquele abriu a viatura com a chave respectiva e de entre as “forras” da porta e o metal tirou produto em massa.
O depoente, o Sr. G...e os arguidos foram no carro da firma para o contentor.
Tudo começou por volta das 4h da manhã.

2. E do depoimento da segunda:
Estava com o seu colega E... a fazer a ronda à zona da restauração do “WW... Fiest”. Não se recorda da hora precisa, Seriam 10/11h. Avistámos os arguidos A...A... e C... C... sentados numas mesas. O arguido B..., em pé, estava a abordar pessoas. As pessoas passavam e o arguido dirigia-se àquelas e perguntava-lhes “algo”; as mesmas iam ter com ele ou afastavam-se. O arguido angariava, as pessoas dirigiam-se à mesa e aí havia uma troca de “qualquer coisa”, na qual intervinham os arguidos A...A... e C... C....
Nas pretensas transacções, apenas viu uma “troca de algo”, em dois sentidos: uma mão a estender e a recolher, de uma pessoa indeterminada, e outra a fazer o mesmo, pertencente a um dos arguidos.
Não se recorda se foram ou não alertados da situação por seguranças.
Quando abordaram os arguidos, eles reagiram violentamente; começaram a empurrar. Queriam sair dali, fugir. Tentaram defender-se. Os seguranças que se encontravam presentes abandonaram o local. O depoente defendeu-se, evitou que o empurrassem; tentou agarrar os arguidos, bloquear-lhes as mãos.
Depois chamaram o Sr. …, chefe dos RP´s do turno da noite. Levaram os arguidos para um contentor; o depoente, o E... e o G…, numa carrinha dos serviços.
Antes de entrarem na carrinha, o arguido C... tirou repentinamente do bolso de um casaco uns pequenos sacos com um produto de cor branca, em doses. Uma parte caiu ao chão.
Não os algemaram nem os trataram mal.
Os arguidos entraram nos contentores de “mãos livres” e ficaram sentados no chão, à espera que a autoridade policial chegasse.
Como o arguido C... disse que tinha mais substâncias num veículo automóvel, acompanharam-no ao local onde a viatura estava aparcada. O declarante ficou no interior da carrinha da empresa enquanto o seu colega F... e o arguido C... se dirigiram à referida viatura. Do local trouxeram um saco contendo um produto em forma de “bola(s)”.
Recorda-se de ver uma balança. Não sabe quem a tinha. Encontrava-se em cima da mesa existente no interior do contentor.
Não viu nenhuma bolsa com dinheiro e/ou droga.

3. E ainda do depoimento da terceira:
Detendo a função de supervisor de relações públicas no “WW... Fiest”, foi-lhe comunicado, pela testemunha E... ou pela testemunha F..., que estes tinham presenciado, na zona da restauração, três indivíduos em supostos actos de venda de estupefacientes.
Pelo que lhe foi relatado, aquelas testemunhas abordaram os arguidos e estes reagiram de modo violento; solicitaram a intervenção, infrutífera, da segurança, uma vez que os elementos que a compunham abandonaram o local.
Quando lhe deram notícia do ocorrido eram cerca das 5,30/6h da manhã.
Não se deslocou ao sítio da restauração. Apenas viu os arguidos no interior do contentor.
Os produtos e objectos foram todos retirados pelos arguidos. Quando chegou ao contentor a mesa já tinha algumas “coisas” em cima; mas viu tirar produtos e objectos dos bolsos. Contudo, não pode precisar o que cada um dos arguidos retirou.
Deu ordem ao E... e ao F... para irem com um dos arguidos, não se recorda qual, a uma carrinha ou tenda com o objectivo de recolherem outros produtos estupefacientes. De uma viatura automóvel foi retirada uma “bola” grande.

Não obstante o registo de algumas contradições entre as testemunhas em causa, inter alia, quanto à hora da ocorrência da intervenção dos RP´s, ao modo de intervenção destes (se por iniciática própria se alertados pelos seguranças), e à invocada, pelas duas primeiras testemunhas, deslocação de G...à zona da restauração, o núcleo fundamental dos depoimentos reforça substancialmente, como já referido, a veracidade das declarações dos arguidos prestadas no decurso do 1.º interrogatório judicial, no que concerne aos pontos fundamentais da matéria de facto dada como provada, ou seja, à deslocação de todos os arguidos ao “WW... Fiest” e à aquisição, na sequência de plano previamente concebido, dos produtos estupefacientes apreendidos.
Será que a substância estupefaciente adquirida, conjuntamente, por todos os arguidos se destinava à venda a terceiros ou ao consumo próprio daqueles?
A concatenação dos meios de prova que se analisaram, aliada às regras da experiência ou regras de vida - sendo estas orientadas no domínio do ensinamento empírico que o simples facto de viver nos concede em relação ao comportamento humano e que se obtêm mediante a generalização no sentido de que diversos casos concretos semelhantes tendem a repetir-se -, garante-nos, com um elevado grau de probabilidade, superando a dúvida razoável, de que o recorrente, como os demais arguidos, destinava o produtos que todos, em conjunto e de forma concertada, haviam adquirido, à venda a terceiros consumidores.
Além das declarações dos arguidos, acima escrutinadas, e dos depoimentos das testemunhas E... e F..., acrescem as ditas regras da experiência comum de vida, as quais sempre imporiam necessariamente a mesma conclusão: quem detém, embora conjuntamente, tamanha quantidade de produto estupefaciente e uma balança de precisão digital destinada à respectiva pesagem, nas circunstâncias decorrentes dos autos, só pode querer destinar a substância a actividade de venda.
Posto tudo o que se referiu, outro juízo valorativo não restava aos julgadores da 1.ª instância senão o de darem como provados os factos ora impugnados, sem qualquer razão, pelo recorrente.
*
4.5. Resulta dos fundamentos do recurso, supra reproduzidos, que a pretensão do recorrente, de ser absolvido do crime de tráfico de estupefacientes que lhe está imputado e pelo qual foi condenado em 1.ª instância, assenta apenas na sugerida, e não aceite, alteração da matéria de facto provada.
Pelo que, mantendo-se inalterados os pressupostos de facto e sendo indiscutível a verificação do referenciado crime, passaremos de imediato à questão da medida concreta da pena.
Preceitua o art. 40.º, do Código Penal, que «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (n.º 1), sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» (n.º 2).
Abstractamente a pena é definida em função da culpa e da prevenção, intervindo, ainda, circunstâncias que não fazendo parte do tipo, atenuam ou agravam a responsabilidade do agente - art. 71.º, n.ºs 1 e 2 do CP.
A função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.
O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.
O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.
Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.
Como refere Claus Roxin, em passagens escritas perfeitamente consonantes com os princípios basilares no nosso direito penal, «a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação revelem como desenlace uma detenção mais prolongada.
A sensação de justiça, à qual corresponde um grande significado para a estabilização da consciência jurídico-penal, exige que ninguém possa ser castigado mais duramente do que aquilo que merece; e “merecida” é só uma pena de acordo com a culpabilidade.
Certamente a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, que também limita a pena pela medida da culpabilidade, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva.
A pena serve os fins de prevenção especial e geral. Limita-se na sua magnitude pela medida da culpabilidade, mas pode fixar-se abaixo deste limite em tanto quanto o achem necessário as exigências preventivas especiais e a ele não se oponham as exigências mínimas preventivas gerais». Derecho Penal - Parte General, Tomo I, Tradução da 2.ª edição Alemã e notas por Diego-Manuel Luzón Penã, Miguel Díaz Y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Civitas), págs. 99/101 e 103.
Ao definir a pena o julgador nunca pode eximir-se a uma compreensão da personalidade do arguido, afim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a desconformação com a personalidade suposta pela ordem jurídico-penal, exprimindo a medida dessa desconformação a medida da censura pessoal do agente, e, assim, o critério essencial da medida da pena Prof. Figueiredo Dias, Liberdade, Culpa, Direito Penal, pág. 184..
A submoldura da prevenção geral é fortemente influenciada pela importância dos bens jurídicos a proteger, desempenhando uma função pedagógica através da qual se procura dissuadir as consequências nocivas da prática de futuros crimes e conseguir o reforço da crença colectiva na validade e eficácia das normas, em ordem à defesa da ordem jurídica penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva.
Por sua vez, a prevenção especial positiva ou de socialização responde à necessidade de readaptação social do arguido.

No processo de determinação da pena que impôs ao arguido, teceu o tribunal a quo as seguintes considerações:
«A ilicitude do facto, dentro do ilícito do artigo 21.º, é de grau médio, atenta a quantidade, diversidade e qualidade dos produtos apreendidos; inerente valor comercial, ditado pelas regras de oferta e da procura; bem como as circunstâncias concretas atinentes ao modo como os arguidos procediam à venda dos produtos estupefacientes e ao local da mesma (…);
A culpa é elevada, atento o dolo directo de todos os arguidos, a nível de dolo directo, não mitigada ou atenuada por qualquer circunstância;
O lucro que os arguidos obtiveram com a sua conduta também não pode deixar de ser atendido, ainda que não se tendo determinado concretamente, dado que se trata de proventos resultantes da exploração da situação de debilidade alheia, ainda que não significativos, sendo que não se provou que os arguidos tenham canalizado os proventos económicos obtidos para a aquisição de bens materiais que lhe permitiriam ter uma melhor qualidade de vida;
A prevenção especial não se faz sentir com especial acuidade, atentando a que os arguidos, com excepção do arguido C..., não têm antecedentes criminais, sendo que todos se mostram familiar e profissionalmente integrados no seu país de origem, isto apesar de todos eles serem consumidores ocasionais do tipo de drogas apreendidas, circunstância que, sem dúvida, aumenta a potencialidade de contacto com as mesmas e de novos ilícitos do mesmo tipo que ora nos ocupa;
- A prevenção geral faz-se sentir com bastante força, atenta as repercussões que o flagelo da droga tem nas sociedades. Na verdade, “não poderá escamotear-se que a problemática relacionada com os estupefacientes constitui, na nossa sociedade actual, um verdadeiro flagelo. A complexidade e a mutabilidade da produção, tráfico e consumo de drogas, tal qual se apresenta nos dias de hoje, advém dos efeitos directamente produzidos pelas substâncias ou preparados nos indivíduos e pelas consequências sanitárias e desestruturantes da sociedade, bem como das ligações que a produção e comércio desses produtos tem com a distorção produzida ao nível da economia mundial e economias nacionais e de eventuais implicações corruptivas e fragilizadoras ao nível dos sistemas políticos. Por conseguinte, serão sempre elevadas as necessidades de prevenção geral positiva”.
Por outro lado, o arguido A... assumiu, em audiência de julgamento, uma atitude completamente desresponsabilizadora, não denotando qualquer tipo de interiorização da gravidade da sua conduta o que não permite um juízo de prognose particularmente favorável (…), que não revela capacidade de auto-censura, ou necessidade de começar uma nova etapa da sua vida tendo por base a assunção das suas responsabilidades criminais».
Não podemos estar mais de acordo com os elementos concretos considerados na determinação da pena, razão por que nos dispensamos, neste contexto, de outras considerações.
Todavia, sopesando as circunstâncias agravantes e atenuativas, afigura-se-nos algo excessiva a pena concreta, de 6 anos de prisão, imposta pelo tribunal a quo; mais justa e adequada se mostra a pena de 5 anos de prisão, a qual respeitada o limite máximo correspondente à medida da culpa e a consideração ponderada das exigências concretas, muito elevadas, de prevenção geral positiva ou de integração, ao mesmo tempo que responde equilibradamente às exigências de prevenção especial ou de socialização, de molde a que o arguido interiorize o profundo desvalor do seu acto, por forma a um retorno à convivência social sem risco de afrontamento dos padrões impostos pela ordem jurídica.
*
Esclarece-se que os restantes arguidos não podem obter o mesmo benefício de redução da pena de prisão porque não interpuseram recurso do acórdão de 1.ª instância e ainda porque o recurso do arguido A...A... é, nesta vertente, fundado em motivos estritamente pessoais (cfr. artigo 402.º, n.ºs 1 e 2 do CPP).
*
4.6. Por fim, não podemos deixar passar em claro em patente erro de direito relativo à aplicação da pena acessória.
O recorrente e os demais arguidos foram também condenados na pena acessória de expulsão do território nacional por 6 anos, nos termos dos artigos 34.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, 101.º, n.º 1, do DL n.º 244/98, de 8 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 97/99, de 26 de Julho, pelo DL n.º 4/01, de 10 de Janeiro, e DL n.º 34/03, de 25 de Fevereiro.
A França, país de onde são originários todos os arguidos, pertence à União Europeia, pelo que não se pode aplicar àqueles a pena acessória de expulsão, mas a de afastamento do território nacional, nos termos do artigo 28.º da Lei n.º 37/2006, de 9 de Agosto.
Dispõe o n.º 1 do art. 34.º, do DL 15/93, de 20 de Janeiro:
«Sem prejuízo do disposto no artigo 48.º, em caso de condenação por crime previsto no presente diploma, se o arguido for estrangeiro, o tribunal pode ordenar a sua expulsão do País, por período não superior a 10 anos, observando-se as regras comunitárias quanto aos nacionais dos Estados membros da Comunidade Europeia» (o sublinhado pertence-nos).
E o n.º 1 do art. 22.º da referida Lei 37/2006:
«O direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos seus familiares, independentemente da nacionalidade, só pode ser restringida por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública…»
«As medidas tomadas por razões de ordem pública ou de segurança pública devem ser conformes ao princípio da proporcionalidade e basear-se exclusivamente no comportamento da pessoa em questão, a qual deve constituir uma ameaça real, actual e suficientemente grave que afecte um interesse fundamental da sociedade, não podendo ser utilizadas justificações não relacionadas com o caso individual ou baseadas em motivos de prevenção geral» (n.º 3 do mesmo diploma).
«Antes de adoptar um decisão de afastamento do território por razões de ordem pública ou de segurança pública, é tomada em consideração, nomeadamente, a duração da residência do cidadão em questão no território nacional, a sua idade, o seu estado de saúde, a sua situação familiar e económica, a sua integração social e cultural do País e a importância dos laços com o país de origem» (n.º 1 do art. 23.º).
«Os cidadãos da União e os seus familiares, independentemente da nacionalidade, que tenham direito a residência permanente não podem ser afastados do território português, excepto por razões graves de ordem pública ou de segurança pública» (n.º 2).
«Excepto por razões imperativas de segurança pública, não pode ser decidido o afastamento de cidadãos da União se estes tiverem residido em Portugal durante os 10 anos precedentes ou forem menores» (n.º 3).
Sobre a duração da medida de afastamento do território nacional, a Lei apenas dispõe que «A pessoa sobre a qual recaiu medida de interdição de entrada em território nacional por razões de ordem pública ou de segurança pública pode apresentar um pedido de levantamento da interdição de entrada no território após um prazo razoável, em função das circunstâncias, e, em todos os casos, três anos após a execução da decisão definitiva de proibição que tenha sido legalmente tomada» (n.º 1 do art. 27.º).
«Para efeitos do disposto no número anterior, o interessado deve invocar meios susceptíveis de provar que houve alteração material das circunstâncias que haviam justificado a interdição de entrada no território» (n.º 3).
*
Versando o caso concreto, o recorrente e demais arguidos são de nacionalidade francesa e têm aí a sua residência permanente. Nunca residiram em território nacional e nenhum laço, de qualquer ordem, os liga a Portugal.
Os factos que lhe estão imputados são de elevada gravidade. A personalidade revelada por qualquer um dos arguidos demonstra uma elevada perigosidade social. Deste modo, não é possível fazer um juízo de prognose no sentido de que, após o cumprimento da pena que hajam de cumprir, possam vir a reinserir-se na sociedade portuguesa, abstendo-se de voltar a perturbar a segurança e ordem pública. Constituem uma ameaça real, actual e suficientemente grave que afecta um interesse da sociedade (a ordem e segurança pública).
Nestes termos, há que decretar o afastamento dos três arguidos do território nacional após o cumprimento das penas.
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III. Dispositivo:
Posto o que precede, os Juízes da 5.ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra concedem provimento parcial ao recurso e, em consequência, alteram o acórdão recorrido quanto à medida concreta da pena imposta ao arguido/recorrente A..., ficando este condenado, pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão.
Alteram ainda o acórdão do tribunal colectivo de 1.ª instância, na parte da pena acessória, e condenam todos os arguidos na pena acessória de afastamento do território nacional após o cumprimento das penas principais, podendo todos requerer o levantamento da medida nos termos e prazo referidos no art. 27.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 37/2006, de 9 de Agosto.
Sem tributação [artigo 513.º, n.º 1, do CPP (redacção do DL 34/2008, de 26-02)].
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Alberto Mira (Relator)
Elisa Sales