Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
440/04.6TBACN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERREIRA DE BARROS
Descritores: DIVÓRCIO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 07/05/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCANENA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1792º, N.º1 E 496º, N.º1, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I. Na previsão do n.º1 do art. 1792º do CC apenas estão abrangidos os danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento, e já não os danos emergentes dos fundamentos ou factos causais do divórcio.

II. Qualificam tais danos a desconsideração social e a dor sofrida pelo cônjuge que verá o seu casamento destruído, e que será tanto maior quanto mais longa tenha sido a vida em comum e mais forte o sentimento que o prendia ao outro cônjuge, mesmo não esquecendo as convicções religiosas do cônjuge inocente ou menos culpado sobre o casamento

III. Tendo a Autora, cônjuge inocente, e Ré casado um com o outro no ano de 1981, existindo filhos e a Autora, ante a perspectiva do divórcio, sofre tristeza, desgosto e frustração, pois sempre imaginou o casamento para durar até ao fim dos seus dias, sendo operária da indústria de curtumes e o Réu, sócio de uma sociedade, e com melhor situação económica, é adequada uma indemnização no montante de € 7.500,00 a título de danos não patrimoniais.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I)- RELATÓRIO
A... instaurou, em 15.09.2004, no Tribunal Judicial de Alcanena, acção especial de divórcio litigioso contra seu marido B..., pedindo se decrete a dissolução do casamento por culpa do Réu, e se condene este a pagar à Autora a quantia de € 15.000,00, a título de danos não patrimoniais causados pelo divórcio, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da sua fixação definitiva até efectivo pagamento.
Como fundamento dos pedidos, a Autora alegou, em síntese, o seguinte:
-Casou com o Réu em 13/4/81;
-Há cerca de 5 anos o Réu deixou o lar conjugal e foi viver sozinho para outra casa, situada em local próximo, deixando de lhe falar e de se preocupar com a alimentação, vestuário, calçado e doença da Autora;
-Há cerca de um ano passou o Réu a viver maritalmente, naquela casa, com outra mulher, tendo nascido um filho das relações sexuais havidas entre ambos;
-A Autora, ante a perspectiva do divórcio, anda desgostosa e frustrada no seu desígnio de família, pois sempre pensou o casamento como um a relação para toda a vida.

Realizou-se a tentativa de conciliação, mas sem qualquer êxito.

O Réu contestou confessando alguns dos factos alegados pela Autora, mais dizendo que, não obstante ter saído do lar conjugal, há cinco anos, sempre contribuiu com 225 € mensais para o bem estar da Autora e filhos, também pagando as despesas com a água e a luz da casa onde a Autora vive. Deixou o lar conjugal por incompatibilidade de feitios, não vendo a Autora com bons olhos o relacionamento do Réu com qualquer outra pessoa, especialmente do sexo feminino. Concluiu pela repartição de culpas no divórcio, e improcedência do pedido de indemnização por danos não patrimoniais.

Prosseguindo os autos os seus regulares termos, foi, por fim, proferida sentença a decretar o divórcio por culpa exclusiva do Réu, sendo este, também, condenado a pagar à Autora a quantia de € 7.500, por danos não patrimoniais causados à Autora pela dissolução do casamento.

Não concordando com tal sentença, o Réu apelou, pugnando pela anulação do julgamento por contradição na decisão de facto, remessa dos autos à 1ª instância para fundamentação da decisão de facto, e, ainda, redução da indemnização arbitrada. Da sua alegação, extraiu o Réu/Apelante as seguintes conclusões, em resumo:
1ª-Na sentença não foram especificados os meios de prova produzidos em audiência de julgamento para formação da convicção do julgador;
2ª-A sentença encerra contradição nas respostas dadas aos quesitos 3º, 4º e 24º, uma vez que, por um lado, o Tribunal considerou que o Réu deixou de se preocupar com a Autora e filhos e, por outro lado, considerou provado que, para além de cumprir voluntariamente com uma prestação mensal, continuou a pagar as despesas de água e de luz onde mora a Autora e filhos;
3ª-É exagerada a indemnização arbitrada por danos não patrimoniais causados à Autora pela dissolução do casamento.

Não foi apresentada contra-alegação.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II)- OS FACTOS
Na sentença sob exame foi dada por assente a seguinte factualidade:
1-A Autora e o Réu casaram um com o outro no dia 13 de Abril de 1981.
2-Há cerca de 5 anos (por referência a 15/9/04) o Réu saiu do lar conjugal, sito no lugar da Raposeira, Alcanena, e foi viver sozinho para outra casa situada também no dito lugar da Raposeira.
3-Ao sair de casa onde vivia com a Autora, o Réu deixou de lhe falar.
3-O Réu deixou de se preocupar com o modo como a Autora conseguia arranjar meios para se alimentar, vestir e calçar, deixando de amparar a Autora e os filhos, apenas tendo contribuído com uma prestação alimentar a favor do Telmo que findou quando este atingiu 18 anos.
4-Desde Setembro de 2003 o Réu passou a viver com outra mulher, como se de marido e mulher se tratasse, pernoitando os dois na mesma casa, de onde saem muitas vezes no veículo automóvel conduzido pelo Réu.
5-O Réu e a referida mulher são vistos juntos a fazer compras e a passear, ora de braço dado, ora de mão sobre o ombro.
6-O Réu tem relações sexuais com essa mulher.
7-O Réu tem mantido o propósito de não reatar a vida em comum com a Autora.
8-A Autora foi mantendo a esperança de que o Réu voltasse a fazer vida em comum com ela, esperança que perdeu aquando do nascimento do D..., filho dele e da companheira.
9-A Autora, ante a perspectiva do divórcio, sofre tristeza, desgosto e frustração, pois sempre imaginou o seu casamento para durar até ao fim dos seus dias.
10- O Réu é sócio da “C...”, empresa que se dedica ao fabrico de utensílios em madeira para o curtimento de peles.
11-O Réu é um homem dinâmico e empreendedor.
12- O Réu tem pago as despesas de água e luz da casa onde mora a Autora e seus filhos.

III)- O DIREITO
O “thema decidendum” do recurso é definido pelas conclusões da alegação, mas sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 690º, n.º1, 684º, n.º3 e 660º, n.º2, parte final, todos do CPC).
Isto posto, almeja o Apelante/Réu a pronúncia deste Tribunal sobre as seguintes questões:
1ª-Anulação do julgamento por vício de contradição na decisão de facto;
2ª-Necessidade de fundamentação da decisão de facto;
3ª-Montante da indemnização por danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento.

III-1)- Vejamos a 1ª questão.
Impõe o n.º 4 do art. 712º do CPC a anulação da decisão da 1ª instância, e consequente repetição do julgamento, quando aquela decisão padeça de contradição sobre pontos determinados da matéria de facto.
Objecta o Apelante que tal contradição ocorre na matéria de facto vertida nos n.ºs 3 e 12 supra da factualidade apurada, e acima transcrita. Isto é, é contraditório dar como assente, por um lado, que o Réu deixou de se preocupar com os alimentos, vestuário e calçado da Autora, deixando de amparar a Autora e filhos, e, por outro lado, considerar provado ter o Réu contribuído com uma prestação alimentar a favor do Telmo que findou quando este atingiu 18 anos e ter, ainda, o Réu pago as despesas de água e luz da casa onde mora a Autora e seus filhos.
Cumpre salientar, a este respeito, e como se vê dos arts. 7ºe 8º da petição inicial, ter sido apenas alegado que o Réu indisponibilizou-se, por completo, para amparar a Autora sempre que esta esteve doente, e sempre que esta esteve em aflições, nomeadamente, com a doença dos filhos. E tal matéria foi levada ao quesito n.º4 da base instrutória. Ou seja, não se indaga de toda e qualquer falta de amparo da Autora e filhos de ambos, mas, sim, falta de amparo da Autora quando esta ou os filhos estavam doentes. Apenas esta realidade importava averiguar e não a falta de amparo da Autora em toda e qualquer circunstância ou mesmo a falta de amparo aos filhos. Donde se infere que a resposta obtida extravasa claramente a matéria quesitada, sendo, por isso, excessiva. E, como reza o art. 664º do CPC, o Julgador só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no art. 264º. E jamais a Autora alegou a falta de amparo com aquela amplitude. A provada falta de preocupação é restrita ao modo como a Autora conseguia arranjar meios para se alimentar, vestir e calçar. A consequência da decisão de facto que exceda os factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no art. 264º do CPC, é a irrelevância da decisão nesse âmbito, tendo-se por não escrita. Aliás, o citado n.º 4 do art. 712º não prevê a anulação da decisão de facto da 1ª instância, seguida de repetição de julgamento, quando tal decisão é excessiva. Mas só quando é deficiente, obscura ou contraditória e se mostre indispensável a ampliação, a não ser que constem do processo todas as provas que, nos termo da alínea a) do n.º1 do art. 712º, permitam a reapreciação da matéria de facto. Concretizando, é irrelevante o facto apurado de o Réu ter deixado de amparar a Autora e os filhos, como consta do n.º 3 da factualidade supra transcrita. Assim sendo, expurgado tal facto, é manifesto que a demais matéria dos n.ºs 3 e 12, supra transcritos, não sofre de contradição entre si.
Não se justifica, pois, a anulação da decisão de facto por pretensa contradição e consequente repetição do julgamento.

II)- Examinemos a 2ª questão.
Requereu o Apelante a baixa do processo à 1ª instância a fim de ser fundamentadas as respostas aos pontos de facto da base instrutória, como obriga o n.º 2 do art. 653º e também o n.º 3 do art. 659º, ambos do CPC. Tal faculdade está prevista no n.º5 do art. 712º do mesmo diploma.
Só por lapso se compreende ter esta questão sido suscitada. Com efeito, a sentença não contém o exame crítico das provas, porque, após as alegações em audiência de julgamento e decorridos que foram alguns dias, foram dadas respostas aos pontos de facto da base instrutória, tendo sido motivadas as respostas, como se vê de fls. 80 e 81. Cumpriu-se, assim, o disposto no n.º2 do art. 653º do CPC. Aliás, foram as partes notificadas do dia para a leitura das respostas, sendo certo que ninguém esteve presente, como se vê de fls. 77 e 82. O julgamento de facto precedeu, pois, a feitura da sentença e nesta foi incorporado, tendo sido fundamentadas as respostas à base instrutória. Se não tivesse ocorrido tal precedência, então, sim, na sentença teria de ser fundamentada a decisão de facto. Carece, assim, de sentido a requerida baixa do processo à 1ª instância para fundamentação da decisão de facto.

III)- Atentemos, por fim, na 3ª questão.
Não controverte o Apelante as causas do divórcio e a declaração de único culpado, sendo certo que estão sobejamente demonstradas razões para o divórcio, mesmo não considerando a matéria de facto excessiva acima clarificada. Sem dúvida, o Apelante violou culposamente os deveres conjugais de fidelidade, coabitação, cooperação e assistência, sendo o único culpado, como vem consignado na sentença recorrida.

Todavia, o Apelante acha exagerado o montante arbitrado à Autora, a título de reparação de danos não patrimoniais a ela causados pela dissolução do casamento, embora sem indicar outro montante que julgue adequado.
Como acima se relatou, a Autora pediu uma indemnização no montante de € 15.000,00, tendo sido fixada a quantia de € 7.500,00.
Prescreve o n.º1 do art. 1792º do CC que “o cônjuge único ou principal culpado e, bem assim, o cônjuge que pediu o divórcio com fundamento na alínea c) do art. 1781º, devem reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento”. Não se trata, como é sabido, dos danos não patrimoniais directamente ocasionados ou resultantes dos factos que serviram de fundamento ao divórcio. Estes, bem como os danos patrimoniais resultantes desses factos, fundamentam indemnização a pedir em acção própria. Os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento, surgem, pois, com a dissolução, e abrangem, por exemplo, a desconsideração social e a dor sofrida pelo cônjuge que verá destruído o casamento, e que será tanto maior quanto mais longa tenha sido a vida em comum e mais forte o sentimento que o prendia ao outro cônjuge[ Cfr. Curso de Direito da Família, vol. 1º, 3ª edição, p. 753 e 753, de Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira. ], mesmo não esquecendo as convicções religiosas do cônjuge inocente ou menos culpado sobre o casamento[ Cfr. acórdão do STJ, publicado no BMJ n.º 477º, p. 518.].
Atentando na matéria de facto assente, verifica-se que a Autora e Réu casaram um com o outro no dia 13.04.81, existindo filhos, e a Autora, ante a perspectiva do divórcio, sofre tristeza, desgosto e frustração, pois sempre imaginou o seu casamento para durar até ao fim dos seus dias. E à luz do art. 496º, n.º1 do CC, tais danos, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, devendo, nos termos do n.º 3, o montante da indemnização ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º.
Está, também, provado nos autos por acordo, que a Autora é operária na indústria de curtumes, decorrendo da factualidade assente ser o Réu um homem dinâmico, empreendedor e sócio da “C...”, empresa que se dedica ao fabrico de utensílios em madeira para curtimento de peles. Tendo em apreço os danos a sofrer pela Autora com a dissolução do casamento, para a qual não concorreu culposamente, sopesando a desigual situação económica de ambos claramente favorável ao Réu, dir-se-á que a indemnização arbitrada, no montante de € 7.500,00, de forma alguma pode considerar-se exagerada. A indemnização por danos não patrimoniais não pode ser miserabilista, servindo não só de sanção, mas também cumprindo o objectivo de compensar ou atenuar os danos não patrimoniais, como se fosse um lenitivo. Na sua fixação, e não havendo medida exacta, importa, também, atender ao custo de vida, ao poder aquisitivo da moeda, aos padrões de indemnização seguidos na jurisprudência, etc[ Cr. “Das Obrigações em Geral”, vol. 1º, 3ª edição, p. 629, de Antunes Varela.]. Manter-se-á, pois, a quantia fixada a título de reparação de danos não patrimoniais causados à Autora pela dissolução do casamento, não havendo qualquer motivo para a sua redução.

Em suma, e salvo o devido respeito, a argumentação do Réu/Apelante, em matéria processual (falta de fundamentação e contradição da decisão de facto) e substantiva (indemnização por danos não patrimoniais) não é de acolher.

IV)- DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em:
1-Negar provimento ao recurso.
2-Confirmar a sentença impugnada.
3-Condenar o Apelante nas custas do recurso.
COIMBRA,