Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2991/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO
REVOGAÇÃO
DENÚNCIA
CLÁUSULA PENAL
Data do Acordão: 11/22/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1054.º; 1055. E 294.º DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGOS 68.º, N.º 1 E 98.º, 1 E 2; 100.º, N.º 4 DO RAU
Sumário: Conferindo a lei ao arrendatário, por razões evidentes de ordem pública de protecção social, o direito de revogar a todo o tempo o contrato mediante certa forma, ter-se-á de considerar nula a disposição negocial que sanciona com uma indemnização o exercício de tal direito, por violar norma legal imperativa (artigo 294.º do CC).
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

A... intentou pelos Juízos Cíveis desta cidade e comarca acção declarativa com processo sumário contra B... e mulher C... pedindo a respectiva condenação no pagamento de € 2.493,99, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento, pelo facto de estes Réus, sem cumprirem o prazo legal e contratual do pré-aviso de denúncia, terem comunicado a extinção para o dia 30/10/2002 do arrendamento urbano para habitação que, por contrato escrito de 1/07/2000, pelo prazo de 5 anos, fizeram, nas qualidades de inquilino e fiadora, com a A., incorrendo desse modo na obrigação de pagar a cláusula indemnizatória prevista no contrato para a rescisão pelo arrendatário antes do termo daquele prazo.
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Citados os RR. contestou apenas o R. B..., arguindo a incompetência territorial do tribunal; a nulidade da cláusula do contrato de arrendamento que fixou antecipadamente a indemnização a favor da A. no caso de os RR. não respeitarem a data de 31/07/2005 como termo do período inicial daquele, por força do regime imperativo do disposto no nº 4 do art.º 100 do RAU; e ainda o abuso do direito da A. por ter aceite a revogação do contrato e inclusivamente ter voltado a arrendar o locado a terceiros a partir de 1 de Novembro de 2002 até 2007. Conclui, assim, na procedência destas excepções, pela improcedência da acção.
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Respondeu a A. impugnando a matéria excepcionada e rematando como na petição, mas pedindo também a condenação do R. como litigante de má-fé.
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Dirimida a excepção da incompetência territorial, a Mma Juiz designou audiência preliminar onde em despacho saneador-sentença conheceu do mérito da causa e, julgando a acção improcedente, absolveu os RR. do pedido.
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Inconformada apelou a A. concluindo as suas alegações da seguinte forma:
1º - Na douta sentença conclui o tribunal “a quo” julgar o contrato em causa como de arrendamento urbano para habitação de duração efectiva ou limitada e não se impor aos réus a cláusula penal convencionada nesse contrato.
2º - Entre a autora e o réu marido foi estabelecida uma relação locativa, de arrendamento para habitação, conforme definição das normas dos art.º 1 e 3 do RAU, aprovado pelo DL 312-B/90 de 15 de Outubro e art.º 1022 e 1023 do Código Civil.
3º - No acordo/contrato escrito está convencionado na cláusula 8º que: “As rendas serão actualizadas anualmente, tendo aplicação o artigo n.º34 RAU.”, facto não impugnado pelo réu e que o douto tribunal “a quo” devia ter considerado assente por acordo, por ser uma cláusula contratual a considerar para efeitos de interpretação da vontade negocial das partes.
4º - Nos termos do art. 98º, nº1 do Regime do Arrendamento Urbano” as partes podem estipular um prazo para a duração efectiva dos arrendamentos urbanos para habitação desde que a respectiva cláusula seja inserida no texto escrito do contrato, assinado pelas partes. Nº2: o prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a cinco anos”.
5º - A lei, no art.º 98º nº1 do RAU, impõe que no texto escrito do contrato exista uma cláusula escrita no sentido que pretendem celebrar no regime de duração limitada e indicar o prazo para a duração efectiva, que não pode ser inferior a 5 anos.
6º - Pelo que, deverá constar no texto uma convenção expressa, que não terá que ser a sacramental (“duração limitada”), mas semelhante ou que no mínimo a mesma conste do cabeçalho do documento.
7º - O facto das partes fixarem o termo do contrato de arrendamento de 5 anos, não pode significar ser um contrato sujeito ao arrendamento limitado, já que também os contratos de arrendamento sujeitos ao regime vinculativo podem ser celebrados pelo prazo de 5 anos (art.º 1055 CC e 10 do RAU).
8º - Por força do nº2 do art.º 99 do RAU, não se aplica ao contrato de duração limitada, a convenção do regime de actualização anual das rendas, quando o contrato tenha um prazo de duração efectiva inferior a 8 anos.
9º - O tribunal “a quo” a fim de interpretar a vontade negocial das partes devia considerar todas as cláusulas introduzidas na convenção negocial, porém ignora o clausulado no nº8 do contrato de arrendamento, junto aos autos, onde as partes convencionaram a actualização anual das rendas.
10º - É facto assente estar clausulado ter a denúncia de ser comunicada ao senhorio, por carta registada com a antecedência mínima de sessenta dias.
11º - Porém o tribunal “a quo” para qualificar o contrato de arrendamento como de duração limitada, fundamenta a decisão em terem as partes querido fixar em concreto, face à omissão legal no regime dos contratos de duração limitada (referindo-se ao art.º 100/4 RAU) uma antecedência de 6 meses para a denúncia a efectuar pelo inquilino.
12º - Sucede que, não é facto assente nem está escrito no documento junto aos autos (designado pelas partes como contrato de arrendamento), nem nunca por estas foi alegado nos articulados ter sido fixado o prazo de 6 meses de antecedência para a denúncia a efectuar pelo inquilino.
13º - O art.º 100/4 do RAU dispõe que “o arrendatário pode denunciar nos termos previstos no número 1, bem como revogar o contrato, a todo o tempo, mediante comunicação escrita a enviar ao senhorio, com a antecedência mínima de 90 dias sobre a data em que operam os seus efeitos”.
14º - O contrato de arrendamento está na nossa lei pormenorizadamente regulado, não existindo, como fundamenta o tribunal “a quo” omissão quanto ao prazo de “pré-aviso” da denúncia pelo inquilino nos contratos de duração limitada.
15º - Quer a denúncia quer a revogação têm o prazo mínimo de antecedência de 90 dias sobre a data em que operam os seus efeitos: aquela tem efeito para o fim do prazo inicial ou de renovação do contrato e revogação pode sê-lo a todo o tempo.
16º - Dispõe o art.º 1055 do CC que a denúncia tem de ser comunicada ao outro contraente com a antecedência mínima de sessenta dias, se o prazo for de um a seis anos.
17º - O art.º 1055 do CC aplica-se aos arrendamentos sujeitos ao regime vinculístico e o art.º 100 do RAU aos contratos de arrendamento de duração limitada.
18º - O prazo de 90 dias, prescrito no art.º 100, nº4 do RAU é imperativo por fixar uma antecedência mínima, significando que as partes apenas podem clausular outra superior.
19º - O contrato de arrendamento celebrado entre as partes está sujeito às regras do regime vinculístico, por ser esta a sua vontade negocial, não resultando do clausulado no documento escrito interpretação diferente.
20º - Nos contratos de arrendamento sujeitos ao regime vinculístico é ineficaz a “revogação” unilateral com a consequência de que se o senhorio não quiser aceitar a desistência do inquilino no decurso do prazo inicial ou da sua renovação, este tem de suportar o contrato até ao fim do prazo em curso.
21º - É princípio basilar do direito, que os contratos são para cumprir (art.º 406 do CC), sendo o prazo ou termo um elemento essencial do contrato de arrendamento, pelo que o seu incumprimento faz o réu incorrer em responsabilidade contratual.
22º - No caso concreto e por ser um contrato de arrendamento sujeito ao regime vinculístico, o réu, na qualidade de arrendatário, não podia extinguir a relação de arrendamento por resolução, por não se verificar qualquer das circunstâncias dos art.º 801, 1032, 1034, 1050 do Código Civil, violando assim o disposto no art.º 63/1 RAU.
23º - Ao denunciar o contrato com efeitos para data anterior ao termo do prazo inicial do contrato de arrendamento, quando o pré-aviso ou antecedência se reporta ao fim do prazo do contrato e da sua renovação e ter a extinção do vínculo contratual locatício se concretizado efectivamente antes do termo do prazo do contrato, violou o réu o disposto no art.º 51 e 68 do RAU, art.º10 e 1055 do CC. e não cumpriu o clausulado no nº2 e 3 do contrato de arrendamento.
24º - Por incumprir o prazo do contrato o réu incorreu em responsabilidade contratual, devendo indemnizar a autora pelos danos causados e pela legítima expectativa de ter o prédio arrendado até ao termo do contrato, recebendo uma renda mensal.
25º - O inquilino que incumpre o contrato, tem responsabilidade contratual, que deverá traduzir-se numa indemnização no mínimo de montante igual à soma do valor das rendas até ao termo do contrato, caso contrário e a ter denunciado o contrato e desocupado o prédio antes do termo do prazo do contrato, pagando apenas as rendas até ao momento da efectiva utilização do prédio, não é responsabilizado pelo incumprimento do prazo contrato, ficando impune a sua conduta.
26º - As partes convencionaram no documento escrito, que a haver incumprimento do prazo do contrato, teria aplicação a cláusula de fixação antecipada da indemnização no valor de 500.000$00.
27º - O réu em 1/11/2002 foi viver para outra casa arrendada, ao fim de 2 anos após a celebração do contrato com a autora, que lhe arrendou uma casa nova, acabada de construir.
28º - A cláusula convencionada pelas partes é válida: não viola nenhuma norma imperativa do regime do arrendamento e trata-se de uma cláusula penal compensatória e de fixação antecipada da indemnização, válida nos termos do art.º 405, 406 e 810/1 do CC.
29º - A cláusula não viola qualquer dos direitos do inquilino não subverte a possibilidade de revogação unilateral, porque o réu tem o direito de o fazer mas obedecendo às condições, nos prazos, requisitos e regras estabelecidas pelo legislador.
30º - É a lei que prescreve e não a autora que a denuncia produz efeitos ou se reporta ao termo do contrato, que os contratos são para cumprir pontualmente, sendo um dos elementos o prazo.
31º - A condenação corresponde à fixação da indemnização com base no chamado interesse contratual positivo, ou seja, no benefício que advirá para a autora da execução do contrato e essa solução é a que resulta dos princípios gerais da obrigação de indemnizar, previstos nos art.º 562 e SS. do CC e que são comuns à responsabilidade contratual e extracontratual, uma vez que esse é o meio de o contraente não faltoso ser colocado na situação em que estaria se não tivesse havido o incumprimento do contrato.
32º - Não viola a boa fé e em nada contradiz o interesse do inquilino na estabilidade do contrato, que a lei visa proteger.
33º - Na estabilidade da relação locativa, há que admitir lugar para um conteúdo convencional dessa relação, onde se admita o princípio da autonomia da vontade, pelo que não sendo violado o sentido ínsito das normas que regulam a relação locativa, podem as partes convencionar uma cláusula penal nos termos em que o fizeram.
34º - A não ser o réu condenado a pagar o valor da cláusula penal, existe um desequilíbrio mas em desfavor da autora, pois que enquanto se manteve o contrato de arrendamento cumpriu a sua obrigação de proporcionar ao arrendatário o gozo da coisa locada, agindo em conformidade com a lei, sendo certo que o réu ao não cumprir não é responsabilizado nem indemniza a autora pelas rendas que deixou de auferir regular e sucessivamente, ou no mínimo pela diferença resultante entre o valor da renda que era paga pelo réu (214,48€) e o que agora lhe é pago (200€), até ao final do termo do contrato em 2005, o que perfaz a quantia de 477,84€, não considerando as preocupações e despesas realizadas a fim de arrendar novamente o prédio.
35º - A fundamentação da douta sentença é contraditória, viola as normas jurídicas e faz uma correcta aplicação e interpretação da lei: art.º51, 63, 68, 98, 99 e 100 do regime do Arrendamento Urbano e os art.ºs 406, 405, 810 e 1055 do Código Civil.
36º - O tribunal “a quo” não se pronunciou sobre o pedido de condenação do réu e seu mandatário como litigantes de má fé.
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Não houve contra-alegações dos apelados.
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Colhidos os vistos cumpre decidir.
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São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância:
a) Através de escrito com data de 1 de Julho de 2000, expressamente denominado “contrato de arrendamento”, assinado por Autora e Réu, a Autora, na qualidade de senhorio, declarou dar de arrendamento ao Réu marido, na qualidade de inquilino, uma casa de habitação no 1º andar, com a área útil de 880m2, sito na R. Eng. Carlos Lacerda inscrito na matriz da freguesia de Vila Nova de Foz Côa, sob o nº 00418.
b) No mesmo escrito, sob o nº2, foi dito que o fim do contrato é a habitação e estipulou-se que o prazo de duração do arrendamento é de cinco anos, com início em 1/07/2000 e termo em 31/07/2005, clausulando-se ainda que, findo o prazo do arrendamento, o contrato renova-se: a) por períodos sucessivos, se nenhuma das partes o tiver denunciado no tempo e pela forma designados; b) a denúncia tem de ser comunicada ao senhorio, por carta registada com a antecedência mínima de sessenta dias.
c) Foi estipulada a renda anual de 516.000$00, em duodécimos de 43.000$00 cada.
d) Foi ainda estipulado que caso o inquilino não cumpra o estipulado na cláusula nº2, terá a aplicação cláusula de fixação antecipada de indemnização, no valor de 500.000$00.
e) Através de carta com data de 30/07/2002, que a Autora recebeu, o Réu marido comunicou à Autora que considerava o contrato de arrendamento referente ao 1º andar do prédio sito na R. Eng. Carlos Lacerda inscrito na matriz da freguesia de Vila Nova de Foz Côa, sob o nº 00418, revogado a partir de 30 de Outubro desse ano de 2002, nos termos do art.º 100, nº4, do RAU.
f) Em 30/10/2002, os Réus desocuparam a casa, passando a residir noutra.
g) Em 1 de Novembro de 2002, através de escrito, a Autora, declarou dar de arrendamento a Manuel Fernando Cabral, o prédio referido no antecedente nº1, pela renda mensal de 200 Euros.
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São fundamentalmente duas as questões suscitadas no recurso: a da qualificação do contrato de arrendamento urbano para habitação como pertencendo ao regime dito de duração limitada ou ao regime comum de renovação e denúncia; e, subsequentemente, a do funcionamento da cláusula contratual penalizadora da rescisão pelo arrendatário com efeito em data anterior ao termo do período inicial fixado (cl.ª 20ª).
No que concerne ao primeiro problema importa ter presente que o regime legal supletivo do arrendamento prevê a renovação automática por períodos sucessivos, findo o prazo estipulado (art.º 1054 do CC) sem prejuízo da denúncia pelas partes no tempo e pela forma convencionados ou designados na lei. E que o arrendatário pode impedir esta renovação procedendo à denúncia regulada no art.º 1055 do CC. (art.º 68, nº 1 do RAU aprovado pelo Dec. Lei nº 321-B/90 de 15/10 ).
Porém, nos termos do art.º 98, nºs 1 e 2 do RAU, as partes podem convencionar um prazo para a duração efectiva dos arrendamentos urbanos para habitação desde que a respectiva cláusula seja inserida no texto escrito do contrato assinado por ambas, não podendo o referido prazo ser inferior a cinco anos.
Na cláusula 2ª do contrato junto a fls. 5 e 6 dos autos estabeleceu-se que o prazo de duração do arrendamento era de cinco anos com início em 1/07/2000 e termo em 31/07/2005. Por seu turno, a cláusula 3ª regulou o modo de renovação e de denúncia do arrendamento pelas partes. Dúvidas não podem existir de que o arrendatário e R. marido quis, mediante a carta enviada à A. em 30/07/2002, valer-se do direito de revogação previsto no nº 4 do art.º 100 do RAU, direito esse exclusivo dos contratos de duração limitada visados no art.º 98 e ss daquele diploma.
A revogação unilateral por um dos sujeitos do negócio jurídico fá-lo cessar para futuro independentemente do respectivo prazo inicial ou de renovação, e obedece apenas ao livre arbítrio do seu autor, ao passo que a denúncia implica a declaração de vontade de impedir a renovação de um certo prazo contratual após o seu decurso.
O problema colocado no recurso consiste em determinar se as partes acordaram no clausulado escrito em fixar um prazo de duração efectiva do arrendamento e por essa via submetê-lo ao regime específico do art.º 98 e ss do RAU.
Tratando-se de negócio formal vale nele o princípio, contido no art.º 238 do CC, de que o sentido da declaração deve ter um mínimo de correspondência no texto do documento; em conjugação com o preceito do nº 1 do art.º 236, segundo o qual é relevante o sentido a deduzir por um declaratário normal colocado na posição do real declaratário a partir do comportamento do declarante. Releva aqui a interpretação que seria feita por um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz (cfr. Manuel de Andrade, Teoria Geral, 1980, pág. 421). A ficção desta figura de declaratário normal será, pois, tarefa do julgador, orientado pelas regras da experiência comum.
É ensinamento da vida que quem celebra um contrato de arrendamento para habitação por um prazo de cinco anos – e não por um, dois, três ou qualquer outro – se quer sujeitar ao específico regime de cessação do arrendamento do art.º 98 e ss. do RAU. É que os contraentes não ignoram ser justamente esse o prazo mínimo para o arrendamento de duração limitada, nos termos do nº 2 do art.º 98 do RAU.
Deve, portanto, considerar–se dispensável o uso expresso da fórmula sacramental da « duração efectiva », não se afigurando de relevo para a interpretação e qualificação do contrato a aposição de outras cláusulas - como a relativa à actualização das rendas - tendo em conta que estamos perante um texto pré–impresso com espaços em branco para a concretização de alguns elementos do negócio tais como o nome das partes, a descrição do locado, prazo do contrato, montante da renda, etc. Não sendo de ignorar que nestes modelos pré–impressos a margem de negociação se circunscreve aos pontos a que se reportam os aludidos espaços em branco.
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Qualificado assim o contrato outorgado entre as partes, tem de se extrair daí a ilação de que ao arrendatário assistia a faculdade de, ao abrigo da 2ª parte do nº 4 do art.º 100 do RAU, o revogar a todo o tempo, mediante comunicação escrita, a enviar à locadora, com a antecedência mínima de 90 dias sobre a data em que operariam os seus efeitos.
Esta faculdade de revogação por banda do arrendatário é distinta e paralela à da denúncia, ali também prevista para o fim do prazo ou da renovação, de harmonia com o nº1 do mesmo artigo.
A carta do R. marido, junta fls. 7, datada de 30/07/2002, dando por revogado o contrato a partir de 30 de Outubro do mesmo ano, nada tem que ver com a denúncia legalmente prevista; e, porque regularmente declarada, operaria validamente a extinção do vínculo contratual pelo arrendatário.
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O outro problema debatido nas alegações da apelante prende–se com a tese sufragada na sentença da nulidade da cláusula 20ª do contrato, estipulação segundo a qual o inquilino responderia por um valor indemnizatório pré–fixado de Esc. 500.000$00 caso não cumprisse o consignado na cláusula segunda.
Há que fazer notar que esta última cláusula não coloca sobre o arrendatário qualquer dever porquanto se limita a estabelecer as datas para o início e fim do prazo do contrato. Apesar dessa incoerência percebe –se o propósito de dissuadir o arrendatário de, por qualquer modo, fazer cessar o contrato antes do termo do prazo ali definido.
A doutrina vem distinguindo entre cláusula penal compensatória e moratória (cfr. Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, pág. 248 e ss. ).
Como refere o Prof. Galvão Telles ( Direito das Obrigações, Coimbra Editora Lda, 4ª edição, pág. 352 e ss. ) qualquer cláusula penal supõe sempre inexecução de uma obrigação e culpa do devedor. Conferindo a lei ao arrendatário, por razões evidentes de ordem pública de protecção social, um direito – o de revogar a todo o tempo o contrato mediante certa forma – ter-se-á de considerar, pelo menos, nula a disposição negocial que sanciona com uma indemnização o exercício de tal direito por violar norma legal imperativa ( art.º 294 do CC ).
Ao agir no livre exercício de um direito que lhe era atribuído pelo nº4 do art.º 100 do RAU o R. e apelado não incumpriu, total ou parcialmente, qualquer dever: a sua hipotética responsabilização por via de uma pena convencional equivaleria à negação daquele direito. Bem procedeu a Mma Juiz ao decidir pela inoperância da respectiva cláusula indemnizatória, embora pudesse ter explicitado e declarado a nulidade geradora dessa inoperância.


Por este motivo não foi nem podia ter sido decretada a condenação dos RR. com base na dita cláusula.
E também ficou prejudicada no seu suporte lógico a questão da pretensa litigância de má-fé do R. ou do seu mandatário, pelo que nenhuma crítica é merecedora a decisão recorrida.
Improcedem, por conseguinte, todas as conclusões do recurso.
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Termos em que decidem julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante sem prejuízo do apoio judiciário.