Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2269/03.0TBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
REGULAMENTO
CONDOMÍNIO
NATUREZA JURÍDICA.DANOS CAUSADOS NAS PARTES COMUNS
OBRIGAÇÃO DE REPARAÇÃO
CONDÓMINO / EMPREITEIRO (NÃO COMITENTE/COMISSÁRIO)
Data do Acordão: 12/09/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1414º E 1429º- A, Nº 1, DO C. CIV.
Sumário: I – No nosso ordenamento jurídico encontra-se proclamado, como regime geral, o princípio da responsabilidade baseada na culpa.

II – A obrigação de indemnizar independentemente de culpa só existe nos casos expressamente previstos na lei – artº 483º, nº 2, C. Civ.)

III – A responsabilidade (extracontratual) assente no risco ou na prática de factos lícitos constitui uma excepção àquele princípio, já que permite imputar a obrigação de indemnizar independentemente de culpa, vigorando aí a chamada responsabilidade objectiva – artºs 500º e segs. do C. Civ..

IV – Constitui entendimento dominante quer na doutrina quer na jurisprudência o de que entre o empreiteiro e o dono da obra não existe qualquer relação de comissão, ou seja, do tipo comitente/comissário, dada a inexistência de um vínculo de subordinação jurídica do empreiteiro ao dono da obra.

V – Entre nós a propriedade horizontal apresenta-se como uma figura jurídica autónoma integrada por um misto incindível de propriedade singular sobre uma parte determinada do prédio (fracções) e de compropriedade sobre outras partes funcionalmente ligadas àquela (partes comuns).

VI – Resulta do disposto no artº 1429º-A, nº 1, do C. Civ., que o Regulamento do Condomínio, aprovado pelas assembleias gerais, visa disciplinar o uso, a fruição e a conservação das partes comuns.

VII – A natureza jurídica destes Regulamentos é a de “deliberação normativa ou regulamentar” resultante de declarações de vontade que se fundem para apurar, por sufrágio, a vontade de um órgão colegial, corporizando em si um conjunto de regras gerais e abstractas que se destinam a disciplinar, no futuro, a acção dos condóminos no gozo e administração do prédio.

VIII – Esta “deliberação” pode impor-se a quem votar contra ela ou a quem não participar sequer na sua formação.

IX – Muito embora esse “Regulamento” não tenha natureza contratual, deve entender-se que as regras que o compõem têm eficácia propter rem, vinculando todos aqueles que se encontram integrados na organização condominial.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. A autora, A..., instaurou (em 14/7/2003) contra os réus, B... e C... (e considerando já o incidente de habilitação e substituição dos primitivos réus inicialmente demandados) a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumário, pedindo a condenação dos últimos a pagarem-lhe a quantia total de € 4.314,03, acrescida de juros moratórios vincendos, contados à taxa legal, desde a data de entrada da petição inicial e até ao seu integral pagamento.
Para o efeito, alegou, em síntese, o seguinte:
Ser a A. administradora do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, identificado no artº 1º da p.i. e do qual os RR. são condóminos, dado serem proprietários da fracção autónoma correspondente ao 4.º andar direito.
Em Maio de 2000, os réus realizaram obras naquela sua fracção, sendo que o pessoal que as executou transportou, imprudentemente, no elevador do prédio uma banheira que resvalou e que, consequentemente, provocou o entalamento do elevador, desviando a cabine do seu curso normal e provocando danos na cabine, nas portas e na caixa do elevador.
A reparação de tais danos - efectuada com o pleno conhecimento e anuência dos réus - importou na quantia de € 3.400,65. (sendo que os juros de mora vencidos à data da instauração da acção importam já quantia de € 613,38).
Para além dessa importância, devem ainda os RR pagar a quantia de € 300,00, para cobrir as custas judiciais e os honorários dispendidos como o mandatário (e por força do estatuído, a esse respeito, no artº 27, nº 5, do Regulamento do Condomínio).

2. Na sua contestação, os RR., para além da defesa baseada em excepções dilatórias, reconheceram a existência dos aludidos danos referidos pela A., alegando, todavia, em síntese, que os mesmos foram produzidos pela empresa – designada por “D...” - que fora por si encarregue de executar as sobreditas obras, no âmbito de um contrato de empreitada que para o efeito com ela celebrara.
Danos esses que foram provocados devido à actuação imprudente da referida sociedade, não devendo, assim, os RR. serem responsabilizados pelos mesmos, e nomeadamente pelo pagamento da aludida quantia reclamada pela A..
Porém, deduziu ainda incidente de intervenção da referida empresa, com o fundamento de contra ela poder exercer o seu direito de regresso, para a hipótese de virem a ser condenados na pretensão formulada pela A..

3. Incidente esse veio a ser deferido, tendo-se admitido aquela sociedade a intervir nos autos com na qualidade de auxiliar dos RR (artºs 330 e 331 do CPC).

4. Citada aquela chamada, veio a mesma apresentar contestação, negando que os danos provocados no elevador fossem da sua responsabilidade, sendo que, por cautela, aduziu ainda que o direito de indemnização estaria, no que concerne a si, sempre prescrito.

5. Mais tarde - após a ocorrência da prática de alguns actos processuais visando, nomeadamente, a supressão de deficiências processuais localizadas -, veio a ser proferido despacho saneador no qual se considerou a instância válida e regular (nomeadamente no que concerne à legitimidade da autora, ali concretamente apreciada), terminando com a condensação da matéria de facto.

6. Realizado o julgamento, veio a ser proferida sentença no final da qual, e com base nos fundamentos ali aduzidos, acabou por julgar a acção totalmente improcedente, absolvendo os RR. do pedido (sendo que quanto à interveniente chamada, e dado a qualidade de mero auxiliar dos últimos com que a mesma fora admitida a intervir nos autos, entendeu-se ali que jamais a mesma poderia, assim, ser condenada, nesta acção, no pagamento na importância reclamada pela A.).

7. Não se tendo conformado com tal sentença, a autora dela interpôs recurso, que foi admitido como apelação.

8. Nas correspondentes alegações de recurso que apresentou, a autora concluiu as mesmas nos seguintes termos:
[...]

9. Os RR. contra-alegaram pugnando, a final, pela improcedência do recurso e pela manutenção do julgado.

10. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
***
II- Fundamentação
A) De facto.
Pelo tribunal da 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. A autora é administradora do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Av. do Brasil, n.º 60, da freguesia de Buarcos, concelho da Figueira da Foz, descrito na Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz sob o n.º 1430 da referida freguesia.
2. Os réus são donos da fracção correspondente ao quarto andar direito, destinado a habitação, do prédio identificado em 1. supra.
3. Em Maio de 2000, os réus realizaram obras na sua fracção.
4. Tais obras foram efectuadas pela empresa “D...”, no âmbito de acordo celebrado entre o réu B... e a mesma.
5. Aquando da realização das obras na fracção dos réus, o pessoal da interveniente “D...”, que a elas procedia, transportou uma banheira no elevador do prédio, que resvalou, provocando o entalamento do elevador, desviando a cabine do seu curso normal de funcionamento.
6. Provocando estragos na cabine do elevador, nas suas portas e na caixa do elevador.
7. A reparação do elevador foi efectuada e adjudicada pela empresa “E...”.
8. A reparação dos estragos causados no elevador do prédio em consequência do aludido em 5., importou a realização dos serviços discriminados no orçamento de fls. 11, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e cujo custo importou em € 3.400,65.
9. A utilização do elevador pela interveniente “D...”, foi autorizada pelos réus.
10. O elevador funcionou bem até ao referido em 5.
11. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do Regulamento de Condomínio do prédio identificado em 1., aprovado em Assembleia de Condóminos de 19 de Agosto de 1995, “as reparações em partes comuns do edifício que tenham de realizar-se por motivo a que tenha dado causa algum condómino, seu familiar, empregado, ou pessoa a quem ele tenha facultado o uso da sua fracção são da responsabilidade exclusiva desse condómino”.
12. Nos termos do n.º 5 do artigo 27.º do Regulamento de Condomínio do prédio identificado em 1., aprovado em Assembleia de Condóminos de 19 de Agosto de 1995, “todas as despesas com custas judiciais e honorários de mandatário, serão da responsabilidade dos condóminos que a estas derem origem, fixando-se para tal, a quantia de 300 euros” (com base no documento junto de fls. 15 a 20).
***
B) De direito.
É sabido que é pelas conclusões das alegações de recurso que se fixa e delimita o seu objecto.
Ora, compulsando as conclusões do presente recurso, verifica-se que a grande questão que importa aqui apreciar e decidir traduz-se em saber se estão ou não preenchidos os respectivos pressupostos legais para que se possa responsabilizar, in casu, os réus pelo pagamento da importância referente à reparação dos danos ou estragos que foram causados no elevador do sobredito prédio de que os mesmos são condóminos e na sequência das obras que então levaram a efeito na sua fracção, por intermédio empresa (a sociedade D...”) que contrataram para o efeito, ou seja, para executar tais obras. Danos ou estragos esses que foram directamente causados pelo pessoal da referida empresa.
Grosso modo, podemos dizer que no nosso ordenamento jurídico-civil a obrigação de indemnizar pode resultar da responsabilidade contratual e da responsabilidade extracontratual (abrangendo esta, como é sabido, três formas: a responsabilidade por factos ilícitos – artº 483 e ss do CC -, a responsabilidade pelo risco – artº 499 e ss do CC - e a responsabilidade pelos factos lícitos – a qual muito embora não se encontra expressamente consagrada no nosso Código Civil, ela resulta claramente do estatuído em muitos dos seus normativos legais, vg., por ex., artºs 339, nº 2, 1322, nº 1, 1347, nºs 2 e 3, 1348, nº 2, 1349, nº 3, e 1367), formas essas que, como é sabido, entroncam no mesmo instituto: a responsabilidade civil.
Dada a forma como a presente acção foi estruturada, e atento os factos apurados e acima descritos, avançamos desde já que é para nós manifesto que a obrigação de indemnizar que nesta acção se pretende obter dos réus está, desde logo, votada ao fracasso ao nível da responsabilidade extracontratual, e à luz de qualquer uma das suas três formas ou modalidades supra referidas.
Tendo os danos aqui em causa sido provocados pelo pessoal (vulgo empregados) da empresa que contrataram para a execução das obras que decidiram levar a efeito na sua fracção urbana, parece evidente que os réus não poderão ser responsabilizados a título da responsabilidade civil por factos ilícitos (ao contrário do que defende também a A.), por falta de alguns dos seus pressupostos. Desde logo porque os danos não resultaram de um facto voluntário por eles praticado, depois porque não se vislumbra qualquer ilicitude na sua conduta, depois ainda porque inexiste qualquer nexo de imputação culposa do facto danoso aos réus (sendo certo ainda que, a existir tal responsabilidade, era sempre sobre a A. que, nos termos do disposto, nas disposições conjugadas dos artºs 487, nº 1, e 342, nº 1, do CC, impendia o ónus de provar a culpa dos RR. na produção dos aludidos estragos causados no elevador, o que, perante os factos apurados, não se logra extrair tal) e, por fim ainda, porque nem sequer se poderá falar da existência de um nexo de causalidade adequada entre a conduta dos réus e o dano que veio a ocorrer no elevador (o facto de os mesmos terem autorizado a empresa a utilizar o elevador, tal não permite, sem mais, concluir pela existência do referido nexo).
É sabido que no nosso ordenamento jurídico se encontra proclamado, como regime geral, o princípio da responsabilidade baseada na culpa.
Daí que mesmo ao nível da responsabilidade civil a obrigação de indemnizar independentemente de culpa só existe nos casos expressamente previstos na lei (cfr. artº 483, nº 2, do CC).
Como é sabido, a responsabilidade (extracontratual) assente no risco ou na prática de factos lícitos constitui, todavia, uma excepção àquele princípio, já que permite imputar a obrigação de indemnizar independentemente de culpa, vigorando aí a chamada responsabilidade objectiva.
Porém, é também manifesto que o caso presente não se enquadra em nenhuma das situações de responsabilidade pelo risco previstas no Código Civil (vg. artº 500 e ss). A esse propósito diremos tão somente que a única situação que poderia ter algo a ver com o caso dos autos seria a que diz respeito à responsabilidade do comitente prevista no artº 500. Todavia, constitui hoje entendimento claramente dominante (quer na nossa doutrina, quer na nossa jurisprudência) de que entre o empreiteiro (qualidade essa que, muito embora os elementos factuais apurados não sejam abundantes, seria aquela que aparentemente teria a sobredita empresa que efectuou as obras na fracção dos RR, e cujo pessoal, no decurso das mesmas, causou estragos no elevador do prédio do condomínio) e o dono da obra não existe qualquer relação de comissão, ou seja, do tipo comitente/comissário, dado a inexistência de um vínculo de subordinação jurídica do do empreiteiro ao dono da obra (cfr., e para maior desenvolvimento, entre muitos outros e para além daqueles citados na sentença recorrida, o prof. Vaz Serra, in “RLJ 112 – 200”; os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado, 2ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, pág. 702, em anotação ao artº 1207” e Ac. da RE de 8/11/1990, in “CJ, Ano XV, T5 – 245”).
É também evidente que não estamos perante numa situação (legalmente prevista) de responsabilidade por factos lícitos.
Pelo que afastada fica a obrigação dos réus de indemnizarem com base na responsabilidade extracontratual (e nomeadamente com base na responsabilidade por factos ilícitos, cujos pressupostos a apelante, nas suas alegações recurso, defendeu também estarem presentes).
Aqui chegados resta-nos indagar se no caso em apreço será possível impor aos réus a obrigação de indemnizar com base na responsabilidade contratual?
Apreciemos então.
Como resulta daquilo que no início se deixou expresso e dos termos em que acima foi colada a questão que aqui nos cumpre apreciar e decidir, encontramo-nos claramente no domínio da propriedade horizontal, que entre nós se encontra regulada nos artºs 1414/1438-A do CC.
Podemos dizer que entre nós a propriedade horizontal apresenta-se como uma figura jurídica autónoma integrada por um misto incindível de propriedade singular sobre uma parte determinada do prédio e de compropriedade sobre outras partes funcionalmente ligadas àquela. Ou seja, cada condómino tem a propriedade exclusiva sobre a sua fracção e ainda um direito de (com)propriedade sobre as partes comuns do prédio constituído em tal regime, sendo contitular desse último direito com os demais condóminos.
E daí que se venha entendendo tratar-se de um direito (o direito de propriedade horizontal) real novo e complexo (vidé, entre outros e para maior desenvolvimento; Aragão Seia, in “Propriedade Horizontal, 2ª ed., revista e actualizada, Almedina, págs. 13 e ss”; Rui Vieira Miller, in “Propriedade Horizontal no Código Civil, 3 ed., revista e actualizada, Almedina, págs. 52/64”; Moitinho de Almeida, in “Propriedade Horizontal, 2ª ed., Almedina, pág. 13” e Sandra Passinhas, in “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2ª ed., Almedina, págs. 18 e 159/161” - denotando embora alguns pontos de divergência com a doutrina tradicional).
Já vimos que o aqui está em causa é apurar da responsabilidade dos réus pelo pagamento da importância referente à reparação dos danos ou estragos que foram causados no elevador do sobredito prédio (constituído em regime de propriedade horizontal) pelo pessoal da empresa que os mesmos contrataram para a realização de obras naquela sua fracção.
A autora (na qualidade de administradora do aludido prédio urbano, e depois de ter sido legitimada para o efeito pela respectiva assembleia de condóminos) ao demandar os réus, com vista a obter deles o pagamento da aludida reparação dos estragos causados no elevador, fundamentou essencialmente a sua pretensão invocando para o efeito o artº 6º, § 1º, do Regulamento desse Condomínio que reza assim: “as reparações em partes comuns do edifício que tenham de realizar-se por motivo a que tenha dado causa algum condómino, seu familiar, empregado, ou pessoa a quem ele tenha facultado o uso da sua fracção são da responsabilidade exclusiva desse condómino”.
Regulamento esse que foi aprovado (por maioria dos condóminos) em Assembleia de Condóminos realizada em 19 de Agosto de 1995 (o que significa que não foi antes elaborado aquando da constituição do título de propriedade horizontal, tal como era possível nos termos do artº 1418, nº 2 al. b), do CC).
É claro que o elevador em causa é um bem comum do aludido prédio, por tal resultar (para além da presunção legal estatuída no artº 1421, nº 2 al. b), do CC) expressamente do estipulado no artº 2º do referido Regulamento (onde se dispõe que “são comuns as partes do edifício indicadas no nºs 1 e 2 do artigo 1421 do Código Civil”, e onde se encontram, como é sabido, indicados os ascensores). Caracterização essa que, aliás, tem o consenso das partes aqui em litígio.
Interessa, porém, e antes de mais, caracterizar agora a natureza e função de tal Regulamento do Condomínio.
No que concerne à sua função, resulta do disposto no artº 1429-A, nº 1, do CC, que o mesmo visa disciplinar o uso, a fruição e conservação das partes comuns. Todavia, a experiência contemporânea da realidade da vida, diz-nos que - com o desiderato de permitir ou proporcionar uma melhor coabitação entre todos condóminos e, assim, eliminar ou reduzir as principais fontes potenciadoras de riscos susceptíveis de contaminarem aquela sã convivência condominial -, na prática esses regulamentos ultrapassem a mera gestão das partes comuns, chegando ao ponto de interferirem com a gestão com das partes privadas, especialmente em termos de restrições de actos comportamentais nelas praticadas.
Num esforço visando caracterizar a figura do contrato, o prof. A. Varela - depois de afirmar que “as vontades que integram o acordo negocial contratual, embora concordantes ou ajustáveis entre si, têm que ser opostas, animadas de sinal contrário” –escreve que “quando as declarações de vontade se fundem não para formar um acordo sobre interesses contrapostos, mas para apurar, por sufrágio, a vontade de um órgão colegial, também não há contrato, mas deliberação. Enquanto o contrato só vincula quem o aceitou, a deliberação pode impor-se a quem votar contra ela ou a quem não participar sequer na sua formação (in “Direito das Obrigações em Geral, vol. I, 4ª ed., Almedina, pág. 206”). (sublinhado nosso)
Assim, os regulamentos de condomínio, aprovados pelas assembleias gerais (pois é esse o caso que aqui nos interessa), enquanto expressão de autonomia privada na definição concreta do estatuto do direito real de propriedade horizontal, não mais são senão do que deliberações normativas ou regulamentares, corporizando em si um conjunto de regras gerais e abstractas, e que se destinam a disciplinar no futuro a acção dos condóminos no gozo e administração do prédio constituído em propriedade horizontal, vinculando todos os condóminos independentemente de terem ou não participado na sua formação e de o terem ou não votado (cfr., entre outros, e para maior desenvolvimento, Sandra Passinhas, in “Ob. cit. págs. 81/82”).
Muito embora não tenha a natureza contratual, é hoje prevalecente o entendimento que as regras deliberativas que compõem o Regulamento de um Condómino têm eficácia propter rem, vinculando todos aqueles que se encontram integrados na organização condominial, ou seja, tais regras criam verdadeiras obrigações propter rem para todos os condóminos e às quais estes ficam vinculados, não por via de um verdadeiro contrato mas por serem titulares de um direito real integrado no estatuto do direito real da propriedade horizontal (vide, a propósito, além de Sandra Passinhas, in “Ob. cit. págs. 81/82”, M. Henrique Mesquita, in “Obrigações Reais e Ónus Reais, págs. 102 e 103” e in “Rev. Dtº. Est. Sociais, 1979, pág. 197”; Armindo Ribeiro Mendes, in ROA, 1970, Ano 30, pág. 69”; Ac. da RLx de 8/5/2008, proc. 1824/08, disponível em www.dgsi.pt/jtrl” e Ac. do STJ. de 9/4/2004, in “CJ, Acs. do STJ, Ano XI, T1, pág. 115”).
Resta dizer, que o estatuto da propriedade horizontal é, como resulta do que atrás se deixou, exarado, fixado pela lei (artº 1414 e ss do CC, onde se prevê um conjunto de normas imperativas que não podem ser derrogadas pelo regulamento), pelo título constitutivo e/ou pelo regulamento do condomínio.
Posto isto, e voltando-nos para o caso em apreço, diremos:
É claro, pelo que supra deixámos expresso, que todos os condóminos do prédio de que a autora é administradora estão obrigados a observarem as regras que compõem o respectivo regulamento desse condomínio e o que nelas se encontra estatuído.
A questão que, todavia, se nos coloca é se a situação em apreço se integra ou não na previsão do sobredito artigo ou regra do referido Regulamento?
E para o efeito haverá que interpretar a referida regra ou “norma” contida no citado artigo 6 § 1º do Regulamento.
Muito embora não estejamos, como vimos, perante um negócio jurídico (de natureza contratual), nesse exercício de hermenêutica interpretativa não deixaremos de convocar e tomar em consideração as regras e os princípios contidos nos artºs 236 a 238 do CC, aqui aplicáveis por força do artº 295 do mesmo diploma, em conjugação ainda com os princípios porque se rege a propriedade horizontal e com a função e os objectivos perseguidos pelo regulamento de condomínio, nos termos em que supra deixámos expostos, e sempre na perspectiva do sentido que lhe seria dado por um declaratário normal (segundo a teoria da impressão do destinatário) e ainda de que esse sentido a extorquir tem de ter um mínimo de correspondência na letra do texto em que se encontra redigida a norma deliberativa em causa.
Norma ou regra essa que, mais um vez, aqui deixámos transcrita: “as reparações em partes comuns do edifício que tenham de realizar-se por motivo a que tenha dado causa algum condómino, seu familiar, empregado, ou pessoa a quem ele tenha facultado o uso da sua fracção são da responsabilidade exclusiva desse condómino” (sublinhado nosso).
Decompondo o texto dessa norma dela resulta que a responsabilização (em regime de exclusividade) dos condóminos fica dependente da verificação dos seguintes pressupostos: a) que haja ou tenha havido necessidade de proceder à reparação em bens que constituam partes comuns do edifício (em regime de propriedade horizontal); b) que tenha sido um dos condóminos que tenha dado causa a essa reparação; c) ou, não sendo o condómino a causá-la directamente, que a referida reparação tenha sido causada por um seu familiar, ou por um seu empregado ou então ainda por uma outra qualquer pessoa a quem ele tenha facultado o uso da fracção.
Decorre, assim, que a cedência do uso da fracção a uma terceira pessoa (que é a situação que aqui nos importa analisar) é uma condição para que os condóminos possam ser responsabilizado pelos danos causados nos bens comuns por essa mesma pessoa.
Facultar o uso da fracção a uma terceira pessoa, terá necessariamente de querer significar que o condómino passou a permitir a essa pessoa que disfrutasse da utilização da sua fracção, isto é, que passasse a usufrui-la pessoal e plenamente, em condições semelhantes àquelas por si normalmente utilizadas.
Não está aqui em causa que o bem danificado (o elevador) é um bem comum, nem que houve lugar à necessidade de proceder à sua reparação e nem sequer que os réus haviam autorizado a sua utilização pelas pessoas que o danificaram (muito não se saiba em que condições).
Como claro está que o dano não foi causado pelos réus/condóminos ou por algum dos seus familiares ou empregados.
Como resulta da matéria factual apurada, o dano desse bem foi causado por pessoal (vg. funcionários) da empresa que os RR. haviam contratado (aparentemente em regime de empreitada) para a realização de obras na sua fracção.
Embora não se saiba em concreto os termos e os moldes em que tal era feito (nomeadamente se era ou não feito com a presença dos RR), é possível, todavia, claramente inferir-se que o acesso que o pessoal (vg. os empregados) da referida empresa tinha à fracção daqueles era feito tão somente baseado na aludida relação contratual e exclusivamente para aqueles fins específicos, isto é, visando tão somente a realização nele das referidas obras. Não se pode, assim, falar que os RR. tenham facultado ao pessoal da empresa o uso da sua fracção, no sentido de que atrás deixámos expresso.
E sendo assim, somos levados a concluir que falta um dos pressupostos estabelecidos na referida regra ou “norma” do Regulamento do Condomínio para que os réus possam ser responsabilizados pelo pagamento da reparação do dito elevador.
Responsabilidade essa (e respectiva obrigação de indemnizar) que terá, assim, de ser procurada e obtida junto da supra identificada empresa, cujo pessoal provocou a danificação do bem em causa (e que levou à necessidade da sua reparação) – e que nesta acção pode suceder, pelos motivos que supra se deixaram exarados.
E nessa medida, ter-se-á de negar provimento ao recurso, confirmando-se (ainda que por motivos não totalmente coincidentes) a sentença recorrida.
***
III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se (ainda que por motivos não totalmente coincidentes) a sentença da 1ª instância.
Custas pela A.

Coimbra, 2008/12/09