Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
501/05.4TBTNV-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
REGIME APLICÁVEL
DESPACHO
Data do Acordão: 10/20/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TORRES NOVAS – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 771º, ALS. B) E C), DO CPC (REDACÇÃO DO DL Nº 303/2007, DE 24/08), E ARTºS 11º, Nº 1, E 12º, Nº 1, DO D.L. Nº 303/2007
Sumário: I – No comum das situações, um processo instaurado posteriormente a 01/01/2008 mas cuja tramitação ocorra por apenso a um processo matriz instaurado anteriormente a essa data (ou seja, até 31/12/2007), deve seguir, na adjectivação da respectiva instância de recurso, o regime anterior ao DL nº 303/2007.

II – Porém, o regime dos recursos em processo civil emergente do DL nº 303/2007, de 24/08, aplica-se a um recurso extraordinário de revisão (artºs 771º e segs. do CPC), mesmo que a decisão a rever tenha sido proferida num processo já pendente em 01/01/2008.

III – Deve entender-se que o disposto no artº 11º, nº 1, desse DL 303/2007 apenas se refere, ao definir o critério de aplicação da lei no tempo, aos recursos ordinários e não aos recursos extraordinários, como sucede com a revisão.

IV – A falta, no regime introduzido pelo DL nº 303/2007, de uma norma com o conteúdo do artº 710º, nº 2, do CPC (revogado por esse DL nº 303/2007), não significa que um recurso interposto de um despacho interlocutório que, em função da decisão final adoptada, não influa no exame ou decisão da causa, deva ser apreciado pelo Tribunal de recurso.

V – Funciona no nosso direito adjectivo recursório o princípio da instrumentalidade dos recursos, nos termos do qual só a concreta influência que a apreciação do recurso, ou de uma sua dimensão destacável, possa ter no julgamento da causa, legitima a apreciação do recurso, ou dessa dimensão.

VI – A questão da veracidade de um documento é inoperante para a apreciação de um recurso reportado a uma decisão final de improcedência de um recurso extraordinário de revisão, se esse documento (pressupondo a sua veracidade) for inócuo para fundamentar a revisão pretendida.

VII – A asserção, documentalmente comprovada, de que alguém não está (individualmente) colectado por determinada actividade, não exclui, por si só, a asserção de que esse alguém se dedique a essa actividade.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa


            1. Deu início ao recurso de revisão[1] de cuja decisão final emergiu a presente apelação o requerimento de fls. 11/16, apresentado em 25/09/2008 (apensado, então, à acção ordinária nº 501/05.4TBTNV, no qual havia sido proferida a decisão revidenda), por A... (Requerente da revisão e aqui Apelante), sendo tal recurso dirigido contra B... e mulher, C... (doravante referidos, no contexto desta apelação, como Requeridos e Apelados)[2].

            Respeita a revisão à Sentença proferida pelo Exmo. Juiz de Círculo de Tomar a fls. 382/404 (referimo-nos aqui à paginação do processo apenso), completada esta pelo Acórdão desta Relação de fls. 513/521[3] e, finalmente, pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 595/614[4]. Resultou de tal Sentença, na parte que tematicamente interessa à presente revisão, a condenação do aqui Requerente A...– aí R. – a satisfazer aos ora Requeridos “[…] a quantia de €56.250,00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação [do R.] (30/08/2005) e até integral pagamento” (transcrição de fls. 403 do apenso).

            Corresponde esta quantia a uma prestação indemnizatória que tem na sua base uma situação de responsabilidade civil extracontratual desse R. aqui Requerente, desencadeada pela apropriação indevida por este de uma máquina industrial multicarregadora cuja propriedade dos ora Requeridos foi reconhecida nessa mesma Sentença, como passo prévio da afirmação – também contida nessa decisão – de ter o aqui Requerente violado ilicitamente esse direito de propriedade[5].

            1.1. É sobre essa determinação judicial que o Requerente pretende aqui actuar, modificando-a e privando-a, através do presente recurso extraordinário de revisão, da cobertura do caso julgado material, invocando como fundamento deste a circunstância de ter entretanto obtido dois documentos (os que juntou com o requerimento inicial a fls. 5/10), emanados da Administração Fiscal, dos quais afirma resultar que os Requeridos, em 2008 e antecedentemente, não se encontravam colectados por qualquer actividade comercial, industrial, agrícola ou profissão liberal. A relevância desta situação na condenação do Requerente na prestação indemnizatória revidenda, decorreria – e estamos a reproduzir a tese do Requerente – da circunstância de a determinação dessa indemnização ter pressuposto o exercício pelos Requeridos da actividade de construção civil[6], actividade esta que os referidos documentos desmentiriam[7].

            Invoca o Requerente a este respeito os pressupostos do recurso de revisão constantes das alíneas b) e c) do artigo 771º do Código de Processo Civil (CPC)[8], dizendo serem esses dois documentos suficientes para modificar a decisão revidenda num sentido mais favorável ao Requerente (fundamento da alínea c)) e acrescentando que deles resulta, também, “[…] a falsidade do depoimento das testemunhas em que o tribunal se baseou para dar as respostas aos quesitos 12º e 15º” (nº 14 do requerimento de revisão a fls. 14 destes autos, referindo-se este trecho ao fundamento da alínea b) do referido artigo 771º)[9].

            1.2. Responderam os Requeridos ao requerimento de revisão (fls. 23/28) negando-lhe fundamento, impugnando o conteúdo do documento (o referido ao Requerido marido) no qual se pretende basear o recurso (argúem-no de falso no conteúdo atestado), juntando a esta resposta quatro documentos (fls. 29/41) – igualmente provenientes da Administração Fiscal – visando demonstrar o exercício pelo mesmo Requerido da actividade de “construtor civil”[10].

            1.2.1. A esta resposta pretendeu o Requerente retorquir através de um outro articulado que integrou (antes de mandado desentranhar) fls. 50/64 desta revisão[11]. Nesta peça, procurou o Requerente, invocando a aplicação ao caso da tramitação do processo sumário (concretamente do artigo 785º do CPC, ex vi do disposto no artigo 775º, nº 2 do CPC), responder ao que qualificou como dedução de “excepções” pelos Requeridos na respectiva resposta (nºs 1 a 39 dessa peça disponível, como já se disse, na aplicação habilus). Cumulativamente, integra este articulado desentranhado uma arguição de falsidade dirigida aos documentos 1 (fls. 29/32) e 3 (fls. 35/38) juntos pelos Requeridos com a respectiva resposta (nºs 40 a 47 da mesma peça consultada na mesma fonte).

            1.2.1.1. Ao oferecimento deste articulado suplementar do Requerente, reagiram os Requeridos através da reclamação de fls. 66/68, pedindo o seu desentranhamento, por não prever a respectiva existência a tramitação aplicável ao caso (o artigo 775º, nº 1 do CPC), juntando adicionalmente novas versões em original dos documentos que o Requerente havia arguido de falsos.

            1.3. Surge então o despacho de fls. 89/92 (que, enquanto decisão interlocutória, integra o objecto de um dos recursos de apelação interpostos a final) o qual, no trecho de fls. 89/91 que aqui nos interessa, depois de considerar só serem admissíveis no recurso de revisão, nos termos do artigo 774º, nº 2 do CPC, dois articulados, determina o desentranhamento dessa resposta do Requerente (a que se encontrava, então, a fls. 50/64).

            1.4. Entretanto, prosseguindo o recurso de revisão os seus termos, com a remessa dos autos ao Exmo. Juiz de Círculo de Tomar, proferiu este Magistrado o julgamento final da revisão consubstanciado na decisão de fls. 98/107 (constitui esta, portanto, a decisão culminante do recurso de revisão e o objecto da presente apelação), decisão essa, dizíamos, que julgou improcedente a revisão pretendida[12].

            1.5. Inconformado, interpôs o Requerente o presente recurso, fazendo-o nos seguintes termos:


“[…]
[I]nconformado com o despacho de fls. 89 a 92[[13]] e [com] a Sentença datada de 15/12/2008[[14]], pretende recorrer para a […] Relação de Coimbra.
[…]”
            [transcrição de fls. 121]

            Anexou a este requerimento a motivação conjunta dos dois recursos, sendo que a rematou formulando as conclusões que aqui se transcrevem:


“[…]
1. Ao abrigo do disposto no artigo 785º do CPC, aplicável ex vi do artigo 775º, nº 2 do CPC, o recorrente apresentou articulado em que responde às excepções invocadas pelos recorridos (1º a 26º), contesta a alegação de falsidade quanto aos documentos juntos com as alegações iniciais (27º a 34º), exerce o contraditório quanto aos documentos juntos pelos recorridos (35º a 39º) e, separadamente, argui a falsidade dos documentos 1 a 3 juntos pelos recorridos (40º a 64º).
2. O despacho que ordenou o desentranhamento da resposta do recorrente impediu o exercício do contraditório (artigo 526º do CPC) quanto aos documentos juntos pela parte contrária, e, saneou a arguição da falsidade dos documentos sem tomar posição quanto à mesma (artigo 546º do CPC).
3. Além disto, ao admitir a junção aos autos de um segundo articulado, acompanhado de novos documentos, pelos recorridos, o Tribunal a quo tratou as partes de forma desigual e acabou por «deixar entrar pela janela o que expulsara pela porta», isto é, permitiu, afinal, mais do que dois articulados.
4. O Tribunal a quo fez, pois, errada interpretação e aplicação da lei, designadamente dos artigos 3º,nº 3, 3º-A, 523º, 526º, 546º, 548º e 549º do CPC.
5. Nos casos das alíneas b) e [c)][15] do artigo 771º, como o dos autos, é permitida a resposta às excepções, pelo recorrente, isto é, após a resposta dos recorridos seguir-se-ão os termos do processo sumário, designadamente os previstos pelo artigo 785º do CPC.
6. É nulo o despacho que não se pronunciou sobre a falsidade dos documentos 1 e 3 apresentados pelos Recorridos.
7. Esta falsidade é evidente em face dos sinais exteriores do documento, pelo que deverá, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 372º do Código Civil, este Tribunal, oficiosamente, declarar falso o documento 1 junto pelos Recorridos.
8. O Tribunal a quo refere «uma vez que os fundamentos invocados para o recurso são os que constam da alínea b) do artigo 771º do CPC», e só destes conhece.
Sucede que o presente recurso de revisão tem por fundamentos não apenas a alínea c), mas também a alínea b) do artigo 771º do CPC, conforme expressamente alegado, designadamente em 14º, 15º, 17º, 18º, 19º, 21º, 23º, 24º e 25º das alegações iniciais.
9. Ao não apreciar desta matéria, atinente à alínea b) do artigo 771º do CPC, é nula a Sentença recorrida, conforme o disposto no artigo 668º, nº 1, alínea d) do CPC.
10. Afirmam os recorridos na sua resposta que «o valor da indemnização nada tem a ver com a actividade do A.».
Porém, «o valor da indemnização tudo tem a ver com a actividade do recorrido» resulta da própria sentença recorrida, que peremptoriamente afirma «colectado ou não, provou-se que o recorrido se dedica à indústria da construção civil e foi por esse efeito que adquiriu outra máquina».
11. A conduta dos Recorridos, espelhada nestes autos (desde a junção de documentos falsos à adulteração de factos) revela não apenas a fragilidade da sua situação, mas também a má fé com que litigam.
12. Note-se que os Recorridos têm plena consciência de que não exerceram a actividade de construção civil, pois só esta consciência justifica a tentativa que levaram a cabo nestes autos de falsear o fundamento da decisão sob revisão.
Litiga de má fé quem, como os Recorridos «tiver alterado a verdade dos factos», devendo ser condenado em multa (artigo 456º, nºs 1 e 2, alínea b) do CPC).
13. Os documentos juntos com as alegações iniciais do recurso de revisão são suficientes para, por si só, destruírem a prova de que os recorridos se dedicavam a «actividade na indústria da construção civil», e reporem a verdade, que vem, aliás, ao encontro da única prova produzida na acção principal quanto a esta matéria: o recorrido tinha uma empresa de construção civil.
14. Em casos como o dos autos, em que a injustiça da decisão judicial proferida é gritante e o próprio erro judicial crasso, não devem os Tribunais refugiar-se em argumentos meramente formais, que impedem a reposição da Justiça.
15. A Sentença recorrida faz errada interpretação e aplicação do artigo 771º, alínea c), que dispõe «quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever», uma vez que a lei não prevê como requisitos cumulativos que a parte não tivesse conhecimento do documento e que dele não tivesse podido fazer uso.
16. Verificando-se in casu, que os documentos não eram conhecidos do Recorrente aquando do processo em que foi proferida a decisão a rever, tanto basta para se ter por verificado o requisito legal «documento de que a parte não tivesse conhecimento».
17. O documento junto pelo Recorrente faz prova plena dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora, ou seja, que o Recorrido «não se encontra colectado por este Serviço de Finanças, por qualquer actividade comercial, industrial, agrícola ou profissão liberal, assim como não foram detectados quaisquer registos relativamente a idêntica situação com data anterior.
18. O conteúdo deste documento é inconciliável com a decisão a rever que considera provado que o recorrido se dedicava à indústria da construção civil, já que, caso tivesse sido junto ao processo antes da sua prolação, o Tribunal a quo não podia deixar de decidir de outro modo.
19. Os documentos juntos pelo Recorrente neste recurso de revisão não eram do seu conhecimento à data do processo em que foi proferida a decisão a rever e são, por si só, suficientes para modificar a decisão em sentido que lhe seja mais favorável.
[…]”
            [transcrição de fls. 133/136]

E termina o Apelante, resumindo o fim visado com cada uma das apelações, formulando as duas pretensões seguintes:

“[…]
a) Deverá o despacho recorrido ser declarado nulo e, consequentemente, admitida a resposta apresentada pelo Recorrente e proferida decisão que aprecie da falsidade dos documentos devidamente arguida pelo Recorrente;
b) Deverá o recurso ser julgado procedente, substituindo-se a Sentença recorrida por decisão que proceda à revisão da Sentença.
[…]”
            [transcrição de fls. 136/137]

            Através da segunda parte do despacho de fls. 140/141, foram admitidos, por referência ao regime emergente do DL nº 303/2007, estes recursos (ou seja, o recurso respeitante ao despacho interlocutório de fls. 89/91 e o recurso respeitante à decisão final de fls. 98/107), tendo os Apelados produzido, a tal respeito, a resposta de fls. 146/152, pugnando pela improcedência de qualquer dessas dimensões do recurso.


II – Fundamentação


            2. Encetando a apreciação dos recursos – que, como flúi do antecedente relato, incidem sequencialmente sobre uma decisão interlocutória, ordenadora dos termos do processo, e sobre a decisão final respeitante ao recurso de revisão –, importa ter presente que o âmbito objectivo de cada um desses recursos foi delimitado pelo apelante através do teor das conclusões antecedentemente transcritas. É o regime resultante dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC.

Aplica-se aqui, como anteriormente se disse, a reforma do regime dos recursos introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, sendo essa circunstância, que opera no caso por referência ao disposto no artigo 691º nºs 1, 2, este a contrario, e 3 do CPC (redacção do DL nº 303/2007), que explica o modo de interposição da apelação consubstanciado no requerimento de fls. 121 (dirigido, diferenciadamente mas no mesmo documento, à decisão final e à interlocutória) e, consequentemente, o despacho de admissão (cuja correcção aqui se confirma) de fls. 140 (2ª parte). É esta circunstância (a aplicação do DL nº 303/2007), enfim, que explica que a apelação aqui em causa se desdobre em dois recursos distintos[16]: (1) a que se refere à impugnação do despacho de fls. 89/91 (mandando desentranhar o articulado adicional pretendido apresentar pelo Apelante) e se funda no nº 3 do artigo 691º do CPC; (2) a que visa a decisão final (que julga improcedente o recurso de revisão) e se funda no nº 1 do mesmo artigo 691º.

2.1. Introduzindo aqui um à parte argumentativo, importa explicitar, como se indicou na nota 2, a razão de ser da aplicação do regime emergente do DL nº 303/2007 a um processo que, como sucede com o recurso extraordinário de revisão, é autuado e tramitado por apenso (v. o artigo 773, nº 1 do CPC) a um outro processo, iniciado anteriormente a 1 de Janeiro de 2008 (e que ainda se encontrava pendente em 01/01/2008)[17]. Sublinha-se que o sentido da colocação aqui desta questão se liga à circunstância de se considerar, no comum das situações, que um processo instaurado posteriormente a 01/01/2008, mas cuja tramitação ocorra por apenso a um processo matriz instaurado anteriormente a essa data (ou seja, até 31/12/2007), deve seguir, na adjectivação da respectiva instância de recurso, o regime anterior ao DL nº 303/2007[18].

Esta asserção interpretativa não vale, todavia, na hipótese dos recursos extraordinários de revisão, configurando estes, verdadeiramente, um “processo novo”, no sentido de não pendente à data da entrada em vigor do DL nº 303/2007[19]. Com efeito, como refere Miguel Teixeira de Sousa:


“[…]
Como se pode facilmente concluir, a não aplicação imediata do novo regime dos recursos só atinge os processos que estivessem pendentes em 1/1/2008: nestes processos continuam a ser admissíveis os recursos anteriores à reforma. Assim, nada impede a aplicação imediata do novo regime relativo aos recursos extraordinários de uniformização de jurisprudência e de revisão aos processos que já se encontravam findos em 1/1/2008. Situação algo duvidosa é aquela que respeita aos recursos extraordinários aplicáveis aos processos que se encontravam pendentes em 1/1/2008. Através de uma interpretação literal do disposto no artigo 11º, nº 1 do DL 303/2007, concluir-se-ia que a esses processos se deveria aplicar o regime dos recursos extraordinários vigentes até àquela data, isto é, a revisão (na antiga configuração) e a (agora revogada) oposição de terceiro. A verdade é que nada parece justificar essa sobrevigência do antigo regime dos recursos extraordinários para os processos que estavam pendentes em 1/1/2008. A teleologia do novo regime dos recursos extraordinários não impede a sua aplicação aos processos pendentes em 1/1/2008 […]. Há que fazer, por isso, uma interpretação restritiva do disposto no artigo 11º, nº 1 do DL 303/2007 e entender que o que nele se dispõe é aplicável apenas aos recursos ordinários.
[…]”[20]

            Assim se justifica, como se adiantou no início deste Acórdão, e tem sido pressuposto ao longo da antecedente exposição, a aplicação ao presente recurso de apelação do regime emergente do DL nº 303/2007. É a aplicação concreta deste regime (correctamente afirmada no despacho de admissão de fls. 140) que conduz à dupla incidência desta apelação, configurando-a como um recurso múltiplo: visando, por um lado, uma decisão interlocutória proferida no iter processual anterior à decisão final (despacho de fls. 89/91) e desta autonomizável, e referido, por outro lado, à própria decisão final (fls. 98/107).

            2.2. Assente isto – sendo que “disto” emerge estarem em causa, reunidos na presente instância impugnatória, dois recursos autónomos –, importa dar conta de qual a incidência temática de cada um deles.

            A ambos se referem separadamente as conclusões acima transcritas no item 1.5., sendo que respeitam ao primeiro destes recursos (o do despacho interlocutório de fls. 89/91) os nºs 1 a 4 dessas conclusões, respeitando ao segundo recurso, à impugnação incidente sobre a decisão final, as conclusões correspondentes aos nºs 5 a 19 do texto da motivação.

            2.2.1. Ora, apreciando estes dois grupos de conclusões, podemos caracterizar a incidência temática do primeiro recurso – e esta constitui a primeira questão a abordar – (a) relativamente à apreciação do despacho de fls. 89/91 contendo a decisão de não aceitar o articulado adicional pretendido juntar pelo Requerente, na sequência da resposta dos Requeridos ao requerimento solicitando a revisão de sentença. Tal apreciação implicará – diríamos mesmo, será condicionada – por uma aferição preambular da utilidade deste meio impugnatório interlocutório, em função da linha decisória que a apreciação do recurso referido à decisão final irá determinar. Para que as coisas se tornem claras, diremos que a análise do recurso interlocutório convoca a prévia determinação da utilidade da questão por ele colocada, em função da antevisão do resultado da apelação respeitante à decisão final.

            2.2.2. Definido o modo como será abordado o primeiro dos recursos interpostos pelo Apelante, importa caracterizar, sempre através do texto das conclusões de remate da motivação, a incidência temática concreta do (segundo) recurso respeitante à decisão final de improcedência da revisão.

A apreciação da apelação com este objecto (referida à decisão final de fls. 98/107) começará por abordar (b) a arguição de nulidade por omissão de pronúncia (corresponde esta vertente da apelação ao teor das conclusões nºs 5 a 9 da motivação) e culminará (c) com a questão, que poderíamos qualificar de fundo, da apreciação da existência de fundamento para conceder a revisão da Sentença proferida no processo anterior, em função da apresentação pelo Apelante dos dois documentos constantes de fls. 5/7 e 8/10.

            2.2.3. Entretanto, e ainda num quadro preambular da ulterior apreciação das três questões antes equacionadas – identificadas nos itens 2.2.1 e 2.2.2. pelas alíneas (a), (b) e (c) –, importará consignar aqui os pressupostos de facto que a decisão final objecto do segundo recurso, elencou, sob a designação de “factos provados”, a fls. 99/104[21]:


“[…]
a) da acção principal.
Dos factos assentes:
A) A empresa: D... dedica-se ao comércio de máquinas industriais.
B) Uma máquina industrial multicarregadora não é matriculável.
C) Este tipo de máquinas não é passível de registo, nomeadamente na Conservatória do Registo Automóvel.
D) No dia 23-9-2001 o A. [o aqui Requerido marido e Apelado] tinha uma máquina industrial multicarregadora de marca J.C.B. 530 B, modelo 4HL, com o nº de série: 583326, numa obra que levava a efeito no.....
E) Pelas 21 horas o R. [o aqui Requerente e Apelante], acompanhado por F... , entrou no prédio referido em D) e pôs a máquina em funcionamento com a intenção de [a] levar dali.
F) Não logrou o R. levá-la porque conduziu-a por forma a que ela se tombou sobre uma palete de telhas.
G) E, entretanto, foi surpreendido pelos donos da obra, E... e marido que chamaram a P.S.P., que levou o R. e o seu acompanhante para a Esquadra.
H) O R. e o seu acompanhante foram presentes aos Serviços do Ministério Público, tendo sido interrogados na manhã do dia 24/09/2001, tendo sido constituídos arguidos.
I) Nesse mesmo dia, 24-9-2001, pelas 13 horas, o R. deslocou-se, de novo, à obra referida em D) e levou consigo a máquina igualmente mencionada em D), enquanto o pessoal que trabalhava na obra estava ausente, por ter ido almoçar.
J) O A. fez queixa no Processo de Inquérito 318/01.5PATNV contra o R. e o dito F... por, no seu dizer, no dia 23/09/2001 terem tentado furtar a máquina e por no dia 24/09/2001 eles terem levado a máquina.
L) O A. foi admitido a constituir-se como assistente no processo mencionado em J), por despacho proferido em 19-6-2002.
M) No processo referido em J) foi proferido despacho de arquivamento em 23/09/2002 com o fundamento que haverá que recorrer previamente aos meios civis para definição do direito real subjacente ao tipo de crime em causa.
N) O A. requereu a abertura de instrução, tendo sido proferido despacho de não pronuncia em 27/03/2003, que já transitou em julgado.
O) No processo referido em J) o R. assumiu ter sido ele a levar a máquina, justificando tal acto por esta ser sua pertença, por a ter comprado em França.
P) O R. e o assistente G... são irmãos.
Q) Os AA. são casados um com o outro sob o regime de comunhão de adquiridos.
R) Na altura referida em I), a máquina referida em D) estava em bom estado de conservação.
S) Os RR. vivem sobre o mesmo tecto, e comungam da mesma mesa.
T) A máquina referida em D) ficou à exclusiva disposição do R. depois de este a levar em 24-9-2001.
Da base instrutória:
[1] Foi o assistente G...quem fez transportar a máquina em questão para Portugal, em 8 de Janeiro de 1993 e pagou o seu transporte. – [resposta ao quesito 3º].
[2] Desde Janeiro de 1993 até ao ano de 2000, sem interrupção, o assistente G...passou a rentabilizar a referida máquina, efectuando trabalho com ela, tripulando-a ele próprio, em seu proveito exclusivo. – [resposta ao quesito 4º].
[3] A actividade referida em 4) foi efectuada à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que fosse. – [resposta ao quesito 5º].
[4] Foi o assistente G...quem, durante o período referido em 4), procedeu às reparações e à manutenção da máquina, a expensas suas. – [resposta ao quesito 6º].
[5] O assistente pediu a seu irmão, H... , autorização para parquear a referida máquina num armazém deste, sito na Lagoa do Furadouro e face a tal autorização, a máquina em questão, quando não estava a ser utilizada, ficava agarajada no referido armazém do seu irmão H.... – [resposta aos quesitos 7º e 8º].
[6] O assistente G...celebrou contrato de seguro com a Companhia de Seguros I... , referente à máquina mencionada em D), com início em 4-10-1993. – [resposta ao quesito 9º].
[7] O assistente G...realizou os actos mencionados de 3) a 7), inclusive, e em 9) na convicção de ser dono da máquina referida em D). – [resposta ao quesito 11º].
[8] O A. dedica-se à indústria de construção civil. – [resposta ao quesito 12º].
[9] Em 14 de Agosto de 2000 o assistente G...transmitiu e entregou ao A. a máquina referida em D), sendo que este último a recebeu, pela contrapartida monetária, previamente acordada entre ambos, de 5.750.000$00. – [resposta ao quesito 13º].
[10] O A. pagou a contrapartida monetária acordada e referida [na resposta ao quesito 13º], a prestações, e através de cheques cujas cópias se encontram juntas a fls. 36 a 48 [referem-se ao processo apenso], cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e o remanescente por meio não determinado. – [resposta ao quesito 14º].
[11] Face ao negócio assim efectuado passou o A. a dispor da máquina referida em D), utilizando-a nas suas obras. – [resposta ao quesito 15º].
[12] O A. realizou a actividade referida [na resposta ao quesito 15º] à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que fosse. – [resposta ao quesito 16º].
[13] O A. tinha em seu poder a chave da máquina referida em D). – [resposta ao quesito 17º].
[14] O A. passou a cuidar da manutenção da máquina referida em D) e a rentabilizá-la em seu proveito exclusivo. – [respostas aos quesitos 18º e 19º].
[15] O A. passou a realizar as actividades referidas [nas respostas aos quesitos 15º, 18º e 19º], com a convicção de ser dono da máquina mencionada em D), por a ter adquirido ao assistente G.... – [resposta ao quesito 20º].
[16] A chave de ignição de máquina J.C.B. é universal. – [resposta ao quesito 21º].
[17] A fechadura da porta da máquina referida em D) estava inoperacional. – [resposta ao quesito 22º].
[18] No momento em que foi levada pelo R. e nos termos descritos em I), a máquina referida em D) tinha no mercado um valor de pelo menos €26.250,00. – [resposta ao quesito 24º].
[19] Em condições normais de utilização a máquina referida em D) tinha ainda uma longevidade de mais 3 anos, por referência a 2005 uma vez que tem uma longevidade total de 15 anos e foi adquirida como nova em 1993. – [resposta ao quesito 25º].
[20] Uma vez privado do uso da máquina referida em D), o A. teve necessidade de se dotar de outra. – [resposta ao quesito 26º].
[21] Os AA. celebraram um contrato de locação financeira mobiliária com a empresa: «J... », de outra máquina, nova. – [resposta ao quesito 27º].
[22] Face ao referido contrato de locação ficaram os AA. obrigados a pagar 48 prestações mensais de €1.231,45 cada uma, vencendo-se a primeira em Dezembro de 2001 e a última em Dezembro de 2005. – [resposta ao quesito 28º].
[23] Ficou convencionado no referido contrato de locação que os AA. no final dos pagamentos, ficam com a opção de compra pelo valor residual €1.097,36. – [resposta ao quesito 29º].
[24] A máquina referida em D) satisfazia as necessidades do A. no que concerne aquele tipo de máquina. – [resposta ao quesito 30º].
[25] O valor de mercado da máquina que os AA. negociaram no contrato de locação, com referência ao mês de Dezembro de 2005, vale não menos de €30.000,00. – [resposta ao quesito 32º].
[26] Os RR. estão casados sob o regime de comunhão geral de bens. – [resposta ao quesito 33º].
[27] O A. só adquiriu a máquina referida em D) ao assistente G...por estar na convicção que ela lhe pertencia. – [resposta ao quesito 36º].
[28] O R. A...é empreiteiro da construção civil. – [resposta ao quesito 37º].
[29] Para a sua actividade o R. A...adquire maquinaria e materiais diversos. – [resposta ao quesito 38º].
[30] O R. marido teve máquinas guardadas no armazém do H.... – [resposta ao quesito 45º].
[31] O assistente G...trabalhou em Portugal, por conta do A.. – [resposta ao quesito 53º].
[32] O R. é empresário por conta própria, dedicando-se à construção civil, desde há mais de 20 anos. – [resposta ao quesito 54º].
[33] Vive da sua actividade profissional de construtor civil. – [resposta ao quesito 55º].
b) dos presentes autos.
[34] Na Conservatória do Registo Predial/Comercial de Torres Novas consta a matrícula/NIF nº 151 812 527 referente à firma B..., comerciante individual com localização do estabelecimento em Variante do Bom Pastor e nos averbamentos a esta matrícula consta que a actividade exercida é a construção de edifícios.
[…]”
[transcrição de fls. 99/104; sublinharam-se e destacaram-se a bold os trechos fácticos – [8] e [11] – discutidos na revisão]

            2.3. (a) Apreciemos agora o recurso referido ao despacho interlocutório de fls. 89/91, determinando previamente a utilidade deste na economia decisória da revisão.

            Traduziu-se o referido despacho interlocutório na não admissão de um articulado suplementar (poderíamos chamar-lhe um terceiro articulado) apresentado pelo Apelante, com o qual este pretendeu “responder à resposta”, digamo-lo assim, dos Apelados ao requerimento desencadeador do recurso extraordinário de revisão. Este articulado foi mandado desentranhar (v. o termo intercalado entre fls. 49 e 65) com base no entendimento de que a tramitação do recurso de revisão o não comportaria: não comportaria mais articulados – é o que se diz a fls. 89/91 – que o pedido de revisão e a resposta a este.

            Desse articulado – ao qual esta Relação só teve acesso porque o mesmo permanece no sistema habilus – importa reter a descrição já feita no item 1.2.1.. Dele resulta visar-se, fundamentalmente, responder ao que se qualifica de excepções deduzidas na resposta dos Requeridos e, cumulativamente, responder à arguição de falsidade dos documentos apresentados com o requerimento inicial, isto além da arguição (desta feita pelo Requerente) da falsidade de determinados documentos juntos pelos Requeridos nessa mesma resposta.

            É a resposta do Requerente à arguição da falsidade do conteúdo dos (seus) documentos o elemento do articulado desentranhado que primeiramente importa reter, dado corresponder a um exercício do contraditório que sempre extravasaria da natureza de articulado suplementar. Com efeito, no que tange à resposta a supostas excepções, sendo evidente consubstanciar-se o articulado dos Requeridos, como facilmente se alcança lendo-o a fls. 23/28, numa simples contestação aos fundamentos fácticos da revisão pretendida pelo Requerente, não se vislumbra que arrimo para nele vislumbrar a dedução de excepções se procura. Constituem excepções – constitui processualmente defesa por excepção (e só nos interessam aqui as chamadas excepções peremptórias) – a invocação de factos que pressupondo a válida constituição de um direito invocado por alguém, sobre esse direito intervenham a posteriori, impedindo-o, extinguindo-o ou modificando-o[22]. Ora, não sendo essa, notoriamente, a natureza da linha defensiva adoptada pelos Requeridos na resposta ao pedido de revisão, na qual se limitam a contraditar e a contextualizar o argumento do Requerente de que não exerceriam qualquer actividade de construção civil, fica sem sentido, independentemente da determinação do número de articulados admissíveis num recurso de revisão, equacionar a possibilidade de vir a existir um terceiro articulado de “resposta à resposta” – uma réplica –, por decalque da tramitação do processo sumário. Neste, aquilo que o artigo 785º (que o Apelante entende ser aqui aplicável ex vi do artigo 775, nº 2 do CPC) prevê é a existência de um articulado de resposta “[s]e for deduzida alguma excepção […]”, sendo que isso não sucedeu com a resposta dos Requerentes constante de fls. 23/28. E não vale a pena o Requerente/Apelante inventar a dedução de excepções onde elas notoriamente não existem.

            Sucede, porém, que, como alongue da respectiva resposta ao pedido de revisão, juntaram os Requeridos quatro documentos (fls. 29/41), havendo que considerar, nesse subsequente articulado do Requerente que foi mandado desentranhar pelo despacho aqui recorrido, a específica e subsistente dimensão atinente à suscitação por este último da falsidade de dois desses documentos, efeito este também pretendido desencadear pelo Requerente nesse terceiro articulado, isto para além da resposta (sempre possível em termos de exercício do contraditório) à arguição da falsidade de conteúdo dos dois documentos que ele Requerente apresentara como fundamento do recurso de revisão.

Configura-se, assim – configurou-se no articulado mandado desentranhar a fls. 89/91 –, uma outra dimensão processual, exorbitante da indevida pretensão de responder a excepções que ninguém deduziu, dimensão esta correspondente à resposta a uma arguição de falsidade e que pretendia impugnar autonomamente a genuinidade de outros documentos e, consequentemente, nesta última dimensão, desencadear o mecanismo processual previsto nos artigos 544º e seguintes do CPC, com a aproximação da situação à dedução de um incidente da instância[23].

Assim, nestas duas dimensões exorbitantes da indevida resposta às supostas excepções, o articulado mandado desentranhar sempre deveria ter permanecido no processo e originado um ulterior processamento destinado à confirmação da genuinidade de todos os documentos juntos pelo Requerente ora Apelante e pelos Requeridos ora Apelados, quanto à letra e respectivo conteúdo, já que todos eles foram impugnados pela contraparte respectiva.

É indiscutível que o despacho de fls. 89/91 descurou esta dimensão do problema, esquecendo, ao determinar o desentranhamento da peça apresentada pelo Requerente, as dimensões processuais alternativas a um articulado de resposta que essa peça não deixava de conter.

Situemos, todavia, esta questão no quadro geral deste recurso extraordinário de revisão, tendo presente que ele acabou por ser julgado improcedente, com base em argumentos cuja autonomia, relativamente à questão colocada no primeiro recurso, poderá configurar a imunidade da decisão final a toda e qualquer resolução que fosse dada ao primeiro recurso, acarretando a inutilidade deste, no sentido em que, no regime processual anterior ao DL nº 303/2007, o artigo 710º do CPC (entretanto eliminado do texto do Código) determinava que os agravos interlocutórios só seriam providos “[…] quando a infracção cometida [tivesse] influído no exame ou decisão da causa […]”.

            2.3.1. Foi em vista desta situação que dissemos atrás que a apreciação do recurso referido ao despacho interlocutório de fls. 89/91, passava pela aferição da utilidade da questão por ele colocada na economia decisória global da apelação, no quadro geral da determinação da aptidão dos fundamentos invocados pelo Apelante para obter a revisão da sentença aqui colocada em crise.

Para esclarecimento desta questão, importará caracterizar a utilidade da apreciação de um recurso que vise, como sucede em última análise com este, desencadear um mecanismo adjectivo destinado à aferição da genuinidade formal e substancial de determinados documentos (referimo-nos aos documentos apresentados pelos ora Apelados com a resposta de fls. 23/28, ou seja aos documentos de fls. 29/41, actualizados pelos de fls. 81/88, e, principalmente, aos documentos que o Requerente anteriormente havia apresentado a fls. 5/10 como fundamento da revisão[24]). Tal questão – a da genuinidade desses concretos documentos postos em causa – só terá sentido, face ao ulterior desenvolvimento do processo, se para a decisão final a veracidade desses mesmos documentos, e a correspondência à realidade do que eles atestam, vier a ter qualquer utilidade. Tal questão só terá sentido, enfim, se esses documentos, enquanto meio de prova de algo (o que pressupõe a sua genuinidade formal e substancial), forem operantes – rectius, tenham aptidão para determinar – o sentido dessa decisão final.

Ora, a inutilidade significativa de um documento ocorre quando se pode pressupor, numa espécie de antevisão hipotética, a realidade que através desse documento se pretende demonstrar e, não obstante, essa decisão final de conteúdo antagónico à visada pelo apresentante do documento[25] se mantém inalterável no seu sentido. 

Nestes casos de irrelevância do conteúdo de um documento para o fim visado com a apresentação deste, um recurso interlocutório dirigido, em última análise, ao estabelecimento da genuinidade desse documento sempre será inútil para a determinação do sentido dessa decisão final. Nestes casos, enfim, caso estivéssemos perante um agravo interlocutório seguido de uma apelação da decisão final (o que pressuporia o regime anterior ao DL nº 303/2007), desencadear-se-ia a previsão do artigo 710º, nº 2 do CPC, então vigente, com o consequente não provimento desse agravo interlocutório.

2.3.1.1. E as coisas não se passam de modo diverso no regime actual, introduzido pelo DL nº 303/2007, não obstante este não dispor, relativamente às apelações interlocutórias, de uma disposição com um sentido equivalente ao revogado artigo 710º, nº 2 do CPC. É que este encerrava uma afirmação expressa do princípio geral da instrumentalidade dos recursos, enquanto exigência de repercussão útil da questão colocada no recurso no processo concreto do qual a impugnação emerge.

Ora, tal princípio, que corresponde a uma forma racional e lógica de compreensão do papel de um tribunal de recurso, e consequentemente de estruturação do regime dos recursos, não deixa de vigorar no nosso direito recursório, mesmo sem a indicação expressa que o artigo 710º, nº 2 do CPC representava no regime pretérito.

Aliás, a demonstração de que assim sucede com uma clara vocação de generalidade na apreciação de recursos, podemos colhê-la – funcionando aqui como argumento de identidade de razão – na circunstância de a jurisprudência do nosso Tribunal Constitucional, desde sempre, com base numa lei adjectiva (a Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, respeitante à organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional) desprovida de uma norma expressa equivalente ao revogado artigo 710º, nº 2 do CPC, ter definido, por referência ao princípio geral da instrumentalidade dos recursos, traduzido na concreta influência no processo da questão de constitucionalidade que se suscite, a possibilidade de pronunciamento do Tribunal sobre essa questão, negando-a quando essa utilidade concreta não está presente[26]. E este entendimento vale muito especialmente (e continuamos a referir-nos à jurisprudência do Tribunal Constitucional), nas hipóteses de existência de um duplo fundamento decisório, em que a possível decisão da questão de constitucionalidade eliminasse um desses fundamentos mas deixasse incólume a decisão (o sentido desta) com base no outro fundamento exterior à questão de constitucionalidade[27]. Se este entendimento vale relativamente à mesma decisão assente em fundamentos díspares cumulativos, não pode deixar de valer, por identidade de razão, relativamente a decisões distintas, quando a decisão culminante se autonomiza completamente da anterior, em termos de sempre subsistir fosse qual fosse o destino da decisão anterior.

2.3.1.2. Vale isto por dizer, revertendo ao caso concreto da apelação dirigida ao despacho interlocutório de fls. 89/91, que as questões respeitantes aos documentos juntos pelo Requerente/Apelante e pelos Requeridos/Apelados, se prefiguram como inoperantes em vista do sentido da decisão final impugnada na subsequente apelação. Com efeito, como veremos na ulterior exposição, podemos apreciar o recurso de revisão (e alcançar o mesmo resultado que o Tribunal a quo) esquecendo a existência dos documentos pretendidos juntar pelos Requeridos ora Apelados (documentos arguidos de falsos pelo Apelante). E poderemos igualmente – e trata-se este de um aspecto particularmente relevante na economia decisória deste recurso – apreciar o recurso de revisão (e chegar, identicamente, à conclusão de improcedência a que chegou o Tribunal a quo) pressupondo a veracidade dos factos atestados nos dois documentos apresentados pelo Requerente/Apelante, pressupondo como certo e plenamente demonstrado aquilo que esses documentos atestam: que o Apelado marido não estava colectado, ao tempo da decisão revidenda e anteriormente a esta, por qualquer actividade comercial, industrial, agrícola ou profissão liberal.

É o que faremos na ulterior apreciação da apelação dirigida à decisão final e é em função disso que aqui afirmamos a falta de utilidade do recurso interlocutório – maxime, de um possível e hipotético atendimento do recurso interlocutório, enquanto impugnação dirigida a originar uma tramitação distinta da seguida pelo Tribunal a quo, cujos efeitos práticos, atendida que fosse a pretensão do Apelante expressa nesse recurso interlocutório, nenhuma influência teria na decisão final.

Veremos de seguida ser isso o que sucede na presente situação.

2.4. (b) Na sua crítica à decisão final negatória da revisão da Sentença, esgrime o Apelante com a invocação de uma omissão de pronúncia pelo Tribunal a quo (artigo 668º, nº 1, alínea d) do CPC[28]), decorrendo esta da não consideração pelo Tribunal do fundamento cumulativo da revisão correspondente à alínea b) do artigo 771º do CPC[29], incidindo o pronunciamento decisório da revisão, tão-só, na apreciação da aptidão dos documentos juntos pelo Requerente a propiciarem, por si sós, a alteração da Sentença revidenda, com base na alínea c) do mesmo artigo 771º[30].

Sendo certo que o Apelante reconduziu a apresentação dos documentos que anexou ao respectivo requerimento de revisão tanto ao fundamento da alínea b) como ao da alínea c) do artigo 771º do CPC (v. item 1.1., supra), deparamo-nos com uma incompletude da decisão – se quisermos com uma omissão de pronúncia –, quando verificamos que a fundamentação exarada nessa mesma decisão se esgota na aferição da aptidão dos documentos apresentados para integrar o fundamento previsto na alínea c), sem qualquer alusão à possibilidade desses mesmos documentos serem operantes para uma possível integração da facti species da indicada alínea b). É certo que a substância do argumentário do Requerente, quanto às potencialidades que afirma resultarem dos dois documentos que junta, nos aparece estruturada, fundamentalmente, por referência à alínea c) do artigo 771º, e não tanto como instrumental para a demonstração da falsidade de um meio de prova determinante da decisão a rever (é este o sentido da alínea b) do artigo 771º do CPC[31]). Todavia, devendo o juiz resolver todas as questões que lhe tenham sido submetidas pelas partes (artigo 660º, nº 2 do CPC) a questão dos documentos apresentados pelo Requerente deveria ter sido equacionada na decisão apelada, também por referência a uma possível aptidão dos mesmos constituírem um meio de demonstração da falsidade do depoimento das testemunhas que determinaram as respostas aos quesitos 12º e 15º da base instrutória. É que não estamos apenas perante a invocação pelo Requerente de argumentos jurídicos cumulativos ou alternativos. Tratam-se, com efeito, de distintos fundamentos do recurso extraordinário de revisão, ambos integrando o thema decidendum deste, sendo que quanto aos fundamentos do recurso, o Tribunal a quo tinha uma efectiva obrigação de tomar posição.

Estamos, como se disse, perante uma omissão de pronúncia da decisão recorrida, que esta Relação suprirá na subsequente apreciação – também por referência à alínea b) do artigo 771º do CPC – dos fundamentos de revisão invocados pelo Apelante. É este, com efeito, o sentido da regra da substituição contida no nº 1 do artigo 715º do CPC[32].

2.5. (c) E assim atingimos o fundamento culminante da presente apelação, dirigindo-se ele ao controlo por esta instância da verificação, com base na apresentação pelo Requerente ora Apelante dos dois documentos de fls. 5/10, dos fundamentos de revisão previstos nas alíneas b) e c) do artigo 771º do CPC.

Tenha-se presente – e esta consideração vale em termos gerais para qualquer das alíneas-fundamento invocadas – que o único significado dos documentos juntos pelo Requerente da revisão corresponde ao pressuposto (que aqui tomaremos por exacto[33]) de não se encontrarem, qualquer dos Requeridos, pessoalmente colectados para efeitos fiscais, nas condições de tempo indicadas pela Administração Fiscal a fls. 6 e 9, “por qualquer actividade comercial, industrial, agrícola ou profissão liberal”.

Enquanto elemento significativo, deve este pressuposto – “não estavam colectados” – ser referido às asserções de facto presentes na decisão cuja revisão é pretendida, nos trechos que na transcrição feita no item 2.2.3. desta Acórdão tivemos a oportunidade de destacar: 1) a correspondente à resposta ao quesito 12º [8] – “[o] A. dedica-se à indústria de construção civil”; 2) a originada pela resposta ao quesito 15º [11] – “[f]ace ao negócio assim efectuado passou o A. a dispor da máquina referida em D), utilizando-a nas suas obras”.

2.5.1. Começando pela alínea b) do artigo 771º do CPC, importa ter presente que as respostas aqui (no recurso de revisão) postas em causa pelo Requerente, ora Apelante, foram fundamentadas nas respostas à base instrutória – no processo que originou a decisão revidenda –, no despacho de fls. 351/358, nos seguintes termos:


“[…]
[Q]uesito 12, pelo depoimento de L... que disse que o A. tem uma empresa de construção civil; quesitos 13, 14 e 15, pelo depoimento de parte do G...[34] e ainda pelo depoimento de L... que disse que o A. após a compra ao G...passou a utilizar a máquina […]”
            [transcrição de fls. 356]

            Vemos assim, tendo presente que o teor das respostas criticadas se encerra nas asserções de o A. se dedicar à indústria da construção civil e de ter passado a dispor da máquina nas suas obras, que o depoimento de uma testemunha (L....) que disse ter o A. uma empresa de construção civil e usar uma máquina nas obras que realiza (que realiza através dessa empresa), não apresenta qualquer indício de falsidade, quando confrontado com um documento que se limita a dizer que o A. (e não uma empresa de construção civil) não está colectado pelo exercício (individual) de uma actividade (e isto até esquecendo, que estar colectado por uma actividade e exercer essa actividade não são exactamente realidades totalmente sobrepostas e coincidentes, em termos de uma implicar necessariamente a outra). O Apelante pretende confundir o que ninguém confunde – e ele seguramente também não: que a resposta abarca na referenciação à pessoa a realidade mais ampla da actividade sob a forma empresarial dessa pessoa, numa espécie de transferência “pessoalizante”, que é muito comum em actividades exercidas com uma tal conexão ao trabalho individual de alguém em concreto que propicia o desaparecimento da forma empresarial que juridicamente cobre esse trabalho individual. E neste caso, aliás, a testemunha – que disse que o A. tem uma empresa de construção civil – até não foi juridicamente imprecisa na caracterização da forma pela qual o ali A., aqui Apelado, exerce essa actividade de construção civil[35].   

Estamos, como é óbvio, perante afirmações – a contida no documento de fls. 6 e a da testemunha indicada na fundamentação – perfeitamente compatíveis, relativamente às quais o que se poderia objectar (mas que aqui não está em causa, nem teria interesse para a pretensão do Apelante) seria, tão-só, que a formulação da resposta à base foi, porventura, pouco expressiva, ao não incluir na formulação o elemento de referenciação empresarial efectivamente contido no depoimento.

Não existe, pois, qualquer aptidão dos documentos juntos pelo Requerente da revisão a fls. 5/10 para alicerçarem – e estamos a pressupor a completa conformidade dos mesmos à realidade – a falsidade do depoimento da testemunha L... da Silva, depoimento no qual o Tribunal no anterior julgamento, aqui pretendido rever, se baseou para formular as respostas aos quesitos 12 e 15.

2.5.2. E esta argumentação, não deixa de valer, em muitos dos seus elementos, quando encaramos a questão da revisão por referência à alínea c) do artigo 771º do CPC.

Vale aqui a já demonstrada compatibilidade (ou não incompatibilidade) da asserção significativa presente nos documentos apresentados pelo Requerente da revisão e o teor da decisão revidenda na verificação dos pressupostos, relativamente ao Requerente, da obrigação de indemnizar de fonte aquiliana.

É evidente que a violação do direito de propriedade alheio gera responsabilidade civil para o violador, fazendo nascer, relativamente a este, um dever de indemnizar[36]. Neste caso, como sublinhou o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão confirmando a decisão aqui pretendida rever, na concreta asserção respeitante à responsabilidade indemnizatória extracontratual do ora Apelante, “[…] não se sabendo onde o R. [o aqui Apelante] tem a máquina subtraída ou que destino lhe deu, está encontrada a justificação lógica e plausível para a atribuição de indemnização, uma vez que não sabe o A. [refere-se ao aqui Apelado] como possa reivindicá-la” (transcrição de fls. 607). Vale, pois – e é esse o sentido da decisão aqui atacada –, o valor de substituição do bem furtado pelo ora Apelante, valor este que se afere pelo dispêndio (conjunto) dos ora Requeridos e Apelados com essa substituição.

Nada disto é posto em causa pela circunstância de qualquer dos Requeridos não estar colectado – individualmente, repete-se – “por qualquer actividade comercial, industrial, agrícola ou profissão liberal”, sendo evidente – diríamos mesmo, ostensivo – que os documentos apresentados, por si só, não fazem prova, como se explicitou no item anterior, de qualquer facto inconciliável com o elemento da decisão aqui em causa a rever[37].

Enfim, tudo se resume à circunstância dos Requeridos terem sido obrigados a “locar” um bem equivalente àquele do qual foram privados pelo Requerente e de isso ter representado, para eles, um dano (um dispêndio que, não fora o furto, não teriam suportado). Para isto – e é disto que trata a indemnização de €56.250,00 – são absolutamente irrelevantes as incidências fiscais da actividade dos Requeridos.   

Claudica, pois – e neste aspecto confirma-se o pronunciamento expresso da primeira instância –, a pretensão de proceder à revisão da Sentença de fls. 382/404 (com a sobreposição decorrente do Acórdão do STJ de fls. 595/614) do processo nº 501/05.4TBTNV do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas.

2.6. Cobertas que se mostram as questões suscitadas pelas apelações (no que tange ao recurso do despacho interlocutório com as particularidades assinaladas no item 2.3.1.2.), resta-nos desatender o recurso da decisão final, com a consequente confirmação desta (integrada na sua fundamentação pelo suprimento da omissão argumentativa da primeira instância realizado no item 2.5.1.), deixando antes nota, em sumário imposto pelo artigo 713º, nº 7 do CPC, dos elementos fundamentais do antecedente percurso argumentativo:


I – O regime dos recursos em processo civil emergente do DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, aplica-se a um recurso extraordinário de revisão (artigos 771º e seguintes do CPC), mesmo que a decisão a rever tenha sido proferida num processo já pendente em 01/01/2008;
II – Deve entender-se que o disposto no artigo 11º, nº 1 desse DL nº 303/2007 apenas se refere, ao definir o critério de aplicação da lei no tempo, aos recursos ordinários e não aos recursos extraordinários, como sucede com a revisão;
III – A falta, no regime introduzido pelo DL nº 303/2007, de uma norma com o conteúdo do artigo 710º, nº 2 do CPC (revogado por esse DL nº 303/2007), não significa que um recurso interposto de um despacho interlocutório que, em função da decisão final adoptada, não influa no exame ou decisão da causa, deva ser apreciado pelo Tribunal de recurso;
IV – Funciona no nosso direito adjectivo recursório o princípio da instrumentalidade dos recursos, nos termos do qual só a concreta influência que a apreciação do recurso, ou de uma sua dimensão destacável, possa ter no julgamento da causa, legítima a apreciação do recurso, ou dessa dimensão.
V – A questão da veracidade de um documento é inoperante para a apreciação de um recurso reportado a uma decisão final de improcedência de um recurso extraordinário de revisão, se esse documento (pressupondo a sua veracidade) for inócuo para fundamentar a revisão pretendida;
VI – A asserção, documentalmente comprovada, de que alguém não está (individualmente) colectado por determinada actividade, não exclui, por si só, a asserção de que esse alguém se dedique a essa actividade.


III – Decisão


            3. Assim, decidindo-se (nos termos explicitados no item 2.3.1.2.) não tomar conhecimento da apelação referida ao despacho interlocutório de fls. 89/91, julga-se improcedente a subsequente apelação referida à decisão final de fls. 98/107, confirmando-se esta quanto à improcedência do recurso de revisão desencadeado pelo ora Apelante A....

         Custas pelo referido Apelante.


[1] Por razões que a subsequente exposição explicitará (no item 2.1., infra), embora este recurso extraordinário de revisão vise uma decisão proferida num processo iniciado anteriormente a 01/01/2008, ao qual não teve aplicação – na respectiva instância de recurso – o regime introduzido pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1), não obstante visar a presente revisão uma decisão proferida num processo instaurado anteriormente a 2008, dizíamos, aplicar-se-á aqui o regime resultante do referido DL nº 303/2007 (rectius, a redacção por ele introduzida em diversas disposições do Código de Processo Civil). O dado a reter desde já é, pois, a aplicação neste caso, ao presente recurso de revisão, do DL nº 303/2007.
[2] Nesse processo nº 501/05.4TBTNV foram AA. os aqui Requeridos e R. o aqui Requerente e ora Apelante.
[3] Confirmou este, integralmente, a decisão da primeira instância.
[4] Este acabou por confirmar o pronunciamento inicial da primeira instância, mas apenas contra o aí R. marido, o aqui Requerente A.... Com efeito, na acção base haviam sido demandados pelos AA., ora Requeridos, o Requerente e a sua mulher, sendo que o Supremo Tribunal de Justiça absolveu esta última do pedido.
[5] O pedido formulado pelos AA. ora Requeridos nessa acção traduzia-se, além do mencionado pedido indemnizatório, no reconhecimento do direito de propriedade da pessoa que lhes havia transmitido essa máquina [G..., irmão do aí R., o qual (G...) foi admitido a intervir nessa acção na posição de assistente, nos termos dos artigos 335º/341º do Código de Processo Civil, v. fls. 179/180 da respectiva acção].
A Sentença revidenda – e em tudo isso ela foi confirmada nas subsequentes instâncias de recurso – reconheceu o direito de propriedade dos AA., originariamente constituído por usucapião, em favor do antecessor dos Requeridos (o Assistente G....) e posteriormente transmitido aos mesmos AA.. Cumulativamente, considerou a mesma Sentença ter sido o direito de propriedade destes últimos violado pelo ora Requerente, através da apropriação indevida da máquina, com o consequente desencadear dos pressupostos da imputação delitual prevista no artigo 483º, nº 1 do Código Civil.
Assim podemos caracterizar, em termos gerais, o sentido da decisão cuja revisão é aqui pretendida pelo Requerente, R. condenado nessa anterior acção. 
[6] Em função do exercício dessa actividade – diz-se na Sentença revidenda – teriam os AA. tido necessidade de locar uma outra máquina equivalente, sendo fundamentalmente por referência aos encargos com essa locação que os prejuízos destes foram fixados na decisão revidenda (v. o trecho desta de fls. 401/402).
[7] No requerimento de revisão diz o Requerente, explicando esta sua asserção:
“[…]
7. Tendo sido dado como provado que o A. [aqui Requerido] se dedicava à indústria da construção civil, daí se retirou o prejuízo por si sofrido com a «subtracção» da máquina e a necessidade de aquisição de uma outra.
8. Na realidade, a prova de que o A. exerce a actividade da construção civil foi o pressuposto determinante da condenação do Recorrente.
É precisamente porque «o A. exerce a actividade na indústria da construção» que o Tribunal de 1ª Instância, fez «uso das regras da experiência comum», para considerar justificada a aquisição da máquina.
Pelo contrário, caso o A. não exercesse a actividade da construção civil, o tribunal não teria considerado justificada a aquisição da máquina.
[…]”
                [transcrição de fls. 13]
[8] Interessa-nos aqui, como se indicou na nota 2, supra, a redacção deste e doutros preceitos do CPC decorrente do DL nº 303/2007. Note-se que a redacção das alíneas aqui em causa que o Requerente cita no seu requerimento inicial (nº 17 a fls. 14) está errada, não sendo sequer a anterior ao DL nº 303/2007, introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, mas sim a resultante do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro.
[9] Esses quesitos 12º e 15º correspondem à base instrutória organizada no processo apenso (v. a respectiva formulação interrogativa a fls. 191, as correspondentes respostas a fls. 352 e a fundamentação destas a fls. 356).
[10] Dizem os Requeridos nessa resposta, remetendo para os documentos que juntam:
“[…]

11º
[Q]uer quando os Recorridos contrataram com a Caterpillar, S.A. a locação de outra máquina […] – exercia, mesmo, a actividade de construtor civil.
12º
A certidão junta como documento nº 1 no articulado do recurso de revisão, embora reconhecendo-se que é um documento autêntico, impugna-se o seu conteúdo por falso, quando aí o funcionário manifesta no ponto 04 – erradamente – ter a percepção que o Recorrido não esteve colectado naquele Serviço de Finanças em qualquer actividade industrial.
[…]
20º
E quando os Recorridos intentaram a acção – 17/03/2005 –, tal como quando o Recorrente intentou a presente recurso, o Recorrido dedicava-se à industria da construção civil.
21º
Talqualmente o Tribunal deu por provado na resposta ao quesito 12º pelo depoimento da testemunha L....
[…]”
                [transcrição de fls. 25 e 27]
[11] Tal articulado não se encontra junto ao processo, dado ter sido mandado desentranhar pelo Exmo. Juiz do 1º Juízo de Torres Novas no despacho, também aqui recorrido, de fls. 89/92 (v. o termo de desentranhamento intercalado entre fls. 49 e 65). Não obstante, ao seu conteúdo acedeu esta Relação através do sistema habilus. Importa sublinhar que estando em causa, numa das dimensões deste recurso, a permanência nos autos desse articulado suplementar, não se vislumbra como poderia esta Relação julgar tal dimensão sem ter acesso ao que foi mandado desentranhar, percebendo assim do que se tratava. Não seria possível, tal como também não o era, como se indicou no despacho de fls. 171, sem dispor do processo que originou a decisão revidenda.
[12] Disse-se aí o seguinte, formulando a decisão final do recurso:
“[…]
Porque a certidão junta pelo Recorrente não tem a virtualidade de por si só modificar a decisão que se pretende ver alterada, julgo improcedente o presente recurso de revisão de sentença.
[…]”
                [transcrição de fls. 107, sublinhado acrescentado]
Fundando esta conclusão decisória, escreveu-se antecedentemente na mesma decisão:
“[…]
Uma vez que os fundamentos invocados para o recurso são os que constam da alínea c) do artigo 771º do CPC, e de acordo com o que dispõe o artigo 775º, nº 1 [do CPC] cumpre conhecer do fundamento da revisão.
A alínea c) do artigo 771º do CPC refere que a decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento ou de que não tivesse podido fazer uso no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
[…]
No caso em apreço o recurso terá de naufragar, porque o documento apresentado pela parte para fundamentar a revisão da sentença, não tem a virtualidade de por si só modificar a decisão que se pretende ver alterada.
Colectado ou não, provou-se que o Recorrido se dedica à indústria da construção civil e foi por esse efeito que adquiriu outra máquina.
É irrelevante para o desfecho da acção estar ou não colectado; relevante foi o facto de ter comprado outra máquina.
Por outro lado, se o Recorrente só agora teve conhecimento deste documento, tal facto deveu-se a incúria sua, porque não procedeu às diligências naturalmente indicadas para descobrir o documento, pois tal como obteve agora poderia tê-lo feito aquando da acção.
[…]”
                [transcrição de fls. 104 e 106/107]
[13] Trata-se do despacho interlocutório referido no item 1.3. deste Acórdão.
[14] É a Sentença de fls. 98/107 referida no item 1.4..
[15] Corrigiu-se o notório lapso consistente na indicação no texto original da alínea d).
[16] Que no regime pretérito (no anterior ao DL nº 303/2007) corresponderiam, em princípio, a um recurso de agravo, interposto desde logo mas com subida diferida, visando este a decisão interlocutória, e a um posterior recurso de apelação da decisão final, sendo que este último faria subir, por arrastamento, o agravo interlocutório. Isto, obviamente, caso não fosse fixado ao agravo o regime de subida imediata.
[17] Determina o artigo 12º, nº 1 do DL nº 303/2007, entrar este Diploma em vigor a 01/01/2008, sendo que a norma anterior a esta (o artigo 11º, nº 1), estabelece, em termos de aplicação da lei no tempo, que as respectivas disposições (a redacção introduzida no CPC pelo DL nº 303/2007), “[…] não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor”.
[18] Este foi o entendimento adoptado pelo ora relator na decisão sumária que proferiu no processo nº 280/07.0TBLSA-F.C1, em 16/06/2008, disponível no sítio do ITIJ (pesquisável nos campos indicados) em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ealc61802568d9005cd5bb/db953307306506a.
Disse-se no ponto III do sumário desta decisão:
“[…]
Um procedimento cautelar proposto em 2008, como dependente de uma acção proposta em 2007, funciona, para efeito do disposto no artigo 11º, nº 1 do DL nº 303/2007, como processo já pendente em 01/01/2008, não lhe sendo aplicável a tramitação recursória introduzida pelo DL nº 303/2007 […]”.
[19] Anotando o artigo 771º do CPC, dizem José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes: “[o] regime geral dos recursos ordinários não é, em regra, aplicável aos recursos extraordinários, atendendo à radical diferença entre ambas as figuras. Como notava Manuel de Andrade […], transcrito por Alberto dos Reis […], «os recursos extraordinários abrem um processo novo; têm a natureza de acções autónomas […]»” (Código de Processo Civil anotado, vol 3º, tomo I, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2009, p. 223).
[20] “Reflexões sobre a reforma dos recursos em processo civil”, texto da Conferência proferida no Tribunal da Relação de Coimbra no dia 12/02/2007, disponível no sítio deste Tribunal em http://www.trc.pt/doc/confintmts.pdf; cfr., no mesmo sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil. Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2008, pp. 14/15.
[21] A estes haverá que juntar, por também constituírem premissas da presente decisão, todas as incidências processuais relatadas ao longo do item 1. deste Acórdão, sendo que as mesmas se mostram comprovadas documentalmente, tanto no processo que originou a decisão revidenda (processo nº 501/05.4TBTNV), como neste recurso de revisão (isto além do elemento disponível no sistema habilus referido na nota 12).
[22] Remete-se aqui para a clássica definição, que no essencial parafraseámos, de Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1979, pp. 130/131.
[23] V. Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 1999, p. 257; tenha-se presente que o Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, eliminou o incidente da instância nominado respeitante à falsidade, revogando os artigos 360º a 370º do CPC. 
[24] Lembramos que os Requeridos, como resulta do artigo 12º da sua resposta a fls. 25 (no trecho transcrito na nota 11, supra), suscitaram a falsidade de um dos documentos apresentado pelo Requerente com o pedido de revisão.
[25] O oferecimento de um meio de prova, como sucede com a apresentação de um documento, envolve, na dinâmica de um processo, a prática pela parte apresentante de um “acto postulativo”, consubstanciando uma actuação processual destinada, como é usual dizer-se, “[…] à obtenção de uma decisão com determinado conteúdo, através do exercício de influência psicológica sobre o juiz” (Paula Costa e Silva, Acto e Processo. O Dogma da Irrelevância da Vontade na Interpretação e nos Vícios do Acto Postulativo, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, p. 208).
[26] Restringindo-nos à jurisprudência do Tribunal Constitucional mais recente, já do ano de 2009, citamos, a título de mero exemplo, o Acórdão nº 256/2009 (Mário Torres) e o Acórdão nº 489/2009 (João Cura Mariano), disponíveis, respectivamente, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20090256 e http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20090489.
[27] V. um exemplo desta última situação no Acórdão nº 351/2009 (João Cura Mariano), disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20090351.
[28] V. também o artigo 668º, nº 4 do CPC.
[29] “[Verificação da] falsidade de documento ou acto judicial, de depoimento ou de declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objecto de discussão no processo em que foi proferida”.
[30] “[Apresentação de] documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida”.
[31] V. José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil, cit. na nota 20, pp. 224/225.
[32] V. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil…, cit., p. 306.
[33] Prescindindo, pelas razões acima explanadas a respeito da relevância do conhecimento do recurso intercalar, da aferição da exactidão intelectual do conteúdo atestado nesses mesmos documentos. Ou seja, pressupondo aqui como exacta a atestação neles contida.
[34] A incidência do conteúdo deste depoimento para a matéria do quesito 15º foi registada na acta de julgamento no despacho de fls. 343.
[35] E note-se que isto vale também para o depoimento (aí assumido como “depoimento de parte”) do assistente G..., que não pode ter tido aqui a natureza de confissão, pois não traduziu – veja-se a redacção do quesito 15º – “[…] o reconhecimento que a parte [fez] da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária” (artigo 352º do Código Civil). É preciso não esquecer que a falsidade do depoimento que o Apelante refere no nº 14 do requerimento de revisão é de testemunhas.
[36] “Os direitos reais são genericamente protegidos pelas regras da responsabilidade civil, princípio geral do direito civil português. Qualquer pessoa que com dolo ou culpa viole ilicitamente um direito real fica obrigada a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação (artigo 483º, nº 1 [do Código Civil]). Assegura-se assim a protecção dos direitos reais, quer preventiva, quer repressiva, quer reconstitutivamente” (António Menezes Cordeiro, Direitos Reais, reprint 1979, Lex, Lisboa, 1993, p. 596).
[37] V. José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil, cit. na nota 20 e 32, p. 226.