Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4230/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. COELHO DE MATOS
Descritores: ARRENDAMENTO
RESTITUIÇÃO DO LOCADO
Data do Acordão: 04/27/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCANENA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTIGO 1.043, N.º 1 E 1.041.º, N.º 1; 1.301, AL. A); 1.093, AL. D) E 813.º DO CÓDIGO CIVIL E 66.º, N.º 1, H) DO RAU.
Sumário:

1. O dever de restituição do prédio arrendado no estado em que o inquilino o recebeu (artigo 1043.º, n.º 1 do Código Civil) está associado às deteriorações pela sua utilização e não a quaisquer outras obras, designadamente as efectuadas para adaptação do prédio aos fins a que se destina por virtude do contrato.
2. Quanto a estas, o inquilino só terá de as reverter se tal resultar das cláusulas do contrato resultantes da negociação das partes.
3. As rendas deverão ser pagas até à entrega do locado ao senhorio se o inquilino estiver em mora (artigo 1041.º, n.º 1 do Código Civil). Se a mora for do senhorio, então o inquilino não tem de pagar as rendas a partir do momento em que há mora do senhorio.
4. O senhorio (credor da obrigação do inquilino entregar o locado) incorre em mora se o inquilino lhe entregou o locado e o recusou, sem motivo justificado.
5. Não tendo o inquilino obrigação de realizar as obras pretendidas pelo senhorio, e sendo esse o motivo de recusa do locado, então a mora é do senhorio e o inquilino não tem de lhe pagar as rendas desde o momento em que lhe coloca o locado à disposição e ele o recusa
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. AA demandou, na comarca de Alcanena, o BB , pedindo a resolução do contrato de arrendamento do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida Marquês de Pombal, freguesia e concelho de Alcanena, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcanena sob o n.º 631 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 2491.º e a condenação do réu a:
a) entregar ao autor o locado totalmente devoluto e desimpedido de pessoas e bens;
b) restituir ao autor o locado no estado em que o recebeu, ou indemnizá-lo pelos valores de mercado, a apurar, correspondentes ao custo das obras que o mesmo necessite para o efeito;
c) pagar ao A. a dívida referente aos acertos das rendas pagas por defeito e, bem assim, as rendas em falta, na totalidade, desde Julho de 2000 até efectiva entrega do locado, nas condições peticionadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 7% ao ano, vencidos e vincendos até integral pagamento.

Alega, em síntese, que deu de arrendamento verbal ao réu as fracções supra referidas para aí instalar uma agência bancária. O acordo foi efectuado em 1 de Julho de 1990, por um ano, sucessiva e automaticamente renovável por iguais períodos de tempo, com uma renda mensal de 150.000$00, que foi sendo sucessivamente actualizada.
Para permitir a utilização do locado para os fins pretendidos, o réu efectuou obras de adaptação, à sua custa e de acordo com o autor.
Acontece que, pretendendo mudar de instalações, o réu, em 12 de Março de 1999, enviou ao autor uma carta a denunciar o contrato de arrendamento para 30 de Abril de 1999. O autor advertiu-o de que a denúncia só poderia referir-se ao fim do contrato, que ocorreria em 30 de Junho de 1999, e daí o réu continuou a efectuar o pagamento das rendas até Julho de 2000.
Não obstante, o réu continuava de posse das chaves e a partir de Janeiro/Fevereiro de 2000 conserva o locado encerrado, nele deixando de exercer qualquer actividade.

2. O réu contesta, opondo, também em síntese, que havia combinado com o autor a continuação do pagamento das rendas para o compensar das obras de restauração do locado, referentes à retirada do cofre e caixas multibanco; alegando ainda que, ao deixar o locado, colocou as chaves à disposição do autor que as recusou, alegando a obrigação do réu de efectuar obras no locado para o fazer reverter à situação que existia antes da adaptação inicial.
Houve resposta à contestação e, na audiência de julgamento, o réu excepcionou a nulidade do contrato de arrendamento, cujo conhecimento foi relegado para final.
Julgada a matéria de facto, foi proferida sentença que julgou a acção procedente, exceptuando o diferencial de rendas que o autor alegava ter recebido a menos e não conheceu da nulidade, por julgar precludido o direito, uma vez ultrapassada a fase da contestação.

3. O réu não se conforma e apela a esta Relação concluindo:
a) A obrigação do senhorio, no caso de cessação do contrato de arrendamento, está delimitada pela restituição da coisa locada (art° 1038°, al. i) do C.C.),
b) O senhorio não pode impedir a produção de efeitos da cessação do contrato: entrega da coisa locada e cessação da obrigação de pagamento de rendas;
c) Questão diversa é a relativa ao eventual dever de indemnizar o senhorio pelos danos causados no locado, quando tal dever exista;
d) No caso dos autos não existe tal dever: sem a realização das obras de adaptação do locado à finalidade a que o contrato se destinava - agência bancária - este não teria sido viável;
e) As obras de adaptação a agência bancária, foram realizadas no interesse do senhorio;
f) A douta decisão recorrida interpretou mal o preceito do artigo 1043.º do Código Civil, quando dele extraiu uma norma com o sentido de que, em todos os casos, "o arrendatário tem o dever de restituir a coisa no estado em que a recebeu";
g) Como bem entendeu o douto Acórdão do STJ de 7/12/92 (documento JSTJOO026088) "as obras feitas no locado pelo inquilino com vista a adaptá-las ao fim do contrato, em resultado de cláusula inserida no mesmo, não tem outro significado que não seja o de as ditas obras passarem a ser parte integrante da fracção arrendada" .
h) Nestas situações não há lugar à realização de obras de reposição por parte do arrendatário;
i) No caso dos autos inexiste para o ora recorrente a obrigação de repor o locado no estado anterior: o arrendatário não fez as obras nas lojas, atendendo à sua "eficiência/rentabilidade", como vem referido na douta decisão recorrida, mas porque tais obras eram essenciais para o desenvolvimento da actividade a que o contrato de arrendamento se destinava: agência bancária.
j) O recorrido teve interesse na realização das obras, já que sem elas o arrendamento nunca teria sido celebrado.
k) Em tese, sempre a condenação do arrendatário em indemnização ao senhorio pelos correspondentes ao custo das obras de reposição do arrendado no estado anterior, seria bastante para salvaguardar o interesse do senhorio, não podendo resultar da não realização das obras, acompanhada da recusa do senhorio de receber as chaves, a manutenção para o arrendatário da obrigação de pagar as rendas, quando o contrato já se extinguiu;
l) Carece de fundamento a conclusão contida na douta decisão recorrida quando atribui ao ora recorrente uma manifestação de vontade de revogar a denúncia do contrato, ainda que tacitamente. Que interesse poderia ter o recorrido em efectuar tal revogação quando, como decorre da resposta aos quesitos 30°, 31° e 57°, tinha deixado de exercer no locado qualquer actividade, desde Março de 1999, tendo transferido as suas instalações para outro local (resposta ao quesito 32°) ?
m) A existência dos depósitos efectuado na conta do senhorio (resposta ao quesito 50°) pressupunha, assim, uma resposta afirmativa à matéria do quesito 55°.
n) Deve, pois ser alterada a resposta dada ao quesito 55° da Base instrutória;
o) No caso dos autos está em causa não o cumprimento de "uma prestação" por parte do arrendatário, mas o efeito directo e necessário, da cessação do contrato de arrendamento, pelo que carece de fundamento a aplicação do artigo 813° do C.C., nos termos em que o faz a douta decisão recorrida;
p) A alegação de nulidade do contrato, cuja invocação foi melhor explicitada no decurso da audiência de julgamento, decorre do alegado no artigo 15° da contestação no qual é expressamente invocado o disposto no n° 3 do artigo 1029° do C.C., pelo que, contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, deve ser declarada a nulidade do contrato de arrendamento com todas as consequência daí decorrentes.



4. O apelado contra-alegou, no sentido da confirmação do julgado. Estão colhidos os vistos legais. Cumpre conhecer e decidir.
Entretanto vejamos os factos que resultaram provados após a discussão da causa:
1) O A. é dono e legítimo proprietário das fracções "G" e "H", que correspondem, respectivamente, ao R/C Esquerdo e ao R/C Esquerdo Centro, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Avª Marquês de Pombal, freguesia e concelho de Alcanena, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcanena sob o n.º 631 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 2491.º;
2) As instalações das fracções identificadas em A) foram dadas de arrendamento ao aqui Réu;
3) Devido à celeridade invocada pelo R., para instalar a sua actividade comercial bancária no locado, o contrato de arrendamento foi celebrado pelas partes, de forma verbal, pelo prazo de um ano, tacitamente renovável por iguais e sucessivos períodos, e iniciou a sua vigência em 01 de Julho de 1990.
4) A renda mensal, inicialmente acordada, pelo arrendamento das duas lojas, era de esc. 150.000$00, paga no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que a renda diz respeito;
5) E, por conveniência do R. e com a aquiescência do A., ficou acordado que o pagamento da renda seria efectuado na própria Agência do R., em A1canena, através de depósito bancário na conta n.º 15397519 de que o A. é titular;
6) Autor e Réu convencionaram ficarem autorizadas as obras necessárias à instalação do banco (ora R.), incluindo colocação de letreiros no exterior.
7) Ficou acordado entre as partes que a respectiva escritura de arrendamento se celebraria logo que possível - resposta ao quesito 1.°;
8) O A. remeteu ao R., com referência ao locado dos autos, a carta com A/R que consta de fls. 46 e seguinte, cujo teor se dá aqui por reproduzido - resposta ao quesito 8.°;
9) Apesar de o locado se encontrar em boas condições de conservação e manutenção, pois tratava-se de edifício novo, acabado de construir e habitado pela primeira vez, o R., para desenvolver a sua actividade bancária, efectuou nele as seguintes obras:
- construção de tectos falsos, paredes divisórias e diversas instalações;
- colocação de cofres e outros equipamentos próprios de uma instituição bancária, sendo que, após tais obras, passaram a ocorrer entupimentos na rede de esgotos, o que originou transtornos aos habitantes do prédio;
- alteração da fachada para colocação do seu equipamento (cofre nocturno, caixa ATM-Multibanco) e adaptação ao formato do logotipo identificativo da instituição bancária - resposta ao quesito 9.°;
10) Tais obras transformaram aquilo que eram duas lojas num único espaço compreendendo todo locado. – resposta ao quesito 10.º:
11) Este, no estado em que se encontra, só poderá vir a ser de novo arrendado para o exercício da actividade bancária, ou para actividade congénere, ou outra que careça de espaço com aquela dimensão - resposta ao quesito 11.°;
12) Para o arrendado ser reposto no estado em que foi recebido pelo R., terão, necessariamente, de ser realizadas obras de sentido inverso àquelas - resposta ao quesito 12,°;
13) Remoção de tectos falsos, paredes divisórias e instalações várias - resposta ao quesito 13.°;
14) Terá de ser efectuada revisão da rede de esgotos - resposta conjunta aos quesitos 14.° e 15.°;
15) Limpeza, carregamento e transporte a vazadouro de entulhos e material sobrante - resposta ao quesito 16.
16) Remates vários originados pela remoção dos tectos falsos e das paredes divisórias - resposta ao quesito 18.°;
17) Pintura e limpeza - resposta ao quesito 19 .°;
18) Alteração/remodelação da fachada para voltar à sua configuração inicial- resposta ao quesito 20.°;
19) Com a elaboração de um projecto de arquitectura e respectivo licenciamento para alteração da fachada - resposta ao quesito 21.°;
20) Com data de 12 de Março de 1999, o R. enviou ao A. uma carta a denunciar o contrato de arrendamento com produção dos seus efeitos a 30 de Abril de 1999 - resposta ao quesito 22.°;
21) O A. deu conta ao responsável pela agência do R. em Alcanena que a produção dos efeitos da denúncia se deveria reportar ao fim do prazo do contrato ou da renovação, 30/06/1999, e ainda que exigia que o locado lhe fosse restituído no estado em que o R. o recebeu - resposta ao quesito 23.°;
22) O R. continuou a manter em seu poder as chaves do arrendado - resposta ao quesito 25.°;
23) Continuou a depositar montante correspondente ao valor da renda na conta bancária do A. - resposta conjunta aos quesitos 26.° e 27 .°;
24) Desde Janeiro/Fevereiro de 2000, o locado encontra-se permanentemente encerrado, dele o R. não fazendo qualquer utilização, nem ali se deslocando os seus funcionários, sendo que ali não vem exercendo o R. a actividade bancária com abertura ao público desde Março de 1999 - resposta conjunta aos quesitos 30°31°57°;
25) O R. transferiu as suas instalações para outro local em Alcanena - resposta ao quesito 32.°;
26) Desde o mês de Julho de 2000 o R. não vem entregando montante correspondente ao da renda ao A. - resposta ao quesito 33.°;
27) O A. também tinha interesse na celebração célere do contrato, pois quanto mais cedo o celebrasse mais cedo começaria a receber as rendas respectivas - resposta conjunta aos quesitos 34.° e 60.°;
28) À data em que o contrato foi negociado, tais fracções não estavam nas condições pretendidas pelo R. para que nelas fosse exercida de imediato a actividade bancária, carecendo de obras de adaptação - resposta ao quesito 35'°;
29) O arrendatário assumiu a realização das obras, suportando os respectivos custos - resposta ao quesito 36.°;
30) Depois de autorizado pelo senhorio, ora A. - resposta ao quesito 37.°;
31) Em 1 de Março de 1999, o BB abriu em Alcanena uma nova sucursal destinada a substituir a que funcionava no locado - resposta ao quesito 39.°;
32) Por esse facto enviou ao A. a carta de denúncia do contrato de arrendamento constante de fls. 23, cujo teor se dá aqui por reproduzido - resposta conjunta aos quesitos 40.° e 41..°;
33) O arrendatário procedeu ao pagamento das rendas relativas aos meses de Maio e Junho de 1999 - resposta ao quesito 42.°;
34) O arrendatário informou o A. que as chaves do locado estavam à sua disposição, tendo o A., por sua vez, exigido a prévia eliminação das alterações realizadas de adaptação do locado ao exercício da actividade bancária, com a consequente reposição do locado no estado em que se encontrava anteriormente ao contrato - resposta conjunta aos quesitos 44.° e 45.°;
35) O R. depositou a favor do A. a quantia de Esc. 1.483.502$00, em 30/12/99, e as quantias de Esc. 211.929$00, em 04/02/00, de Esc. 211.929$00, em 06/03/2000, de Esc. 211.929$00, em 03/04/2000, de Esc. 423.858$00, em 03/05/2000, tudo no valor global de Esc. 2.543.147$00, referentes a "pagamento de Rendas extraordinárias", "renda" e "acerto renda", nos termos constantes dos documentos de fls. 28, 29, 31, 32, 34, 35, 37, 38, 40 e 41, dados aqui por reproduzidos - resposta ao quesito 50.°;
36) Quesitos 58.° e 59.° (resposta conjunta): Provado apenas que as instalações das fracções identificadas em A) dos factos assentes constituíam duas lojas independentes aquando da celebração do contrato de arrendamento, vindo o R. a realizar ali obras que unificaram o locado, tornando-o um só espaço resposta conjunta aos quesitos 58.° e 59.°.

5. Considerando que as conclusões delimitam o objecto do recurso, temos que a esta Relação compete agora analisar as seguintes questões: i) saber se, findo o contrato, a obrigação do arrendatário restituir o locado no estado em que o recebeu compreende a realização das obras de regresso ao estado anterior às obras de adaptação; ii) se o arrendatário deve pagar as rendas até à entrega efectiva do locado, ou se há mora do locador; iii) se o contrato se prolongou para além de 30 de Abril de 1999; iv) se deve ser alterada a resposta ao quesito 55.º; v) se o contrato é nulo.
Sendo esta a ordem por que as questões são colocadas, entendemos todavia que, por uma questão de racionalidade, devemos começar pela questão da resposta ao quesito 55.º, seguida da questão da nulidade do contrato, para passar depois à questão das obras e finalmente das rendas e da mora.
Argumenta o apelante que a existência dos depósitos efectuados na conta do senhorio (resposta ao quesito 50°) pressupunha uma resposta afirmativa à matéria do quesito 55°. Como é óbvio não é assim que se chega à alteração da decisão de facto, que passa pelo cumprimento do previsto no artigo 690.º-A do Código de Processo Civil. Não foi isso que fez o recorrente, pelo que, como logo decorre do respectivo n.º 1, a questão deve ser rejeitada. De todo o modo, nunca decorre daquele facto, sem mais, a conclusão de que se impõe alterar a dita decisão.
Sobre a nulidade do contrato o que se constata é que o réu (apelante) só no decurso da audiência de julgamento suscitou a questão e o juiz entendeu que, não tendo sido deduzida no articulado de defesa (contestação) ficou precludido o direito invocado.
Diz agora o apelante que o facto de ter invocado no ponto 15.º da sua contestação o n.º 3 do artigo 1029.º do Código Civil deve ser entendido como tendo deduzido a excepção que só na audiência de julgamento melhor explicitou. É óbvio que não tem razão. As excepções ou se deduzem ou não se deduzem; ou se argumenta e conclui pela excepção, ou não se faz nada disso e não fica deduzida excepção alguma. A invocação de um qualquer preceito não basta para se entender que foi arguida uma determinada excepção, tanto mais que pode dirigir-se à fundamentação legal de outra questão não considerada excepção.

6. Da questão das obras.
Pretende o autor, e assim o entendeu a sentença recorrida, que o réu locatário deve entregar o locado, uma vez findo o contrato, no estado em que o recebeu. E que essa obrigação de restituir abrange a realização de obras em sentido inverso às que se fizeram para adaptar o locado aos fins do contrato.
E argumenta que as fracções arrendadas eram novas, a estrear, e que o réu, com o seu consentimento, efectuou obras de adaptação ao exercício da actividade bancária, pois essa era a finalidade do contrato – o banco arrendou aquele espaço para aí instalar uma agência bancária. Com tais obras o Banco alterou substancialmente a estrutura interna e também o aspecto externo do locado. Basta ter em conta que de duas lojas se fez um espaço único e no exterior se colocou o logotipo identificativo do Banco, além de muito mais que acima se descreve. Agora é preciso voltar ao início, para que tudo fique como estava quando as lojas acabaram de ser construídas.
O réu diz que não, porque entende que o autor tinha a obrigação de fazer essas obras, pois só com elas lhe assegurava o gozo do locado para os fins a que se destinava (artigo 1031.º, n.º 2 do Código Civil). Quem terá razão?
Diz o artigo 1043.º, n.º 1 do Código Civil que “na falta de convenção, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato”.
Daqui emergem duas obrigações distintas para o locatário: a de manter a coisa no estado em que a recebeu e a de restituir a mesma coisa nesse mesmo estado, num e noutro caso “ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato”.
Não é só no momento da restituição que o inquilino deve conservar o prédio arrendado no estado em que o recebeu, “ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização”, mas a todo o momento, após a entrega que lhe fez o senhorio. Ou seja, o senhorio deve entregar ao inquilino a coisa locada e deve assegurar-lhe o gozo para os fins a que se destina [artigo 1031.º , a) e b) do Código Civil], pelo que é nesse estado que o inquilino recebe o prédio do senhorio; a partir daí o inquilino deve manter a coisa locada no estado em que lhe foi confiada, excepto quanto aos estragos (deteriorações) que não ultrapassem os inerentes a uma prudente utilização, sendo responsável pelos não imputáveis a prudente utilização; só não será responsável se não tiver sido causa deles – nem terceiro a quem ele tenha permitido a utilização (artigo 1044º). ( cfr. Pinto Furtado, in Manual do Arrendamento Urbano, Coimbra 1996, pág. 416.)
O artigo 1043.º obriga o locatário a manter e, no termo do arrendamento, restituir o prédio no estado em que o recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.
O inquilino é, assim, obrigado, nomeadamente, a restituir o prédio ao senhorio com a mesma estrutura externa e a mesma disposição interna das divisões que este lhe entregou ou consentiu (artigo 1093, al. d) do Código Civil), e a reparar, antes da restituição, as deteriorações que tenha causado, quer as resultantes de uma utilização imprudente do prédio (artigo 1043.º a contrario), quer as pequenas deteriorações necessárias para assegurar o seu conforto e comodidade (artigo 1092.º). Não é obrigado, porém, a reparar as utilizações inerentes a uma prudente utilização nem as resultantes do desgaste do tempo. ( Cfr. Pereira Coelho, in Arrendamento, Coimbra, 1977, págs. 153 e 154.)
Quer isto dizer que o n.º 1 do artigo 1043.º do Código Civil visa fundamentalmente pôr a cargo do locatário as obras de conservação e reparação determinadas por má ou imprudente utilização da coisa, seja por parte do locatário, seja por parte de todos aqueles que da coisa locada se servem com aquiescência expressa ou tácita do locatário. ( Cfr. A. Varela, RLJ, 119, 276.)
A manutenção está, pois, relacionada com as deteriorações provenientes do uso ou do desgaste do tempo, que não atinjam a idoneidade da coisa para o serviço a que se destina. ( Antunes Varela, RLJ, 100, 377.) O artigo 1043.º tem manifestamente em vista as deteriorações provenientes do uso (bom ou mau, prudente ou imprudente) da coisa. ( Antunes Varela, Código Civil anotado, 3.ª edição, vol. II, pág.404.)
Pode assim concluir-se que o dever de restituição do prédio arrendado no estado em que o inquilino o recebeu (artigo 1043.º, n.º 1 do Código Civil) está associado às deteriorações pela sua utilização e não a quaisquer outras obras, designadamente as efectuadas para adaptação do prédio aos fins a que se destina por virtude do contrato.
Quanto a estas, o inquilino só terá de as reverter se tal resultar das cláusulas do contrato resultantes da negociação das partes.
No caso dos autos as obras que o senhorio agora exige do inquilino nada têm a ver com deteriorações inerentes à utilização do locado, nem se trata de pequenas obras para conforto e comodidade do inquilino; trata-se sim de obras de adaptação do locado com vista a nele vir a ser exercida a actividade bancária, designadamente a construção de tectos falsos, paredes divisórias e diversas instalações; colocação de cofres e outros equipamentos próprios de uma instituição bancária; alteração da fachada para colocação do seu equipamento (cofre nocturno, caixa ATM-Multibanco) e adaptação ao formato do logotipo identificativo da instituição bancária; obras que transformaram aquilo que eram duas lojas num único espaço compreendendo todo locado.
Ora, estas obras eram essenciais ao funcionamento da agência bancária do réu e foram efectuadas por consenso das partes. Foram custeadas pelo inquilino, mas eram da obrigação do senhorio, na medida em que lhe competia entregar o locado apto a nele ser exercida a actividade bancária, para a qual se destinava o arrendamento.
A convenção negocial que levou à realização das obras não pode ter outro sentido senão o de que o senhorio pretendia cumprir a sua prestação - artigo 1301.º al. a) do Código Civil – e desse modo permitia ao inquilino substituir-se-lhe na feitura das obras de adaptação das fracções aos fins do contrato. ( Neste sentido leia-se o texto do acórdão citado pelo apelante – STJ, de 7/12/1994, em www.dgsi.pt, n.º convencional JSTJ00026088, que trata dum caso de adaptação do locado ao exercício da actividade postal, em tudo idêntico ao nosso.) Se assim é, tais obras não podem ser consideradas benfeitorias, nem tampouco deteriorações lícitas, para efeito da sua reparação por parte do réu no momento da restituição do locado.
Como acima referimos, o réu estava obrigado a manter o locado no estado em que o recebeu. Ora, se o destinava ao exercício da actividade bancária que exigia as obras que nele se fizeram, não pode entender-se que o réu estava obrigado a manter o locado no estado anterior às obras e, consequentemente, restitui-lo nesse mesmo estado. Estava sim obrigado a mantê-lo no estado em que o recebeu, mas apto aos fins do contrato. É, pois, nesse estado que tem de o restituir e dos factos provados não resulta que, para cumprir tal obrigação tenha de fazer quaisquer obras, muito menos as de sentido inverso às de adaptação do locado aos fins do contrato.
Logo, o réu não tem obrigação de reparar as obras feitas em resultado do contrato com o autor. Esta só poderia ter por fundamento o negociado entre as partes, que não foram além da necessidade de realização das obras de adaptação, olvidando-se as de sentido inverso. Naturalmente que, sendo estas do interesse do autor, competir-lhe-ia preve-las e negociá-las com o réu. Não o fez, sibi imputet; não pode agora assacar ao réu quaisquer responsabilidades. O que daqui se colhe é que a pretensa obrigação do réu carece de fundamento legal e negocial.

7. Das rendas e mora.
Não parece ser difícil concluir que a questão acabada de analisar era o cerne de todas as questões. Tudo gira à volta da questão das obras, passando pelo pressuposto da continuidade do contrato após acarta de denúncia que deve considera-se ineficaz, na medida em que denunciava o contrato para uma data não coincidente com o seu fim (30/06/1999). Sendo ineficaz a denúncia, o contrato prorrogou-se automaticamente em 1 de Julho de 1999 e por isso o réu muito bem andou em continuar a depositar as rendas, o que fez até Julho de 2000 e foi mantendo as chaves em seu poder.
O que agora acontece é que o contrato é resolvido por nele ter o inquilino deixado de exercer a sua actividade e conservar o prédio encerrado por mais de um ano - artigo 66.º, n.º 1, al. h) do RAU-, tendo em conta que está encerrado desde Janeiro/Fevereiro de 2000 e a acção entrou em 18 de Setembro de 2001.
Assim, as rendas deverão ser pagas até à entrega do locado ao senhorio se o inquilino estiver em mora (artigo 1041.º, n.º 1 do Código Civil). Se a mora for do senhorio então o inquilino não tem de pagar as rendas a partir do momento em que há mora do senhorio. Ora, o credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida, diz o artigo 813.º do Código Civil. Por conseguinte o autor (credor da obrigação do réu entregar o locado) incorre em mora se o réu lhe entregou o locado e o recusou, sem motivo justificado.
Este foi o raciocínio feito na sentença recorrida, que chegou à conclusão de que havia motivo justificado, porque era lícito ao autor não receber o locado sem que o réu realizasse as obras de sentido inverso às de adaptação das fracções aos fins do contrato. Como o réu não tem essa obrigação, então também não tinha motivo para recusar a recepção do locado. Está provado que o réu colocou as chaves do locado à disposição do autor e este só não as recebeu porque exigia que o réu fizesse as ditas obras.
Não se precisa a partir de que data foram as chaves postas à disposição do autor, mas, atendendo a que o réu depositou as rendas até Julho de 2000, deve entender-se que o fez nessa altura. Assim, desde Julho de 2000 que o autor se recusa a aceitar que o réu cumpra a obrigação de lhe entregar o locado. Logo, desde Julho de 2000 o autor está em mora; logo, portanto, não lhe são devidas rendas a partir dessa altura. Como o réu as pagou até então, só resta concluir que nada deve.
Concluindo:
- O dever de restituição do prédio arrendado no estado em que o inquilino o recebeu (artigo 1043.º, n.º 1 do Código Civil) está associado às deteriorações pela sua utilização e não a quaisquer outras obras, designadamente as efectuadas para adaptação do prédio aos fins a que se destina por virtude do contrato.
- Quanto a estas, o inquilino só terá de as reverter se tal resultar das cláusulas do contrato resultantes da negociação das partes.
- As rendas deverão ser pagas até à entrega do locado ao senhorio se o inquilino estiver em mora (artigo 1041.º, n.º 1 do Código Civil). Se a mora for do senhorio, então o inquilino não tem de pagar as rendas a partir do momento em que há mora do senhorio.
- O senhorio (credor da obrigação do inquilino entregar o locado) incorre em mora se o inquilino lhe entregou o locado e o recusou, sem motivo justificado.
- Não tendo o inquilino obrigação de realizar as obras pretendidas pelo senhorio, e sendo esse o motivo de recusa do locado, então a mora é do senhorio e o inquilino não tem de lhe pagar as rendas desde o momento em que lhe coloca o locado à disposição e ele o recusa.

8. Decisão
Por todo o exposto acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, em consequência do que revogam a sentença recorrida e absolvem o réu dos pedidos.
Custas em ambas as instâncias a cargo do autor.
Coimbra,