Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
104/15.5GBSCD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: PROVA PERICIAL
DIREITO DO ARGUIDO AO SILÊNCIO
Data do Acordão: 10/18/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JC GENÉRICA DE SANTA COMBA DÃO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 61.º, 119.º, 123.º, 154.º, 155.º E 343.º DO CPP; ART. 32.º DA CRP
Sumário: I - A notificação do despacho que ordena a perícia visa, além do mais, assegurar o contraditório na efectivação do meio de prova em questão aos sujeitos processuais que não o ordenaram e abre a possibilidade aos sujeitos interessados, de designarem consultor técnico para estar presente na sua realização da perícia e aí, sendo disso caso, propor diligências e formular observações e objecções.

II - Não existindo arguido quando foi ordenada a realização da prova pericial, nem sequer quando foram realizadas as perícias aos artigos das marcas Adidas e Lacoste, não pode dizer-se que tenha sido violado o art. 154º, nº 4 do CPP, pela omissão da notificação nele prevista, ao arguido.

III - Por outro lado, a omissão desta notificação constitui mera irregularidade, sujeita ao regime previsto no art. 123º do mesmo código.

IV - O processo penal previu o mecanismo legal para a reacção contra a irregularidade que, em tese, pudesse ter sido cometida, a sua arguição dentro de determinado prazo, o que basta para assegurar o contraditório e o processo equitativo.

V - O arguido, podendo embora fazê-lo, não está obrigado a contribuir para a descoberta da verdade material, não recaindo sobre si qualquer dever de colaboração com a administração da justiça penal.

VI - O silêncio, total ou parcial, do arguido não pode impedir o tribunal de, com base em factos conhecidos e recurso a regras da experiência comum, inferir factos desconhecidos.

Decisão Texto Integral:








Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

 

I. RELATÓRIO

            No Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo de Competência Genérica de Santa Comba Dão – Juiz 1, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, do arguido A... , com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, p. e p. pelos arts. 323º, a) e 324º do C. da Propriedade Industrial.

            Por despacho proferido na audiência de julgamento de 27 de Fevereiro de 2017 [acta de fls. 232 a 234] foi comunicada ao arguido uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, nada tendo sido oposto ou requerido.

  

            Por sentença de 27 de Fevereiro de 2017 foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de quatro meses de prisão.    


*

Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

                1. Foi o Arguido A... condenado ao cumprimento da pena de prisão efetiva de 4 (quatro) meses.

2. Contudo, assentou a decisão do tribunal a quo, entre outras, em prova pericial que deverá ser declarada nula, porquanto:

3. Não foi o Arguido notificado da data designada para a realização da referida prova, tal como prevê o artº 154º/ 4 CPP, a fim de ser assegurado o direito de exercício do contraditório;

4. Tampouco foi permitido ao arguido, querendo, nomear perito que interviesse na realização da dita perícia e acautelasse a tutela do seu direito processual legitimo;

5. Sendo que a omissão de tal procedimento faz enfermar de nulidade a prova pericial sub judice;

6. Daí advindo que o Arguido viu limitadas as suas garantias de defesa e o seu direito de acesso a um processo justo e equitativo.

7. Mormente, viu ser-lhe imposta uma verdadeira obrigação de indefesa.

8. Por outro lado, o tribunal a quo valorou o silêncio do Arguido como conduta incriminadora;

9. Comportamento que se afigura hostil ao preceituado pela Constituição da República Portuguesa e pela alínea d) do nº 1 do artº 61º CPP;

10. Mormente, contrário aos princípios da proibição da obrigação de indefesa, princípio do acesso a um processo justo e equitativo e tutela jurisdicional efetiva;

11. Pelo que deverá a presente sentença ser integralmente revogada;

12. O que desde já se requer.

Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, e em consequência, ser a douta sentença integralmente revogada e substituída por outra que determine a absolvição do arguido ora recorrente.

Assim se fazendo JUSTIÇA!


*

            Respondeu ao recurso alegando, em síntese, que tal como se decidiu na sentença recorrida, a falta de notificação ao arguido do despacho que ordenou a realização da perícia constitui mera irregularidade, há muito sanada, por não invocada tempestivamente, e que não foi violado o direito ao silêncio, apenas não foi o arguido, por qualquer forma, beneficiado com tal exercício, e concluiu pela manifesta improcedência do recurso.

*

Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, subscrevendo os argumentos levados à resposta do Ministério Público, e concluiu pela improcedência do recurso.

*

Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Respondeu o arguido, reafirmando o alegado na motivação e concluindo como aí.


*

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A nulidade da prova pericial relativa aos artigos a que está aposta a marca Lacoste e suas consequências;

- A violação do direito ao silêncio e suas consequências.


*

            Para a resolução destas questões, importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

            A) Assim, nela foram considerados provados os seguintes factos:

            “ (…).

            1. No dia 01.07.2015, cerca das 10h10, no recinto da feira semanal de Santa Comba Dão, o arguido detinha, expostos para venda ao público, ostentando nos lugares próprios e usuais, os símbolos, etiquetas e dizeres com inscrições de modelos e marcas, os seguintes produtos:

i. 30 polos com os dizeres Lacoste;

ii. 33 calções com os dizeres Adidas;

iii. 18 fatos de treino (calção, tipo leggings, e camisola de manga curta com os dizeres Adidas);

iv. 6 fatos de desporto (calção e camisola de manga cavada), com os dizeres Adidas.

2. Os produtos descritos com os dizeres Adidas:

i. Não fazem parte de nenhuma colecção Adidas;

ii. Não são modelos originais Adidas;

iii. As peças não respeitam as normas de etiquetagem dos produtos Adidas;

iv. Não apresentam as etiquetas estampadas com as instruções de lavagem e origem de fabrico, originais da Adidas;

v. As etiquetas de tamanho não são originais;

vi. As etiquetas de cartão não são originais da Adidas, não tendo as informações obrigatórias nessas etiquetas (referência do artigo, código do artigo, tamanhos, etc);

vii. O material com que foram fabricados e os acabamentos finais e bordados não respeitam os padrões de qualidade exigidos pela Adidas;

viii. Os sacos de plástico onde as peças estavam embaladas não são originais da Adidas;

3. Os produtos descritos com os dizeres Lacoste:

i. Não apresentam etiqueta de código de barras com referência, cor, tamanho, país de origem e composição do artigo;

ii. A qualidade do produto é inferior à do utilizado pela Lacoste;

iii. Os logotipos apresentam imperfeições;

iv. As embalagens não apresentam as características da Lacoste.

4. As expressões impressas nas etiquetas e os logotipos apresentados nos produtos são susceptíveis de sugestionar o público consumidor que, ao adquiri-los, estaria convencido que se tratariam de produtos das verdadeiras marcas registadas Adidas e Lacoste, os quais pretendem reproduzir.

5. O arguido tinha pleno conhecimento que, aquando da produção dos produtos, lhe haviam sido apostos todos os símbolos e referências das marcas atrás mencionadas, símbolos esses desenhados e apostos de tal forma que se tornaram semelhantes aos das verdadeiras marcas, que o arguido sabia não estar autorizado a usar.

6. O arguido transportou esses produtos de lugar não apurado até ao recinto da feira semanal de Santa Comba Dão.

7. O arguido sabia que aqueles artigos, que destinava à venda junto do público, não podiam ser comercializados por se tratarem de reproduções ilícitas de artigos de marcas registadas, actuando com o propósito de obter para si uma vantagem patrimonial que não tinha direito, lesando os respectivos titulares.

8. Agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

[Mais se provou:]

9. O arguido é vendedor, vendendo produtos em feiras.

10. É oriundo de uma numerosa família de etnia cigana, radicada, há vários anos, na vila de Nelas.

11. O arguido abandonou o sistema de ensino antes de concluir a escolaridade obrigatória.

12. Tem uma companheira e dois filhos.

13. O agregado familiar aufere rendimento social de inserção, no valor de 264 €, a que acrescem os abonos dos menores, recebendo quantia não apurada pela venda ambulante de produtos em feiras.

14. Junto da comunidade, o arguido tem uma imagem bastante negativa, evidenciando grande insensibilidade e falta de crítica às anteriores condenações de que foi alvo, furtando-se, sempre que possível, ao controlo dos serviços.

15. O arguido desvaloriza a ilicitude dos actos cometidos, assumindo com desvalor as obrigações decorrentes das penas, criando dificuldades no cumprimento das mesmas, designadamente quanto ao trabalho comunitário.

16. Os contactos que o arguido vai mantendo com as instâncias judiciais não têm efeito dissuasor consistente, tendo permitido a consolidação de um sentimento de impunidade por parte do arguido.

[Dos antecedentes criminais:]

17. O arguido tem averbado no seu registo criminal as seguintes condenações:

i. Pela prática, em 31.10.2006, de um crime de condução sem habilitação legal, do artigo 3.º, do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 4 €, por sentença transitada em julgado em 02.02.2007, no âmbito do processo sumaríssimo n.º 242/06.5GBNLS, da Secção Única do Tribunal Judicial de Nelas, extinta pelo cumprimento em 04.07.2007;

ii. Pela prática, em 14.04.2011, de um crime de condução sem habilitação legal, do artigo 3.º, do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 6 €, por sentença transitada em julgado em 18.04.2012, no âmbito do processo sumaríssimo n.º 59/11.5GBGVA, do Tribunal Judicial de Gouveia, extinta pelo cumprimento em 11.09.2013;

iii. Pela prática, em 23.04.2011 e 04.04.2011, de dois crimes de condução sem habilitação legal, do artigo 3.º, do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, na pena única de 200 dias de multa, à taxa diária de 5,50 €, por sentença transitada em julgado em 23.04.2012, no âmbito do processo comum singular n.º 28/11.5GBSEI, do Tribunal Judicial de Seia, extinta pelo cumprimento em 31.03.2015;

iv. Pela prática, em 2012, de dois crimes de condução sem habilitação legal, do artigo 3.º, do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 220 dias de multa, à taxa diária de 5 €, por sentença transitada em julgado em 10.12.2012, no âmbito do processo sumaríssimo n.º 208/11.3GCSCD, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, extinta pelo cumprimento em 17.05.2013;

v. Pela prática, em 14.04.2011, de um crime de contrafacção, imitação e uso ilegal de marca, do artigo 323.º, do Decreto-Lei 36/2003, de 5 de Março, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 6 €, por sentença transitada em julgado em 01.03.2013, no âmbito do processo comum singular n.º 3/11.0GAGRD, da Secção Única do Tribunal Judicial de Gouveia;

vi. Pela prática, em 20.02.2013, de um crime de furto qualificado, do artigo 204.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa pelo mesmo período, com obrigações, por sentença transitada em julgado em 23.04.2013, no âmbito do processo sumário n.º 38/13.8GBNLS, da Secção Única do Tribunal Judicial de Nelas, prorrogada por mais um ano, extinta pelo cumprimento em 12.04.2016;

vii. Pela prática, em 16.03.2012, de um crime de condução sem habilitação legal, do artigo 3.º, do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, e de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, do artigo 291.º, do Código Penal, na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa pelo mesmo período, com obrigações, e pena acessória de proibição de conduzir pelo período de cinco meses, por sentença transitada em julgado em 19.06.2013, no âmbito do processo comum singular n.º 67/12.9GBNLS, da Secção Única do Tribunal Judicial de Nelas, prorrogada por mais um ano e extinta pelo cumprimento em 27.04.2016;

viii. Pela prática, em 09.04.2011, de três crimes de condução sem habilitação legal, do artigo 3.º, do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, e um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, do artigo 291.º, do Código Penal, na pena única de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa pelo mesmo período com regime de prova, e pena acessória de proibição de conduzir pelo período de cinco meses, por sentença transitada em julgado em 04.11.2013, no âmbito do processo comum singular n.º 113/11.3GBNLS, da Secção Única do Tribunal Judicial de Nelas, extinta pelo cumprimento em 04.01.2016;

ix. Pela prática, em 15.06.2010, de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, do artigo 256.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5 €, por sentença transitada em julgado em 19.11.2013, no âmbito do processo sumaríssimo n.º 105/12.5TAVIS, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu;

x. Pela prática, em 18.10.2013, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, do artigo 353.º, do Código Penal, na pena de 9 meses prisão, a executar em regime de permanência na habitação, por sentença transitada em julgado em 27.11.2013, no âmbito do processo sumário n.º 182/13.1GBNLS, da Secção Única do Tribunal Judicial de Nelas, extinta pelo cumprimento em 23.09.2014;

xi. Pela prática, em 18.06.2013, de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, do artigo 256.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, na pena de prisão, a cumprir em 60 períodos de prisão por dias livres, por sentença transitada em julgado em 29.06.2015, no âmbito do processo comum singular n.º 13/14.5TANLS, da Secção Única do Tribunal Judicial de Nelas.

(…)”.

A) Inexistem factos não provados e dela consta a seguinte motivação de facto:

“ (…).

A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada funda-se no conjunto da prova produzida em audiência, devidamente ponderada de acordo com as regras da experiência comum.

                O arguido, no exercício de um direito que lhe assiste, não prestou declarações.

                Desta feita, considerou-se o depoimento da testemunha Luís Pais da Silva, militar da GNR, que relatou as circunstâncias de tempo e lugar em causa, bem como o modo como se desenrolaram os factos, referindo que a banca em causa era o local onde arguido se encontrava a vender os produtos em causa (tanto mais que, aquando da aproximação do militar, o mesmo se encontrava a vender um dos produtos a uma pessoa) tendo prestado um depoimento de forma isenta, desinteressada, calma, serena e coerente e coincidente com os elementos documentais juntos aos autos, como seja o auto de apreensão de fls. 11 e relatório fotográfico de fls. 8 e 9 e o auto de notícia de fls. 3 a 7, o que levou a que se desse como provado o facto n.º 1.

                Para prova dos factos n.º 2, 3 e 4 o tribunal atendeu aos relatórios periciais juntos aos autos a fls. 48 e 52, nos quais são referenciadas as características dos produtos apreendidos, que permitem concluir que os mesmos não se tratam de produtos originais das marcas em causa, mas que permitem criar confusão junto do público consumidor pelas suas semelhanças, sendo que o juízo técnico formulado nos relatórios periciais se presume subtraído à livre apreciação do julgador, inexistindo nos autos quaisquer elementos que nos permitam divergir do juízo ali contido – artigo 163.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Penal.

                O arguido, em sede de alegações orais, veio arguir a nulidade do meio de prova obtido pelas perícias realizadas nos autos, alegando que tal nulidade advém da omissão de notificação da data de realização das mesmas para, querendo, estar presente.

                A fls. 43 foi determinada a notificação do arguido da data de realização da perícia aos produtos com os dizeres Adidas, tendo o mesmo sido notificado conforme se alcança de fls. 44.

                Desta feita, quanto à perícia dos produtos com os dizeres Adidas inexiste qualquer irregularidade.

                Quanto à perícia dos produtos Lacoste, temos que inexiste notificação semelhante.

                Será que essa omissão acarreta o cometimento da nulidade arguida?

                Desde já se adianta que não.                         

                Desde logo, o artigo 125.º do Código de Processo Penal dispõe que são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei, sendo a prova pericial uma prova expressamente prevista na lei e, como tal, admissível.

                Acresce que, o artigo 126.º do mesmo diploma legal prevê métodos proibidos de prova, que, sendo utilizados, acarretam a nulidade das provas obtidas mediante tais métodos.

                Analisando o elenco ali previsto, não se encontra prevista a nulidade da prova em causa por falta de notificação do arguido para, querendo, estar presente, pelo que não se vislumbra o cometimento de qualquer nulidade.

                Ademais, tendo em conta que a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, conforme impõe o artigo 118.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, temos que a inobservância da notificação ao arguido da realização da perícia aos produtos Lacoste não encontra assento no elenco das nulidades previstas nos artigos 119.º e 120.º, deste diploma legal.

                Não cominando a lei a nulidade, o acto praticado sem observância das disposições da lei do processo penal será irregular – artigo 118.º, n.º 2, daquele diploma legal.

                Ora, para que a irregularidade pudesse ter determinado a invalidade do acto a que se refere, teria que ter sido arguida pelo arguido no próprio acto ou, não estando presente, no prazo de três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo – artigo 123.º, n.º 1, do Código de Processo Penal –, o que não sucedeu.

                O arguido, após a realização da perícia e junção do relatório pericial, foi notificado da acusação deduzida, na qual estão indicadas as provas que sustentam os indícios suficientes da acusação e onde se incluía a perícia em causa – cfr. fls. 138 e 141 – e nada disse, pelo que, a existir alguma irregularidade, a mesma encontrar-se-ia sanada.

                Para prova dos factos sob os n.º 5, 6, 7 e 8 consideraram-se as regras da experiência comum e do normal acontecer, aliadas às conclusões obtidas lançando mão das presunções judiciais.

                Assim, em primeiro lugar, temos que as marcas em causa pretenderam instaurar procedimento criminal pelos factos em causa, o que nos permite concluir que não deram qualquer autorização para a utilização de símbolos e referências das marcas atrás mencionadas, símbolos esses desenhados e apostos de tal forma que se tornaram semelhantes aos das verdadeiras marcas.

                Acresce que, necessariamente, o arguido tinha que saber que não detinha essa autorização, dado que, se a detivesse, logo a teria mostrado aos militares autuantes, de forma a evitar o presente processo.

                Em segundo lugar, temos que a banca em causa, cujas fotografias se encontram juntas aos autos, era o local onde o arguido comercializava essas peças, sendo que as mesmas estavam a ser vendidas na feira semanal da localidade.

                Ora, é do conhecimento geral e público que, nessas feiras, são vendidos produtos por preço mais baixo, o que deriva do facto de serem produtos com menos qualidade ou semelhantes a outros de marcas registadas, conclusão que necessariamente se chega pelos preços praticados nesses locais de venda.

                Por último, o Tribunal, para dar como provados determinados factos, não pode apenas basear-se na prova directa, ou seja, em relatos presenciais dos factos em causa ou que o arguido confesse a actividade ilícita e a intenção/vontade subjacente à mesma.

                Assim, o Tribunal pode ainda recorrer ainda à denominada pela doutrina de “prova indiciária ou indirecta” .

                Esta refere-se a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova [Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Volume II, Verbo, página 96].

                “São dois os elementos da prova indiciária: em primeiro lugar, o indício que será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar a conhecer outro facto que com ele está relacionado (DELAPLANE define-o como todo o resto, vestígio, circunstância e, em geral, todo o facto conhecido, ou melhor devidamente comprovado, susceptível de levar, por via da inferência ao conhecimento de outro facto desconhecido). O indício constitui a premissa menor do silogismo que, associado a um princípio empírico ou a uma regra da experiência, vai permitir alcançar uma convicção sobre o facto a provar. Este elemento de prova requer em primeiro lugar que o indício esteja plenamente demonstrado, nomeadamente através de prova directa (v. g. prova testemunhal no sentido de que o arguido detinha em seu poder objecto furtado ou no sentido de que no local foi deixado um rasto de travagem de dezenas de metros)”.

                E continua, “em segundo lugar é necessária a existência da presunção que é a inferência que obtida do indício permite demonstrar um facto distinto. A presunção é a conclusão do silogismo construído sobre uma premissa maior: a lei baseada na experiência, na ciência ou no sentido comum que apoiada no indício – premissa menor – permite a conclusão sobre o facto a demonstrar. A inferência realizada deve apoiar-se numa lei geral e constante e permite passar do estado de ignorância sobre a existência de um facto para a certeza, ultrapassando os estados e dúvida e probabilidade. A prova indiciária realizar-se-á para tanto através de três operações. Em primeiro lugar, a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento, faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência ou da ciência que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento [Tola Pinto, in A tramitação do Processo Penal, Coimbra Editora, página 644 e ss., nota 782].

                É legítimo o recurso à prova por presunção, aquela que partindo de determinado facto, chega por mera dedução lógica à demonstração da realidade de um outro facto. A presunção consiste na dedução, na inferência, no raciocínio lógico por meio do qual se parte de um facto certo, provado ou conhecido e se chega a um facto desconhecido [Simas Santos e Leal Henriques, in Código de Processo Penal Anotado, Volume I, Rei dos Livros, página 684 / Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 05.07.1984, BMJ n.º 339, página 364].

                Esta prova reveste-se de grande importância prática, pois muitos factos são insusceptíveis de prova directa.

                “As presunções naturais, judiciais ou de facto são aquelas que se fundam nas regras da experiência, nos ensinamentos aurido através da observação empírica dos factos. É nesse saber de experiência feito que mergulham as suas raízes as presunções continuamente usadas pelo juiz na apreciação de muitas situações de facto” [Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, página 502].

                No caso em apreço, temos que os produtos em causa foram apreendidos na posse do arguido e que o mesmo se encontra a vendê-los na feira semanal da localidade, sabendo-se ainda quais as características e qualidades dos produtos em causa.

                Caso o arguido tivesse autorização das respectivas marcas para utilização dos símbolos podemos concluir que a demonstraria, não o tendo feito, quer aos militares, quer em audiência de julgamento, dado que se remeteu ao silêncio.

                A essa falta de justificação acresce o facto de as legítimas marcas registadas pretenderem procedimento criminal ao arguido, pelo que se conclui que não permitiram ao arguido a utilização dos respectivos símbolos.

                A tudo isto soma-se o facto de os produtos em causa estarem na banca onde se encontrava o arguido, sendo que, aquando da fiscalização, o arguido se encontrava a vender uma peça a um terceiro, presumindo-se ainda que, tendo uma carrinha atrás dessa banca, para a qual deu autorização de revista (o que legitima a conclusão de ser seu proprietário) – fls. 10 -, transportou tais produtos de lugar não apurado para a feira semanal desta localidade.

                Considerando todos estes factos, temos que podemos concluir que, caso o arguido tivesse a respectiva autorização das marcas em causa para comercializar os produtos ou estivessem na sua posse por qualquer forma que fosse lícita, teria, naturalmente, contestado a intervenção da GNR e teria efectuado diligências para esclarecer a situação em causa, o que não fez.

                Assim, tudo ponderado e conjugado, segundo as regras da experiência comum e do normal acontecer, ponderando que os produtos em causa foram apreendidos na posse do arguido, as ofendidos negaram qualquer autorização para aquela utilização, o arguido não apresentou qualquer motivo ou justificação para se encontrar na posse de tais produtos, nem apresentou autorização das marcas ou efectuou diligências para esclarecer a situação, considerando ainda que os mesmos se encontravam à venda numa feira semanal, local onde é sabido que se vendem produtos do género e a preços muito mais baixos, tendo o arguido a profissão de comerciante/feirante, é lógico que se conclua que, independentemente de uma maior ou menor experiência nesse ofício, o arguido tinha que saber que aqueles artigos, que destinava à venda junto do público, não podiam ser comercializados por se tratar de reproduções ilícitas de artigos de marcas registadas, actuando com o propósito de obter para si uma vantagem patrimonial que não tinha direito, lesando os respectivos titulares.

                Todos estes factores permitiram, conjugando com as regras da experiência e do normal suceder, que o Tribunal formasse uma convicção positiva sobre os factos constantes na acusação formulada contra o arguido.

                Sendo o silêncio do arguido um direito que lhe assiste, sem que isso o possa prejudicar, não pode o mesmo esperar um benefício resultante do exercício desse direito ao silêncio.

                Neste tipo de situações, o Tribunal não tem que concluir necessariamente pela inconcludência, pela dúvida e pela aplicação do princípio do in dubio pro reo, dando assim o facto em causa como não provado.

                Por outro lado, não é necessário que o arguido venha confessar a actividade ilícita ou que alguém tenha visto o arguido a praticar a mesma, para o Tribunal dar como provado que foi ele a praticá-la.

                Não estará assim o Tribunal em dúvida, mas sim convicto de que o facto de o arguido ter praticado a actividade ilícita corresponde à realidade, pelo que não tem que lançar mão daquele princípio, já que o mesmo apenas deve ser aplicado em caso de dúvida.

                Assim, lançando mão de todos aqueles indícios e considerando as regras da experiência comum e da livre convicção do Juiz, obedece-se, desta forma, ao disposto no artigo 127.º, do Código de Processo Penal.

                A presunção de inocência não exclui nem proíbe a produção dos meios de prova legais e, entre eles, a prova por presunções.

                Com efeito, a prova por presunções constitui um meio de prova legalmente previsto no artigo 349.º do Código Civil, sendo “(…) as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido”, que só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal – artigo 351.º deste diploma legal.

                Assim, não sendo afastada a sua relevância no processo penal por qualquer disposição legal, constituirá meio de prova permitido em processo penal, dentro do princípio geral do artigo 125.º do Código de Processo Penal, já que são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei.

                Ora, as presunções legais ou de direito resultam da própria lei; as presunções de facto ou judiciais, naturais, fundam-se nas regras da experiência comum, sendo “no saber de experiência feito que mergulham as suas raízes as presunções continuamente usadas pelo juiz na apreciação de muitas situações de facto” [Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, página 502].

                O valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido e, pelo menos tendencialmente, todas as provas valem o mesmo: o tribunal apreciá-las-á segundo a sua “livre convicção”, ou seja, o mesmo é dizer “a liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência de vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação dada pelo treino profissional, o “saber de experiência feito e honesto estudo misturado” [Simas Santos e Leal Henriques, in Código de Processo Penal Anotado, Volume I, 1999, Rei dos Livros, página 683, citando a Dra. Teresa beleza / Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 11.11.2004, in www.dgsi.pt, decidiu que o sistema probatório alicerça-se em grande parte em raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz valer através de uma espécie de presunções. O recurso às presunções naturais não viola o princípio do in dubio pro reo].

                Para a prova das condições de vida do arguido, o Tribunal considerou o relatório social junto aos autos a fls.197 a 200.

                Para a prova dos seus antecedentes criminais considerou-se o certificado de registo criminal junto a fls. 170 a 194.

            (…)”.


*

            Da nulidade da prova pericial [relativa aos artigos a que está aposta a marca Lacoste] e suas consequências

            1. Alega o recorrente – conclusões 3 a 7 – que ao não ter sido notificado nos termos e para os efeitos previstos no nº 4 do art. 154º do C. Processo Penal, não foi assegurado o exercício do contraditório, nem pôde nomear, querendo, perito que acautelasse a tutela do seu direito, o que determina a nulidade da prova pericial, a limitação das suas garantias de defesa e do direito ao processo justo e equitativo, tendo-lhe sido imposta uma verdadeira obrigação de indefesa.

            A sentença em crise, pronunciando-se sobre a omissão da referida notificação – não como questão prévia, mas na exposição feita sobre a motivação de facto, opção que, com ressalva do respeito devido, se nos afigura, em termos de localização, pouco adequada – entendeu não existir qualquer nulidade mas mera irregularidade, não arguida tempestivamente, por apenas o ter sido nas alegações orais, produzidas na audiência de julgamento.

           

            Como resulta da matéria de facto provada, ao arguido foram apreendidos artigos contrafeitos, uns com a marca Adidas e outros com a marca Lacoste.

            No inquérito, o respectivo titular determinou a realização de perícia aos artigos de cada uma das marcas mencionadas, por despachos de 28 de Setembro de 2015 e de 24 de Novembro de 2015 [fls. 25 para a marca Adidas e fls. 33 para a marca Lacoste].

Por despacho de 3 de Fevereiro de 2016 foi ordenada a notificação ao arguido de que no dia 19 do mesmo mês seria realizada a prova pericial aos artigos com a marca Adidas [fls. 43], vindo uma notificação por via postal simples com prova de depósito, dirigida ao cidadão A... , a ser depositada no Receptáculo Postal Domiciliário em 5 de Fevereiro de 2016 [fls. 44 e verso].

Não existe nos autos despacho idêntico ao que antecede, tendo por objecto a notificação da data da realização da prova pericial aos artigos com a marca Lacoste e, consequentemente, também não existe a notificação correspondente, diligência que, aparentemente, ocorreu a 20 de maio de 2016 [fls. 52].

O cidadão A... foi constituído arguido, nos autos, em 30 de Junho de 2016 [fls. 103 a 107]. 

Dito isto.

2. O nº 4 do art. 154º do C. Processo Penal determina a notificação do despacho que ordena a perícia, ao Ministério Público, quando não seja o seu autor, ao arguido, ao assistente e às partes civis, com a antecedência de três sobre a data nele indicada para a realização da diligência. Porém, verificando-se alguma situação subsumível à previsão das alíneas do nº 5 do mesmo artigo, não há lugar à notificação.

A notificação visa, além do mais, assegurar o contraditório na efectivação do meio de prova em questão aos sujeitos processuais que não o ordenaram e abre a possibilidade aos sujeitos interessados, de designarem consultor técnico para estar presente na sua realização da perícia e aí, sendo disso caso, propor diligências e formular observações e objecções (cfr. art. 155º do C. Processo Penal).

            O despacho que ordena a perícia, objecto da notificação em questão, deve conter a indicação do seu objecto, os quesitos a que os peritos devem responder e a indicação da instituição, do laboratório ou o nome dos peritos que a realizarão (art. 154º, nº 1 do C. Processo Penal). Assim, a notificação aos sujeitos processuais apenas da data da realização da perícia não cumpre os requisitos legais.

           

            2.1. In casu, não se mostra preenchida nenhuma das alíneas do nº 5 do art. 154º do C. Processo Penal.

Porém, não existindo arguido quando foi ordenada a realização da prova pericial, nem sequer quando foram realizadas as perícias aos artigos das marcas Adidas e Lacoste pois que, como se disse, o arguido só foi como tal constituído em 30 de Junho de 2016, não pode dizer-se que tenha sido violado o art. 154º, nº 4 do C. Processo Penal, pela omissão da notificação nele prevista, ao arguido.  

           

            2.2. Ainda que assim não fosse, também não procederia a pretensão do recorrente.

            Com efeito, o art. 154º do C. Processo Penal não comina como nulidade, absoluta ou relativa, a omissão da notificação prevista no seu nº 4.

            Por outro lado, a omissão desta notificação não é subsumível à previsão de qualquer das alíneas do art. 119º do C. Processo Penal que contém o catálogo geral das nulidades insanáveis ou absolutas, nem à previsão de qualquer das alíneas do nº 2 do art. 120º do mesmo código que contém o catálogo geral das nulidades dependentes de arguição ou relativas.

Assim, como bem se decidiu na sentença recorrida, a omissão da notificação prevista no nº 4 do art. 154º do C. Processo Penal constitui mera irregularidade, sujeita ao regime previsto no art. 123º do mesmo código.

Não tendo sido invocada a irregularidade pelo arguido, nos três dias seguintes a contar daquele em que foi notificado para qualquer termo do processo ou interveio em algum acto nele praticado – que, no limite, seria, como se refere na motivação de facto da sentença recorrida, a notificação da acusação, uma vez que nesta peça processual consta, como prova sustentadora dos indícios, os relatórios periciais de fls. 48 e 52 – há muito que a mesma se tem por sanada.

2.3. Nesta decorrência, ainda que, como supra se disse, a notificação em questão vise assegurar o contraditório na conformação do meio de prova, in casu, não se mostra, em nosso entender, violado tal princípio, nem violado o direito ao processo equitativo. 

Com efeito, o processo penal previu o mecanismo legal para a reacção contra a irregularidade que, em tese, pudesse ter sido cometida, a sua arguição dentro de determinado prazo.

Quanto basta, portanto, para assegurar o contraditório e o processo equitativo. Se o arguido não exerceu esta faculdade, sibi imputet.

2.4. Em conclusão, improcede a invocada nulidade da prova pericial.


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Da violação do direito ao silêncio e suas consequências

3. Alega o recorrente – conclusões 8 a 9 – que o tribunal a quo valorou negativamente o seu silêncio, violando o disposto na alínea d) do nº 1 do art. 61º do C. Processo Penal e a Constituição da República Portuguesa, suportando o afirmado, no corpo da motivação, num específico segmento da motivação de facto da sentença em crise, e conclui que a presunção de culpa assim extraída constitui um manifesto erro de julgamento.

Vejamos.

O direito ao silêncio, preferindo-se, o nemo tenetur se ipsum accusare, é uma emanação do direito de defesa e do princípio da presunção de inocência (art. 32º, nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa), com plena e efectiva consagração, a nível infraconstitucional, na lei processual penal.

O arguido, como sujeito processual e titular do respectivo estatuto, tem o direito a não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar (art. 61º, nº 1, d) do C. Processo Penal), direito depois particularizado e concretizado, entre outros, no art. 343º, nº 1 do mesmo código que, privativo da fase do julgamento, dispõe que, o presidente informa o arguido de que tem o direito de prestar declarações em qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objecto do processo, sem que no entanto a tal seja obrigado e sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo. Vale isto dizer que o arguido, podendo embora fazê-lo, não está obrigado a contribuir para a descoberta da verdade material, não recaindo sobre si qualquer dever de colaboração com a administração da justiça penal.

            O conteúdo útil do direito ao silêncio significa que o arguido não pode ser juridicamente afectado pelo facto de o exercer ou seja, o exercício do direito não pode constitui indício ou presunção de culpa, nem circunstância relevante para a determinação da medida da pena (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Edição, 1974, Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 448 e ss.) E isto é assim, quer o silêncio do arguido seja total, quer seja parcial (cfr. art. 345º, nº 1 do C. Processo Penal).

            Porém, se o exercício do direito ao silêncio não pode desfavorecer juridicamente o arguido, em certos casos, frequentes aliás, pode deixar de o favorecer. Na verdade, se, por exemplo, só o arguido conhece determinadas circunstâncias de facto que justificariam ou desculpariam a sua conduta, e não as dá a conhecer ao tribunal, o exercício do direito representará para si, um privilegium odiosum (cfr. aut., ob. e loc., cit.).

Por outro lado, o silêncio, total ou parcial, do arguido não pode impedir o tribunal de, com base em factos conhecidos e recurso a regras da experiência comum, inferir factos desconhecidos.

            E quais, as consequências da violação do direito pelo tribunal?

            Fundando o tribunal a prova de um facto desfavorável ao arguido, seja para efeitos de preenchimento do tipo e/ou da prova da culpa, seja para efeitos de determinação da sanção, no silêncio daquele, inobservou uma proibição de prova que, por isso, deve ser declarada. E a expurgação desta invalidade passa pela prolação de nova sentença, dela já expurgada.

            Pois bem.

4. O segmento da motivação de facto da sentença de que se socorre o recorrente para afirmar a violação do nemo tenetur é, «(…) Caso o arguido tivesse autorização das respectivas marcas para a utilização dos símbolos podemos concluir que a demonstraria, não o tendo feito, quer aos militares, quer na audiência de julgamento, dado que se remeteu ao silêncio (…)», e conclui que a presunção de culpa assim extraída constitui um manifesto erro de julgamento.

Esta afirmação foi formulado num contexto bem mais amplo, onde a Mma. Juíza a quo, expondo o raciocínio que seguiu, quanto à prova indirecta ou por presunção, por si usada para considerar provado o recorrente sabia não estar autorizado pela marcas Adidas e Lacoste a usar os símbolos e referências privativos destas, escreveu:

«No caso em apreço, temos que os produtos em causa foram apreendidos na posse do arguido e que o mesmo se encontra a vendê-los na feira semanal da localidade, sabendo-se ainda quais as características e qualidades dos produtos em causa.

            Caso o arguido tivesse autorização das respectivas marcas para utilização dos símbolos podemos concluir que a demonstraria, não o tendo feito, quer aos militares, quer em audiência de julgamento, dado que se remeteu ao silêncio.

            A essa falta de justificação acresce o facto de as legítimas marcas registadas pretenderem procedimento criminal ao arguido, pelo que se conclui que não permitiram ao arguido a utilização dos respectivos símbolos.

            A tudo isto soma-se o facto de os produtos em causa estarem na banca onde se encontrava o arguido, sendo que, aquando da fiscalização, o arguido se encontrava a vender uma peça a um terceiro, presumindo-se ainda que, tendo uma carrinha atrás dessa banca, para a qual deu autorização de revista (o que legitima a conclusão de ser seu proprietário) – fls. 10 – transportou tais produtos de lugar não apurado para a feira semanal desta localidade.

            Considerando todos estes factos, temos que podemos concluir que, caso o arguido tivesse a respectiva autorização das marcas em causa para comercializar os produtos ou estivessem na sua posse por qualquer forma que fosse lícita, teria, naturalmente, contestado a intervenção da GNR e teria efectuado diligências para esclarecer a situação em causa, o que não fez.»

            Sendo perfeitamente dispensável a referência ali feita ao exercício do direito ao silêncio pelo recorrente na audiência de julgamento, a verdade é que ela não tem o significado e alcance que este lhe pretende atribuir.

            Desde logo, cumpre dizer que a questão de facto subjacente é, na prática, irrelevante, uma vez que o recorrente não usou os símbolos das marcas sem autorização [nem se vê como o poderia ter feito], antes detinha, para venda, reproduções ilícitas de produtos das marcas Adidas e Lacoste portanto, artigos a que foram apostas imitações daqueles símbolos. Deste modo, o raciocínio exposto pela Mma. Juíza a quo para inferir a falta de autorização do recorrente para a utilização dos símbolos das marcas torna-se completamente desnecessário porque, como é evidente, não só ninguém está autorizado a usar símbolos contrafeitos de marcas registadas, como também não é legalmente admissível a autorização de uso de símbolos contrafeitos de marcas registadas, pelos respectivos titulares.

            Sendo evidente que em circunstância alguma, poderia o arguido estar autorizado pelas marcas Adidas e Lacoste a usar os símbolos contrafeitos destas, fácil é concluir que a referência ao exercício do direito ao silêncio, no contexto em que foi feita, em nada contribuiu, porque não podia contribuir, para a decisão de facto proferida e a consequente consideração do preenchimento do tipo legal imputado na acusação.

            Não foi pois, efectivamente violado o nemo tenetur se ipsum accusare pelo que, também não se verifica qualquer manifesto erro de julgamento.


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            Os factos provados preenchem o tipo, objectivo e subjectivo, do crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, p. e p. pelos arts. 323º, a) e 324º do C. da Propriedade Industrial, imputado ao recorrente.

            A pena escolhida e a sua medida concreta respeitam os critérios legais aplicáveis.


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III. DECISÃO

            Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.


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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCS. (art. 513º, nº 1, do C. Processo Penal, art. 8º, nº 9, do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa).

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Coimbra, 18 de Outubro de 2017

(Heitor Vasques Osório – relator)

(Helena Bolieiro – adjunta)