Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3422/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: MONTEIRO CASIMIRO
Descritores: INSTÂNCIA
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 12/06/2004
Votação: DECISÃO PROFERIDA PELO RELATOR - ARTº 705º DO C.P.C.
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.ºS 285 E 291º, Nº 1, DO C.P.CIVIL
Sumário: I – Não é de considerar interrompida a instância, ao abrigo do artº 285º do C.P.Civil, se a autora, após um dos dois mandatários que havia constituído ter renunciado ao mandato em 22/10/1999, juntou, em 09/11/1999, procuração a favor de outro advogado, sendo certo que o outro mandatário apresentou requerimento a renunciar ao mandato em 14/03/2000.
II – Pelo menos a partir desta última data tem de se considerar como válida e eficaz a procuração que a autora havia juntado em 09/11/1999, pelo que não tinha ela que impulsionar a instância, não podendo, assim, entender-se que a instância esteve interrompida por dois anos, por negligência da autora em promover os seus termos, e que, portanto, se encontra deserta, nos termos do artº 291º, nº 1, do C.P.Civil.
Decisão Texto Integral:
A... propôs, em 09/05/1997, pelo Tribunal da comarca de Leiria, acção com processo sumário contra B..., a fim de obter a correspectiva indemnização derivada de acidente de viação ocorrido em 12/07/1994.
A autora passou procuração conjunta a dois advogados – Srs Drs C... e D....
Após saneamento do processo, foi expedida carta precatória à comarca de Lisboa, para inquirição de duas testemunhas.
Em 14/06/1999, um dos mandatários da autora - Sr. Dr. C... - requereu, nessa carta precatória, a renúncia do mandato.
A autora foi notificada desse requerimento por carta registada expedida em 22/09/1999.
Na acta de inquirição de testemunhas, que teve lugar no 11º Juízo Cível da comarca de Lisboa, em 03/11/1999, foi apresentada pela Srª Drª E..., advogada, uma procuração outorgada pela autora em que esta a constituiu sua bastante procuradora, a quem conferiu poderes para a representar na aludida inquirição de testemunhas, bem como os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, com a faculdade de substabelecer, procuração essa que foi junta aos autos, a fls. 83 (21 da carta precatória).
Devolvida a carta precatória, foi proferido em 04/01/2000 (fls. 86) o despacho do seguinte teor: “Face ao conteúdo de fls. 83 e atento o conteúdo de fls. 54 e 55, haverá antes de mais que esclarecer se efectivamente a renúncia feita pelo Dr. C... é feita em nome próprio (já que o requerimento de fls. 54 e 55
refere vêm requerer a necessária) pois se assim for, o Dr. D... continua


a representar a A. nos presentes autos e assim a Procuração de fls. 83, não terá cabimento ou então representa a revogação do mandato ainda existente. Para esclarecimento total destas questões notifique a A. ainda na pessoa dos seus Ilustres mandatários, para alegarem o que tiverem por conveniente em dez dias”.
Este despacho foi notificado à Srª Drª E....
Em 14/03/2000 (fls. 89), veio o Sr. Dr. D... requerer a renúncia do mandato conferido pela autora.
Em 10/04/2000 (fls. 90), foi proferido o seguinte despacho: “Atento o teor de fls. 89, naturalmente que o despacho proferido a fls. 57 se estende aos dois Ilustres Mandatários a quem foi conferido o Mandato pela A. Atento o teor de fls. 83, declaro desde já extinto o Mandato conferido pela A. aos Srs. Drs. Ribeiro Delgado e João Germano. Notifique.”.
Este despacho foi notificado directamente à autora, por carta registada de 29/06/2000, não tendo a Srª Drª E... sido notificada do mesmo.
Em 05/04/2001 (fls. 94), foi proferido novo despacho, do teor seguinte: “A A. não voltou a constituir mandatário judicial. Face ao exposto e ao abrigo do disposto no artº 39º nº 3 do CPC suspendo a presente instância. Notifique”.
Este despacho foi apenas notificado à autora, por carta registada de 19/06/2001.
Em 20/06/2002 (fls. 104), foi proferido despacho a declarar interrompida a instância (artº 285º do CPC), o qual foi notificado à autora por carta registada de 25/06/2002.
Em 03/10/2003 (fls. 124), juntou a autora uma procuração aos autos, na qual declara que constitui seus procuradores so Srs. Drs. Paulo Almeida Sousa, Cristina Nascimento Soares e Oliveira Soares, advogados, a quem confere os gerais poderes forenses em direito permitidos e, ainda, os especiais para confessar, desistir e transigir, bem como para receber custas de parte e precatórios cheques.
Finalmente, em 27/02/2004 (fls. 131), foi proferido novo despacho, do teor seguinte: “Compulsados os presentes autos verifica-se que a A. foi notificada da extinção do mandato conferido aos Srs. Drs. Ribeiro Delgado e João Germano em 10/7/2000. Apenas em 3/10/2003 veio a A. constituir novo mandatário judicial. Entre as duas datas, decorrem bem mais de dois anos, sem que a mesma tivesse vindo


impulsioná-la. Considerando o exposto e tendo presente o que estabelece o nº 1 do artº 291º do CPC a presente instância está já deserta. Notifique”.
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Inconformada com o teor desse despacho, interpôs a autora recurso de agravo, rematando a sua alegação com extensas conclusões, que, por isso, nos abstemos de reproduzir, mas que se podem resumir, essencialmente, no seguinte:
Por via da procuração junta a fls. 83, a autora passou a ter mandatária constituída nos autos, mantendo tal procuração a sua validade intacta.
Foram violados os artºs 36º, nº 1, e 37º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, uma vez que, da interpretação destes preceitos em conjugação com toda sequência processual verificada nos autos, resulta que a procuração de fls. 83 constitui mandato válido e eficaz.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Sr. Juiz sustentou, tabularmente, o despacho recorrido.
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Cumpre decidir, nos termos do artº 705º do Código de Processo Civil (diploma a que pertencerão os restantes normativos citados sem menção de proveniência), atenta a simplicidade da questão proposta.
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Tal questão consiste em saber se deve entender-se que o processo esteve parado por mais de dois anos por negligência da autora em promover os seus termos e, se, portanto, deve considerar-se deserta a instância, por estar interrompida por dois anos.
O artº 285º dispõe que a instância se interrompe quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento.
Por sua vez, o artº 291º estatui, no seu nº 1, que se considera deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos.



No despacho recorrido considerou-se que a instância se encontra deserta, uma vez que a autora foi notificada da extinção do mandato conferido aos Srs. Drs. Ribeiro Delgado e João Germano em 10/07/2000 e apenas em 03/10/2003 veio constituir novo mandatário judicial, tendo decorrido entre as duas datas mais de dois anos sem que a mesma tivesse vindo impulsioná-la.
Esta apreciação estaria correcta se as coisas se tivessem passado da forma descrita nesse despacho.
Mas, não!
Como consta da descrição efectuada no relatório que antecede, a autora, após ter sido notificada, em 22/09/1999, da renúncia do mandato por parte de um dos seus mandatários (Sr. Dr. Ribeiro Delgado), juntou, em 03/11/1999, na acta de inquirição de testemunhas da carta precatória expedida à comarca de Lisboa, uma procuração em que constituiu sua procuradora a Srª Drª E..., advogada, a quem conferiu poderes para a representar na aludida inquirição, bem como os mais amplos poderes forenses em direito permitidos.
É certo que a autora havia passado procuração a dois advogados e que só um deles veio renunciar ao mandato.
Mas, não se pode entender que esse mandato foi revogado tacitamente com a nova procuração outorgada pela autora, de acordo com o disposto no artº 1171º do Código Civil?
Ainda que se siga pela via negativa - na esteira do Cons. Rodrigues Bastos (Notas ao Código de Processo Civil, I, 3ª ed., pág. 93/94), de que o disposto naquele preceito (artº 1171º), não tem aplicação no caso de revogação de mandato prestado por procuração junta ou constante de processo forense, face ao disposto no nº 1 do artº 39º, em virtude de o mesmo exigir que a revogação e a renúncia do mandato devam ter lugar no próprio processo – é preciso tomar em consideração que, em 14/03/2000, o outro mandatário (Sr. Dr. João Germano) apresentou também um requerimento a renunciar ao mandato que lhe havia sido conferido pela autora, pelo que, pelo menos a partir dessa altura, temos de considerar como válida e eficaz a procuração junta a fls. 83 e que a autora passou a estar representada judicialmente pela mandatária a quem conferiu poderes nessa procuração.



Face à junção dessa procuração (a fls. 83 dos autos), não tem qualquer justificação o despacho que foi proferido em 05/04/2001, onde se diz que a autora não voltou a constituir mandatário judicial, pelo que se suspendia a instância.
É que a autora, nessa data, já tinha constituído mandatário (Srº Drª E...) com poderes para a representar em todos os actos e termos do processo principal e respectivos incidentes, de acordo com o disposto nos artºs 36º, nº 1, e 37º, nº 1, conforme a aludida procuração junta a fls. 83.
Assim sendo, não tinha a autora que impulsionar a instância, como se diz no despacho recorrido, visto que, face a tal procuração, deveriam os autos ter prosseguido os seus regulares termos.

Conclui-se, assim, que a instância não esteve interrompida por dois anos, por negligência da autora em promover os seus termos, e que, portanto, não pode a mesma considerar-se deserta, como se decidiu no despacho recorrido.
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Pelo exposto, dou provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que ordene o regular prosseguimento dos autos.
Sem custas.