Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4280/21.0T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO
DEVERES ACESSÓRIOS DO SEGURADOR
LIQUIDAÇÃO DE DANOS
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU, COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 11.º, 37.º, 51.º, 93.º, 99.º, 102.º, 104.º, 123.º, 128.º A 130.º, DA LCS;
609.º, N.º 2 E 704.º, N.º 6, DO CPC;
2.º A 4.º DO DL 214/97, DE 16/8;
398.º, N.º 1, 562.º, 564.º, 566.º, 762.º, N.º 2 E 804.º A 806.º DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário: I. A violação pelo segurador, do dever legal de proceder à desvalorização automática do valor seguro, constitui uma excepção ao princípio indemnizatório, dado que se admite como solução de base, a prestação do segurador superior ao valor do bem seguro, excepção que assenta numa ilicitude do segurador, que, neste caso, responde até ao montante do capital seguro.

II. A violação pelo segurador do dever lateral de proceder à liquidação do sinistro de modo adequado ou em prazo razoável, importa a sua constituição no dever de reparar todos os danos causados no segurado, designadamente o da privação do uso daquele bem, ainda que não convencionado.

III. Estando provado um dano, mas ignorando-se o seu valor e mostrando-se ainda possível, no incidente de liquidação, suprir a falta de elementos para fixar o quantum da indemnização devida, deve relegar-se para momento ulterior a sua liquidação e não fixar logo, com recurso a critérios não normativos da equidade, aquela quantidade.

Decisão Texto Integral:  
Relator: Henrique Antunes
Adjuntos: Mário Rodrigues da Silva
Cristina Neves



Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
1. Relatório.
M... Lda., e Companhia de Seguros Allianz Portugal SA interpuseram recurso autónomo e subordinado, respectivamente, da sentença do Senhor Juiz de Direito do Juízo Central Cível ..., do Tribunal Judicial da Comarca ... que, julgando parcialmente procedente a acção declarativa de condenação, com processo comum, intentada pela primeira contra a segunda, condenou a última no pagamento à primeira do total de € 35.000,00, correspondente às seguintes quantias:
1-  € 17.099,99, a título de perda total do veículo;
2-  € 17.900,01, a título de paralisação do veículo;
3-  Juros, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
A autora - que pede, no seu recurso que se decida que o valor da perda total é de € 55 000,00, ao qual deverá ser deduzida a franquia e o valor dos salvados, que o valor a atribuir, à razão de € 120,00 dia pela privação do uso do veículo deve ser calculado desde a data do sinistro até ao pagamento da indemnização e que os juros são devidos desde a ocorrência do facto ilícito - rematou a sua alegação com as conclusões seguintes:
1. A recorrente celebrou com a recorrida um contrato de seguro de responsabilidade civil de danos próprios ramo automóvel, titulado pela apólice ...5, em 19 de Dezembro de 2018, viatura matrícula ..-QG-.., com diversas coberturas, inclusive a cobertura de choque colisão ou capotamento, mediante o pagamento de um prémio que sempre pagou;
2. Do referido contrato faz parte a cobertura choque, colisão ou capotamento, para a dita viatura ..-QG-.., sendo o valor seguro de € 55 000,00, com uma franquia no valor de € 1 100,01;
3. No dia 11.09.2020 ocorreu um sinistro com a referida viatura;
4. A recorrente no dia 18.08.2020 participou o sinistro à recorrida que após a vistoria dos danos da viatura, entendeu que a reparação não se mostrava aconselhável, já o seu o custo era superior ao valor venal do veículo;
5. Os salvados da viatura foram avaliados pela recorrida em € 1 888,00;
6. A título de indemnização popôs liquidar o valor de € 10 852,00, correspondente à diferença entre o valor atribuído ao veículo, o valor dos salvados e deduzida a franquia;
7. A recorrente não aceitou a proposta apresentada, não só por não concordar com o valor atribuído por ser inferior ao valor de mercado, mas também porque o capital seguro era de € 55 000,00;
8. A recorrida recusou-se a satisfazer esta indemnização
9. A recorrente desde a data do acidente não mais pode utilizar o veículo;
10. A declaração de seguro a que corresponde a apólice ...5, formalizada pela recorrida determina o início do seguro é reportado às 00.00 horas do dia 01.05.2020 e o seu termo é reportado a 30.04.2021;
11. A mesma apólice consigna que o valor seguro de danos próprios por choque, colisão ou capotamento é de € 55 000,00;
12. Explicitando-se em rodapé que este valor sofre uma valorização automática com base nas Tabelas de Desvalorização em vigor:
13. A recorrida quanto aceitou segurar o veículo no valor de € 55 000,00 deveria ter-se justificado da justeza daquele valor de € 55 000,00, designadamente em função da idade do veículo e da influência depreciativa de que esta exercer na valia económica desse bem de consumo, e se não o fez foi porque não quis ou por negligência dos respectivos serviços, pelo que, nem mesmo “facto que passou despercebido aos serviços da recorrida” a exonera da obrigação de realizar a prestação convencionada;
14. Da conjugação dos disposto nos art.°s 3, 4 e 8, n.° 2, do Dec. Lei 214/97, de 16.08, retira-se que no âmbito do seguro facultativo de danos próprios em viatura automóvel, enquanto não for actualizado, nos termos legais, o valor do veículo seguro, a considerar para efeitos de indemnização em caso de perda total, nem for comunicada essa actualização ao tomador do seguro, as seguradoras ficam constituídas na obrigação de responder, em caso de sinistro, com base no valor seguro apurado à data do vencimento do prémio imediatamente anterior à ocorrência do sinistra;
15. A recorrida não só não comunicou à recorrente qualquer alteração ao valor, a não ser em Março de 2021, já o sinistro tinha ocorrido.
16. Como também a recorrida emitiu em 01 de Maio de 2021 uma apólice e cujo teor apontava de forma cristalina para um capital seguro de € 55 000,00;
17. Assim a recorrida responde com base no valor seguro à data do vencimento do prémio - 01.05.2020, faz como que seja condenada a pagar a quantia de € 55 000,00;
18. O tribunal a quão, ao ter decidido como decidiu, incorreu em erro de julgamento, violando o disposto nos art.°s 3, 4 e 8, n,° 1, do Dec. Lei 214/97;
19. Provado que a privação de uso de um veículo que se perdeu totalmente deve arbitrar-se o respectivo valor ressarcitório;
20. O tribunal fixou, com recurso à equidade, o valor diário de € 120,00, que se aceita;
21. O que não se aceita nem se compreende, a razão pela qual o valor arbitrado deve ser idêntico ao valor do veículo;
22. A recorrente foi impedida de utilizar o veículo desde ..., sendo que o valor a indemnizar deve ser calculado até à data da satisfação da indemnização;
23. A decidir-se como se decidiu, o tribunal a quo violou o disposto na segunda parte do n.° 1 do art.° 566 do Cod. Civil, 483, n.° 1, do Cod. Civil;
24. Sendo que o valor a indemnizar deve ser calculado desde a ocorrência do sinistro até à data em que se verificar a efectiva entrega à recorrente da indemnização;
25. A recorrente pede condenação do pagamento dos juros, o tribunal à quo entende que os juros são devidos desde a citação;
26. Existe mora do devedor, independente de interpelação se a obrigação provier de facto ilícito;
27. O acidente de viação e um facto ilícito, o direito à indemnização reporta-se à data do cometimento do facto ilícito;
28. Assim, os juros são devidos desde a data do sinistro;
29. Ao decidir-se como se decidiu, o tribunal violou o disposto na al. b) do n.° 2 do art.° 805 do Cod.
Civil.
Por sua vez, a ré - que pede, no seu recurso a revogação da sentença impugnada e o proferimento de acórdão que reduza a indemnização fixada a título de perda total do veículo no montante de € 1.888,00 e que julgue integralmente improcedente o pedido de indemnização a título de paralisação do veículo - rematou a sua alegação com as conclusões seguintes:
1. Como resulta da matéria de facto dada como provada, o salvado do “QG” é dotado de valor económico, pelo que a desconsideração do valor económico do mesmo na fixação da indemnização devida a perda total gera um enriquecimento indevido por parte da Recorrida subordinada.
2. Com a perda total do “QG”, a Recorrida subordinada não sofreu uma perda patrimonial do valor venal do veículo, tendo ao invés visto o valor venal do seu veículo - de Eur. 18.200,00 - ser reduzido para o valor venal do salvado do mesmo, concretamente Eur. 1.888,00.
3. Pelo exposto, considerando o princípio do contraditório contratual e legal, sempre se dirá que a indemnização devida pela perda total do “QG” deve ser deduzida não só da franquia contratualmente aplicável, como do valor do seu salvado, devendo, consequentemente, a indemnização devida a título de perda total ser reduzida para o montante de Eur. 15.211,99 (valor venal de Eur. 18.200,00 deduzido da franquia contratual de Eur. 1.100,01 e do valor do salvado de Eur. 1.888,00).
4. No contrato de seguro em apreço não foi contratada qualquer cobertura a título de privação do uso do veículo, o que é invocado nos termos do disposto no artigo 130.° do Decreto-Lei n.° 72/2008 de 16 de abril.
5. Uma vez que encontramo-nos perante responsabilidade civil contratual e não aquiliana, considerando que a Recorrente subordinada sempre cumpriu de forma cabal e rápida às suas obrigações contratuais, jamais lhe será imputável qualquer indemnização pela paralisação do “QG”.
6. Nos presentes autos não foi provado qualquer dano efectivo pela A. apesar de a mesma o ter alegado - vide factos não provados 31, 34, 35 e 36 - pelo que, sendo a Autora uma sociedade comercial jamais poderá ser fixado qualquer dano pela paralisação do veículo, muito menos com recurso à equidade que não se encontra assente em qualquer dano efetivo dado como provado na matéria de facto.
7. Por tudo o supra exposto, a sentença em crise violou o disposto nos artigos 342.° e 483.° e seguintes do Código Civil e o artigo 5.° n.° 2 al. b) e 414.° do Código de Processo Civil,
8. Sendo certo que de acordo com a devida interpretação das supra aludidas normas jurídicas deve a indemnização fixada a título de perda total do veículo ser reduzida para o montante de Eur. 15.211,99 e deve o pedido de indemnização a título de paralisação do veículo ser julgada integralmente improcedente, como é de Justiça.
A recorrente subordinada concluiu, na reposta ao recurso principal, pela sua improcedência; a recorrente principal não respondeu ao recurso subordinado.
2. Factos provados.
O Tribunal de que provém o recurso decidiu a matéria de facto nestes termos:
2.1. Factos provados (por referência os números que, originariamente, lhes foram atribuídos nos articulados donde provêm).
petição
1 A A. é dona do veículo automóvel, trator pesado, de marca ..., com o número de matrícula ..-QG-...
2 A A. celebrou com a Ré um contrato seguro do ramo automóvel, que para além do obrigatório, previa coberturas facultativas, relativas a danos próprios, que viessem a produzir-se no seu veículo trator pesado de marca ..., com o número de matrícula ..-QG-.., em consequência da respetiva circulação.
3 Tal contrato era titulado pela apólice ...5.
4 O prémio comercial e anual do contrato de seguro celebrado foi pago pela A. e recebido pela Ré.
5 Aquando da inclusão do veículo na apólice de seguro, a ...9 de Dezembro de 2018, foi atribuído ao veículo seguro o valor de 55.000,00 €.
6 O contrato identificado abrangia a cobertura de danos próprios de choque, colisão ou capotagem, com o capital seguro de 55.000,00 €.
7 Tendo sido estipulado a franquia de 1100,01 €.
8 No dia ..., pelas 14,45 horas, ao KM 147 do A ..., Bilbao, Espanha, por causas ignoradas, quando o referido veículo ..-QG-.. era conduzido pelo motorista da A. AA, entrou em despiste, atravessou-se na via, ainda em despiste.
9 Do embate resultaram danos no veículo, que ficou destruído.
10 A A. no dia 18.08.2020, participou à Ré o sinistro referido.
11 A Ré no dia 23 de Setembro de 2020 comunicou à A. que peritou o veículo ..-QG-.., tendo apurado que reparação não se mostrava aconselhável, já que o seu custo 63.797,57 € era superior ao valor venal do veículo, que atribuiu em 13.000,00 €.
12 Ré avaliou os salvados em 1.888,00 €.
13 A título de indemnização propôs liquidar o valor de 10.852,00 €, correspondente à diferença entre o valor atribuído ao veículo, o valor dos salvados e deduzida a franquia de 260,00 €.
14 A A. não aceitou a proposta apresentada, não só por não concordar como valor atribuído ao veiculo, por ser inferior ao valor de mercado, mas também porque o capital seguro era de 55.000,00 €, reclamando o pagamento da quantia de 52.860,00 €, correspondente ao capital seguro, deduzido a franquia e o valor dos salvados.
15 Recusou-se a Ré a satisfazer esta indemnização. A autora, desde a data do acidente, não mais pôde utilizar o veículo.
16 A declaração de seguro a que corresponde apólice ...5, formalizada pela Ré, determina o início do seguro é reportado às 00,00 horas de 01.05.2020 e o seu termo é reportado a 30.04.2021.
17 A mesma apólice consigna que o valor seguro de danos próprios por choque, colisão ou capotagem é de 55.000,00 €.
18 A franquia foi fixada em 1.100,01 €.
19 Explicitando-se em rodapé, que este valor sofre uma desvalorização anual automática com base nas Tabelas de Desvalorização em vigor.
28 A A. é uma empresa que se dedica a actividade de transportes internacionais de mercadorias por estrada.
29 O trator pesado ..-QG-.., constitui um dos seus instrumentos de trabalho.
31 A autora suporta um prejuízo que, em concreto, não foi possível fixar.
32 O veículo da A. estava afeto ao transporte internacional de mercadorias por estrada.
33 Fazia em média duas viagens por semana para o estrangeiro.
34 Percorrendo, em média, por semana ou por mês, quilometragem que não foi possível apurar com precisão.
35 Cada km era faturado por quantia que não foi possível apurar com precisão. e que resultava uma faturação bruta mensal que não foi possível fixar.
36 As despesas mensais com motorista, combustíveis, óleos, portagens, pneus, seguros, desgaste de componentes, eram em quantitativo que, igualmente, não foi possível apurar com rigor.
Contestação
9 O valor venal do “QG”, veículo pesado, importado, de Janeiro de 2012, com mais de 841.000 Km percorridos, da marca ..., não é susceptível de fixar com precisão, mas fixa-se entre os 13.000,00 € e os € 18.200,00.
12 Em 02/06/2016, a solicitação da A., este veículo deixou de estar incluído na apólice em crise.
13 Em 19/12/2018 voltou a A. a solicitar a inclusão do “QG” na apólice, tendo mantido um valor venal igual, ou seja, de € 55.000,00.
14 Facto que passou despercebido aos serviços da R.
16 A A. atribuiu ao “QG” um valor muito superior ao seu valor comercial.
24 Toda esta situação encontra-se contratualmente consagrada na clausula 6.3 da apólice.
27 A autora, desde 23/09/2020, sabia não só que se estava perante uma perda total, bem como qual o valor que lhe foi posto à disposição.
réplica
3 Em Março de 2021 a Ré comunicou à A. que decidira atualizar o capital seguro dos danos próprios, dos veículos que identifica.
4 Atribuindo, então, ao veículo ..-QG-.. o valor de 18.200,00 €.
7 A ré atualizava anualmente os prémios de seguro, tendo por base capital seguro.
11 A A. no dia 18 de Dezembro de 2018, remeteu correio eletrónico ao Sr. BB, mediador da Ré, solicitando-lhe a inclusão na apólice de frota do veículo ..-QG-.., no valor de danos próprios de 55 000,00 €.
2.2. Factos não provados.
petição
5 À data da realização do contrato seguro foi atribuído pela Ré seguradora ao veículo seguro o valor.
31 O prejuízo diário de 149,33 €.
34 Percorrendo em média 3500 km por semana, ou seja 14000 km/mês
35 à razão de 0,80 €.
36 faturação bruta mensal de 11200,00 €.
37 em média de 6720,00 €.
contestação
9 na melhor das hipóteses (?)
11. A autora, aquando da primeira inclusão do “QG” na apólice em análise, atribui-lhe um valor em novo de € 85.938,00 de forma a que, com a desvalorização, o sistema da R. aceitasse que o valor venal do veículo fosse de € 55.000,00.
13 Em 19/12/2018 atribuiu ao mesmo do um valor em novo de € 161.765,00, de forma a manter um valor venal igual ou seja de € 55.000,00.
16 facto que a R. desconhecia.
réplica
20 O valor venal do veículo era 55.000,00€
3. Fundamentos.
3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.
Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada, mesmo que só tacitamente, no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (art.° 635.°, n.°s 2, 1^ parte, e 3, do CPC).
A sentença impugnada depois de assentar em que o valor do veículo seguro é de € 18 200,00, que a obrigação da apelante subordinada, segurador, está limitada ao contratualmente estipulado valor venal, ao qual deve subtrair-se a franquia, já que nada deve impor à autora que fique com os salvados que de nada lhe adiantam para a sua actividade, pelo que o valor a considerar é de € 17 099,99, que o dano da privação do uso deve ser fixado equitativamente em € 120,00 diários, tendo por equitativo atribuir a título de paralisação um valor muito semelhante ao correspondente à sua perda total, e que a seguradora está unicamente em mora desde a citação, condenou a apelante subordinada a pagar a quantia de € 17.099,99, a título de perda total do veículo e a de € 17 900,01 a título de paralisação do veículo e juros desde a citação.
Tanto a autora como a ré mostram-se francamente hostis ao julgamento contido na sentença; a primeira por discordar do valor fixado para a prestação indemnizatória devida perda do veículo seguro, quanto ao terminus a quo e ad quem da reparação do dano da privação do seu uso e quanto ao terminus a quo da indemnização moratória; a segunda por dissentir da reparação do dano da privação do uso do veículo sinistrado e da não subtração, ao valor da prestação indemnizatória, do valor do salvado.
A sentença foi objecto de impugnação através de recurso principal - o interposto pela autora - e de recurso subordinado - o interposto pela ré. Dado que entre o recurso principal e subordinado não se surpreende qualquer relação de prejudicialidade, ambos os recursos devem ser apreciados em conjunto, dado que ambos têm os mesmos fundamentos de procedência e de improcedência e, portanto, as decisões de um e de outro recurso devem ser harmónicas e compatíveis.
Maneira que, face à vinculação temática desta Relação ao conteúdo da decisão impugnada e das alegações das recorrentes, as questões concretas controversas que importa resolver são as de saber qual é o valor da prestação indemnizatória devida pela perda total do veículo seguro, se a ré deve ser vinculada ao dever de reparar o dano decorrente da privação do uso daquele veículo e, na afirmativa, o quantum dessa prestação indemnizatória, o momento a partir do qual deve ser computada a indemnização moratória relativa àquelas prestações e, finalmente, se à prestação indemnizatória a que a apelante deve ser condenada a realizar deve ser subtraído o valor do salvado.
A resolução destas questões exige, evidentemente, a ponderação do conteúdo do contrato de seguro e do princípio indemnizatório, da consequência jurídica da violação, pelo segurador, do dever de proceder à desvalorização automática do valor do bem seguro, da reparabilidade, no contexto do contrato de seguro, do dano da privação do uso daquele bem e do destino do salvado e, finalmente, da consequência processual da indeterminação quantitativa de uma qualquer prestação indemnizatória a cuja realização a demandada deve ser vinculada.
3.2. Conteúdo do contrato de seguro e do princípio indemnizatório.
3.3. Se há realidade que se tem por indiscutível é a de que entre as recorrentes, principal e subordinada, foi concluído um contrato, típico e nominado, de seguro. Importa, contudo, determinar o regime jurídico que lhe é aplicável.
No dia 1 de Janeiro de 2009 entrou em vigor o Decreto-Lei n.° 72/2008, de 16 de Abril, rectificado pelas Declarações de Rectificação n.°s 32-A/2008, de 13 de Junho e 39/2008, de 23 de Julho, que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro (art.°s 1.°, a 7° daquele diploma legal). O mesmo diploma revogou expressamente, entre outras normas, as constantes dos art.°s 425.° a 462.° do Código Comercial, aprovado por Carta de Lei de 28 de Junho de 1888 e dos art.°s 1.° a 5.° e 8.° a 25.° do Decreto-Lei n.° 176/95, de 26 de Julho (art.° 6.°).
No caso, em face da apólice é patente que o contrato de seguro que vincula reciprocamente os recorrentes foi concluído em data posterior a Janeiro de 2009, portanto, no domínio da LCS. O regime jurídico contido neste diploma é, por isso, indubitavelmente, aplicável àquele contrato.
Diz-se contrato de seguro o contrato pelo qual uma pessoa transfere para outra o risco de verificação de um dano, na esfera própria ou alheia, mediante o pagamento de uma remuneração. A pessoa que transfere o risco diz-se tomador ou subscritor do seguro, a que assume esse risco e percebe a remuneração - prémio - diz-se segurador; o dano eventual é o sinistro; a pessoa cuja esfera jurídica é protegida é o segurado - que pode ou não coincidir com o tomador do seguro (art°s 1.°, 16.°, n.° 1, e 24.° n.° 1, da LCS).
Enquanto o segurador e o tomador do seguro assumem, por definição, a posição de partes num contrato de seguro, outras pessoas podem ocupar a posição de parte ou de terceiro nesse mesmo contrato. Entre estas avulta, evidentemente, a figura do segurado - o sujeito que se situa dentro da esfera de protecção directa e não meramente reflexa do seguro, de quem pode afirmar-se que está coberto pelo seguro. O segurado é, portanto, aquele por conta de quem o tomador celebra o seguro. Nos casos subjectivamente mais simples, o segurado será o próprio tomador do seguro, o tomador-segurado; nos demais casos, estar-se-á face a um ou mais terceiros-segurados. Numa palavra: o segurado não é, necessariamente, quem contrata o seguro, mas sim quem por ele fica coberto.
O risco é, evidentemente, o elemento nuclear do seguro: não há seguro sem risco. O sinistro, por seu lado, corresponde à verificação, no todo ou em parte, dos factos compreendidos no risco assumido pelo segurador. O universo de factos possíveis, previstos no contrato de seguro, cuja verificação determinará a realização da prestação por parte do segurador, representa a cobertura-objecto do contrato; o estado de vinculação do segurador, durante o período convencionado no contrato, conducente à constituição de uma obrigação de prestar, em caso de ocorrência daqueles factos, representa a cobertura-garantia.
A delimitação daquele universo de factos - que compõem a cobertura-objecto - é feita, em regra, segundo a técnica da definição primária da chamada cobertura de base e da subsequente descrição de sucessivos níveis de exclusões. No caso por exemplo, dos seguros de responsabilidade civil, pode delimitar-se o âmbito de cobertura a partir de uma pessoa - v.g., responsabilidade civil geral - de uma coisa - v.g., um automóvel. Mas essa delimitação pode não se ficar por aí: após a fixação da pessoa ou da coisa que servirá de ponto de referência ao seguro, bem como os interesses que se cobrem, podem seguir-se outros níveis, sucessivamente mais precisos, de delimitação. Assim pode, por exemplo, descrever-se as circunstâncias em que poderá ocorrer o dano, v.g., a actividade profissional desenvolvida pelo segurado.
Estas exclusões não são, em princípio, cláusulas de exclusão da responsabilidade - mas regras que definem o âmbito de cobertura do seguro. Essa delimitação pode ser feira positiva e negativamente, e dentro da delimitação negativa, através de exclusões objectivas - v.g., guerra - ou subjectivas, como por exemplo, o sinistro deliberadamente provocado. O que não é lícito é, através das exclusões, desvirtuar o objecto do contrato, i.e., modificar a natureza dos riscos cobertos tendo em conta o tipo de contrato de seguro celebrado[1].
O Código Comercial falava em seguros contra riscos. Mas esta expressão devia ser entendida no sentido actual de danos: seguros contra danos. Em sentido amplo e próprio, o risco assumido, pelo contrato de seguro, pelo segurador, é o de qualquer evento futuro, aleatório na sua verificação ou no momento da sua verificação e que obrigue aquele a satisfazer determinada prestação. Verificado o sinistro, o segurador deve pagar ao segurado o capital seguro, até ao limite do dano, ou para usar a linguagem corrente, juridicamente pouco rigorosa, a indemnização.
Descritivamente, o contrato de seguro é oneroso, sinalagmático e aleatório, visto que implica um esforço económico de ambas as partes, a remuneração paga por uma delas liga-se à vantagem proporcionada pela outra e a atribuição dessa vantagem depende de um facto alheio à vontade de qualquer delas.
Ao contrário do que sucedia no Código Comercial, a lei deixou de exigir a forma escrita como requisito de validade - ad substantiam - do contrato de seguro, passando a apólice, formalizada num documento escrito ou quando convencionado em suporte electrónico duradouro, a assumir o objectivo prático da prova - adprobationem - do contrato (art.°s 426.° do Código Comercial e 32.°, n.° 1, e 34.°, n.° 2, da LCS)[2]. O contrato de seguro deixou de ser formal para passar a ser um negócio consensual, devendo ser formalizado num instrumento escrito - a apólice - mas não necessariamente num documento de papel. A formalização do contrato num instrumento escrito, que se designa por apólice de seguro, e a sua entrega ao tomador do seguro, constituem obrigações do segurador.
O contrato de seguro releva, largamente, da autonomia privada. De harmonia com o Código Comercial, o contrato de seguro regulava-se pelas estipulações, gerais e especiais, da respectiva apólice, não proibidas por lei, e na sua falta ou insuficiência pelas disposições do mesmo Código (art.° 426.°); de acordo com a LCS, o contrato de seguro rege-se pelo princípio da liberdade contratual, com os limites indicados na lei (art.° 11.°).
O conteúdo do contrato - da apólice - é muito complexo dado que deve conter toda uma série de elementos, entre os quais, o objecto do seguro, a sua natureza e valor, o risco contra que se faz o seguro, a quantia segurada e o prémio do seguro (art.° 37.° da LCS).
Portanto, é, em regra, o contrato que recorta - em razão da actuação pelas partes da sua autonomia privada - a sua exacta posição jurídica, as precisas prestações a que reciprocamente se vincularam.
Já se observou que seguro é o contrato pelo qual uma parte, mediante retribuição, suporta um risco económico, da outra parte ou de terceiro, obrigando-se a dotar a contraparte ou o terceiro, dos meios adequados à supressão ou à minimização das consequências negativas, reais ou potenciais, da verificação de um determinado facto.
O prémio - que é a fundamental obrigação a que o tomador do seguro se obriga pelo contrato de seguro - consiste no reverso ou contrapartida da cobertura do risco: se a obrigação fundamental do segurador consiste no dever de liquidar o sinistro, a obrigação fundamental do tomador do seguro resolve-se no dever de pagar o prémio convencionado (art.° 51.° da LCS).
O sinistro equivale à verificação, total ou parcial, dos factos compreendidos no risco assumido pelo segurador (art.° 99.° da LCS). O sinistro reporta-se, pois, à ocorrência daquele facto ou conjunto de factos que, desencadeando a garantia contratual de cobertura de risco, origina, para o segurador o dever de realizar a prestação convencionada.
Participado o sinistro - pelo tomador, segurado ou beneficiário, conforme o caso - e apurada a obrigação do segurador, tem lugar a liquidação do sinistro. Essa liquidação resolve-se, nos seguros de danos, na realização de uma prestação consistente no pagamento de um quantum indemnizatório, correspondente aos danos sofridos pelo segurado - prestação indemnizatória. No seguro de danos, na fixação do montante da prestação, assume especial relevo o chamado princípio indemnizatório (art° 128.° e ss. da LCS). Prestação que, no tocante à sua forma, pode consistir numa prestação única ou em várias fraccionadas, em dinheiro ou em espécie, nos termos do contrato.
Relativamente ao momento da realização, pelo segurador, da sua prestação, a regra é a seguinte: constatado o sinistro, o segurador deve pagar ao segurado o capital seguro até ao limite do dano, quando se trate de seguro de danos: é a indemnização ou pagamento (art.° 102.°, n.° 1, da LCS). Note-se que, na lógica da lei, a vinculação do segurador ao dever de indemnizar está na dependência da constatação do sinistro: o segurador - declara terminantemente a lei - obriga-se a satisfazer a prestação contratual, após a confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências, podendo ainda ser necessária a prévia quantificação das consequências do sinistro (art.° 102.°, n.°s 1 e 2, da LCS). Esta previsão pode dar azo a dilações, demora a que acrescerá, além disso, o prazo de 30 dias para que a obrigação do segurador efectivamente se vença (art.° 104.° da LCS). O lesado prudente poderá evitar aquela dilação através da interpelação do segurador (art.° 805.°, n.° 1, do Código Civil)[3].
Rigorosamente, porém, na indemnização ou pagamento devida pelo segurador não se está perante uma responsabilidade civil, mas apenas perante uma prestação puramente contratual (art° 102.°, n.° 1, e 108.° da LCS)[4].
A prestação devida pelo segurador vence-se decorridos 30 dias sobre a constatação do sinistro e o conhecimento dos danos, embora se admita tratamento mais favorável (art.°s 13.° e 104.° da LCS). Completado esse prazo sem que o segurador realize aquela prestação, este fica, nos termos gerais, constituído em mora[5], que dá lugar, tratando-se de uma obrigação pecuniária, ao vencimento de juros à taxa legal (art.°s 102.°., n.° 3 da LCS, 799.°, n.° 1, 804.°, n.°s 1 e 2, e 806 n°s 1 e 2, do Código Civil, e 1.° da Portaria n.° 291/2003, de 8 de Abril). Realmente, se a obrigação do segurador for pecuniária, o segurado não precisa de provar que teve prejuízos - mas em contrapartida, dado que a responsabilidade do segurador é uma responsabilidade ex-contractu, ao segurado não é lícito exigir do segurador indemnização superior à fixada no regime de indemnização à forfait, alegando que a mora lhe causou, no caso concreto, prejuízo mais elevado (art.° 806.°, n.° 3, a contrario, do Código Civil).
Pode ser duvidosa, especialmente no contrato de seguro de coisas, a questão de saber se a obrigação a que segurador se vinculou é uma obrigação pecuniária - sujeita ao regime específico desta espécie de obrigações - ou é antes uma obrigação de outra natureza, sujeita ao regime geral, por exemplo, da mora do devedor (art.° 804.° do Código Civil). Tratar-se, a mais das vezes, de um puro problema de interpretação do contrato de seguro[6].
Em qualquer caso, a ética manda que o segurador, enquanto comerciante diligente, não retarde artificial ou dilatoriamente o pagamento da indemnização. Mas deve notar-se que sobre o segurado ou tomador do seguro - conforme o caso - recai, igualmente, o dever, ex-bona fide, de minorar os danos ou de evitar a sua ampliação, podendo o segurador, em última extremidade, não responder pelos danos que o segurado, poderia ter prevenido e não evitou (art.° 762.°, n.° 2, do Código Civil)[7].
A LCS classifica os contratos de seguro à luz de uma divisão fundamental: os seguros de danos e os seguros de pessoas (art.°s 123.° a 174.° e 175.° a 217.°). Os seguros de danos são os contratos de seguro que têm por finalidade a cobertura de riscos relativos a coisas, bens materiais, créditos e outros direitos patrimoniais (art.° 123.° da LCS); dizem-se seguros de pessoas, os contratos de seguro que têm por finalidade a cobertura de riscos relativos à vida, saúde e integridade física de uma pessoa ou grupo de pessoas (art.° 175.° da LCS).
De harmonia com o critério da sua obrigatoriedade, os seguros dizem-se facultativos ou obrigatórios, consoante são celebrados livremente pelo tomador do seguro ou por imposição legal. De acordo com o critério do objecto da prestação do segurador, distinguem-se os seguros de prestações indemnizatórias ou convencionadas, consoante o segurador se obriga a prestar o valor correspondente aos danos resultantes do sinistro ou um valor previamente fixado no contrato.
Num esforço de concretização, é patente que o contrato de seguro concluído entre as recorrentes é, no segmento que interessa à economia do recurso, um seguro facultativo de danos, e dado que respeita a uma coisa - um bem móvel, embora sujeito a registo - um seguro de coisa (art.°s 43.°, n.° 2, 123.° e 130.° da LCS).
No seguro de danos o princípio indemnizatório tem, fundamentalmente, este alcance: o seguro de danos visa, apenas e no máximo, suprimir o dano efectivo sofrido pelo segurado; ele não deve ir mais além, proporcionando ao segurado um qualquer lucro[8]. No seguro de danos, a prestação devida pelo segurador é limitada ao dano decorrente do sinistro, até ao montante do capital seguro (art.° 128.° da LCS). Há, portanto, um duplo limite, valendo, sempre, o mais baixo: o dano; o capital seguro.
Assim, no seguro de coisas, o dano a atender para determinar a prestação devida pelo segurador, é o valor do interesse seguro, i.e., da parcela de valor que, com referência com concreto de seguro celebrado, tenha o risco coberto, ao tempo do sinistro (art.° 130.°. n.° 1, da LCS). Todavia, a regra não é absolutamente imperativa, dado que se permite às partes, sem prejuízo do princípio indemnizatório, acordar no valor do interesse atendível para o cálculo da prestação, podendo assentar no valor a considerar, em caso de sinistro, desde que não seja manifestamente infundado (art.° 131.° da LCS)[9].
O objecto salvo do sinistro - o salvado[10] - só pode ser abandonado a favor do segurador se o contrato assim o estabelecer (art.° 129.° da LCS). Esta solução comprime, naturalmente, o princípio indemnizatório, dado que o lesado, ficando com o salvado, verá o quantum da indemnização reduzido pelo valor correspondente. A regra é imposta pelo princípio da compensatio lucri cum danno: se o lesado conserva alguma vantagem, ela deverá ser compensada na indemnização; de outro modo, verificar-se-ia um enriquecimento do lesado[11]. Mas a verdade é que, em regra, o salvado nada valerá para o segurado e a sua atribuição a este visa, ainda, poupar o segurador dos esforços necessários para se desfazer dele[12].
3.4. Consequência jurídica da violação pelo segurador do dever de proceder à desvalorização automática do valor seguro.
O contrato de seguro é, a mais das vezes, um negócio duradouro cuja execução se prolonga no tempo, pelo que é comum a emergência de vicissitudes contratuais, de que se destacam as alterações relativas ao risco, quer no caso do seu agravamento, quer na hipótese da sua diminuição. Sempre que ocorram supervenientemente circunstâncias que aumentem ou diminuam a probabilidade ou a intensidade do sinistro, i.e., que exacerbem ou diminuam ou atenuem o risco, que sejam do conhecimento do segurador, a lei atribui-lhe, no primeiro caso, o direito de propor tempestivamente ao tomador a correspondente alteração do contrato ou, nalguns casos, a sua resolução (art.° 93.° da LCS); no segundo caso, o dever de reduzir o montante do prémio, podendo o tomador, no caso de discordar do novo valor, resolver o contrato (art.° 92.° da LCS).
Mas existe uma outra vicissitude contratual do contrato de seguro que impõe ao segurador do dever de reduzir o prémio: a da desvalorização, ao longo da vigência do contrato, do valor do bem seguro, nos contratos de seguro automóvel que incluam coberturas facultativas. Em tais contratos, o segurador está vinculado, ex-vi legis, a proceder desvalorização automática, por aplicação de tabela de desvalorização automática, elaborada de harmonia com as normas emanadas pelo Instituto de Seguros de Portugal, do valor seguro, com a consequente redução proporcional da parte do prémio, correspondente à eventualidade de perda total, que seja calculada com base nesse valor (art.°s 2.° e 4.° do Decreto-Lei n.° 214/97, de 16 de Agosto). Aliás, um tal dever é objecto, no contrato que vincula reciprocamente as apelantes, de uma disposição contratual específica.
Neste caso, i.e., se o segurador não tiver procedido à desvalorização automática do valor seguro e receber os prémios por valor superior ao que resultaria dessa desvalorização, aquele fica incurso nesta consequência jurídica, de clara feição sancionatória: em caso de sinistro, responde com base no valor seguro apurado à data do vencimento do prémio imediatamente anterior à verificação desse mesmo sinistro, sem direito a qualquer acréscimo de prémio (art.° 3.° do Decreto-Lei n.° 214/97, de 16 de Agosto).
É nesta hipótese - e só nesta hipótese - que o artigo enuncia a seguinte solução relativa à determinação da indemnização: em caso de sinistro, a seguradora responde com base no valor seguro apurado à data do vencimento do prémio imediatamente anterior à ocorrência do sinistro. Fora da hipótese acima mencionada, a solução já não é aplicável, como o atesta a seguinte passagem do preâmbulo do diploma: as consequências previstas para o incumprimento deste regime legal não colidem com o princípio do indemnizatório, que mantém plena aplicabilidade nos casos de normalidade contratual”. Isto é, nos casos de normalidade contratual - que são aqueles em que seguradora cumpre o regime da desvalorização automática do valor seguro[13] - já não é aplicável, em caso de sinistro, a sanção apontada.
Isto mostra a correcção da conclusão acima tirada: a de que a violação do dever legal de proceder à desvalorização automática do valor seguro, traz consigo uma verdadeira excepção ao princípio indemnizatório[14] - dado que se admite como solução de base, a prestação do segurador superior ao valor do bem seguro - excepção que assenta numa ilicitude do segurador, já que neste caso o segurador responde, não pelo valor do dano decorrente do sinistro, até ao montante do capital seguro - antes responde de harmonia com este último valor. Dito doutro modo: apesar de neste caso ocorrer um caso evidente de sobresseguro, o segurador responde pelo valor excedente do dano, por força de uma conduta ilícita que lhe é imputável: a violação da norma injuntiva que a adstringe do dever de proceder à desvalorização automática do valor seguro. E tratando-se de norma injuntiva, ela determina, evidentemente, a invalidade de qualquer disposição contratual de sentido contrário (art.° 280.° do Código Civil, ex-vi art.° 11.° da LCS). No fundo, trata-se de evitar que a situação de sobresseguro redunde sempre - e duplamente - em desfavor do segurado, que paga os prémios com o base no valor sobressegurado, mas recebe a prestação indemnizatória com base no valor real - menor, por força da desvalorização do respectivo valor - do bem seguro.
3.5. Reparabilidade do dano da privação do uso do bem seguro.
No caso de simples seguro de coisa, o sinistro pode ser causa tanto de um dano emergente como de um lucro cessante. Todavia, o segurador só responde pelo lucro cessante, se assim for convencionado (art.° 130.°, n.° 2, da LCS). Esta regra é aplicável, qua tale, ao dano de privação do uso do bem objecto do seguro: apesar de se tratar de um dano emergente, e não de um lucro cessante, o segurador só está vinculado a indemnizá-lo se assim se tiver convencionado[15] (art.° 130.°, n.° 3, do LCS). No contrato de seguro de coisa, a regra é, portanto, a de que o segurador só está vinculado ao dever de indemnizar o segurado do dano da privação do uso do bem seguro se assim for convencionado.
Todavia, também neste domínio, uma coisa é o dano da privação do uso da coisa segura, enquanto objecto da cobertura do seguro, outra, deveras diferente, é da reparabilidade desse dano quando seja imputável à violação, pelo segurador, de uma qualquer obrigação a que se vinculou por força do contrato, como, por exemplo, a de pronta e diligentemente proceder à liquidação do sinistro, retardando, por uma qualquer razão que se não deva ter por procedente ou razoável, o cumprimento da sua fundamental obrigação de satisfazer a prestação a que, por força do contrato, se adstringiu.
Realmente, estando o segurador indubitavelmente vinculado ao deve de actuar de forma diligente, equitativa e transparente no seu relacionamento com os tomadores dos seguros, segurados, beneficiários e terceiros lesados, deste dever fundamental decorrem deveres - também legais - acessórios de conduta - v.g. de pagamento ou de realização da sua prestação contratual em prazo razoável - cuja violação o constitui no dever de reparar os danos causados, por exemplo, ao segurado (art.°s 153.°, n.° 1, da LCS, e 762.°. n.° 2 do Código Civil). Neste caso, a vinculação do segurador ao dever de reparar os danos decorrentes da privação do bem seguro não assenta na mora, mas na violação de deveres acessórios ou laterais de conduta, pelo que não se verifica uma sobreposição ou duplicação de indemnizações, rectius, de prestações contratuais[16].
Embora a problemática dos deveres acessórios seja particularmente complexa, não deve oferecer dúvida séria de que aqueles se distinguem, com clareza, em função do seu fundamento final designadamente, do dever de prestar principal: enquanto este dever - que se funda na autonomia privada - visa a satisfação do direito do credor na prestação - aqueles - que têm a sua raiz na boa fé - promovem o interesse do credor na integralidade da própria prestação e ainda na indemnidade dos seus interesses colaterais: património e integridade, física e psíquica, desse mesmo credor (art°s 398.°, n.° 1, e 762.°, n.° 2, do Código Civil)[17]. É comum o distinguo entre os deveres acessórios de informação, de segurança e de lealdade[18]: este último obrigaria as partes, designadamente, a uma actuação séria, evitando condutas que atinjam o dever de prestar ou a sua utilidade para o credor, e vincularia, tanto o devedor como o credor - através do princípio da tutela da confiança, derivado da boa fé - a adoptar todas as condutas necessárias para prevenir danos pessoais ou patrimoniais na esfera da contraparte.
É discutível se a violação de deveres acessórios é susceptível de justificar um dever de cumprimento; tem-se, porém, por certo que prevaricação de deveres dessa espécie - v.g., no caso do contrato de seguro do dever do segurador de, prontamente, proceder à liquidação do sinistro e satisfazer a prestação indemnizatória - é idónea a fundar uma pretensão indemnizatória, ordenada para a reparação, por exemplo, do dano decorrente da privação do bem seguro atingido pelo sinistro.
Decerto que o problema da ressarcibilidade do dano da privação do uso está longe de merecer uma resposta jurisprudencial acorde. Desde logo quanto à exacta natureza desse dano: enquanto algumas decisões sustentam que se trata de um dano não patrimonial[19], outras concluem pela sua patrimonialidade[20].
A privação de uso de um bem pode, portanto, dar origem tanto a um dano patrimonial como a um dano não patrimonial; quando ocorra esta última espécie de dano, ele será indemnizável de harmonia com os critérios específicos de valoração e mensurabilidade desse tipo de dano.
Contudo, a clivagem jurisprudencial, não se limita à qualificação da natureza do dano de privação do uso.
Mesmo quando se aceita a sua patrimonialidade, verifica-se uma nítida fractura entre as decisões para as quais basta, para que seja reparável, a demonstração do não uso do bem atingido[21] - e aquelas que julgam insuficiente essa demonstração, sendo ainda necessária a prova de um autónomo ou específico dano patrimonial[22].
A privação do uso de um bem constitui, por si, um dano patrimonial, visto que constitui lesão do direito real de propriedade ou de outro direito que autorize o uso do bem, traduzida na exclusão de uma das faculdades de que ao proprietário ou ao titular daquele outro direito, é lícito gozar: a de uso e fruição da coisa (art.° 1305.° do Código Civil). O uso de um bem constitui uma situação favorável que o direito amplamente tutela: a supressão dessa faculdade constitui, juridicamente, um dano.
Para satisfazer as necessidades de mobilidade, as pessoas, físicas ou meramente jurídicas, sujeitam-se ao sacrifício económico grave que a aquisição e a manutenção de um veículo automóvel sempre representam. O facto que torne materialmente indisponíveis todas ou algumas das utilidades que é possível extrair desse bem - que têm, naturalmente, uma expressão pecuniária - deve ser encarado como um dano que, como tal, deve ser objecto de reparação adequada (art.°s 562.°, 564.°, n.° 1, e 566.°, n.° 2 do Código Civil).
Entre uma e outra posição extrema - i.e., entre o entendimento de que a simples privação do uso de um veículo automóvel é de per se um dano reparável e a opinião de que é a necessária a prova da emergência de um prejuízo concreto dessa privação para o que o dano correspondente seja indemnizável - situa-se uma opinião intermédia que parte da exclusão da reparação desse dano em abstracto, mas que admite como suficiente a prova de danos concretos, com base numa presunção, pelo que o lesado apenas está adstrito à prova, por exemplo, de que utilizava o veículo na sua vida diária ou, no caso de uma sociedade comercial, o usava na prossecução da sua actividade social, presumindo-se que, da sua privação, emergem danos efectivos (art.°s 349.° e 351.° do Código Civil)[23]. É esta a orientação tendencialmente maioritária do Supremo[24].
Decerto, que muitas vezes será difícil, por recurso à teoria da diferença, mensurar esse e dano e a indemnização que lhe deve corresponder. Mas esta dificuldade não é intransponível: nesta conjuntura sempre restará a tribunal a ultima ratio de julgamento representada pela apreciação equitativa do valor do dano (art.° 566.°, n.° 3, do Código Civil)[25]. De resto, uma jurisprudência reiterada sustenta que, uma vez provado o dano da privação do uso, por exemplo, de um veículo automóvel, a medida da sua indemnização é dada, v.g., pelo custo de aluguer uma viatura de idênticas características, mesmo que o lesado não tenha efectivamente alugado um veículo de substituição[26].
Constitui ocorrência ordinária, o juiz chegar à sentença e verificar que, devendo condenar o demandado, o processo não lhe fornece, porém, os elementos necessários para determinar o objecto ou a quantidade da condenação. Em face desses factos, só lhe resta uma solução jurídica: proferir uma condenação genérica, quer dizer, condenar o réu no que se vier a liquidar (art.° 609.°, n.° 2, do CPC).
A condenação genérica no cumprimento de uma prestação pode, assim, dar lugar à incerteza ou à iliquidez da obrigação. A obrigação é incerta quando a respectiva prestação não se encontra determinada ou individualizada; é ilíquida quando a sua quantidade não se encontra determinada. A iliquidez pode referir-se quer a prestações pecuniárias quer a prestações de dare.
É axiomático que as obrigações ilíquidas não podem ser realizadas de forma coactiva, pela razão evidente de que não se pode executar o património do devedor antes de determinar a quantia devida ou pedir a entrega de uma coisa antes de saber a quantidade que deve ser prestada (art.° 704.°, n.° 6, do CPC). Assim, tem de ser liquidada a condenação em quantia ilíquida (art.° 609.°, n.° 2, do CPC).
A regra é esta: a liquidação há-de fazer-se no processo de declaração que tenha por objecto o direito à prestação e, portanto, só pode reservar-se para momento ulterior, em última extremidade, quando não seja possível fazê-lo naquele processo (art.° 358.°, n.° 1, do CPC). Neste caso, a liquidação tem lugar depois do proferimento da sentença, em incidente declarativo específico que, caso seja admitido, dá lugar à renovação da instância declarativa anterior extinta (art.° 358.°, n.° 2, do CPC).
Porém, quando a existência do dano não ofereça dúvida mas se desconhece o respectivo quantum, a única solução admissível é, tanto no tocante aos danos futuros como no tocante aos danos presentes ainda não determináveis, a condenação do responsável na obrigação de os indemnizar - e a remessa da fixação dessa indemnização para momento posterior (art.° 564.°, n.° 2, do Código Civil)[27].
Portanto, diversamente da solução normal para as situações de non liquet - que é o proferimento de uma decisão contra a parte onerada com a prova - a incerteza sobre a quantia devida justifica apenas que se relegue para momento ulterior a sua quantificação (art.° 414.° do CPC). Esta solução parece decorrer da circunstância de, na determinação do quantum da obrigação, não se poder ficcionar o facto contrário àquele que devia ser provado como fundamento da decisão do tribunal[28].
Este pensamento transparece nitidamente na solução disposta na lei para o caso de, mesmo no incidente ulterior específico da liquidação, a prova produzida pelas partes se mostrar insuficiente para fixar a quantia devida: quando isso sucede, incumbe-se o juiz de a completar, mediante indagação oficiosa e, nomeadamente, através da produção de prova pericial (art° 360.°, n.° 4, do CPC). Mesmo aqui, a persistência do non liquet sobre a quantidade da obrigação não dá lugar à intervenção da regra de julgamento representada pelo ónus da prova e ao consequente desfavorecimento da pretensão do lesado, antes se impõe ao tribunal o dever de ultrapassar a deficiência, mediante iniciativa própria.
Este ponto, justifica, porém - em face da atitude da sentença impugnada relativamente ao dano da privação do uso do automóvel seguro sinistrado - dois esclarecimentos complementares.
A inexistência de elementos para fixar o objecto ou a quantidade, como pressuposto da condenação genérica, tendo sido objecto de duas interpretações (art.° 609.°, n.° 2, do CPC). De harmonia com um entendimento, a falta de elementos para fixar o objecto ou quantidade da condenação é a mesma falta que justifica o pedido ilíquido, ou seja, é a falta de elementos que procede da circunstância de não serem conhecidos ou de estarem em desenvolvimento, á data da acção à data do julgamento da matéria de facto; a norma não compreenderia, assim, os casos em que a ausência daqueles elementos procede do insucesso da actividade probatória do interessado[29]. De harmonia com outra orientação - que é a prevalecente no Supremo - a falta de elementos, compreende tanto a ausência de elementos originada pela impossibilidade da sua determinação até ao encerramento da discussão em primeira instância - como a que procede do insucesso da atividade probatória do autor: em qualquer dos casos, não há elementos para fixar o objecto ou a quantidade da condenação, pelo que a solução, para ambos os casos, deve ser simétrica[30]. Observe-se, além disso, que a norma é aplicável ao caso de se ter inicialmente formulado um pedido genérico que não foi objecto de conversão em pedido específico - como ao caso de se ter formulado um pedido especifico, mas, feito o exercício da prova, não haver elementos para se fixar, com a necessária precisão, o quantitativo da condenação: essencial, em qualquer dos casos, é que, por exemplo, o lesado tenha feito prova da existência do dano, faltando apenas os elementos indispensáveis para o quantificar.
De harmonia com a lei substantiva, sempre que não pude ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art.° 566.°, n.° 3, do Código Civil). Considerada a possibilidade processual de uma condenação ilíquida, coloca-se o problema da articulação de uma e outra norma (art° 609.°, n.° 2, do CPC). A articulação deve ser feita do modo seguinte: se ainda for possível fixar no incidente de liquidação a quantidade da condenação, aplica-se a norma processual da condenação genérica; no caso inverso, o dano será logo equitativamente julgado[31].
Este pecúlio de considerações é suficiente para resolver as questões concretas controversas, objecto da impugnação.
3.6. Concretização.
No caso do recurso, é indubitável, de um aspecto, que entre a recorrente principal e apelante subordinada foi concluído um típico contrato de seguro de coisa - o veículo automóvel ..-QG-.. - e, no segmento que interessa, um contrato de seguro de coisa de índole facultativa, no qual a primeira figura na qualidade de tomador/segurado, e a segunda na de segurador, e de outro, que se verificou, no dia 11 de Agosto de 2020, o facto compreendido no risco assumido pelo segurador - o sinistro: a destruição, em consequência de despiste, daquele veículo automóvel.
O veículo - que ficou totalmente perdido - estava seguro pelo valor de € 55 000,00, embora o seu valor venal se compreendesse entre € 13 000,00 e € 18 200,00. Por aplicação do princípio indemnizatório, a prestação indemnizatória que a apelante subordinada teria que realizar, teria como limite superior aquele último valor. Simplesmente a recorrente subordinada violou - de modo que se lhe presume imputável - o dever de proceder à actualização do valor do veículo seguro, por aplicação de tabelas de desvalorização automática, aprovadas pelo regulador e, portanto, ficou irremissivelmente exposta, por força desse acto ilícito, a esta consequência jurídica, de índole marcadamente sancionatória: realizar o pagamento de um correspondente, não ao dano efectivamente sofrido pelo segurado, mas ao valor pelo que o bem se mostrava seguro: € 55 000,00.
A apelante subordinada é do parecer de que a violação do dever de proceder à desvalorização automática não colide com o princípio indemnizatório. Portanto, no seu ver, quer o segurador cumpra o dever de proceder à desvalorização automática do valor do bem seguro quer não, é sempre aplicável o princípio indemnizatório. Mas é claro que um tal entendimento está em aberta colisão, tanto com a letra da lei como o seu elemento teleológico. A letra de lei tem um valor próprio, que não pode ser ignorado pelo intérprete e que impõe, desde logo, dos limites: um é o que decorre das presunções de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e de que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.° 9.°, n.° 3, do Código Civil). O outro limite decorre da proibição de consideração pelo intérprete de um significado que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (art.° 9.°, n.° 2, do Código Civil). O elemento teleológico respeita à finalidade da lei, aos objectivos que a lei prossegue (art.° 9.°, n.° 1, do Código Civil).
Ora, o entendimento sustentado pela apelante não é só contrário à letra da lei - que é terminante em impor ao segurador o dever de proceder à desvalorização automática do valor do bem seguro e em sancionar a violação desse dever com um quantum respondeatur superior ao que resulta do princípio indemnizatório - como aos objectivos que visa: fazer correr pelo segurador o risco do sobresseguro: já que o segurador, em violação do dever de proceder à desvalorização automática recebeu, por força do sobresseguro, prémios superiores, então deve responder com base no valor com que o bem foi segurado e com base no qual foram pagos os prémios - e não com o valor que resulta da aplicação do princípio indemnizatório.
Quanto a este ponto, a razão está do lado da apelante principal e não da recorrente subordinada e da sentença impugnada, que, aliás, nem sequer ponderou a aplicação ao caso das normas das quais se extrai, com linearidade, a apontada consequência jurídica sancionatória (art.° 3.° do Decreto-Lei n.° 214/97, de 16 de Agosto).
Com a verificação do sinistro, a apelante subordinada ficou constituída no dever de, de modo diligente, proceder à sua liquidação, no caso, realizar a apelante principal, a prestação indemnizatória equivalente ao valor pelo qual o veículo de mostrava seguro. Mas não foi bem esta a atitude da apelante subordinada: esta propôs, em 23 de Setembro de 2020, para liquidar o sinistro, a prestação indemnizatória de € 10 852,00, correspondente ao valor de € 13 000,00 do veículo sinistrado, deduzido do valor do salvado e da franquia. Mas é claro que, com esta proposta, a apelante subordinada não deu devido cumprimento à sua obrigação de liquidar o sinistro, dado que o valor da prestação indemnizatória proposta não era, comprovadamente, o devido.
De resto, para efeitos de liquidação do sinistro, a apelante subordinada socorreu-se, em Setembro de 2020, do valor mais baixo do veículo automóvel: € 13 000,00 - mas em Março de 2021 inexplicavelmente - dado que o veículo foi destruído em Agosto de 2020, - atribuiu-lhe o valor mais elevado: € 18 200,00. Quer dizer: para efeitos de liquidação do sinistro, vale, para a apelante subordinada, o valor mais baixo; para a finalidade de calcular o prémio, vale o valor mais elevado. Que também esta conduta da apelante, sempre orientada para uma prossecução maximalista dos seus interesses em detrimento dos interesses legítimos da contraparte, não corresponde á de um segurador ordenado e eticamente aprumado e viola a boa fé, em sentido objectivo, i.e., enquanto norma de conduta, é coisa que se explica por si.
Como quer que seja, devemos dar por adquirido que a recorrente violou - de modo que se lhe presume imputável - o fundamental dever que para si emerge do contrato: o de liquidar o sinistro, propondo a realização de uma prestação indemnizatória patentemente inferior à devida, por força de uma omissão que também se lhe presume imputável (art.° 799.°, n.° 1, do Código Civil). Em face desta infracção pela apelante subordinada do dever de liquidar o sinistro através da realização da prestação indemnizatória efectivamente devida, à apelante principal era lícito recusar o recebimento da prestação, de valor inferior, que lhe foi oferecida pela apelante subordinada (art.° 762.°, n.° 1, e 763.°, n.° 1, do Código Civil).
E com tal conduta a apelante subordinada violou não apenas o dever fundamental de proceder à liquidação do sinistro - mas também do dever lateral de proceder a essa liquidação de modo tempestivamente adequado ou em prazo razoável: até hoje a apelante subordinada não realizou prestação indemnizatória a que, por força do contrato - e da violação do dever de proceder à desvalorização automática - está indubitavelmente adstrita. Essa violação torna-a responsável por todos os danos causados ao segurado, designadamente o dano de privação do uso daquele bem. E isto apesar de não se ter convencionado, no contrato de seguro, a reparação desse dano; como se já se notou, a fonte do dever de prestar arranca aqui, não da mora da realização da sua prestação fundamental - mas da violação de um dever acessório ou lateral de conduta: o de realização da prestação indemnizatória fundamental em prazo razoável, que se liga inextricavelmente ao dever do segurador de agir de modo diligente.
Diz, porém, a apelante, que nos presentes autos não foi provado qualquer dano efectivo pela A. apesar de a mesma o ter alegado - vide factos não provados 31, 34, 35 e 36 - pelo que, sendo a Autora uma sociedade comercial jamais poderá ser fixado qualquer dano pela paralisação do veículo, muito menos com recurso à equidade que não se encontra assente em qualquer dano efetivo dado como provado na matéria de facto. A verdade é que está, como expressamente decorre do ponto n.° 31 da confusa e desordenada exposição da matéria de facto da sentença apelada: A autora suporta um prejuízo que, em concreto, não foi possível fixar. Dado que decisão da matéria de facto não foi objecto de impugnação, tem-se por seguro que apelante principal, com a privação do uso veículo suportou, e suporta - um dano: o que não se julgou provado foi o valor desse dano. Dano que se perdurará até ao recebimento, pela apelante principal, da prestação indemnizatória que lhe é devida.
Há mora do devedor quando, por acto ilícito e culposo deste se verifique um cumprimento retardado (art.° 804.°, n.° 2, do Código Civil). A mora é, portanto, o atraso ilícito e culposo no cumprimento da obrigação: existe mora do devedor, quando, continuando a prestação a ser possível, este não a realiza no tempo devido. Para se concluir que há mora do devedor, não basta, portanto, dizer que, no momento do cumprimento, aquele não efectuou a prestação devida; é ainda necessário que sobre ele recaia um juízo de censura ou de reprovação. Exige-se, portanto, a ilicitude e a culpa do devedor, embora, tratando-se de responsabilidade obrigacional, qualquer retardamento na efectivação da prestação seja, por presunção, atribuído a ilícito cometido com culpa pelo devedor (art.° 799.°, n.° 1, do Código Civil). Da mora do devedor emerge, como primeira consequência, uma imputação dos danos, constituindo-se aquele no dever na obrigação de reparar todos os prejuízos que, com o atraso, tenha causado ao credor (art.° 804., n.° 1, do Código Civil). Simplesmente, dado que a mora se refere a uma obrigação pecuniária, de origem puramente contratual, a única indemnização devida ao recorrente é a correspondente aos juros legais contados desde o dia em que o devedor se constitui nessa mora, não sendo aquele admitido sequer a provar que a mora lhe causou dano superior aos juros referidos (art.° 806.°, n°s 1 e 2, do Código Civil). Solução que corresponde, de pleno, a uma opção deliberada do legislador, dado que no projecto da autoria do Prof. Menezes Cordeiro, se estabelecia, no art° 80 - avisadamente - que para além de a mora do segurador não depender de responde por juros moratórios à taxa legal acrescida de 3%, podendo o beneficiário provar que, por via dela, sofreu danos superiores (n° 2). Neste ponto, como aliás, em muitos outros, é clara a orientação - discutível - da LCS por uma tutela maximalista dos interesses do segurador em detrimento, designadamente, dos do segurado
A apelante principal é da opinião de que a apelante subordinada se constitui em mora no tocante a qualquer das prestações indemnizatória a cuja realização deve ser vinculada desde a data do sinistro. Razão: o acidente de viação é um acto ilícito e, um acto ilícito extracontratual ou delitual. Mas é evidente a falta de bom fundamento desta alegação. Por duas boas razões, de resto.
Em primeiro lugar - como se observou já - na indemnização ou pagamento devido pelo segurador não se está, rigorosamente perante uma responsabilidade civil, mas apenas perante uma prestação puramente contratual (art°s 102.°, n.° 1, e 128 da LCS). A prestação indemnizatória a que a apelante deve ser vinculada resulta da infracção de um dever fundamental - o de liquidação do sinistro - e de deveres ou laterais ou acessórios - o de pronta e diligentemente proceder àquela liquidação - que emergem ou radicam no contrato. A ilicitude da violação desses deveres não deriva, pois, de uma responsabilidade extracontratual
- mas de uma responsabilidade ex-contractu. Aliás, como o veículo, quando se despistou e ficou destruído, era conduzido por um empregado da apelante principal, a ter por exacto o seu argumento, teríamos que se prevaleceria, para obter uma indemnização moratória mais elevada. de um acto ilícito - que lhe é imputável (art.° 503.°, n.°s 1 e 3, do Código Civil).
Depois, a mora do segurador na realização da sua prestação indemnizatória está sujeita a um regime especial: ela só se vence decorridos 30 dias sobre a constatação do sinistro (art.°s 102.° n.° 1, e 104.° da LCS). No caso, é licito presumir que a apelante subordinada constatou o sinistro ao menos no dia 13 de Setembro de 2020, data em que formulou a proposta da sua liquidação; ela constituiu-se, por isso, em mora
- e no dever de reparar os respectivos danos - no trigésimo dia posterior (art.°s 349.° e 351.° do Código Civil). Mas só no tocante à prestação indemnizatória relativa à perda total do veículo; relativamente à prestação indemnizatória ordenada para a reparação da privação do seu uso, é claro que a apelante subordinada se não se deve por constituída em mora, dado o carácter ilíquido da obrigação correspondente (art.° 805.°. n.° 3, 1.9 parte, do Código Civil). Vale, portanto, aqui, em toda a sua extensão, a regra da in iiiquidis non fít mora, visto que não seria razoável exigir do devedor que ele cumpra enquanto não souber o montante exacto que deve prestar[32]. Não é outro o caso do recurso.
A sentença impugnada não procedeu ao desconto, na prestação indemnizatória devida pela ré do valor do salvado. Também quanto a este ponto, a decisão impugnada é também incorrecta. Aliás, ambas as recorrentes são acordes, no recurso, na necessária subtracção ao valor da prestação indemnizatória devida pela apelante subordinada do valor do salvado. Consenso que resulta do reconhecimento de que o salvado não foi abandonado a favor do segurador, permanecendo na titularidade do segurado, e tem valor económico, e que vale aqui a regra da compensatio lucri cum danno.
Como se sublinhou, feito o exercício da prova, se é claro que a apelante principal suportou um dano com a privação do uso veículo, também é evidente que se desconhece o valor desse dano.
A sentença impugnada decidiu-se por computar aquele dano segundo critérios não normativos da equidade e, depois, de declarar que o dano da privação do uso deve ser fixado equitativamente em € 120,00 diários, logo de seguida teve por equitativo atribuir a título de paralisação um valor muito semelhante ao correspondente à sua perda total, e que a seguradora está unicamente em mora desde a citação, condenou a apelante subordinada a pagar a quantia de € 17.099,99, a título de perda total do veículo e a de € 17 900,01 a título de paralisação do veículo e juros desde a citação.
Abstraindo da falta de indicação dos factos em que assenta a utilização dos critérios normativos da equidade - primeiro para fixar um valor diário e depois para arbitrar um valor global e, de seguida, para computar o valor desse dano quantitativamente semelhante ao do valor do veículo totalmente perdido - e da dificuldade em discernir uma qualquer racionalidade ou sequer uma razoabilidade na utilização daqueles critérios, a verdade é que também neste segmento, a sentença impugnada é igualmente, incorrecta. Estando provado unicamente que a apelada sofreu um prejuízo com a privação do uso do veículo seguro, porquê € 120,00 diários de reparação e, não, por exemplo, € 110,00, ou € 100,00 ou € 90,00?
Estando provado um dano, mas ignorando-se o seu valor, a atitude exacta é - pelas razões adiantadas - relegar para momento ulterior a sua liquidação, dado que ainda se mostra possível suprir no incidente correspondente a falta de elementos para fixar o quantum da prestação indemnizatória devida[33].
Importa, pois, revogar a sentença impugnada, condenar a apelante subordinada a pagar à apelante principal, pela perda do veículo seguro a quantia de € 52 011,99, resultante da subtracção ao valor pelo qual aquele bem foi seguro, da franquia - € 1 100,01 - e do valor do salvado - € 1 888,00, acrescida de juros contados desde 23 de Outubro de 2020, á taxa supletiva dos juros civis, e relegar para momento ulterior a liquidação do dano de privação do uso daquele mesmo bem.
Os argumentos expostos podem reduzir-se a estas proposições conclusivas:
- No seguro de danos, de harmonia com o princípio indemnizatório a prestação devida pelo segurador esta submetida a um duplo limite: ao valor do dano decorrente do sinistro, ao montante do capital seguro, valendo sempre o mais baixo;
- A violação, pelo segurador, do dever legal de proceder à desvalorização automática do valor seguro, traz consigo uma verdadeira excepção ao princípio indemnizatório, dado que se admite como solução de base, a prestação do segurador superior ao valor do bem seguro - excepção que assenta numa ilicitude do segurador, que, neste caso, responde, não pelo valor do dano decorrente do sinistro, até ao montante do capital seguro - mas de harmonia com este último valor;
- A violação pelo segurador do dever lateral de proceder à liquidação do sinistro de modo tempestivamente adequado ou em prazo razoável importa a sua constituição no deve de reparar todos os danos causados ao segurado, designadamente, o dano de privação do uso daquele bem, apesar de não se ter convencionado, no contrato de seguro, a reparação desse dano emergente;
- Este dever de prestar arranca, não da mora da realização da sua prestação fundamental - mas da violação de um dever acessório ou lateral de conduta: o de realização da prestação indemnizatória fundamental em prazo razoável, que se liga inextricavelmente ao dever do segurador de agir de modo diligente;
- - A prestação devida pelo segurador no caso de verificação do sinistro é uma prestação contratual e não um dever de indemnizar fundado numa responsabilidade extracontratual ou delitual;
- A prestação a que segurador está contratualmente vinculado, vence-se decorridos 30 dias sobre a constatação do sinistro e o conhecimento dos danos;
- Se o salvado não foi abandonado a favor do segurador e tiver valor económico, o respectivo valor deve ser subtraído ao da prestação devida pelo segurador, de harmonia com o princípio da compensatio lucri cum danno;
- Estando provado um dano, mas ignorando-se o seu valor e mostrando-se ainda possível, no incidente de liquidação, suprir a falta de elementos para fixar o quantum da prestação indemnizatória devida, deve relegar-se para momento ulterior a sua liquidação e não fixar logo, por recurso a critérios não normativos da equidade, aquela quantidade;
Ambos as recorrentes sucumbem nos respectivos recursos. Deverão, por esse motivo, suportar, na medida dessa sucumbência, as respectivas custas. No tocante à parte do pedido da apelante principal cuja liquidação é relegada para momento ulterior, as custas serão suportadas, provisoriamente, em partes iguais, por ambas as recorrentes (art.° 527.°, n.°s 1 e 2, do CPC).
4. Decisão.
Pelos fundamentos expostos, concede-se parcial provimento aos recursos, principal e subordinado, revoga-se, correspondentemente, a sentença impugnada, e condena-se a apelante subordinada, Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA, a pagar a apelante principal:
a) A quantia de € 52 011,99, acrescida de juros de mora, á taxa supletiva dos juros civis, contados desde 23 de Outubro de 2020, até pagamento;
b) A quantia que se liquidar ulteriormente, com observância dos limites do pedido, relativo ao dano suportado pela apelante principal com a privação do uso do veiculo automóvel ..-QG-...
Custas dos recursos pela apelante principal e pela apelante subordinada, na proporção da respectiva sucumbência, excepto no tocante à parte do pedido da primeira que é relegado para liquidação ulterior, em que as custas serão suportadas, provisoriamente, por ambas as recorrentes em partes iguais.
2023.01.13





[1] Os casos de exclusão da cobertura são factos impeditivos do direito do segurado à indemnização, competindo, por isso, ao segurador, o ónus da sua alegação e da sua prova (art° 342 n° 2 do Código Civil): Ac. do STJ de 13.10.2013, www.dgsi.pt.
Pedro Romano Martinez et ali, Lei do Contrato de Seguro Anotada, Almedina, Coimbra, 2009, págs. 170 e 171.
António Menezes Cordeiro, Direito dos Seguros, Almedina, Coimbra, 2013, pág. 700.
[4] Não é, realmente, conveniente designar a prestação do segurador por indemnização, quer para não a confundir com o instituto da responsabilidade civil, quer porque a palavra é despropositada nalguns seguros. Assim, Carlos Ferreira de Almeida, Contratos III, Almedina, Coimbra, 2012, pág. 227. A prestação do segurador é uma atribuição contratual patrimonial incerta, com limites pré-fixados, devida no caso de se verificar uma circunstância eventual: o sinistro compreendido no risco tipificado no contrato.
[5] José A. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 718.
[6]  V. Serra, RLJ, Ano 109, págs. 86 e ss., e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 4^ edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pág. 69.
[7] António Menezes Cordeiro, Direito dos Seguros, cit., págs. 699 e 701.
[8] O princípio indemnizatório é multiplamente justificado: no plano histórico, visa esconjurar o risco de usura; numa perspectiva significativa e ideológica, visa evitar a contracção de seguros com objectivos de lucro; no plano social tem por finalidade reduzir as fraudes e o enriquecimento ilegítimo. Cfr. António Menezes Cordeiro, Direito dos Seguros, cit., págs. 802 e 803 e, para outras justificações, Francisco Rodrigues da Rocha, Do Princípio Indemnizatório no Seguro de Danos, págs. 52 e 53.
[9]  Assim, v.g., o Ac. do STJ de 08.06.2017 (7087/15.0T8STB.E1.S1) e Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Estudo de Direito Civil, Coimbra Editora, pág. 270.
[10] Dá-se o nome de salvados aos bens seguros que sobreviveram ao sinistro: Cfr. Ac. do STJ de 20.05.04, CJ, STJ, XII, II, pág. 67.
[11] Acs. da RG de 09.02.2012 e da RC de 15.11.2011, www.dgsi.pt.
[12] Ac. do STJ de 09.03.2010, www.dgsi.pt.
[13] Acs. da RC. de 12.02.2019 (2923/14.0TBLRA.C1) e da RG de 26.09.2019 (314/18.8FAF.G1).
[14]  Pedro Romano Martinez et ali, Lei do Contrato de Seguro Anotada, cit., pág. 364; Acs. da RL de 19.06.2014 (791/13.9TVLSB-8) e da RG de 26.09.2019 (314/18.3T8FAF.G1),
[15] Acs. da RP de 15.05.2012 e de 28.10.2013, e da RL de 27.03.2012, e desta Relação de 12.03.2011 - em que o ora Relator interveio na mesma qualidade - www.dgsi.pt.
[16] Assim, v.g., os Acs. da RC de 28.05.2019 (1442/18.0T8CBR.C1) e de 25.03.2022 (168/18.0T8FVN.C2) e demais espécies jurisprudenciais, designadamente do Supremo, citado no último.
[17] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo I, 2009, Almedina, Coimbra, pág. 479, e “Violação positiva do contrato”, in Estudos de Direito Civil, Volume I, Almedina, Coimbra, 1987, págs. 124 a 126.
[18] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 2^ edição, Almedina, Coimbra, 2002, págs. 114 e 115.
[19] Ac. da RE de 23.06.1980, CJ, V, II, pág. 96.
[20]  Na doutrina, sustentam a reparabilidade do dano de privação do uso, António dos Santos Abrantes Geraldes, Indemnização do Dano de Privação do Uso, Almedina, Coimbra, 2001, págs. 30 e ss., págs. 316 e 317, Luís Manuel Teles Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 2^ edição, vol. I, Almedina, Coimbra, págs. 316 e 317 e nota (657) e Júlio Gomes, RDE, n.° 12, 1986, págs. 169 e ss.
[21] Acs. do STJ de 05.07.2007, 03.10.2013, 08.05.2013 e de 22.01.2013, da RL de 04.10.2007 e 18.09.2007 e da RC de 20.03.2007 e 12.02.2008 www.dgsi.pt.
[22]  Acs. do STJ de 22.06.2005, 12.01.2006 e 04.10.2007, da RL de 22.06.2006 e da RC de 13.03.2007, www.dgsi.pt.
[23]  Maria da Graça Trigo, in Responsabilidade Civil - Temas Especiais, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 60.
[24]  Assim, v.g., os Acs. de 23.01.2020 (297/17), 28.01.2021 (14232/17) e 17.06.2021 (879/17.7T8EVR.E1.S1); em sentido idêntico, Paulo Mota Pinto, Dano da Privação do Uso, Estudos de Direito do Consumidor, n.° 8 (2006-2007), págs. 229 a 273.
[25]  Ac. do STJ de 29.11.1995, CJ, STJ, XIII, III, pág. 151.
[26]  Acs. do STJ de 09.12.2008 e de 16.03.2011, e da RL de 14.01.2010 e 06.12.2011, www.dgsi.pt.
[27] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 5^ edição, Almedina Coimbra, 1986, págs. 869 e 870 e nota (1) e Vaz Serra, RLJ, Ano 113, pág. 322.
[28]  Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa 1998, pág. 110.ou
[29]  Assim, v.g., os Ac. do STJ de 17.01.1995, BMJ n.° 443.°, pág. 405, e de 28.042099 (08B0732).
[30]  Acs. STJ de 06.12.2006, CJ, AcSTJ, Ano XIV, Tomo III, 2006, pág. 254, 11.07.2013 (5523/05.2TVLSB), 05.02.2015 (4747/07.2TVLSB) e de 22.09.2016 (681/14.8TVLSB).
[31]  Acs. do STJ de 27.06.2000, BMJ n.° 498, pág. 222 e de 17.06.2008 (08A1700).
[32] Maria da Graça Trigo/Mariana Nunes Martins, in Comentário ao Código Civil Direito das Obrigações UCP, Porto, 2017, págs. 1129 a 1133; Acs. do STJ de 01.06.04 (04A1526) e da RL de 17.06.2021 (269/04-1TVLSB-C.L1.-2). Neste caso, a indemnização moratória apenas é devida desde a data da sentença que liquidar a obrigação: Acs. da RG de 29.10.2020 (951/19.9YPRT.G1).
[33] Assim, v.g. precisamente no tocante ao dano da privação do uso de um veículo automóvel, o Ac. do STJ de
17.06.2021 (879/17.7T8EVR.E1.S1).