Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1833/17.4T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: PROCESSO DE IMPUGNAÇÃO DE DESPEDIMENTO COLETIVO
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 06/26/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº S 51º E 63º DA CRP; ARTS. 100º/1 E 359º/1 DO CT/2009.
Sumário: I – No processo de impugnação do despedimento coletivo o tribunal deve verificar a existência de um nexo de causalidade entre os motivos invocados pelo empregador e o despedimento, exigindo-se a idoneidade da motivação invocada para justificar o despedimento coletivo e individual de todos e cada um dos trabalhadores, bem assim como a aptidão do despedimento de cada trabalhador para satisfazer ou contribuir para a satisfação da necessidade subjacente ao despedimento.

II - O controlo judicial da decisão de despedimento coletivo deve incidir, também, sobre a razoabilidade da decisão de despedir face à prognose do empregador quanto aos seus próprios projetos e quanto ao comportamento futuro dos parâmetros invocados para motivar o despedimento.

III - Além disso, tal controlo deve incidir sobre a proporcionalidade entre a motivação apresentada e a decisão de proceder ao despedimento coletivo e sobre a racionalidade dessa decisão, dada a exigência constitucional de justa causa (comprovada) para que haja despedimento e dado o necessário equilíbrio e compatibilização entre todos os interesses e valores constitucionais em jogo, designadamente a liberdade de iniciativa económica privada (art. 61º CRP) e segurança no emprego (art. 53º CRP).

Decisão Texto Integral:

Apelação 1833/17.4T8LRA.C1

Autores: ...

: N..., Empresa Municipal - Unipessoal, Lda

Relator: Jorge Manuel Loureiro

1ª adjunta: Paula Maria Roberto

2º adjunto: Ramalho Pinto


Acordam na 6ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

Os autores propuseram contra a ré a presente acção de impugnação de despedimento colectivo pedindo que: i) se declare o despedimento dos autores nulo e improcedentes os fundamentos invocados para o mesmo e, em consequência, seja declarado ilícito o despedimento colectivo dos autores operado pela ré; ii) a ré seja condenada a reintegrar os autores sem prejuízo da categoria e antiguidade, a pagar as remunerações e subsídios que os autores deixaram de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão a proferir, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a data do seu vencimento até efectivo e integral pagamento, a pagar o montante de €5.000 a cada um dos autores por danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, a pagar as retribuições e subsídios vencidos e vincendos, bem como a suportar as custas e procuradoria condigna.

Subsidiariamente e para a eventualidade de a acção improceder e de o despedimento ser considerado lícito, pedem a condenação da ré a pagar a cada um dos autores a indemnização que cada um se recusou a receber, a saber:

- à autora A..., a quantia de €3.819,61.

- ao autor J..., a quantia de €4.943,07.

- à autora I..., a quantia de €2.459,15.

- ao autor J..., a quantia de €2.156,67.

- à autora M..., a quantia de €3.819,61.

- à autora T..., a quantia de €3.304,85.

Alegam, como fundamento das suas pretensões, que foram despedidos colectivamente pela ré, de modo ilícito, dada a improcedência dos motivos para tanto aduzidos e insubsistência dos critérios pelos quais foram seleccionados, sendo que por consequência desse despedimento sofreram os danos morais que melhor descrevem na petição inicial.

Citada, a ré contestou, pugnando pela improcedência das pretensões formuladas pelos autores.

Alega, em resumo, que não se verificam as causas de ilicitude do despedimento dos autores e que por estes são arguidas.

O processo prosseguiu os seus regulares termos, acabando por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta, designadamente, o seguinte:

Pelos fundamentos expostos e de acordo com as normas legais citadas decide-se:

I. Declarar verificada a excepção dilatória da cumulação ilegal dos pedidos formulados pelos Autores consistentes:

a) na pretensão da Autora A... de condenação da Ré N..., Empresa Municipal – Unipessoal, Lda. «no pagamento à Autora da quantia de € 2.997,52 correspondente a subsídios de almoço devidos desde 30.06.2014 a 20.10.2016 e a quantia de € 431,25 correspondente a 6/10 de subsídio de férias de 2016, a tudo devendo acrescer juros de mora desde os respectivos vencimentos até integral pagamento»;

b) na pretensão da Autora I... de condenação da Ré N..., Empresa Municipal – Unipessoal, Lda. «no pagamento à Autora da quantia de € 5.804,30 correspondente a subsídios de almoço devidos desde 24.02.2014 a 20.10.2016, as quantias de € 582,54, € 674,52 e € 582,54 devidas por férias não gozadas nos anos de 2014, 2015 e 2016 e ainda os proporcionais do subsídio de férias referente ao ano de 2016, no valor de 512,35 e de férias não gozadas em 2014 no valor de € 91,98, a tudo acrescendo juros de mora desde os respectivos vencimentos até integral pagamento»;

c) na pretensão do Autor J... de condenação da Ré N..., Empresa Municipal – Unipessoal, Lda. «no pagamento da quantia de € 13.324,67 correspondente aos subsídios de almoço devidos desde 01.03.2014 a 20.10.2016 no valor de € 909,51 (ano de 2014), € 1071,77 (ano de 2015) e € 849,73 (ano de 2016) e as quantias de € 491,52, € 600,75 e € 600,75 devidas por férias não gozadas nos anos de 2014, 2015 e 2016 e ainda as quantias de 6.150,40 referente ao prémio de produtividade e a quantia de € 2.650,24 a título de abo para falhas, a tudo acrescendo juros de mora desde os respectivos vencimentos até integral pagamento»;

d) na pretensão do Autor J... de condenação da Ré N..., Empresa Municipal – Unipessoal, Lda. «no pagamento da quantia de € 6.734,38 correspondente a subsídios de almoço devidos desde 25.02.2014 a 20.10.2016 e a quantia de € 1373,14, € 1373,14 e € 1144,28 por férias não gozadas nos anos 2014, 2015 e 2016, respectivamente, a tudo devendo acrescer juros de mora desde os respectivos vencimentos até integral pagamento»;

e) na pretensão da Autora M... de condenação da Ré N..., Empresa Municipal – Unipessoal, Lda. «no pagamento à Autora dos subsídios de almoço devidos desde 07.07.2014 a 20.10.2016 no valor de € 533,75 (ano de 2014), € 1071,77 (ano de 2015) e € 849,73 (ano de 2016), a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde os respectivos vencimentos até integral pagamento, bem como dos créditos pela cessação ilícita do contrato em 2014, sendo credora da diferença entre as quantias auferidas a título de subsídio de desemprego e as da sua retribuição mensal, totalizando o montante de € 3.957,94, a que acrescem juros de mora desde os respectivos vencimentos até integral pagamento»;

f) na pretensão da Autora T... de condenação da Ré N..., Empresa Municipal – Unipessoal, Lda. «no pagamento à Autora dos subsídios de almoço devidos desde 01.07.2014 a 20.10.2016 no valor de € 550,83 (ano de 2014), € 1071,77 (ano de 2015) e € 849,73 (ano de 2016) e as quantias de € 710,71, € 995,00 e € 995,00 devidas por férias não gozadas nos anos de 2014, 2015 e 2016 e ainda metade do subsídio de férias de 2013no valor de € 497,50 e o subsídio de férias de 2014 no valor de € 995,00, a tudo acrescendo juros de mora desde os respectivos vencimentos até integral pagamento».

II. Julgar parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:

a) Declarar ilícito o despedimento dos Autores ..., efectuado pela Ré N..., Empresa Municipal – Unipessoal, Lda..

b) Condenar a Ré a reintegrar, no seu posto de trabalho, os Autores, sem prejuízo da respectiva categoria e antiguidade;

c) Condenar a Ré a pagar à Autora A..., a título de retribuições intercalares, a quantia mensal de € 1.150,00 (mil cento e cinquenta euros), desde 14-03-2017 (30.º dia antes da propositura da acção), até ao trânsito em julgado desta sentença, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, a contar do respectivo vencimento, deduzida dos montantes eventualmente auferidos pela Autora e que não receberia se não fosse o despedimento e do montante de subsídio de desemprego atribuído à Autora, devendo a Ré entregar essa quantia à Segurança Social;

d) Condenar a Ré a pagar à Autora I..., a título de retribuições intercalares, a quantia mensal de € 683,13 (seiscentos e oitenta e três euros e treze cêntimos), desde 14-03-2017 (30.º dia antes da propositura da acção), até ao trânsito em julgado desta sentença, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, a contar do respectivo vencimento, deduzida dos montantes eventualmente auferidos pela Autora e que não receberia se não fosse o despedimento e do montante de subsídio de desemprego eventualmente atribuído à Autora, devendo a Ré entregar essa quantia à Segurança Social;

e) Condenar a Ré a pagar ao Autor J..., a título de retribuições intercalares, a quantia mensal de € 600,75 (seiscentos euros e setenta e cinco cêntimos), desde 14-03-2017 (30.º dia antes da propositura da acção), até ao trânsito em julgado desta sentença, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, a contar do respectivo vencimento desta sentença, deduzida dos montantes eventualmente auferidos pelo Autor e que não receberia se não fosse o despedimento e do montante de subsídio de desemprego atribuído ao Autor, devendo a Ré entregar essa quantia à Segurança Social;

f) Condenar a Ré a pagar ao Autor J..., a título de retribuições intercalares, a quantia mensal de € 1373,14 (mil trezentos e setenta e três euros e catorze cêntimos), desde 14-03-2017 (30.º dia antes da propositura da acção), até ao trânsito em julgado desta sentença, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, a contar do respectivo vencimento, deduzida dos montantes eventualmente auferidos pelo Autor e que não receberia se não fosse o despedimento e do montante de subsídio de desemprego atribuído ao Autor, devendo a Ré entregar essa quantia à Segurança Social;

g) Condenar a Ré a pagar à Autora M..., a título de retribuições intercalares, a quantia mensal de € 1150,00 (mil cento e cinquenta euros), desde 14-03-2017 (30.º dia antes da propositura da acção), até ao trânsito em julgado desta sentença, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, a contar do respectivo vencimento, deduzida dos montantes eventualmente auferidos pela Autora e que não receberia se não fosse o despedimento e do montante de subsídio de desemprego eventualmente atribuído à Autora, devendo a Ré entregar essa quantia à Segurança Social;

h) Condenar a Ré a pagar à Autora T..., a título de retribuições intercalares, a quantia mensal de € 995,00 (novecentos e noventa e cinco euros), desde 14-03-2017 (30.º dia antes da propositura da acção), até ao trânsito em julgado desta sentença, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, a contar do respectivo vencimento, deduzida dos montantes eventualmente auferidos pela Autora e que não receberia se não fosse o despedimento e do montante de subsídio de desemprego eventualmente atribuído à Autora, devendo a Ré entregar essa quantia à Segurança Social;

i) Absolver a Ré do demais peticionado pelos Autores.

Custas a cargo dos Autores e da Ré, na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).

Não se conformando com o assim decidido, apelou a ré, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:

...

68. A sentença recorrida violou, entre outros, artigos 359º nº2 a) a e b) , 360º, 381º do CT, art. 154º, 414º, art. 607º nº4 e 5, 619º e 621º do Código de Processo Civil;”.

Contra-alegaram os autores, pugnando pela improcedência da apelação.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

Colhidos os vistos legais, importa decidir

II - Principais questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex-vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:

1ª) se a decisão sobre a matéria de facto padece de um vício de insuficiência de fundamentação que justifique a aplicação por esta Relação do estatuído no art. 662º/2/d do NCPC;

2ª) se deve conhecer-se do recurso incidindo sobre a matéria de facto em toda a sua extensão;

3ª) se a matéria de facto foi incorrectamente julgada, devendo ser alterada;

4ª) se o despedimento dos autores foi ilícito.

III – Fundamentação

A) De facto

Factos provados
...

B) De direito

Primeira questão: se a decisão sobre a matéria de facto padece de um vício de insuficiência de fundamentação que justifique a aplicação por esta Relação do estatuído no art. 662º/2/d do NCPC.

Nos termos do art. 607º/4 do NCPC, “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”.

Concretiza-se através deste dispositivo o dever de fundamentação das decisões judiciais consagrado no art. 208º/1 da Constituição da República, tendo em vista possibilitar-se as partes litigantes e aos tribunais ad quem o controlo tanto do julgamento da matéria de facto, como da decisão de direito.

A fundamentação da convicção do julgador subjacente à decisão fáctica positiva e negativa exige, como suporte mínimo, a concretização do meio probatório gerador da convicção do julgador (o depoimento do autor ou do réu, o laudo de um dos peritos, o depoimento de certa testemunha, o trecho de determinada carta, etc.), bem assim como, na medida do possível, a indicação das razões da credibilidade ou da força reconhecida aos meios de prova assim convocados.

Como quer que seja, o dever de fundamentação a que se vem aludindo não obriga “…. o tribunal a descrever de modo exaustivo o iter lógico-racional da apreciação da prova submetida ao respectivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e a razão da sua eficácia em termos de resultado probatório. Trata-se de externar, de modo compreensível, o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo tribunal na apreciação da realidade ou irrealidade dos factos submetidos ao seu escrutínio.” – Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, vol. II, 2015, pp. 350/351; neste sentido, também, acórdão do STJ de 16/12/2004, proferido no processo 04B3896.

Ou seja, o tribunal não tem que ser exaustivo na indicação dos fundamentos que o levaram a decidir a matéria de facto em certo sentido, pois “… não se trata de catalogar as razões que se foram revelando no decurso da Audiência e que determinaram, uma a uma, que se formasse a convicção do Tribunal, mas apontar selectivamente, entre as razões que “decidiram”, aquela ou aquelas que tiveram a maior força persuasiva…” – Azevedo Brito citado por A. Geraldes, in Temas da reforma do processo civil, vol. II, p. 242.

Acresce dizer que contrariamente ao que parece ser propugnado pela apelante, com arrimo nalguma doutrina e jurisprudência (Antunes Varela, Miguel Beleza e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, p. 653, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., p. 348, acórdão do STJ de 15/7/2007, proferido no processo 07ª924, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8/3/2018, proferido no processo 4678/09.1TBALM.L1-8, acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 25/5/2016, proferido no processo 00724/04.3BEVIS, e de 30/11/2017, proferido no processo 00742/13.0BEBRG), não resulta do texto legal do art. 607º/4 do NCPC que a fundamentação da decisão de facto deva ser realizada separadamente para cada facto[1], nem sequer por grupos de facto, embora nada obste a que assim se proceda.

Decorre de quanto vem de explicitar-se que a fundamentação não tem de ser exaustiva, bastando que “… nela se externem, de forma clara e suficiente, os motivos que levaram o julgador a decidir em determinado sentido e não noutro.” – Henrique Araújo, A matéria de facto no processo civil (da petição ao julgamento), p. 22[2].

O que se pretende é, apenas, que a fundamentação fáctica permita compreender, sem margem para dúvidas, quais as provas que estiveram na origem da decisão.

Por outras palavras, o que se exige do julgador “… é a explicação das razões que objectivamente o determinaram a ter ou não por averiguado determinado facto. Quando o juiz decide que certo facto está provado é porque foi levado a esta conclusão por um raciocínio lógico, que tem de ter, na sua base, elementos probatórios produzidos. O que se determina nesta disposição é que o juiz revele essa motivação, de modo a esclarecer o processo racional que o levou à convicção expressa na resposta… - Rodrigues Bastos, Notas ao CPC. Vol. III, ed. De 2001, em anotação ao artigo 653º.

Isto dito, importa recordar o que a este respeito foi enunciado pelo tribunal recorrido em sede de fundamentação da decisão fáctica, ali se escrevendo que: “Para a fixação dos factos dados como provados (e que constam supra) o Tribunal teve em consideração os factos alegados pelas partes e que foram expressamente aceites pela contraparte.

Atribuiu ainda relevância ao conjunto da prova produzida, analisada criticamente de acordo com as regras da experiência comum e as regras inerentes ao ónus da prova.

Assim, foram tidos em conta todos os documentos juntos pelos Autores, com as respectivas petições iniciais, para cujo teor integral se remete, bem como a documentação junta pela Ré, com as contestações que apresentou e para cujo teor integral também se remete, destacando-se ainda a importância do procedimento de despedimento colectivo levado a efeito pela Ré e que consta de fls. 136 a 849 do processo em papel – 1.º a 3.º volumes, contendo 1327 folhas.

O Tribunal atribuiu relevância ao parecer emitido pela Senhora Assessora qualificada que consta de fls. 1126 a 1134 bem como aos esclarecimentos que a mesma veio prestar, a solicitação do Tribunal e da Ré e que constam de fls. 1484 a 1494 e a fls. 1553 a 1555. Apesar de não ser exímio, tendo suscitado questões e dúvidas, acabou por revelar-se importante na busca da verdade material, coadjuvando o Tribunal na análise dos fundamentos que estiveram subjacentes à decisão de despedir. Consideraram-se ainda os relatórios emitidos pelos Técnicos de Parte designados pelos Autores de fls. 1146 a 1150, complementado a fls. 1165 a 1167, e pela Ré, de fls. 1159 a 1162.

Salienta-se ainda a importância de toda a documentação carreada para os autos já após a apresentação dos articulados e designadamente a documentação junta pela Senhora Assessora, a fls. 1193 a 1197, a documentação apresentada a fls. 1219 a 1385 (destacando-se os contratos de trabalho celebrados entre a Ré e diversos trabalhadores nos anos de 2014, 2015 e 2016), a documentação de fls. 1386 a 1481, de fls. 1500 a 1502, de fls. 1507 a 1545, e de fls. 1590 a 1628.

Tomaram-se em consideração as informações prestadas pelo Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de ....de fls. 1630 a 1696 e conferiu-se relevância à documentação junta pelo Município da ... – Câmara Municipal, de fls. 1711 a 1806.

Foi também considerado o teor (actualizado) da certidão permanente da matrícula da Ré que consta a fls. 1852 a 1858.

Atendeu-se, por outro lado, aos esclarecimentos da Senhora Assessora qualificada e dos Senhores Técnicos de Parte designados pelas partes, prestados em audiência de discussão e julgamento, mantendo aqueles, na essência, as posições já vertidas, respectivamente, no Parecer e nos relatórios que haviam apresentado. De salientar, no entanto, que dada a qualidade em que intervieram nos autos, o Tribunal acabou por conferir credibilidade ao Parecer emitido pela Senhora Assessora atenta a isenção e o distanciamento que manifestou em relação às partes e à matéria que especificamente está a ser tratada neste processo. Reiterou que da análise que fez não identificou acontecimentos económicos que tenham afectado as áreas de negócio e de mercado da Ré, a qual registou um aumento de actividade no triénio (2014-2016), não dispondo, no entanto, de informação que lhe permita concluir quanto à manutenção (ou não) dos postos de trabalho para os trabalhadores abrangidos pelo despedimento colectivo. Salientou também que pela análise que fez não encontrou evidências de dificuldades de tesouraria imediata por parte da Ré na medida em que a variação de caixa e seus equivalentes foi positiva nos anos analisados (2014 a 2016). Relativamente aos motivos de mercado indicados pela Ré e concretamente a conjuntura económica nacional e europeia e as dificuldades económicas da Câmara Municipal da ... e dos Serviços Municipalizados, não conseguiu identificar acontecimentos económicos que tenham afectado as áreas de mercado e de negócio. Mais referiu não ter encontrado desequilíbrio nas contas nem obteve evidência das dificuldades na tesouraria imediata, denotando a libertação dos meios monetários suficientes para os pagamentos das actividades de investimento e de financiamento por forma a garantir, no final de cada período, um encaixe positivo. Referiu também que não conseguiu apurar se as tarefas que eram desenvolvidas pelos Autores passaram (ou não) a ser desempenhadas pelos trabalhadores contratados pela Ré e cujos contratos constam dos autos pois a informação disponibilizada pela Ré não menciona a actividade/Departamento do cliente em que os trabalhadores contratados no período de 2014 a 2016 exerciam funções. A Senhora Assessora manifestou no processo que não lhe foram disponibilizados, pela Ré, todos os elementos que pretendia, designadamente documentos contabilísticos, no entanto, quanto mais não fosse pela via do tribunal, acabou por obter documentação fornecida pela Ré e teve acesso a toda a documentação financeira através do site da Ré, das publicações oficiais, da informação interna e oficial a que foi fazendo referência. Embora tenha referido em audiência que houve informação que não lhe foi fornecida, também referiu que não voltou a solicitá-la, do que se depreende que, apesar disso, a informação que recolheu foi a suficiente para poder chegar às conclusões que verteu no seu Parecer e, depois, nos esclarecimentos que veio prestar por escrito e também em audiência. Entende-se também que se acaso a Ré dispusesse de outra informação que pudesse contrariar as conclusões vertidas nesse Parecer nada a impedia de as apresentar à Senhora Assessora.

No que concerne aos esclarecimentos prestados pelos técnicos de parte em audiência, mantiveram as posições que verteram nos respectivos relatórios, mencionando o técnico ... que inexistiam motivos de mercado e estruturais que pudessem conduzir ao despedimento, afirmando desconhecer que os clientes da Ré tivessem reduzido as solicitações que vinham fazendo a esta até porque se trata de serviços que globalmente não podem deixar de ser prestados à população, considerando ainda que a Ré efectuou admissões de pessoal para postos de trabalho onde poderiam ser colocados os trabalhadores abrangidos pelo despedimento colectivo. Quanto ao técnico ... salientou que houve uma alteração nos serviços prestados pela Ré aos seus clientes, o que determinou a necessidade de proceder aos despedimentos, todavia, não concretizou quais foram esses serviços. Referiu ainda que os trabalhadores contratados foram desempenhar outras funções que não aquelas que os Autores desenvolviam, pese embora não tenha feito uma análise detalhada, departamento a departamento, para confirmar essa situação.

O Tribunal conferiu ainda credibilidade aos depoimentos da generalidade das testemunhas inquiridas, não deixando de notar (como também seria expectável) que algumas delas, quer por força das funções que exercem na Ré e no Município da ... – Câmara Municipal, quer por força da relação de parentesco ou de amizade que as liga às partes, concretamente a alguns Autores, ou ainda dos cargos que desempenham ou desempenharam, de natureza político-partidária ou de direcção sindical, acabaram por expressar, em alguns casos, as suas opiniões, levando a que o Tribunal usasse do necessário rigor na apreciação dos mesmos.

...

Do ora transcrito resulta que o tribunal recorrido explicitou: i) os documentos que considerou para efeitos de formação da sua convicção – v.g., os que foram juntos pelas partes com os correspondentes articulados, o procedimento de despedimento colectivo levado a efeito pela ré, a documentação constante fls. 1193 a 1197, 1219 a 1385, 1386 a 1481, 1500 a 1502, 1507 a 1545, 1590 a 1628; ii) o parecer emitido pela senhora Assessora Qualificada (fls. 1126 a 1134,) os esclarecimentos escritos que a mesma prestou (fls. 1484 a 1494, 1553 a 1555)  e aqueles que prestou oralmente em audiência, tendo explicitado as razões pelas quais deu maior relevância probatória a tais elementos de prova no confronto dos relatórios e esclarecimentos emitidos pelos Técnicos de Parte designados pelos autores e pela ré – a isenção e o distanciamento que aquela manifestou em relação às partes; iii) indicou cada uma das testemunhas que considerou para a formação da convicção explicitada na decisão fáctica e que aqui nos escusamos de identificar individualizadamente, indicando a razão de ciência de cada uma delas e, também, a parte de cada um desses depoimentos que relevou para aquela formação.

Explicitou-se, ainda, que tais meios de prova foram analisados “…. criticamente de acordo com as regras da experiência comum e as regras inerentes ao ónus da prova….”, sendo que foi “… da conjugação global de todos estes meios de prova que o Tribunal firmou o seu juízo positivo e negativo sobre os factos carreados para este processo, sendo que relativamente aos factos dados como não provados, e para além daquilo que já se referiu, tal sucedeu devido à total ausência de prova ou à inexistência de prova suficiente e credível em relação a estes (considerando também a regra constante do art.º 414.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no art.º 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho), não tendo sido abordados pelas testemunhas inquiridas ou não tendo sido referidos de forma crível e convincente ou comprovados suficientemente pelos documentos juntos a este processo.”.   

Neste enquadramento resulta para nós evidente que a decisão recorrida cumpriu de forma satisfatória o dever de fundamentação enunciado no art. 607º/4 do NCPC, devendo responder-se negativamente a esta questão.


+

Segunda questão: se deve conhecer-se do recurso incidindo sobre a matéria de facto em toda a sua extensão

...

Terceira questão: se a matéria de facto foi incorrectamente julgada, devendo ser alterada.

...

Quarta questão: se o despedimento dos autores foi ilícito.

Convém começar por referir que a ré e o Município da .../Serviços Municipais da ... são pessoas jurídicas distintas, pois, como bem sublinha Pedro Gonçalves, “Apesar de participadas e sob a influência dominante de municípios, as empresas municipais não se confundem com eles: mesmo quando assumam carácter unipessoal, são entidades juridicamente distintas, (…).” - Regime Jurídico das Empresas Municipais, Almedina, 2007, p. 173.

Serve quanto vem de referir-se para perceber que as decisões do Município da ... contratar ou não pessoal, especialmente no ano do despedimento colectivo e naqueles que imediatamente o antecederam e sucederam, assim como de obstar a que os aqui autores continuassem a prestar-lhe as respectivas prestações funcionais, ainda que na qualidade de trabalhadores subordinados da ré, não podem relevar para efeitos de se aferir da (i)licitude do despedimento dos autores, tanto mais quanto é certo que os factos provados não evidenciam qualquer actuação concertada da ré e daquele Município no sentido de provocarem o despedimento colectivo dos autores com consciente e mancomunada frustração das garantias legais dos autores em matéria de segurança no emprego e proibição de despedimentos sem justa causa (objectiva ou subjectiva).

A qualificação de um despedimento como colectivo depende da verificação conjunta de três requisitos, a saber: um quantitativo, outro temporal e um terceiro qualitativo

Do ponto de vista quantitativo, para que um despedimento possa qualificar-se como colectivo é necessário que a cessação dos contratos de trabalho abranja um número mínimo de trabalhadores: dois ou cinco trabalhadores, conforme se trate, respectivamente, de microempresa (menos de 10 trabalhadores) ou de pequena empresa (10 a 49 trabalhadores), por um lado, ou de média (50 a 249 trabalhadores) ou grande empresa (250 ou mais trabalhadores), por outro – arts. 100º/1 e 359º/1 do CT/2009.

No caso em apreço, nenhuma dúvida vem suscitada relativamente ao preenchimento deste requisito quantitativo.

Do ponto de vista temporal, para que um despedimento possa qualificar-se como colectivo é necessário que a cessação dos contratos de trabalho seja operada de forma simultânea ou sucessivamente no período de três meses – art. 359º/1do CT/2009.

No caso dos autos também este requisito deve ter-se por preenchido.

Qualitativamente, para poder qualificar-se como colectivo, o despedimento deve fundar-se, necessariamente, num de entre dois motivos (art. 359º/1 do CT/2009):

a) encerramento de uma ou várias secções da empresa ou estrutura equivalente;

b) necessidade de redução de trabalhadores por motivos económicos de mercado, estruturais ou tecnológicos.

Verificados aqueles requisitos quantitativo e temporal, o controle jurisdicional da decisão de despedimento colectivo da ré há-de incidir, obviamente, sobre a motivação legalmente exigida como pressuposto da licitude do despedimento colectivo.

Dito isto, importa ter presente que no despedimento colectivo existe uma cadeia de decisões causalmente interligadas:

                        a) - uma decisão gestionária inicial;

                        b) - uma decisão organizativa intermédia de extinção dos postos de trabalho e de selecção dos trabalhadores a abranger pelo despedimento;

                        c) - uma decisão terminal de despedimento.

Atente-se, com relevo para a situação em apreço em função da multiplicidade de trabalhadores e respectivos conteúdos funcionais abrangidos pelo despedimento colectivo, que  devendo ser unitária e comum a motivação no que à queda de postos de trabalho respeita, não é necessário que num mesmo procedimento de despedimento colectivo apenas se promova a cessação de contratos de trabalho relativos a postos de trabalho cuja queda seja retornável ao mesmo e único factor.

A motivação tem de ser comum; os factores em que assenta podem ser plurais e heterogéneos.

Ora, no caso em apreço e como da simples leitura da decisão de despedimento colectivo em análise resulta, a ré invocou uma motivação comum a todos os trabalhadores abrangidos pela decisão de despedimento, a saber: a da necessidade de redução dos seus custos de exploração, a conseguir, também, por via da redução do seu quadro de trabalhadores subordinados e correspondentes custos fixos.

É o que se depreende, por exemplo, dos pontos 14º) e 15º) da decisão de despedimento, onde pode ler-se: “14. A ... Qualifica EM Unip. Lda colocou, por isso e de acordo com as orientações estratégicas do único acionista, em curso um plano que visa a reestruturação da empresa com a, consequente, redução de custos fixos da sociedade, otimização de meios, adaptação dos recursos às áreas de atuação bem como uma revisão crítica do plano de investimentos, que face à atual conjuntura terão de ser ajustado à realidade económica da própria Câmara Municipal e dos Serviços Municipalizados respetivos.

15. Esta reestruturação traduz-se na acumulação de alguns cargos e tarefas, introdução de novas metodologias de gestão e trabalho, redução da estrutura orgânica e redução ou extinção de alguns postos de trabalho, visando, desta forma, compatibilizar a dinâmica e competitividade da empresa com o presente volume de negócios e os seus níveis de resultados obtidos.  – ponto 85º dos factos provados.

Este é, pois, o motivo comum a considerar em relação a todos os autores, sem que em relação a cada um deles se vislumbre que a ré tenha invocado motivos complementares e específicos.

Foi esta a decisão gestionária inicial da ré: reduzir custos fixos com trabalhadores subordinados, para o efeito do que se decidiu despedir alguns trabalhadores.

Aqui chegados, a questão surge naturalmente: poderá o tribunal controlar o mérito dessa decisão gestionária?

A complexidade do tema subjacente à questão acabada de enunciar resulta do facto da motivação subjacente ao despedimento colectivo ser natureza essencialmente económica, envolvendo, designadamente, ponderações de natureza técnica ou económica inter-relacionáveis com factores subjectivos, como sejam as "(...) «expectativas», as «previsões» e as «tendências» percepcionadas pelos empresários e gestores (...) - António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª edição, p. 602.

Um certo sector da doutrina tem defendido um controlo jurisdicional minimalista da motivação do despedimento colectivo - Bernardo Lobo Xavier, O Despedimento Colectivo no Dimensionamento da Empresa, p. 683.

Sustenta-se, a respeito, que a motivação do despedimento colectivo tem de ser apreciada em função da empresa e, por isso, com respeito pelos seus critérios de gestão, na justa medida em que sejam razoáveis e congruentes, não competindo, pois, ao julgador substituir-se ao empregador e impor-lhe a decisão que ele próprio juiz, segundo os seus critérios, tomaria se estivesse na posição do empregador - Bernardo da Gama Lobo Xavier, ob. citada pág. 681.

Apenas se admite que sejam postos em causa os critérios de gestão da empresa e o mérito das respectivas decisões nas situações limite de «gestão inteiramente inadmissível ou grosseiramente errónea»  - Bernardo da Gama Lobo Xavier, O regime dos despedimentos colectivos e as modificações introduzidas pela Lei n.º 32/99, de 18.5, in Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, vol. I, 2001, pág. 409.

A nossa jurisprudência começou por trilhar este caminho minimalista.

Assim é que começou por entender-se que o tribunal não podia sindicar a decisão gestionária de despedir, competindo-lhe, apenas, verificar a autenticidade do motivo invocado ou se não existe uma situação de abuso de direito – v.g., acórdãos do STJ de 21/9/2000, CJ do STJ, T. 3, p. 259, e de 2/11/2005, AD, 532º, pág. 735.

Porém, rapidamente a nossa jurisprudência evoluiu para níveis mais elevados de exigência no que respeita ao âmbito de incidência do controlo jurisdicional da decisão gestionária do empregador.

Com efeito, a breve trecho, passou a sustentar-se que o tribunal deve verificar a existência de um nexo de causalidade entre os motivos invocados pelo empregador e o despedimento, exigindo-se a idoneidade da motivação invocada para justificar o despedimento colectivo e individual de todos e cada um dos trabalhadores, bem assim como a aptidão do despedimento de cada trabalhador para satisfazer ou contribuir para a satisfação da necessidade subjacente ao despedimento – v.g. acórdãos do STJ de 24/5/06, proferido no processo 06S379, de 17/1/07, proferido no processo 06S1549, de 27/6/07, proferido no processo 07S1147, de 26/11/08, proferido no processo 08S1874, de 17/9/09, proferido no processo 08S3844, de 13/1/10, proferido no processo 15275/09.1T2SNT.S1, e de 6/12/2011, proferido no processo 414/06.2TTVNG.P1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Concomitantemente, passou a sustentar-se que esse controlo deve incidir, também, sobre a razoabilidade da decisão de despedir face à prognose do empregador quanto aos seus próprios projectos e quanto ao comportamento futuro dos parâmetros invocados para motivar o despedimento – acórdãos do STJ de 18/10/06, proferido no processo 06S1324, e de 11/12/2019, proferido no processo 7031/16.7T8FNC.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.

Sustentou-se já, igualmente, que o controlo jurisdicional incida sobre a proporcionalidade entre a motivação apresentada e a decisão de proceder ao despedimento colectivo e sobre a racionalidade dessa decisão, dada a exigência constitucional de justa causa (comprovada) para que haja despedimento e dado o necessário equilíbrio e compatibilização entre todos os interesses e valores constitucionais em jogo, designadamente a liberdade de iniciativa económica privada (art. 61º CRP) e segurança no emprego (art. 53º CRP) – acórdão do STJ de 26/11/2008, proferido no processo 08S1874, de 13/1/2010, proferido no processo 15275/09.1T2SNT.S1, de 11/12/2019, proferido no processo 7031/16.7T8FNC.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt; Júlio Gomes, Direito do Trabalho, vol. I –Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 991 ss, Ana Isabel Lambelho Costa, Descentralização Produtiva, Redes de Cooperação Empresarial e Negociação Colectiva. Reflexões a partir da experiência portuguesa, p. 190.

Dito isto, importa apreciar a decisão gestionário da ré à luz dos ensinamentos acabados de invocar, assente, como visto, que aquela decisão pugna por uma redução dos custos com o trabalho subordinado que a ré considerava impor-se pela necessidade de se reequilibrar do ponto de vista económico-financeiro, para o efeito do que se revelava necessário inverter resultados líquidos negativos entretanto registados como decorrência directa da diminuição da procura dos seus serviços pelos seus clientes exclusivos e do aumento dos encargos com o pessoal resultante de decisões judiciais que determinaram readmissões de trabalhadores despedidos, sem o que seria prognosticável o encerramento total da empresa da ré, por insolvência (situação de crise empresarial por motivos de mercado e estruturais).

A este respeito importa ter presente o seguinte: i) de 2014 para 2015 a ré passou de um resultado líquido de exercício positivo de 15.736, 71 euros 0para um negativo de -46.710, 77 euros, assim como de um resultado operacional positivo de 35.700, 36 euros para um negativo de -36.934,36 euros  (ponto 120º dos factos provados); ii) nos anos de 2015 e 2016 os gastos com fornecimentos e serviços externos e os gastos com o pessoal excederam o valor reconhecido em prestações de serviços, gerando resultados negativos em ambos os exercícios, sendo que no ano de 2015 a ré apresentou resultado líquido negativo da actividade global (ponto 121º dos factos provados); no primeiro trimestre do ano de 2016 a ré apresentava um resultado líquido negativo de -86 565,46 (ponto 153º dos factos provados).

Registou-se, pois, entre 2014 e 2015, com substancial agravamento logo no primeiro trimestre de 2016, uma degradação considerável nos resultados líquidos de exercício da ré.

É certo que no ano de 2016 a ré teve um resultado líquido de exercício de 10 779,85 (ponto 120º dos factos provados).

Porém, ainda assim é preciso não perder de vista que esse resultado positivo foi inferior ao de 2014, sendo que o despedimento colectivo, no início do terceiro trimestre de 2016, dos autores e dos outros trabalhadores abrangidos por tal decisão visou, precisamente, inflectir a situação de resultado negativo registada em 2015.

Por outro lado, em termos de receitas, temos que do ano de 2015 para o de 2016, as receitas provenientes dos únicos clientes da ré (ponto 104º dos factos provados), decresceram em 242.304,50 (pontos 114º e 115º dos factos provados).

Além disso, do ano de 2015 para o de 2016, a actividade da ré diminuiu em cerca de 37,5 mil euros (ponto 110º dos factos provados).

Importa notar, igualmente e como resulta do documento de fls. 645 e ss, aceite e dado por reproduzido na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, especialmente de fls. 653 vº, que se registou na ré um substancial agravamento dos encargos de pessoal do ano de 2014 (1.273.778,19 euros) para o de 2015 (2.192.683, 16).

Neste enquadramento de decréscimo de resultados líquidos, de receitas e de actividade da ré, para o qual também contribuiu aquele agravamento significativo dos encargos com pessoal[3], afigura-se-nos gestionariamente lícito e até recomendável que a ré tenha tomado medidas tendentes a repor o seu equilíbrio económico-financeiro e a salvaguardar a sua sustentabilidade futura, designadamente medidas de redução de custos com o trabalho subordinado, com recurso, se necessário, ao despedimento colectivo.

Acolhe-se, pois, a decisão gestionária da ré na parte em que a mesma assenta, nos termos supra expostos, na invocação de uma situação de crise empresarial por motivos de mercado e estruturais.

Nada há a censurar, pois e contrariamente ao sustentado pelo tribunal recorrido, à decisão gestionária da ré no sentido de proceder ao despedimento colectivo de trabalhadores seus com o propósito de ver reduzidos os seus custos fixos de exploração com os seus trabalhadores subordinados.


*

Já no que toca à questão do critério de selecção dos trabalhadores importa dizer, antes de mais, que para lá da decisão gestionária inicial, o empregador deve tomar uma outra decisão, intercalar, de seleccionar os trabalhadores a abranger pelo despedimento colectivo.

Tenha-se aqui em consideração que neste domínio a lei não fixa critérios ao empregador que, assim, dispõe de uma margem de liberdade ou de discricionariedade na escolha que vai efectuar.

Na verdade, com as ressalvas dos representantes sindicais/membros de comissões de trabalhadores e das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes, desde a LCCT que deixou de haver consagração legal de critérios de selecção de trabalhadores ou de preferências na manutenção do emprego.

Por outro lado, quer na LCCT (art. 24.º), quer no CT2003 (arts. 429.º e 431.º), quer no CT/2009 (arts. 381.º e 383.º), o desrespeito pelos critérios de selecção de trabalhadores não integra, literalmente, a previsão de nenhuma das situações expressamente previstas como geradoras de ilicitude do despedimento colectivo.

Neste enquadramento, chegou a instalar-se o entendimento doutrinal e judicial de que, embora a lei obrigasse o empregador a indicar os critérios de selecção dos trabalhadores a despedir, esses critérios (ou a sua inobservância) não podiam servir de base à impugnação do despedimento – cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 2/12/93, CJ, 1993, Tomo V, pág. 89, acórdão da Relação do Porto de 5/5/1997, CJ, Tomo III, pág. 243, Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 2ª, págs. 125 a 141.

Chegou a sustentar-se, mesmo, que a irregularidade em que se traduzia o desrespeito pelos critérios colocados pelo próprio empregador não invalidaria o próprio despedimento e apenas poderia relevar para efeitos indemnizatórios - Bernardo da Gama Lobo Xavier, ob. cit., págs. 689 a 693.

Porém, esse posicionamento doutrinal e jurisprudencial acabou por ser ultrapassado por um outro segundo o qual o tribunal pode apreciar a adequação do despedimento de cada um dos trabalhadores atingidos à fundamentação do despedimento colectivo – acórdãos do STJ de 18/10/2006, de 17/1/2007, de 27/6/2007 e de 26/11/2008, acórdãos da Relação de Lisboa de 12/3/2009 e de 25/3/2009, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

A par disso, sustenta-se hoje, igualmente, que ao exigir a lei que a comunicação da decisão final de despedimento faça referência aos motivos da cessação do contrato, aí se inclui, não só a fundamentação económica do despedimento, comum a todos os trabalhadores abrangidos, e os factores em que se desdobre, mas também o motivo individual que determinou a escolha em concreto de cada trabalhador visado e destinatário dessa comunicação, ou seja, a indicação das razões que conduziram a que fosse ele o atingido pelo despedimento colectivo - cfr. os acórdãos da Relação de Lisboa de 13/12/07, CJ, Tomo V, p. 156, e de 20/5/09, disponível em www.dgsi.pt.

Por isso, os factores e critérios invocados na decisão de despedimento colectivo têm que revelar a existência de uma relação de congruência entre fundamentos e decisão individual de despedimento; para lá disso, quando os factores não sejam bastantes para identificar o ou os concretos postos de trabalho a extinguir, além desses factores haverá que aplicar os critérios de selecção escolhidos, demonstrando a sua razoabilidade ou seja, que, por força destes, o trabalhador despedido foi aquele que realmente se justificava, desde um ponto de vista objectivo e segundo uma opção empresarialmente aceitável de individualização, o que permitirá apreciar a ausência de tratamento discriminatório ou de decisões arbitrárias que possam aproveitar a vulnerabilidade natural dos trabalhadores perante a situação e detectar mesmo hipotéticos erros.

Como vem sublinhando a nossa jurisprudência, os critérios de selecção dos trabalhadores devem ser claros e devem permitir: (i) aos trabalhadores afectados, (a) a percepção das razões que importaram fossem englobados no procedimento, (b) aquilatar da adequação desses critérios à cessação, em concreto, dos seus vínculos laborais, (c) aferir da veracidade dessas razões e seu nexo com o critério eleito; (ii) ao Tribunal, a sindicabilidade da sua concreta aplicação – acórdãos do STJ de 20/10/2011 e de 19/11/2014, da Relação de Évora de 14/2/2012, e da Relação de Lisboa de 12/2/2014, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

No caso em apreço, a ré utilizou como critério de selecção o de serem abrangidos os seus trabalhadores que exerciam as suas funções para entidades externas (Câmara Municipal e Serviços Municipalizados da ...) e relativamente aos quais essas mesmas entidades externas prescindiram do desempenho de funções por parte dos mesmos, neles se incluindo os autores.

A indisponibilidade dessas entidades externas para continuarem a receber a prestação funcional dos autores resulta demonstrada do que se deu como provado no ponto 70º) dos factos enunciados como provados, pelo que nada se oferece objectar à autenticidade do pressuposto fáctico em que assenta o critério.

Por outro lado, nada temos a opor a tal critério, pois que:

a) não se trata de um critério que possa considerar-se discriminatório à luz do disposto nos arts. 23.º e segs. do CT/09;

b) não está em causa um critério de que resulte qualquer situação de discriminação indirecta;

c) não está em causa qualquer critério que se prenda com a expressão e divulgação do pensamento dos trabalhadores, ou com dimensões relevantes da sua vida privada, com o resultado de testes ou exames médicos a que se tenham submetido, com o desempenho profissional aferido por meios de vigilância à distância ou com quaisquer informações obtidas com violação da reserva e confidencialidade de mensagens pessoais ou informação de carácter não profissional;

d) não se vislumbram, face aos factos provados, indícios de abuso por desvio ao fim económico que justifica o recurso ao despedimento.

Como assim, nada obstando a esse critério e contrariamente ao sustentado pelo tribunal recorrido, não se vislumbra fundamento bastante para criticar a decisão da ré incluir os autores no lote dos trabalhadores a despedir.


*

De tudo resulta, pois, que não se vislumbra em relação aos autores qualquer causa invalidante do despedimento colectivo que os abrangeu.

Consequentemente, deve proceder a apelação.
IV - Decisão

Acordam os juízes que integram esta sexta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida na parte em que a mesma foi impugnada e absolvendo-se a ré das condenações que aí lhe foram impostas; tudo sem prejuízo da ré estar obrigada a pagar aos autores as indemnizações que lhes ofereceu e que estes recusaram pelo despedimento colectivo.

Custas pelos apelados.

Coimbra, 26/6/2020.


(Jorge Manuel Loureiro)

(Paula Maria Roberto)

(Ramalho Pinto)


Sumário:

No processo de impugnação do despedimento colectivo o tribunal deve verificar a existência de um nexo de causalidade entre os motivos invocados pelo empregador e o despedimento, exigindo-se a idoneidade da motivação invocada para justificar o despedimento colectivo e individual de todos e cada um dos trabalhadores, bem assim como a aptidão do despedimento de cada trabalhador para satisfazer ou contribuir para a satisfação da necessidade subjacente ao despedimento.

O controlo judicial da decisão de despedimento colectivo deve incidir, também, sobre a razoabilidade da decisão de despedir face à prognose do empregador quanto aos seus próprios projectos e quanto ao comportamento futuro dos parâmetros invocados para motivar o despedimento.

Além disso, tal controlo deve incidir sobre a proporcionalidade entre a motivação apresentada e a decisão de proceder ao despedimento colectivo e sobre a racionalidade dessa decisão, dada a exigência constitucional de justa causa (comprovada) para que haja despedimento e dado o necessário equilíbrio e compatibilização entre todos os interesses e valores constitucionais em jogo, designadamente a liberdade de iniciativa económica privada (art. 61º CRP) e segurança no emprego (art. 53º CRP).

[1] José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, Coimbra Editora, p. 629, Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2007, p. 410, acórdão do STJ de 25/3/2004, proferido no processo 02B4702, acórdão da Relação do Porto de 15/1/2008, proferido no processo 0726339, acórdão da Relação de Guimarães de 14/6/2017, proferido no processo 6095/15T8BRG.G1, acórdão da Relação do Porto de 20/4/2009, proferido no processo 232/08.3TBVNG.P1.

[2] Disponível em https://977c7f27-ba08-45d2-bd7f-becadee04474.filesusr.com/ugd/489f11_9e3a0d8ce8fc44f3bcd81d1e91715ef2.pdf.
[3] De notar que o agravamento dos custos de pessoal é por si só muito superior à variação negativa dos resultados líquidos do exercício.