Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4316/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VITOR
Descritores: ACÇÃO DE REGRESSO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL
Data do Acordão: 03/01/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 331.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E ARTIGO 19.º, C) DO DEC. LEI N.º 522/85, DE31/12
Sumário: 1. O Réu que tenha acção de regresso contra ter-ceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.
2. A intervenção do chamado circunscreve-se à dis-cussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento.

3. Pretende o artigo 331º do Código de Processo Civil que a parte delineie com clareza a razão de ser dessa intervenção, convencendo o Tribunal da viabili-dade da acção de regresso e da sua conexão com a causa prin-cipal.

4. Padecendo contudo o requerimento de deficiência de incompletude ou imprecisão remediáveis, não deverá o Juiz inviabilizar o pedido de intervenção acessória logo no despacho a que alude o artigo 331º nº 2 do Código de Processo Civil, tanto mais que aquelas situa-ções são susceptíveis de correcção na fase do despacho pré-saneador a que a que reporta o artigo 508º nº 1 alínea b) do citado Diploma Legal.

5. Outro é já o caso quando a parte requerente da intervenção principal acessória alega, como fundamentos do pedido factos que contrariam frontalmente a razão de ser do instituto. Estamos aqui não perante uma incom-pletude ou deficiência de um requerimento, mas face a uma inversão de factos que tornam o requerimento irre-mediavelmente imprestável para o fim a que foi desti-nado.

6. Neste caso não pode o Juiz sem ofensa ao princí-pio dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, convidar à alteração do requerimento, devendo indeferi-lo tendo em linha de conta até o que sucede com o "lugar paralelo" das normas que regulam a inepti-dão da Petição Inicial.

7. Deve ser indeferido o requerimento de interven-ção acessória em que a Ré seguradora pretende a inter-venção do seu segurado alegando por um lado única e exclusivamente que o mesmo se limita a referir transi-tava com uma taxa de alcoolemia de 2,14 gr/l e para além de não estabelecer qualquer nexo de causalidade entre o acidente e aquele estado vai mais longe e refere até que o despiste da viatura tripulada pelo segurado se ficou a dever a encandeamento e obstrução da sua hemi-faixa por outro veículo que circulava em sentido contrário, forçando-o numa manobra de salva-mento, a despistar-se contra um poste de energia.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal de Relação de Coimbra

Na acção ordinária nº 1 116/03./7TBTMR veio a Ré A...requerer a intervenção acessória provocada de B...
Alegou a Ré para tanto e em síntese, que o chamado condu-zia o veículo por si segurado com uma TAS de 2,14 gr/l o que lhe confere o direito de regresso contra o mesmo nos termos do disposto no artigo 19º alínea c) do DL nº 522/85 de 31/12.
O Sr. Juiz por despacho de fls. 16, indeferiu ao requerido.
Daí o presente recurso de agravo interposto pela requerente A...que no termo da sua alegação pediu que se revogue o despacho em causa devendo ordenar-se a admissão do dito chamamento.
Foram para tanto apresentadas as seguintes,

Conclusões.

1) A Ré alegou factos suficientes e necessários para que o incidente deduzido pudesse ser deferido.
2) Nos termos do nº 2 do artº 331º, o Juiz tem de convencer-se da viabilidade da acção de regresso, mas essa convicção deve resultar de análise perfunctória dos factos alegados.
3) A análise que Julgador fizer da viabilidade da acção de regresso não pode conduzir a uma decisão de mérito antecipada da mesma.
4) A ora Agravante alegou em sede de contestação que o condutor seguro conduzia com um taxa de alcoole-mia superior à legal, de 2,14 gr./l, o que não é irrele-vante para a procedência da acção de regresso, por constitutivo do direito.
5) Mostram-se violados os artsº 330º e 331º do CPC, o que se alega para todos os devidos e legais efeitos.
Não houve contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. FUNDAMENTOS.
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2.1. Factos Provados.
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Os factos que interessam à decisão da causa cons-tam a fls. 16 do despacho agravado.
Assim, não tendo sido impugnada a matéria de facto nem havendo tão pouco qualquer alteração a fazer-lhe, nos termos do preceituado no artº 713º nº 6 do Código de Processo Civil, dá-se aqui a mesma por reproduzida.
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2.2. O Direito.
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Nos termos do precei-tuado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Pro-cesso Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso deli-mitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformi-dade e conside-rando também a natureza jurídica da maté-ria versada, cumpre focar os seguintes pontos:
- Os termos da questão.
- O incidente da intervenção acessória e o caso vertente.
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2.2.1. Os termos da questão.

Rui Manuel Esteves da Costa Pereira, solteiro, ven-dedor residente na Choromela nº 4 A, em Ovar veio intentar declarativa com processo sumário pedindo que a Ré A...Companhia de Seguros, fosse condenada a pagar-lhe determinada importância a título de indemni-zação em virtude de danos patrimoniais e não patrimo-niais emergentes de um acidente de viação cujo defla-grar imputa ao condutor do veículo ligeiro de passagei-ros NG 98-81 segurado na Ré.
Na sua contestação esta última aceitando a existên-cia de seguro e a ocorrência do sinistro em que foi interveniente o veículo em causa, sustenta haver ab initio efectuado vários pagamentos ao A. na suposição de existência de alguma responsabilidade por parte do condutor do veículo segurado. Apurou posteriormente a demandada e ora agravante que o condutor do veículo seguro no momento do acidente, B..., circulava sob o efeito do álcool com uma taxa positiva de 2,14 gr/l o que lhe confere o direito de regresso quanto à indemnização que vier a suportar nos termos do disposto no artigo 19º alínea c) do DL 522/85 de 31 de Dezembro.
Nesta conformidade requereu a intervenção provo-cada acessória do referido Carlos Emanuel.
O Sr. Juiz por despacho de fls. 16 ss, indeferiu ao requerido com o fundamento de que a Ré não descreve factos que permitam estabelecer um nexo de causalidade entre o acidente e a taxa de alcoolemia registada no condutor do veículo segurado, sendo certo que a forma como a Ré apresentou a contestação inculca até que o acidente se terá ficado a dever a culpa de outrém.
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2.2.2. O incidente da intervenção acessória e o caso vertente.
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Estatui o artigo 330º do código de Processo Civil
"1. O Réu que tenha acção de regresso contra ter-ceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.
2. A intervenção do chamado circunscreve-se à dis-cussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento".
A redacção do mencionado preceito legal foi intro-duzida pelo DL 329-A/95 de 12 de Dezembro sob uma nova epígrafe, "intervenção acessória" e veio substi-tuir o disposto no artigo 325º, na redacção que lhe foi conferida pelo DL 44 129 de 28 de Dezembro de 1961, estatuindo que "1. O Réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe causa a perda da demanda pode chamá-lo à autoria.
2. Se o não chamar, terá de provar, na acção de indemnização, que na demanda anterior empregou todos os esforços para evitar a condenação".
A redacção do artigo 330º do Código de Processo Civil teve como subjacente a procura de uma solução de compromisso entre a garantia de interesses legítimos do requerente da intervenção e o da celeridade processual evitando que o recurso ao incidente de intervenção possa servir de meio de protelamento processual sem que tenha bastas vezes na sua base qualquer fundamento pal-pável. Pretende-se que o Réu tome posição quando con-testa, requerendo o chamamento do terceiro contra o qual entende ter direito de regresso; por outro lado e inovando no âmbito deste incidente, procura afastar escolhos quanto ao normal andamento do processo, ao referir que "Passados três meses sobre a data em que foi inicialmente deduzido o incidente sem que se mos-trem realizadas todas as citações a que este haja dado lugar, pode o autor requerer o prosseguimento da causa principal, após o termo do prazo de que os Réus já citados beneficiarem para contestar". De qualquer forma sai reforçado o entendimento de que a intervenção do chamado se circunscreve à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento – artigo 330º nº 2 do Código de Processo Civil e de que o Juiz ouvida a parte con-trária só dever deferir o chamamento quando, face às razões alegadas, se convença da viabilidade da acção de regresso e da sua conexão com a causa principal – artº 331º nº 2. Contudo isto não significa que em face de um articulado formalmente deficiente, se deva à partida inviabilizá-lo quando se pode antever que subjacente ao mesmo poderá não estar um claro intuito dilatório e a lide ainda se encontre, como é o caso, numa fase ini-cial em que não foi ainda proferido o despacho a que alude o artigo 508º do Código de Processo Civil na nova redacção, que se traduziu num nítido acréscimo de pode-res do Juiz com vista a evitar o naufrágio prematuro das acções por motivos que se prendem com irregularida-des técnicas, com prejuízo quase sempre para as partes que delas são vítimas. Para além de esse ser o espírito da reforma do DL 329-A/95 de 12 de Dezembro, tais objectivos intentam concretização à partida na alínea b) do nº 1 e maxime o nº 2 do artigo supracitado, onde se prevê que o juiz convide qualquer das partes "a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se com-plete ou corrija o inicialmente produzido" Ao contrário do que primo conspectu pode retirar-se da letra da lei, também entendemos estar perante um despacho vinculado do juiz cuja prolação se impõe como dever e não simples poder discricionário – cfr. neste sentido Lebre de Feitas e Outros "Código de Processo Civil Anotado" II, pags. 353 e Abrantes Geraldes "Temas da Reforma de Processo Civil" II, Almedina Coimbra pags. 78..
No caso vertente o Acórdão Uniformizador de Juris-prudência do STJ nº 6/2002 de 28 de Maio de 2002, publicado no DR de 18 de Julho de 2002, veio decidir que a alínea c) do artigo 19º do DL 522/85 de 31 de Dezembro exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob a influên-cia do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente". Tal orientação pressu-poria da parte da Ré, devidamente atenta, a alegação de factos de onde se inferisse o nexo de causalidade entre o aci-dente e a condução do chamado. E na ausência des-ses factos entendemos até, que mencionada a taxa de alcoo-lemia em excesso, poderia ainda a Ré vir poste-riormente corrigir o seu articulado a convite do Juiz nos termos supra apontados. Por outro lado, não preten-deu o Aresto em questão vedar os meios de prova de que o Juiz se pode servir para chegar a uma solução cor-recta, entre os quais se contam as chamadas "presunções hominis", i.e. alegados e provados determinados factos, podem à luz da razoabilidade inferir-se se for caso disso, outros que lhe são indissociáveis ou conatu-rais Sobre presunções Cfr. Manuel de Andrade "Noções Elementares de Processo Civil", Coimbra Editora, 1976, pags. 214 ss e Antunes Varela e Outros "Manual de Processo Civil", Coimbra Editora, 1984, 484. . No entanto para que isso fosse possível, seria necessário que o articulado da Ré não alegasse factos que à par-tida não a negação expressa do direito que pretende ver-lhe reconhecido, que é o que se passa neste caso. É que à possibilidade da taxa de alcoolémia ter estado na base do acidente, contrapõe a Ré à par-tida e por ante-cipação, a tese de que o condutor do veículo segurado, o dito Emanuel circulada no sentido da ponte nova de Tomar para os Bombeiros em direcção à Igreja de Sta. Maria e foi encadeado por um veículo que circulava em sentido contrário e fora da respectiva mão de trânsito (artigos 3º e 4º da contestação), o que obrigou o con-dutor do veículo segurado a fugir para o passeio do seu lado direito, acabando por embater num candeeiro de iluminação pública aí existente (artigos 6º e 7º da contestação.
A Ré remata desta forma "atentos os factos descri-tos pode assim concluir-se que o acidente teve origem numa manobra de recurso provocada pelo comportamento estradal do comportamento do veículo terceiro e não por culpa do condutor do veículo" – artigo 8º. No entanto os pode-res correctivos do Juiz não vão ao ponto de sugerir à parte que inverta radicalmente o sentido da factuali-dade exposta como condição necessária para alcançar o objectivo que tem em vista. As partes, representadas por técnicos de direito, são auto-respon-sáveis pelas suas afirmações, que o Juiz tem que acei-tar, sob pena de extravasar as suas funções de árbitro, imiscuindo-se na configuração da génese da causa cujo cerne fundamen-tal não pode contrariar sem que penetre no espaço reservado e exclusivo das partes.
Com isto aludimos à diferença que há entre a mera deficiência dos articulados e sua irremediável impres-tabilidade para o fim a que se propõem assumindo-se como um vício de idêntica natureza ao do "lugar para-lelo" Lugar paralelo "Lugares Paralelos" são as normas respeitantes a institutos ou hipóteses de qualquer modo relacionados com a fonte que se pretende interpretar; a semelhança com a situação ou apresentação faz presumir que o regime jurídico também é semelhante Cfr. Oliveira Ascensão "O Direito Introdução e Teoria Geral" Gulbenkian, 1983, pags. 323 e Baptista Machado "Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador" Almedina, Coimbra 1983 pag. 183. a que se reporta a ineptidão da Petição Inicial – artigos 193º nº 2 alínea b) e 510º nº 1 alínea a) do Código de Processo Civil.
Ora não há dúvida que em face da forma como está redigido o requerimento de intervenção acessória provo-cada, existe uma contradição insanável entre os seus termos e a consequência jurídica que a Ré pretende extrair do respectivo esquema subsun-tivo.
Nesta conformidade bem se andou em 1ª instância ao indeferir a intervenção acessória requerida pela Ré Global, o que dita a improcedência do agravo.

Pode pelo exposto concluir-se o seguinte:

1) O Réu que tenha acção de regresso contra ter-ceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.
2) A intervenção do chamado circunscreve-se à dis-cussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento.
3) Pretende o artigo 331º do Código de Processo Civil que a parte delineie com clareza a razão de ser dessa intervenção, convencendo o Tribunal da viabili-dade da acção de regresso e da sua conexão com a causa prin-cipal.
4) Padecendo contudo o requerimento de deficiência de incompletude ou imprecisão remediáveis, não deverá o Juiz inviabilizar o pedido de intervenção acessória logo no despacho a que alude o artigo 331º nº 2 do Código de Processo Civil, tanto mais que aquelas situa-ções são susceptíveis de correcção na fase do despacho pré-saneador a que a que reporta o artigo 508º nº 1 alínea b) do citado Diploma Legal.
5) Outro é já o caso quando a parte requerente da intervenção principal acessória alega, como fundamentos do pedido factos que contrariam frontalmente a razão de ser do instituto. Estamos aqui não perante uma incom-pletude ou deficiência de um requerimento, mas face a uma inversão de factos que tornam o requerimento irre-mediavelmente imprestável para o fim a que foi desti-nado.
6) Neste caso não pode o Juiz sem ofensa ao princí-pio dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, convidar à alteração do requerimento, devendo indeferi-lo tendo em linha de conta até o que sucede com o "lugar paralelo" das normas que regulam a inepti-dão da Petição Inicial.
7) Deve ser indeferido o requerimento de interven-ção acessória em que a Ré seguradora pretende a inter-venção do seu segurado alegando por um lado única e exclusivamente que o mesmo se limita a referir transi-tava com uma taxa de alcoolemia de 2,14 gr/l e para além de não estabelecer qualquer nexo de causalidade entre o acidente e aquele estado vai mais longe e refere até que o despiste da viatura tripulada pelo segurado se ficou a dever a encandeamento e obstrução da sua hemi-faixa por outro veículo que circulava em sentido contrário, forçando-o numa manobra de salva-mento, a despistar-se contra um poste de energia.
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3 DECISÃO.
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Pelo exposto e sem necessidade de mais considera-ções, nega-se provimento ao agravo, mantendo-se o des-pacho agravado.
Custas pela agravante.