Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
200/14.6TBLMG-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOÃO MOREIRA DO CARMO
Descritores: ALTERAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIA ALTERNADA E GUARDA PARTILHADA
AUDIÇÃO DA MENOR
Data do Acordão: 04/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE LAMEGO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGO 1906.º, 6 E 9, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 4.º, 1, C); 5.º, 1 E 6 E 12.º, DO RGPTC
ARTIGOS 662.º, B) E C); 986.º, 2 E 988.º, 1, DO CPC
Sumário: i) Estando em jogo alteração do exercício das responsabilidades parentais, designadamente a opção por regime de residência alternada e guarda partilhada, e caso não hajam motivos de relevo que o desaconselhem, deve o tribunal proceder à audição da menor de 9 anos de idade para aferir da justeza e superior interesse da mesma na aplicação de tal regime. 
Decisão Texto Integral:                       É de considerar que:

 

I. AA, residente em ..., requereu (em Setembro de 2019) contra BB, residente em ..., alteração da regulação do poder paternal da menor CC, pedindo que:
A) SER ADMITIDA A GUARDA PARTILHADA COM RESIDÊNCIA ALTERNADA DA MENOR EM PERÍODOS EQUIVALENTES COM AMBOS OS PROGENITORES; B) SER DETERMINADA A ELIMINAÇÃO DO PAGAMENTO DE PENSÃO DE ALIMENTOS, FICANDO CADA UM DOS PROGENITORES RESPONSÁVEL PELOS ALIMENTOS DA MENOR DURANTE O PERÍODO EM QUE A MENOR ESTIVER A SEU CARGO; C) SER MANTIDA A RESIDÊNCIA OFICIAL DA MENOR NA MESMA MORADA DA PROGENITORA; D) SER ATRIBUÍDO AO PROGENITOR O PAPEL DE ENCARREGADO DE EDUCAÇÃO DA MENOR.

Alegou, em síntese, que os progenitores acordaram o actual regime para o exercício das responsabilidades parentais, na conferência de pais realizada em Março de 2018, e ficou latente a necessidade de aumentar os contactos entre o progenitor e a menor, tendo já nessa data, o progenitor, manifestado a vontade de, a par com a progenitora, partilharem a guarda da menor com residência alternada. Devido ao seu crescimento revela maior compreensão da sua situação familiar, entendendo que há dias em que fica com a mãe e outros com pai, sendo que ambos os pais reúnem as condições necessárias para cuidar e educar a menor.

A requerida pronunciou-se, alegando, em suma, que o requerente apenas fala com a filha às quartas-feiras e aos fins-de-semana, de 15 em 15 dias, porque é nos dias em que fica com a menor, esquecendo-se que tem filha nos restantes dias do ano. O único intuito do requerente é não ter de pagar uma pensão de alimentos à menor. A menor, sempre que fica com o requerente dorme com este ou numa cama de bebé e, também no mesmo quarto do pai, não tendo o progenitor, assim, condições para ali ter a menor consigo. Sempre que vai para casa do pai, às quartas-feiras, depois das aulas, a menor às quintas-feiras regressa à escola, sempre com a roupa que levou no dia anterior vestida. Conclui, opondo-se à alteração pretendida.

Na conferência de pais, frustrou-se acordo. Junto relatório com o resultado da audição técnica especializada foi designada nova data para continuação da conferência de pais, cujo acordo de novo se frustrou. Ambos apresentaram alegações, mantendo as suas posições.

II. A final foi proferida sentença que julgou improcedente o requerido e, consequentemente, não alterou o regime de exercício das responsabilidades parentais em vigor e fixado por sentença, transitada em julgado, de 5.3.2018, relativa à menor CC.

III. O requerente recorreu, concluindo que:

1) Andou mal o tribunal aquo em considerar que não estavam reunidas as circunstâncias supervenientes necessárias para a alteração da regulação das responsabilidades parentais, uma vez que tal alteração não apenas vem alegada no Requerimento de Alteração do Regime apresentado pelo

Requerente/Recorrente, como também resulta de forma clara da prova produzida ao longo da audiência de julgamento tal alteração.

2) Na verdade desde a última regulação de responsabilidades parentais, a menor cresceu, atingindo a idade dos 6 anos (à data de entrada do presente pedido), entrando na escola primária e tendo a maturidade física e psíquica, para aceitar, compreender e saber lidar com uma residência alternada com ambos os progenitores.

3) Mas mais, conforme alegado igualmente no Requerimento de Alteração das Responsabilidades Parentais, a própria menor começou a expressar de forma reiterada, tando à família do progenitor como da progenitora, o seu desejo e a necessidade que sente de passar alternadamente uma semana com cada um dos seus progenitores.

4) Acresce a tudo isto, que desde a última alteração de responsabilidades parentais, ainda ocorreu mais uma alteração de circunstâncias, que se consubstancia na dificuldade do pai da menor (Requerente/Recorrente), em saber notícias sobre a vida escolar da sua filha, tendo assim muita dificuldade em acompanhar como quer o seu desenvolvimento escolar, e, ainda, as constantes tentativas da família materna de o privar de ter conhecimento da situação de saúde da menor, e de estar presente em de momentos importantes da vida desta, não tendo sido consultado quanto ao batismo ou comunhão da mesma

5) Assim, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não se compreende como o Tribunal “aquo”, esquece todos estes factos, entendendo que nada disto é subsumível no artigo 42.º, n.º 1 da Lei n.º 141/2015 de 8 de Setembro.

6) Andou ainda mal o Tribunal “aquo” ao não se pronunciar/determinar a alteração das responsabilidades parentais da Menor CC, no sentido de determinar a aplicação do regime de residência alternada (pelo período de 1 semana para cada progenitor alternadamente), quando tal resulta da vontade do seu pai, coaduna-se com o seu crescimento e desenvolvimento saudável e é a própria vontade da menor, expressa inclusivamente à família da mãe.

Senão vejamos

7) Ainda a este respeito refere a Testemunha Sr. DD, Avô da menor e Pai da mãe:

(… transcrição de depoimento)

8) Continuando a mesma testemunha, entre as 00h08m35s e 00h11m15s do seu depoimento:

(… transcrição de depoimento)

9) Sendo que a respeito da convivência da menor com a família do pai (Requerente/ Recorrente), a testemunha EE, irmã do Requerente, refere a instâncias do seu depoimento, entre as 00h02m51s e as 00h04m20s, aquando da Inquirição da Mandatária do Requerente:

(… transcrição de depoimento)

10) Ora, se parece evidente, até pela vontade expressa pela menor e referida em vários dos depoimentos das testemunhas, que a mesma se sente bem em conviver com a família do pai e da mãe simultaneamente, parece igualmente evidente que a residência onde o pai habita, tem todas as condições para a menor viver, e desenvolver de forma saudável a sua personalidade.

11) Resultando precisamente isso das declarações da avó da menor, mãe do pai, Testemunha Sr.ª FF, aquando da sua inquirição, a instâncias da mandatária do Requerente, entre as 00h00m47s e as 00h03m07s do seu depoimento:

(… transcrição de depoimento)

12) Ainda a este respeito, das condições existentes em casa do progenitor, refere a Testemunha Sr.ª EE, a instâncias da sua inquirição por parte da mandatária do Requerente, entre as 00h 01m34s e as 00h02m42s do seu depoimento:

(… transcrição do depoimento)

13) No mesmo seguimento, a testemunha GG referiu o seguinte, aquando da inquirição por parte da Mandatária do Requerido, entre as 00h02m39s e as 00h03m27s das suas declarações:

(… transcrição do depoimento)

13) Ainda a respeito das condições na residência do pai para acolher a menor, referiu o requerente, a instâncias da MM.ª Juiz, entre as 00h04m01s e as 00h04m22s e das 00h10m às 00h11m19s do seu depoimento:

(… transcrição das declarações)

14) Ainda a respeito das rotinas da menor, refere a testemunha Sr.ª FF, a instâncias da mandatária do Requerente, das 00h03m07s às 00h06m50s do seu depoimento:

(… transcrição do depoimento)

15) Sendo que o Tribunal “aquo” ainda não considerou as declarações da mãe da menor (Requerida/Recorrida), que a instâncias da MM.ª Juiz, refere das 00h05m53s às 00h11m11s do seu depoimento:

(… transcrição das declarações)

16) Ou seja, não apenas a menor tem condições geográficas, físicas e psíquicas para ter um regime de residência partilhada, como ambas as famílias (com uma distância geográfica entre as casas de poucos minutos a pé), têm uma rotina diária, pelo que de acordo com uma cada vez maioritária corrente jurisprudencial, tal alteração de regime para residência alternada seria mais saudável para o desenvolvimento da menor.

17) Assim, perante todas estas declarações e factos, não se compreende, como o Tribunal “aquo”, considera nenhuma circunstância se ter alterado, e considera que nenhuma necessidade há de alteração das responsabilidades parentais.

18) Quando para além de todas as mudanças ocorridas e já citadas, a própria menor, conforme refere o seu avô materno, testemunha DD (00h10m24 – 00h10m34s)

(… transcrição do depoimento)

19) E ainda, como se não bastassem todas as mudanças de circunstâncias ocorridas, o própria avó materna da menor CC, Testemunha Sr.ª HH, refere que a própria família da mãe da menor, tenta afastar o pai da convivência com a filha, tal como aconteceu na sua comunhão, conforme

refere a instâncias da Sr.ª Procurados das 00h20m59s às 00h21m20s do seu depoimento:

(… transcrição de depoimento)

20) Ainda a este respeito também a Testemunha DD, pai da requerida e avô da menor, refere aquando da inquirição da MM.ª Juiz, das 00h16m56s às 00h17m06s das suas declarações:

(… transcrição de depoimento)

21) Assim não se compreende, como entendeu o Tribunal “aquo” que as circunstâncias tidas para estabelecer as Responsabilidades parentais não se alteraram, quando o pai encontra-se com cada vez menos contacto com a filha, a filha reitera (segundo próprias declarações da família da requerida) que pretende residir uma semana com o pai e uma com a mãe, a criança cresceu e hoje com 9 anos já tem maturidade para compreender que os pais estão separados e que tem de conviver com os dois (e quer isso!) e ainda a família da mãe da menor, tem de forma reiterada afastado o progenitor de momentos únicos da sua filha.

22) Assim esteve mal o Tribunal “aquo” ao entender que não se encontram reunidas as circunstâncias para uma alteração das responsabilidades parentais.

23) Devendo a sentença proferida pelo Tribunal “aquo” ser revogada e substituída por outra, que dê como provado que a menor já demonstra por iniciativa dela que pretende passar mais tempo com o progenitor e, que, efetivamente existem circunstâncias supervenientes que permitam a alteração do regime de regime de responsabilidades parentais, alterando assim a decisão final de forma a conceder a procedência total do pedido de alteração apresentado, nomeadamente, conceder a guarda partilhada com residência alternada, assegurando-se assim o superior interesse da criança.

24) Ou, caso assim não se entenda, deverá a sentença proferida ser revogada, por terem existido alterações supervenientes das circunstâncias que levaram a esta alteração, sendo ordenado ao Tribunal “aquo” que se pronuncie sobre o pedido material formulado pelo Requerente/Recorrente.

Face ao exposto, entendemos e salvo o devido respeito por opinião contrária, que deve ser revogada a decisão proferida pelo tribunal aquo, pois a mesma não salvaguarda o superior interesse da menor, sendo a sentença proferida substituída por outra que conceda a procedência total do pedido de alteração apresentado, nomeadamente, conceder a guarda partilhada com residência alternada pelo período de uma semana alternadamente para cada progenitor da Menor CC, assegurando-se assim o superior interesse da criança.

Ou, caso assim não se entenda, deverá a sentença proferida ser revogada, por terem existido alterações supervenientes das circunstâncias que levaram a este pedido de alteração das responsabilidades parentais, sendo ordenado ao Tribunal “aquo” que se pronuncie sobre o pedido material formulado pelo Requerente/Recorrente.

FAZENDO-SE ASSIM INTEIRA JUSTIÇA!!

IV. O Mº Pº contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

1- Da matéria dada como provada não resultam factos que preencham os requisitos do incumprimento ou da superveniência que permitam a pedida alteração da RERP.

2- A análise da factualidade, atenta toda a prova nos autos e a que resulta da audiência de discussão e julgamento, nomeadamente do depoimento de todas as testemunhas que se encontram gravadas, não resulta provado que a progenitora incumpriu o último acordo de RERP judicialmente homologado no Apenso C, nem que existiu alguma circunstância superveniente que determine a alteração de tal acordo ou que a criança deseja a guarda partilhada.

3- Bem andou a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo ao proferir a sentença de manutenção do regime de exercício das responsabilidades parentais em vigor, transitada em julgado a 05/03/2018, referente à criança CC.

4- Nestes termos, não existe qualquer motivo para que a referida sentença seja revogada pelo Venerando Tribunal e que seja substituído por decisão que determine a procedência do pedido de alteração de RERP, concedendo a guarda partilhada, com residência alternada pelo período de uma semana um cada progenitor.

Deve, pois, manter-se a douta sentença proferida nos seus precisos termos,

FAZENDO-SE JUSTIÇA

V. A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

VI. Os factos provados foram os seguintes:

1. No processo principal em 27.05.2014 foi homologado ao acordo de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos termos do qual:

1. O Exercício das Responsabilidades Parentais relativas às questões de particular importância para a vida da filha CC, são exercidas em comum por ambos os progenitores, sendo que a criança fica a residir com a mãe BB, em ..., ..., ..., a quem caberá o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente da mesma.

2. O pai poderá ficar visitar a menina na casa da progenitora, todos os domingos a partir das 15:00 horas da tarde; sendo que nos próximos três meses, o pai poderá passear com a criança na aldeia da mãe, devendo entrega-la a esta pelas 18:00 horas.

3. A partir do quarto mês, a contar de agora, o pai poderá levar a filha até sua casa (casa de seus pais/avós paternos da criança), durante o mesmo período, isto é, aos domingos das 13:00 horas até às 18:00 horas.

4. Quando os pais entenderem que a criança já poderá pernoitar em casa do pai, este poderá levar a menina, de 15 em 15 dias, indo buscá-la aos Sábados por volta das 18:00 horas e indo entregá-la às 18:00 horas de Domingo.

5º A menina passará a consoada de Natal, neste ano de 2014, com a mãe, e o dia de Natal com o pai; e assim alternadamente e sucessivamente, durante os anos seguintes, podendo o pai ir buscar a menina no dia de Natal por volta das 12:00 horas e entregá-la por volta das 18:00 horas.

A menina passará igualmente o dia de Páscoa do próximo ano de 2015 com a mãe, e o ano seguinte o dia de Páscoa será passado com o pai, e assim alternada e sucessivamente.

6º O pai contribuirá, a título de prestação de alimentos, com a pensão mensal no montante de €100,00 (cem euros), a pagar já no próximo mês de junho de 2014, a pagar diretamente à mãe através de transferência bancária para conta aberta em nome da mãe, com o NIB  ...51, da C.G.D Agência de ..., até ao dia dez de cada mês a que disser respeito, e a atualizar anualmente em janeiro, no montante de cinco euros, e a começar no próximo mês de janeiro de 2015.

7º O progenitor suportará ainda metade de todas as despesas, escolares, médicas e medicamentosas, mediante a exibição do respectivo recibo a apresentar pela progenitora, e desde que não sejam comparticipadas.

2. No apenso B), em 29-03-2016 foi homologado o acordo quanto à Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais, nos seguintes termos:

1º O pai poderá ter a filha consigo em fins-de-semana alternados, a partir do fim-de-semana de 9 e 10 de Abril de 2016, nos seguintes horários: Deverá ir buscar a criança à casa da mãe entre as 12:30 horas e as 12:45 horas de sábado e deverá entregá-la, no mesmo local, aos domingos pelas 18:00 horas.

2º Às quartas-feiras, o pai poderá ir buscar a filha à casa da mãe pelas 18:30 horas, devendo entregá-la, no mesmo dia e no mesmo local, por volta das 20:30 horas.

No mais mantém-se o regime fixado na ata de conferência de pais realizada em 27 de Maio de 2014, na parte que não foi alterada na presente diligência.

3. No apenso C, em 05 de Março de 2018 foi acordado alterar as responsabilidades parentais nos seguintes termos:

1 - O pai poderá ter a filha consigo em fins de semana alternados, a partir da sexta feira, ao fim do período escolar da criança, até domingo ao fim do dia.

Às sextas-feiras, após o período escolar, a criança deverá ser conduzida à casa do pai, no transporte escolar, devendo a escola ser advertida pelos progenitores que deverá encaminhar a criança às sextas-feiras de 15 em 15 dias no transporte que serve a área de residência do pai.

Aos domingos dos fins de semana que lhe cabem, o pai entregará a filha na casa da mãe pelas 20:00 horas.

Nas férias escolares o pai poderá ir buscar a filha a casa da mãe às sextas-feiras pelas 19:30 horas, devendo entregá-la aos domingos pelas 20:00 horas.

2 - Para além disso o pai poderá ter consigo a criança às quartas-feiras, devendo a mesma ser conduzida no transporte adequado para casa do pai no fim do período escolar, devendo o pai levar a criança à escola às quintas-feiras no início do período escolar.

3 – O pai poderá, ainda, contactar a filha telefonicamente, sempre que quiser, devendo respeitar os horários de descanso da criança, e poderá visitá-la na escola sempre que quiser e poder, podendo levá-la para almoçar ou lanchar, devendo dar conhecimento prévio à escola e respeitar os horários fixados pelo estabelecimento de ensino para o efeito.

Mantém-se todas as restantes cláusulas do acordo original (27 de maio de 2014).

4. Na escola o requerente não sendo o encarregado de educação tem tido dificuldade em obter informações sofre a situação escolar da menor.

5. O requerente pretende participar ativamente na vida da filha, ajudando-a na escola diariamente, acompanhando o seu desenvolvimento.

6. A Requerida viva com os seus pais, avós maternos da menor, num andar que pode ser independente.

7. O requerente que vive na mesma casa com os seus pais.

8. Ás quartas-feiras a menor vai no autocarro após as aulas para casa do Requerente e dos avós paternos.

9. A menor esta a iniciar o seu percurso escolar, devendo ter o devido acompanhamento, pois, quase diariamente, tem deveres/trabalhos de escola para fazer em casa.

10. Com a mãe a menor, assim que chega da escola, lancha e após faz os deveres e depois, após o jantar, tem de se deitar para dormir e descansar.

11. As famílias do Requerente e da Requerida não se dão, tendo um relacionamento bastante complicado e conflituoso, tendo já existido processos de natureza criminal entre membros de ambas as famílias.

12. A CC, nascida a .../.../2013 é fruto da relação afetiva mantida no passado pelos seus progenitores, AA e BB.

13. Ambos os progenitores estão profissionalmente ativos, e residem respetivamente nas localidades de ... e ..., ambas, inseridas no concelho ..., distanciadas em cerca de 7 Kms.

14. AA inserido no contexto familiar dos seus progenitores, cuja habitação de caraterísticas unifamiliar, dispõe de boas condições de habitabilidade.

15. BB conjuntamente com a descendente CC, ocupam um primeiro andar de uma habitação unifamiliar pertença dos seus progenitores, os quais, por sua vez, ocupam o rés de chão da referida habitação.

16. AA está inserido no atual contexto familiar e residencial dos progenitores.

17. Os seus recursos económicos provêm do desempenho da atividade regular, na qualidade de mecânico de automóveis, no horário diário de segunda a sexta feira para a Firma "A...".

18. BB é colaboradora efetiva na Creche pertença da Santa Casa de Misericórdia de ..., desempenha a sua atividade de modo regular no horário diário compreendido entre as 8:00 h 16:00 horas.

*

Factos não provados:

- a menor questione “…o porquê de ficar menos tempo com o pai.”

(…)

*

VII. Na Relação, por decisão singular do actual relator, anulou-se a sentença recorrida e determinou-se a audição da menor, se for possível, devendo para o efeito o juiz previamente aferir essa possibilidade, com recurso ao apoio de assessoria técnica.     

VII. A requerida reclamou para a conferência, pedindo que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se na íntegra a decisão da 1ª instância.

VIII. Na aludida decisão singular, na parte referente ao Direito, escreveu-se que:

“2. Na sentença recorrida escreveu-se o seguinte:

“Fixado o factualismo, tratemos agora de proceder à alteração ou não da residência fixada em relação à menor CC.

Estabelece o art. 1877º do Código Civil que “os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação”.

Por seu turno estipula o art. 1878º, nº 1 do mesmo Código que “compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens”.

(…)

O meio processual adequado ao estabelecimento de tal regime é a providência tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais, prevista no art. 3º, al. c) do RGPTC e regulada nos arts. 34º e segs. do mesmo diploma.

A tramitação prevista nesta forma processual aplica-se mutatis mutandis, nos casos em que um dos progenitores pretende a alteração do regime estipulado ou homologado pelo Tribunal – art. 42º do RGPTC.

Estabelece o nº 1 deste preceito que “Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.”.

A lei faz depender a procedência do procedimento de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais da verificação de: que a alteração de regime se funde em incumprimento do acordo ou decisão final que fixou o regime a alterar, ou em circunstâncias supervenientes que imponham essa alteração.

Como se referiu o primeiro pressuposto exigido pelo art.º 42.º, n.º1 do RGPTC prende-se com o facto de haver incumprimento de ambos os progenitores.

Ora, em primeiro lugar, não houve após a referida sentença homologatória proferida no apenso C), no qual se procedeu à alteração de parte das responsabilidades parentais, por acordo, qualquer condenação ou declaração de incumprimento.

(…)

Quanto à verificação de circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar o que estiver estabelecido.

O que deve entender-se por “ circunstâncias supervenientes”?

Tratando-se do presente processo de um processo de jurisdição voluntária (art.ºs 986.º a 988.º do CPC ex vi 12.º do RGPTC), tem aqui aplicação o critério estabelecido no art.988 nº1 do CPC - “dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão, como as anteriores que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso”.

Por outro lado, circunstâncias supervenientes são as ocorrências posteriores à data do encerramento da discussão – cf. art. 611.º, nº 1 do CPC, aplicável ex vi do art. 33.º, n.º 1, do RGPTC.

A superveniência pode ser objetiva ou subjectiva.

A superveniência objectiva ocorre quando os factos que configuram a alteração das circunstâncias ocorrem depois do encerramento da discussão da causa em que foi proferida a decisão a alterar; a superveniência subjetiva tem lugar quando tais factos ocorrem antes daquele momento, mas chegam ao conhecimento do requerente em data posterior.

(…)

Assim, no âmbito do procedimento a que alude o art. 42.º do RGPTC, a alteração superveniente das circunstâncias constitui um pressuposto da alteração do regime das responsabilidades parentais.

Neste sentido, ac. RG 08-06-2017 (Mª dos Anjos Nogueira), p. 7380/03.4TBGMR-C.G1, in www.dgsi.pt, “para que uma obrigação parental seja modificável, com base na alteração das circunstâncias, aquele que pretende a alteração deve alegar as circunstâncias existentes no momento em que aquela obrigação foi contraída e as circunstâncias presentes no momento em que requer a modificação dessa mesma obrigação. Se o juízo de relação mostrar uma variação de contexto, então deve autorizar-se a alteração da obrigação. No caso contrário, a alteração deve, naturalmente, recusar-se.”

Veja-se ainda o Ac. RL de 07.10.2021, in www.dgsi.pt “A alteração da regulação das responsabilidades parentais pressupõe a verificação de um incumprimento ou a ocorrência de circunstâncias supervenientes que demonstrem que o regime estabelecido deixou de ser adequado a promover os fins visados.

Circunstâncias supervenientes não são necessariamente factos ocorridos externamente no tempo e no espaço, podendo os estados de espírito, emoções e sentimentos consubstanciar tal superveniência de circunstâncias; concretamente, devem ter-se como circunstâncias supervenientes o estado de espírito da criança, as suas emoções e a sua dificuldade em integrar uma relação, uma vez que são relevantes na perspectiva do desenvolvimento físico, intelectual e moral da criança”.

Ou ainda o Ac. RG de 08.06.2017, in www.dgsi.pt “Para que uma obrigação parental seja modificável, com base na alteração das circunstâncias, aquele que pretende a alteração deve alegar as circunstâncias existentes no momento em que aquela obrigação foi contraída e as circunstâncias presentes no momento em que requer a modificação dessa mesma obrigação.

- Se o juízo de relação mostrar uma variação de contexto, então deve autorizar-se a alteração da obrigação.

- No caso contrário, a alteração deve, naturalmente, recusar-se.”.

(…)

No caso concreto, ficou provado que o regime em vigor é o de residência junto da mãe na sequência de acordo homologado por sentença de 05.03.2018, no apenso C), que foi já a terceira alteração do regime inicial fixado em 27.05.2014.

A presente ação entrou em 27.09.2019.

No caso em concreto ficou provado com mais relevância para apreciação do pedido do Requerente que no processo principal em 27.05.2014 foi homologado ao acordo de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais; no apenso B), em 29-03-2016 foi homologado o acordo quanto à Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais; e no apenso C), em 05 de Março de 2018 foi, novamente, acordado alterar as responsabilidades parentais.

As famílias do Requerente e da Requerida não se dão, tendo um relacionamento bastante complicado e conflituoso, tendo já existido processos de natureza criminal entre membros de ambas as famílias.

A CC, nascida a .../.../2013 é fruto da relação afetiva mantida no passado pelos seus progenitores, AA e BB.

Ambos os progenitores estão profissionalmente ativos, e residem respetivamente nas localidades de ... e ..., ambas, inseridas no concelho ..., distanciadas em cerca de 7 Kms.

AA inserido no contexto familiar dos seus progenitores, cuja habitação de caraterísticas unifamiliar, dispõe de boas condições de habitabilidade.

BB conjuntamente com a descendente CC, ocupam um primeiro andar de uma habitação unifamiliar pertença dos seus progenitores, os quais, por sua vez, ocupam o rés de chão da referida habitação.

AA está inserido no atual contexto familiar e residencial dos progenitores. Os seus recursos económicos provêm do desempenho da atividade regular, na qualidade de mecânico de automóveis, no horário diário de segunda a sexta feira para a Firma "A...".

BB é colaboradora efetiva na Creche pertença da Santa Casa de Misericórdia ..., desempenha a sua atividade de modo regular no horário diário compreendido entre as 8:00 h 16:00 horas.

Assim, da matéria dada por provada considera-se não estarem preenchidos os requisitos de incumprimento ou da superveniência que justifiquem a alteração da regulação das responsabilidades parentais pedida.

No caso vertente, e perante todo o exposto, tempos por indiscutível a manifesta improcedência da pretensão do requerente, por não se verificar o mencionado pressuposto da superveniência.”.

(…) 

2.2. O recorrente dissente da decisão recorrida pelos motivos constantes das suas conclusões de recurso, que assentam na sustentação de existência de circunstâncias supervenientes para alterar o regime previamente fixado (cfr. as 1) a 6), 16), 17), 21) a 24).

O fito é obter sentença que conceda a guarda partilhada com residência alternada pelo período de uma semana alternadamente para cada progenitor da menor CC, assegurando-se assim o superior interesse da criança.

Para tanto o recorrente esgrime com a vontade da menor nesse sentido (cfr. 3) e 23) das ditas conclusões de recurso).

A sentença recorrida entendeu que inexistem circunstâncias supervenientes para alterar o regime previamente fixado. Contudo, circunstâncias supervenientes objectivas pode ser a própria modificação da lei.

O requerimento do ora recorrente, para alteração do regime previamente fixado entrou em juízo em Setembro de 2019. No intervalo, alterou-se significativamente a lei, pois a mesma, na senda do que já vinha a ser defendido amiudamente pela consciência social, jurisprudência e doutrina, consagrou expressamente a preferência pela residência alternada, com guarda partilhada, independentemente de mútuo acordo dos progenitores nesse sentido, no art. 1906º, nº 6, do CC (alteração da Lei 65/20, de 4.11, em vigor desde 1.12.2020).

Todavia, nem o recorrente, nem o Mº Pº, nem o Tribunal, fizeram qualquer alusão a essa alteração legal ou à possibilidade de ser ponderada !?

O que é certo é que há que equacionar a vontade da menor nesse sentido, que o recorrente trouxe à colação.

A matéria provada revela-nos que desde 5 de Março de 2018, portanto já há cerca de quase 5 anos, a menor passa os fins de semana com o pai, desde 6ª a tarde até Domingo ao fim do dia, de 15 em 15 dias, mais a 4ª feira para 5ª, semanalmente. Sem que se evidenciem factos que mostrem problemas de monta para o superior interesse da menor. Ou seja, temporalmente a menor já não está muito afastada de uma situação de residência alternada, sem controvérsias de maior e prejuízos para a menor.   

Por outro lado, a referida factualidade demonstra que ambos os progenitores têm condições sociais, económicas, habitacionais e psicológicas para ter consigo a sua filha, e que ambos os pais devotam à menor e esta aos pais amor, atenção e preocupação.

Isto é, à partida, há condições para o indicado regime legal preferido pelo legislador, e não se descortinam relevantes motivos para desaconselhar a aplicação do mesmo, salvo o mau relacionamento entre famílias de um e outro progenitor, que mesmo assim empalidece perante o superior interesse da criança em estar em igualdade de circunstâncias com ambos os progenitores.

É importante ouvir a menor sobre os seus interesses, o que ela pretende e “defende”, o que a lei determina, ainda que oficiosamente (referido art. 1906º, seu nº 9, e arts. 4º, nº 1, c) e 5º, nº 1 e 6º, do RGPTC).

Audição que é possível, visto já ter 9 anos de idade e cremos aparente maturidade e suficiente capacidade de compreensão dos assuntos em discussão. Mas claro, com prévia aferição casuística do juiz e respectivo despacho, devendo para o efeito recorrer ao apoio de assessoria técnica, bem como, para a respectiva audição se vier a ser determinada (referido nº 1, c) e 2 do apontado art. 4º).

Vai portanto, anular-se a decisão, nos termos do art. 662º, nº 2, b) e c), in fine, do NCPC, a fim de, após o que agora se vai determinar, ser proferida nova sentença.”.       

IX. Na sua reclamação para a conferência, a reclamante/requerida invocou, no essencial e no ora relevante, que: - extravasou o Relator os poderes de que dispunha, já que, conheceu ultra petitum, já que o que veio a constar da decisão sumária (audição da menor) não foi requerido pelo recorrente; - a decisão sumária é por si só contraditória, pois pugna-se pela prévia aferição em despacho da possibilidade de audição da menor e só após se profira nova sentença, mas profere-se decisão a determinar tal audição; - por mais que se acolham as alterações legislativas, no sentido de cada vez mais de adoptarem medidas de guarda partilhada, a verdade é que cada caso é um caso e não se podem ultrapassar as outras regras legais já fixadas, no sentido de que não ocorrendo alterações substanciais (como se deu como provado nos autos) não existem razões de facto que permitam qualquer alteração ao regime fixado; - ainda que a menor não tenha sido ouvida, a vontade da mesma sugere estar bem na sua rotina normal junto da mãe.

A estes 4 argumentos responde-se assim:

- o Relator não extravasou qualquer poder, pois, independentemente do que o requerente requereu, tem o mesmo poderes legais para tanto, para o que veio a determinar oficiosamente. Tais poderes são-lhe conferidos pelos já citados arts. 1906º, nº 9, do CC, art. 662º, nº 2, do NCPC, 4º, nº 1, c), 5º, nº 1 e 6º, do RGPTC. E ainda pelo que resulta da conjugação dos arts. 12º do RGPTC – natureza de processo de jurisdição voluntária do processo tutelar cível – e 986º, nº 2, do NCPC – investigação livre dos factos e recolha de provas necessárias, pelo tribunal no processo de jurisdição voluntária.  

- ao contrário do que a reclamante supõe erradamente, não existe qualquer decisão contraditória entre o segmento decisório e a fundamentação jurídica. Nesta escreveu-se que a audição da menor era possível, mas “com prévia aferição casuística do juiz e respectivo despacho, devendo para o efeito recorrer ao apoio de assessoria técnica, bem como, para a respectiva audição se vier a ser determinada” e naquele segmento determinou-se a audição da menor, se for possível, devendo para o efeito o juiz previamente aferir essa possibilidade, com recurso ao apoio de assessoria técnica. É, por isso manifesto, que o decidido está em perfeita coerência com o estabelecido na indicada fundamentação jurídica.

- se cada caso é um caso e a lei manda considerar alterações supervenientes substanciais subjectivas ou objectivas (art. 988º, nº 1, do NCPC) só a final, produzida a prova, se poderá concluir se elas ocorreram ou não.

- se a menor não foi ouvida, não há qualquer elemento que permita saber a vontade dela, directa ou sugerida.

Face ao explicitado, é de indeferir a reclamação da requerida.  

(…)

XI. – Decisão

Pelo exposto, indefere-se a reclamação para a conferência, assim se mantendo a decisão singular reclamada.     

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Custas pela requerida/reclamante.

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                                                                     Coimbra, 12.4.2023

                                                                 Moreira do Carmo

                                                                 Fonte Ramos

                                                                 Alberto Ruço