Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
970/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. ARTUR DIAS
Descritores: PROCESSO EXECUÇÃO
INCIDENTE DA ASSISTÊNCIA
Data do Acordão: 05/11/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Legislação Nacional: ARTºS 335º A 341º E 466º, Nº 1 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Sumário:

Não obstante ter sido pensado e organizado primacialmente em vista do processo declarativo, nenhum obstáculo existe a que o incidente da assistência, regulado pelos artigos 335º a 341º do Código de Processo Civil, tenha aplicação no processo executivo
Decisão Texto Integral:
AGRAVO nº 970/04 Relator: Artur Dias; Adjuntos: António Piçarra e Jaime Ferreira
Recorrentes: FF e Outros
Recorrido: Banco Totta & Açores, S.A.
Comarca: Coimbra (3º Juízo Cível – Ex. Ord. nº 2179/85).

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Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


1. RELATÓRIO
No âmbito da execução ordinária para pagamento de quantia certa que, com o nº 2179/85, corre termos pelo 3ª Juízo Cível da comarca de Coimbra, em que é exequente o AA e executados “BB”, CC e mulher DD e EE, foi, em 29 de Julho de 2003, deduzido por FF e mulher GG e HH e marido II, nos termos e ao abrigo dos artºs 335º e seguintes do Cód. Proc. Civil, o incidente da assistência, com vista a serem admitidos a intervir nos autos como auxiliares dos executados.
Alegaram, para tanto, em síntese, que na execução foi penhorada, como integrando o património do executado EE, uma quarta parte indivisa de um prédio rústico sito no lugar da Amieirinha, freguesia e concelho da Marinha Grande, inscrito na matriz sob o artº 2692 e descrito na Conservatória com o nº 819 a fls. 76-vº do Livro B-3; que os requerentes II e FF, na qualidade de contitulares do direito de propriedade sobre aquele prédio rústico indiviso, foram notificados, em 13/10/93 e 10/11/93, respectivamente, do despacho que ordenou a penhora e que lhes era lícito fazer as declarações que entendessem quanto ao direito do executado e ao modo de o tornar efectivo, nos termos do artº 862º do Cód. Proc. Civil; que, tendo o executado EE construído, entre 1973 e 1975, na sua quarta parte do prédio uma casa de habitação, promoveu e conseguiu a inscrição do imóvel na matriz predial urbana, onde lhe coube o artigo urbano 7691, posteriormente alterado para o artigo urbano 16463; que, face a tal destacamento e autonomização, o executado EE deixou de ser proprietário de qualquer fracção ou quota do rústico, o qual pertence em exclusivo aos requerentes; e que, atento o seu descrito interesse jurídico, pretendem ser admitidos como assistentes, com vista a auxiliarem os executados na prática de actos que permitam o levantamento da penhora.
Pelo despacho certificado a fls. 59 e verso foi o pedido de intervenção liminarmente indeferido, com o fundamento de que o incidente da assistência não é admissível em acção executiva Aí se escreveu:
“Tendo presente a finalidade deste incidente e a estrutura e objectivo da acção executiva – providenciar pela reparação material coactiva do direito do exequente pressupondo a prévia solução da dúvida que possa haver sobre a existência e a configuração do direito exequendo – afigura-se-nos ser de sustentar a inadmissibilidade do incidente da assistência em acção executiva.
Com efeito, a questão da admissibilidade do incidente de intervenção de terceiros na acção executiva só se coloca em relação à intervenção principal pois, quanto aos restantes incidentes, o objectivo da intervenção só se pode realizar no processo declarativo. É certo que a admissibilidade da intervenção assistencial em acção executiva tem vindo a ser defendida com o fundamento em tal acção ser susceptível de integrar embargos de executado e os incidentes da instância estarem inseridos na parte geral do Código de Processo Civil, porém tal questão não se coloca no caso vertente uma vez que o incidente não foi suscitado no âmbito de embargos de executado que nem sequer foram deduzidos. .
Os requerentes, inconformados, recorreram, tendo o recurso sido admitido como agravo, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Na alegação apresentada os agravantes formularam as conclusões seguintes:
1) Os requerentes da intervenção, ora agravantes, tendo em conta os factos por si alegados e provados documentalmente, têm interesse em “intervir” na presente acção executiva para suscitar uma decisão favorável aos executados e, reflexamente, também favorável para si, “ maxime” o levantamento da penhora por aplicação do art° 847° do CPC.
2) Para que possam suscitar tal decisão, só sendo “admitidos a intervir” o poderão fazer...
3) Os ora agravantes não poderão ser afectados pela eventual inércia dos executados, seja porque motivo for.
4) Tendo os requerentes da intervenção, ora agravantes, um interesse jurídico em que haja, na acção executiva, uma “decisão favorável” aos executados, “maxime” o levantamento da penhora por aplicação do citado art° 847°, tal bastará para que, do ponto de vista legal, seja admissível a sua “intervenção”, seja a título de “assistência”, “principal” ou qualquer outro (se o houver...).
5) Os agravantes, no seu requerimento de intervenção, alegaram factos susceptíveis de fundamentar e legitimar a sua requerida “intervenção”.
6) O facto de a terem qualificado como “assistência” quando, porventura, devesse ser de “principal” ou qualquer outra, não vincula o julgador nem o impede de a qualificar, juridicamente, de forma diversa, nos termos do art° 664° do CPC.
7) Na acção executiva, verificado que seja um “interesse jurídico” legítimo de um terceiro em intervir, a admissão de tal “intervenção” não ficará precludida pelo facto de, nessa acção, não terem sido deduzidos “embargos de executado” ou de “terceiro”.
8) Ponto fulcral é que, pelos factos alegados (e, no caso, provados documentalmente), se possa concluir ter ele um “interesse jurídico” legítimo em “querer intervir” para, uma vez “dentro do processo”, poder requerer o que houver por conveniente tendo em vista suscitar uma “decisão favorável” aos executados e, por reflexo, também favorável a si mesmo...
9) Ao “intervir” (seja a que título for) para suscitar essa “decisão favorável” aos executados, além de prestar “auxilio” a estes, os requerentes da intervenção e ora agravantes estão também a suscitar uma decisão que, por reflexo, lhes será também favorável – e, daí, o seu interesse em agir...
10) O despacho ora agravado, salvo o devido respeito, terá, assim, violado o citado artº 335º e, bem assim, as disposições que estatuem sobre a “intervenção principal” (cfr. artº 320º e segs. do CPC) tendo-se em atenção o disposto no artº 664º do CPC.
11) O despacho ora agravado interpretou e aplicou as referidas disposições legais no sentido de sustentar não ser admissível o incidente da assistência em acção executiva quando, no entender dos ora agravantes, tais disposições deveriam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido de admitir a intervenção dos ora agravantes, seja a título de “assistência” ou a título “principal” e sendo certo que o juiz não está vinculado à qualificação jurídica que as partes fazem dos factos...
O Banco Totta & Açores, S.A., que foi notificado do requerimento de intervenção, do despacho recorrido, do despacho que admitiu o recurso e das alegações dos agravantes, não respondeu.
Instruído o recurso com as pertinentes peças processuais da acção executiva e proferido despacho de sustentação, subiu o agravo a esta Relação.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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2. QUESTÕES A SOLUCIONAR
Tendo em consideração que, de acordo com os artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à apreciação e decisão deste Tribunal é colocada apenas a questão de saber se na acção executiva é admissível a intervenção de terceiros, nomeadamente através do incidente da assistência.
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3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. De facto
A factualidade relevante para a análise e decisão do agravo é a que resulta do antecedente relatório, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
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3.2. De direito
A assistência é um incidente de intervenção acessória, espontânea, de terceiros, cuja regulamentação legal consta dos artºs 335º a 341º do Cód. Proc. Civil.
De acordo com o artº 335º, nº 1, “estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode intervir nela como assistente, para auxiliar qualquer das partes, quem tiver interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável a essa parte”.
E, nos termos do nº 2 da mesma disposição legal, “para que haja interesse jurídico, capaz de legitimar a intervenção, basta que o assistente seja titular de uma relação jurídica cuja consistência prática ou económica dependa da pretensão do assistido”.
A intervenção do assistente não pode ser provocada; a posição que vai ocupar é a de auxiliar de uma das partes principais (artº 337º, nº 1); e a legitimidade para intervir deve resultar da titularidade de uma relação jurídica cuja consistência prática ou económica dependa da pretensão do assistido (interesse jurídico).
A questão que nestes autos se coloca é a de saber se o incidente em causa tem aplicação apenas nas acções declarativas, como se sustenta no despacho sob recurso, ou se tem também aplicação nas acções executivas, como defendem os agravantes.
Salvador da Costa Os Incidentes da Instância, 3ª edição, pág. 147. afirma que, “considerando a estrutura e o fim da acção executiva e do incidente de assistência legalmente previstos, o segundo não se coaduna com a primeira. Todavia, acrescenta o mesmo autor, já foi decidido o contrário, com fundamento em a acção executiva ser susceptível de integrar embargos de executado e os incidentes da instância estarem inseridos na parte geral do Cód. Proc. Civil”. E indica o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/06/1998 BMJ, nº 478, pág. 305., em cujo sumário se refere que “a assistência pode ocorrer no processo executivo, não só por este poder integrar embargos, que se traduzem numa acção declarativa enxertada na execução, como ainda porque os incidentes da instância se encontram previstos e regulados nas «Disposições gerais» (Título I) do Livro III do Código de Processo Civil, aplicáveis a qualquer forma de processo”.
Mas não é só aquele aresto do nosso mais alto Tribunal que perfilha o aludido entendimento.
Com efeito, escrevia já o Prof. Alberto dos Reis Processo de Execução, vol. 1º, 2ª edição, Reimpressão, 1982, pág. 204, nota 1., após considerar que, entre nós, o incidente da assistência está organizado com vista ao processo de declaração, que “a disposição geral do artigo 801º O artº 801º do CPC dispunha que “são subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução as disposições que regulam o processo de declaração”.
Com a revisão do CPC operada pelo Dec. Lei nº 329-A/95, de 12/12, essa norma transitou, ainda que não textualmente, para o nº 1 do artº 466º. autoriza, sem dúvida, a dedução do incidente no processo executivo”.
Também o Prof. Anselmo de Castro A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª edição, 1977, pág. 83., na mesma esteira, ensinava que “a noção de parte acessória não tem maior extensão na acção executiva do que na declarativa; portanto, partes acessórias são-no apenas os assistentes, figura que raro terá na execução interesse mas que se não vê razão para não ser admitida(sublinhado nosso).
Igualmente o Prof. Lebre de Freitas A Acção Executiva à Luz do Código Revisto, 2ª edição, 1997, pág. 115. parece ser da mesma opinião quando afirma que “se se percorrerem as disposições reguladoras dos vários tipos de incidente de intervenção de terceiros, verificar-se-á que, à excepção do incidente da assistência, eles foram pensados em função da acção declarativa”(sublinhado nosso).
Finalmente, também Jorge Barata e M. Laranjo Pereira Direito Processual Civil II – Parte I, 1976/1977 (edição da Faculdade de Direito de Lisboa), pág. 150. deixam transparecer idêntico entendimento ao escreverem que “no processo de execução são partes acessórias os sujeitos que, não sendo titulares dos interesses em conflito ou sujeitos da relação jurídica material controvertida, têm um interesse conexo com o interesse principal”, dando como exemplos os assistentes, os preferentes e os remidores.
Parece-nos ser esta a orientação acertada.
Com efeito, sem prejuízo de se aceitar com facilidade que o incidente da assistência foi pensado e organizado primacialmente em vista do processo declarativo, afigura-se-nos que nenhum obstáculo existe a que tenha aplicação no processo executivo, já que, de acordo com o actual artº 466º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, “são subsidiariamente aplicáveis ao processo comum de execução, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da acção executiva”.
Para além da perfeita compatibilidade do incidente em causa com os incidentes da execução que, em certas circunstâncias, hajam de seguir os termos do processo de declaração – liquidação contestada (artº 807º, nº 2), embargos de executado (artº 817º, nº 2), verificação e graduação de créditos (artº 868º, nº 1) – a sua aplicabilidade parece justificar-se sempre que os requerentes, dotados da indispensável legitimidade, tenham em vista a prática de quaisquer actos que o assistido não tenha perdido o direito de praticar e de que não discorde (artº 337º, nº 2).
Procedem, portanto, as conclusões da alegação dos agravantes, o que conduz ao provimento do agravo e à revogação do despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que, nos termos do artº 336º, nº 3 do Cód. Proc. Civil, ordene a notificação do exequente para, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, se opor, seguindo-se, depois, os demais termos processuais.
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4. DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao agravo e, consequentemente, em revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que, nos termos do artº 336º, nº 3 do Cód. Proc. Civil, ordene a notificação do exequente para, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, se opor, seguindo-se, depois, os demais termos processuais.
Sem custas artº 2º, nº 1, al. g) do Cód. Custas Judiciais.
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Coimbra, 2004/05/11