Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
307/19.3T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: DANO BIOLÓGICO
INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Data do Acordão: 11/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 564º, Nº 2 DO C. CIVIL.
Sumário: I- A afetação da pessoa do ponto de vista funcional releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e especificamente da sua atividade laboral, diminuindo as alternativas que lhe seriam possíveis ou oferecendo menores possibilidades de progressão na carreira, bem como uma redução de futuras oportunidades no mercado de trabalho, face aos esforços suplementares necessários para a execução do seu trabalho.
II- Estes esforços suplementares constituem perdas patrimoniais futuras, ressarcíveis à luz do disposto no art. 564º, nº 2, do Cód. Civil.

III- Esta afetação existe ainda que não implique efetivas perdas de rendimentos laborais, por implicar apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais e constituindo um dano que afeta a actividade geral do lesado, não cessa com a idade da reforma, antes se repercute pelo período previsível da vida do lesado.

IV- Para cálculo dos valores indemnizatórios deverá o tribunal ter em consideração, para além do grau de incapacidade, fatores como a idade da vítima, o tempo provável em que se poderá manter ativo, a natureza do trabalho que realizava, o salário auferido, a progressão na carreira profissional, o facto de o capital ser ressarcido por uma vez só, eventuais desvalorizações da moeda, corridos estes por recurso a juízos de equidade.

Decisão Texto Integral:

SUMÁRIO ELABORADO PELO RELATOR (artº 667º, nº 3 do C.P.C.)

I-A afetação da pessoa do ponto de vista funcional releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e especificamente da sua atividade laboral, diminuindo as alternativas que lhe seriam possíveis ou oferecendo menores possibilidades de progressão na carreira, bem como uma redução de futuras oportunidades no mercado de trabalho, face aos esforços suplementares necessários para a execução do seu trabalho.

II-Estes esforços suplementares constituem perdas patrimoniais futuras, ressarcíveis à luz do disposto no art. 564º, nº 2, do Cód. Civil.

III-Esta afetação existe ainda que não implique efetivas perdas de rendimentos laborais, por implicar apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais e constituindo um dano que afeta a atividade geral do lesado, não cessa com a idade da reforma, antes se repercute pelo período previsível da vida do lesado.

IV-Para cálculo dos valores indemnizatórios deverá 1o tribunal ter em consideração, para além do grau de incapacidade, fatores como a idade da vítima, o tempo provável em que se poderá manter ativo, a natureza do trabalho que realizava, o salário auferido, a progressão na carreira profissional, o facto de o capital ser ressarcido por uma vez só, eventuais desvalorizações da moeda, corridos estes por recurso a juízos de equidade.

Proc. Nº  307/19.3T8LRA.C1- Apelação

Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – J. Central Cível de Leiria - J1.

Recorrente: C..., SA

Recorrido: N...                                                                        

Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves

Juízes Desembargadores Adjuntos: Jaime Ferreira

                                                   Teresa Albuquerque


Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO


            N... interpôs ação declarativa sob a forma comum contra C..., SA, pedindo a condenação da ré no pagamento do total de € 50.083,49 e juros, desde a citação e até integral pagamento, decorrente de lesões e danos de natureza não patrimonial sofridos em consequência de acidente de viação que se ficou a dever a culpa exclusiva de um condutor seguro na companhia ré.

Regularmente citada, a ré seguradora deduziu contestação alegando, em síntese, que o acidente se deveu pelo facto de a A. circular  parcialmente pela metade da faixa de rodagem destinada ao trânsito que seguia em sentido contrário, impugnando ainda os valores peticionados.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixado o objeto do litígio e foram enunciados os temas de prova, após o qual se procedeu à realização da audiência de julgamento, findo o qual foi proferida a seguinte decisão:

Julgo a presente acção parcialmente provada e, nessa medida, procedente, pelo que condeno a ré, C..., SA, no pagamento à autora, N..., das seguintes quantias:

1- 3.200,00, a título de despesas;

2- € 4.200,00, a título de rendimentos perdidos;

3- 3.000,00, a título de danos não patrimoniais durante o período de défice temporário;

4- € 19.600,00, a título de dano biológico;

5- juros, à taxa legal, sobre cada uma das referidas quantias, desse a citação relativamente aos itens 1 e 2, e desde a data desta decisão quanto aos 3 e 4, sempre até integral pagamento;

e absolvo a mesma ré de tudo o mais contra ela pedido.

Custas por autora e ré, na razão directa dos respectivos decaimentos.

Não conformada com esta decisão impetrou a R. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

...

Pela A. foram interpostas contra alegações, formulando afinal as seguintes conclusões:

                ...


QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consiste unicamente em apurar:
a) Se o valor indemnizatório fixado a título de dano moral deve ser reduzido.

Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes adjuntos, cumpre decidir.


FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de facto:

i – factos provados

...

ii – factos não provados

...

Assente a matéria fáctica a considerar, passemos à análise da impugnação eduzida pela R. seguradora.


FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Funda a recorrente a sua discordância relativamente à decisão objecto de recurso no seguinte:

- A lesada/recorrida passou a padecer de um défice funcional de 5 pontos, sendo que carece de esforços acrescidos e enfrenta dificuldades na sua actividade de distribuidora de pão, e está incapaz de continuar a exploração do café, fruto das lesões sofridas.

- A autora, enquanto distribuidora de pão, auferia mensalmente uma quantia líquida de cerca de € 700,00.

- A idade da autora à data do acidente – 52 anos;

- O limite de vida ativa que se pode situar nos 66 anos;

Considera assim que a compensação do dito dano biológico, deve ser fixado no valor de € 10.000,00 e não os 39.200,00 euros fixados na sentença recorrida, por manifestamente exagerado.

Vistas as alegações e conclusões da recorrente impõe-se referir que, embora o direito ao recurso constitua um imperativo constitucional (crf. artº 32 da Constituição), à parte que intenta a reapreciação da decisão proferida em primeira instância cabe o ónus de elencar os argumentos fáctico jurídicos que, no seu entender, impõem a alteração da decisão recorrida. 

Não basta invocar que o valor fixado em primeira instância é “manifestamente exagerado”, indicando um qualquer outro valor em sua substituição, mas antes invocar os argumentos fáctico-jurídicos e/ou as posições jurisprudenciais que impõem decisão diversa. 

O direito ao recurso não consiste no mero pedido de reapreciação da decisão (cfr. decorre expressamente do disposto no artº 639º do C.P.C.) mas antes incide sobre os pontos que o recorrente entende mal julgados, quer por erro na apreciação da prova, quer por erro na sua adequação jurídica.

Assim sendo, o “manifestamente exagerado” nada quer dizer, nem o valor avançado pela R. seguradora, em substituição do valor considerado pelo tribunal recorrido, tem qualquer suporte jurídico ou sequer fáctico.

Vejamos: em causa está a atribuição de indemnização pelo dano biológico que, como se sabe, se destina a compensar o lesado pela incapacidade permanente, pela limitação que o lesado sofre na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, a qual deve ser reparado porque constitui um dano indemnizável, quer acarrete para o lesado uma efetiva diminuição do seu ganho laboral, quer implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais.

 Esta afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho efetiva, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e especificamente da sua atividade laboral, quer diminuindo as alternativas que lhe seriam possíveis ou oferecendo menores possibilidades de progressão na carreira, bem como uma redução de futuras oportunidades no mercado de trabalho, face aos esforços suplementares necessários para a execução do seu trabalho.

Acresce que, como se se refere no Ac. da R. de Coimbra de 12/04/2011[1] “a pontuação não equivale à percentagem de incapacidade, havendo quem (bem) defenda que, enquanto “unidades de apreciação”, o juiz é livre de apreciá-los [os pontos em causa], tão livre como o perito médico, podendo saltar para fora dos limites estabelecidos nas tabelas.”

Com efeito, a circunstância de nem sempre ocorrer a perda de rendimento decorrente das limitações físicas permanentes do lesado, bem como a necessidade de ressarcir os danos em casos em que o lesado não apresente efe1tivos rendimentos (quer porque ainda não iniciou a sua atividade laboral, quer porque não tem atividade, quer porque já cessou a atividade que tenha exercido) tem contribuído para consolidar a figura do dano biológico, como dano reparável independentemente da perda efetiva e atual de rendimento[2], considerado na sua vertente patrimonial ou não patrimonial, consoante a repercussão que a lesão sofrida tenha na sua atividade profissional (ou possa vir a ter em futura atividade a desenvolver).

Como se refere no Ac. do STJ de 21/03/13 (cit.), “saber se está em causa apenas uma perda de capacidades para o exercício de futuras e diversas atividades susceptíveis de serem exercidas pelo lesado ou se, independentemente da existência de um qualquer grau de incapacidade, da lesão resulta previsivelmente perda de oportunidades profissionais; ou saber se a perda de capacidades implica penosidade para o desempenho de qualquer atividade ou apenas de algumas: estamos sempre, em todas essas situações, a ponderar perdas patrimoniais futuras, relevando a diferença concreta de tais situações para a fixação equitativa do montante de indemnização que, por conseguinte, não deixa de ressarcir um dano futuro previsível à luz do art. 564º, nº 2, do Cód. Civil (...). Se a perda implica apenas penosidade para certas atividades, mais uma vez se nos depara a questão de saber se a indemnização deve ser fixada - considerada a perda de possibilidade ou oportunidade profissional – ou se, pelo contrário, não deve ser atribuída. Cremos que em tal caso uma não atribuição, a título de dano patrimonial, só se justifica em circunstâncias muito particulares, designadamente, quando a atividade inviabilizada ou dificultada seja uma atividade que o lesado à luz do critério legal da previsibilidade (art. 564º, nº2, do Cód. Civil), não iria exercer. Nestes casos a indemnização seria devida a título de dano moral”. (…) Não havendo uma redução retributiva, o trabalhador tem, no entanto, uma redução real porque a penosidade do trabalho é maior e, por conseguinte, o trabalhador tem de trabalhar mais – e trabalhar com mais esforço é trabalhar mais – para receber o mesmo. (…) a vertente não patrimonial indemnizável deste dano é a que resulta do desgosto, da dor, do desespero em que uma pessoa se vê por estar sempre diminuída fisicamente, suportando dores e incómodos com lesões que permanecem e que a usura do tempo tende a agravar (art. 496º do Cód. Civil)”.

No mesmo sentido defendeu-se no Ac. da Relação de Guimarães de 09/10/13[3] que “Sendo a incapacidade permanente, “de per si”, um dano patrimonial indemnizável, pela limitação que o lesado sofre na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, deve ser reparado, quer acarrete para o lesado uma diminuição efetiva do seu ganho laboral, quer implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais. (…) Esta afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado.(…)”.

Existindo relação entre a incapacidade – dano biológico – e a perda de capacidade de ganho ou perda de proventos, menos dúvidas persistirão no cálculo dos danos patrimoniais futuros.

Refira-se que já na Portaria nº 377/2008, de 26/05, se consagra a indemnização deste dano de acordo com o seu artº 3 b), considerando que este dano existe quer da lesão sofrida “resulte ou não perda da capacidade de ganho”, mais esclarecendo o artº 4 deste diploma que “Além dos direitos indemnizatórios previstos no artigo anterior, o lesado tem ainda direito a ser indemnizado por danos morais complementares, (…) e) Quando resulte para o lesado uma incapacidade permanente que lhe exija esforços acrescidos no desempenho da sua atividade profissional habitual;”

Daqui decorre que mesmo no âmbito desta Portaria n.º 377/2008, de 26/05 (alterada pela Portaria 679/2009, de 25 de Junho), que veio estabelecer um conjunto de regras destinadas a agilizar a apresentação, por parte das seguradoras, de propostas razoáveis aos sinistrados, com vista à regularização extra-judicial de indemnizações devidas por danos causados em acidentes, se considera como indemnizável a lesão sofrida no «bem» saúde, tratando-se de um dano que afeta a integridade físico-psíquica de forma permanente.

É certo que as regras da aludida Portaria aplicam-se apenas no âmbito da regularização extra-judicial dos sinistros e não derrogam as regras contidas nos artºs 562 e segs. do C.C., que regem e asseguram ao lesado a reparabilidade integral do dano sofrido.

Posto isto, para cômputo da indemnização terá de se ter em linha de conta fatores como a idade do lesado e a sua situação pessoal, estado de saúde e capacidades laborais, bem como outros fatores relacionados com a circunstância de a indemnização arbitrada consistir na imediata entrega de capital (com rendimentos que de imediato serão usufruíveis), a taxa de inflacção, etc.

Na nossa jurisprudência, como critério para a fixação da indemnização decorrente de desvalorização, e face à ausência de uma fórmula legal, tem-se vindo a fazer apelo a fórmulas e cálculos matemáticos, com base no salário auferido, no tempo provável de vida ativa, na taxa de inflação e nos ganhos anuais de produtividade. Pretende-se com estas fórmulas retirar um pouco do carácter aleatório que têm presidido a estas indemnizações, fazendo-se uso de equações matemáticas.[4]

A este respeito o Ac. da R.L. de 18/05/06[5] “Como vem sendo entendimento de há muito firmado na jurisprudência, a indemnização a pagar pela diminuição da capacidade para o trabalho do lesado (IPP) deve representar um capital que se extinga no fim da vida ativa da vítima e que seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas, correspondentes à sua perda de ganho (9). Porque se trata, na espécie, de dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora com a inerente dificuldade de cálculo, naturalmente com a utilização de juízos de equidade. Na verdade, têm sido utilizadas para o efeito, no âmbito da jurisprudência, fórmulas e tabelas financeiras várias, na tentativa de se conseguir um critério mais ou menos uniforme, o que, como é natural, não se coaduna com a própria realidade das coisas, avessa nesta matéria a operações matemáticas, pelo que há que valorizar essencialmente nesta matéria o critério da equidade. Refere, a maioria das decisões que têm adoptado as ditas tabelas financeiras, que estas apenas devem ser utilizadas como instrumento auxiliar de quantificação do montante indemnizatório, devendo o julgador, recorrendo à equidade, corrigir os seus resultados sempre que os considerar desajustados relativamente ao caso concreto (10). “Releva essencialmente o prudente arbítrio do tribunal, nos termos do artigo 566º, n.º 2, do Código Civil, tendo em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida” (11). 4.2. Com vista a tal cálculo, importa ter em consideração, para além do grau de incapacidade, entre outros, factores como a idade da vítima, o seu tempo provável da sua vida activa, a natureza do trabalho que realizava, o salário auferido, deduzidos os impostos e as contribuições, o dispêndio relativo a necessidades próprias, a depreciação da moeda, a evolução dos salários, as taxas de juros do mercado financeiro, a perenidade ou transitoriedade de emprego, a progressão na carreira profissional.”

Em idêntico sentido se refere no Ac. do S.T.J. de 22/09/05[6] que “Têm sido utilizadas para o efeito, no âmbito da jurisprudência, fórmulas e tabelas financeiras várias, na tentativa de se conseguir um critério tanto quanto possível uniforme. As referidas fórmulas não se conformam porém, com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, pelo que devem ser entendidas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta. Como se trata de dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora com a inerente dificuldade de cálculo, naturalmente com a ampla utilização de juízos de equidade. A partir dos pertinentes elementos de facto, independentemente do seu desenvolvimento no quadro das referidas fórmulas de cariz instrumental, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso. (...) Devem, pois, utilizar-se juízos lógicos de probabilidade ou de verosimilhança, segundo o princípio id quod plerumque accidit, com a equidade a impor a correcção, em regra por defeito, dos valores resultantes de cálculo baseado nas referidas fórmulas de cariz instrumental. No fundo, a indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção e ou a omissão lesiva em causa.”

Concorda-se com o expandido nestes acórdãos, pois que o uso destas fórmulas matemáticas, pese embora possam ser utilizadas como instrumentos de cálculo meramente auxiliares, não devem retirar aplicabilidade ao critério legal, explanado nos artºs 564º e 566º do C.C.

A indemnização em causa terá de ser fixada por recurso a fatores como: a idade do lesado e a sua situação pessoal, estado de saúde e capacidades laborais, bem como outros fatores relacionados com a circunstância de a indemnização arbitrada consistir na imediata entrega de capital (com rendimentos que de imediato serão usufruíveis), a taxa de inflação, etc, corrigida e pontuada por juízos de equidade.

Ora, dos autos resulta que à data do acidente1 a Autora tinha 52 anos. No período da manhã trabalhava numa padaria, como distribuidora de pão (atividade essa que retomou após a alta), e no período da tarde explorava, por sua conta, um café, atividade que deixou de desenvolver após o acidente e não retomou, por não ter capacidade para o fazer.

Por força do acidente a Autora carece de efetuar esforços acrescidos e enfrenta dificuldades na sua atividade de distribuidora de pão.

Sofreu défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos.

A autora, enquanto distribuidora de pão, auferia mensalmente uma quantia líquida de cerca de €700,00.

A Autora sente dificuldades na execução de algumas tarefas domésticas, podendo vir a agravar-se as sequelas de que padece.

Face a estas lesões, associadas ao facto de a A. ter deixado de explorar um café, atividade com que complementava o salário que aufere como distribuidora de pão, que continuou a desempenhar mas com esforços acrescidos, de ter mais dificuldade na execução de tarefas domésticas, prevendo-se ainda o agravamento das lesões, de, conforme os dados da Pordata, a esperança medida de vida para as mulheres em 2019 ser de 83,67 anos, de não terem sido indicadas doenças de que a A. sofresse que causassem uma diminuição desta esperança média de vida, o valor encontrado pelo Tribunal a quo, não só não é “manifestamente exagerado”, como se mostra de acordo com a orientação, em casos semelhantes, do nosso Supremo Tribunal.

Ao contrário do considerado pelo recorrente, a data a considerar não é a da reforma, porque o que se visa ressarcir é essencialmente o rebate físico, o esforço acrescido na realização de tarefas, a perda da possibilidade de eventualmente o lesado vir a melhorar, pelo produto do seu trabalho as suas condições económicas (e a R. deixou, fruto destas lesões, deixou o poder fazer).

Se consideramos apenas o rebate da incapacidade sofrida pela lesada na sua atividade profissional como distribuidora de pão, obteríamos, considerando a idade da lesada, de 52 anos o facto a esperança média de vida de mais 31 anos, e o valor de rendimentos efectivamente percebidos, um valor indemnizatório de (9.800 x31 x 5%) €15.900.

Se consideramos que a lesada deixou de poder explorar o café, que a atividade como distribuidora de pão se processava apenas da parte da manhã e que, em princípio, pela exploração do café  obteria idêntico valor ao auferido pela distribuição de pão (e que corresponde no fundo ao salário mínimo valor que sempre teríamos de considerar na ausência de outro), o prejuízo sofrido ascende a 100%, ou seja equivale ao montante das remunerações que a A. deixou de auferir na totalidade, pelo facto de já não poder executar esse serviço.

Considerando, uma vez mais, a esperança média de vida (não existindo idades de reforma na exploração de estabelecimentos de café), o valor que a lesada deixou de auferir ascende a €303.800.

 Mas, ainda que se considerasse como idade limite, a idade da reforma que é atualmente de 66 anos, obteríamos o valor de (9.800x14) € 137,200. A estes valores sempre seria aplicável o fator de correção pela entrega e disponibilização imediata do capital, em proporção que varia entre os 20 a 25%.

Isto para dizer que o valor fixado pelo tribunal a quo como equivalendo ao dano sofrido, não é manifestamente excessivo. Quando muito, peca por defeito qualquer que seja o ângulo pelo qual se examina a questão, razão pela qual, cremos nós, nem a recorrente soube argumentar a sua alegada “discordância”, tão manifesta é a improcedência do peticionado.      


DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta relação em julgar totalmente improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo apelante (artº 527 nº1 do C.P.C.).
Coimbra 09/11/21


[1] Proferido no Proc. nº 756/08.2, disponível para consulta in www.dgsi.pt
[2] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.13, proferido no Proc. nº 565/10.9TBPVL.S1 e de 11/04/2013 proferido no Proc. nº 201/07.0TBBGC.P1.S1, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt
[3] Proferido no proc. nº 2686/10.9TBVCT.G1, disponível para consulta in www.dgsi.pt

[4] Nomeadamente a descrita no Ac. do S.T.J. de 06/07/00, in C.J.S.T.J., Tomo I, págs.144 e num Estudo de Sousa Dinis publicado na C.J.STJ de 2001, Tomo I, pág.5.
[5] Proferido no Proc. nº 3022/2006-6, disponível para consulta in www.dgsi.pt
[6] Proferido no Proc. nº 05-B2586, disponível para consulta in www.dgsi.pt