Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3307/16.1T8LRA.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVERES DE INFORMAÇÃO
PRESCRIÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 03/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 7, 304, 312, 314, 324 CVM, 227, 309, 496, 563, 762 CC
Sumário: 1. - Provando-se, nuclearmente, que: foi o banco a contatar o cliente para o convencer a subscrever obrigações subordinadas; o informou que a aplicação era com capital e juros 100% garantidos, pelo próprio Banco; que este verbalizou que apenas aceitava anuir a tal aplicação caso a mesma fosse totalmente isenta de qualquer risco de perder o seu dinheiro; que não teria aceitado investir o seu dinheiro nesta aplicação se soubesse que a mesma não tinha capital garantido; e tendo ele perdido o capital, é de concluir que a instituição não cumpriu, com a abrangência e acuidade legalmente exigidas, o seu dever de informação quanto ao jaez do produto vendido, assim atuando ilícitamente; e, verificados os demais pressupostos da responsabilidade contratual, é obrigado a indemnizar pelos prejuízos.

2 - O prazo de prescrição de dois anos previsto no artº324º, n.º 2, do CVM, conta-se a partir da data mais recente em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e/ou dos respectivos termos, e não emerge se o intermediário financeiro agir com dolo ou culpa grave; se agir, o prazo aplicável é o geral de 20 anos – artº 309º do CC.

3. – É adequada, ou ínsita em limites admissíveis, para compensar um estado de angústia, por receio de não reembolso da quantia de 150 mil euros, afectante da própria gestão da vida do lesado durante vários anos, a quantia de cinco mil euros.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA  RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

A (…) instaurou contra  BANCO B (…), S.A. [anterior B (…), S.A.], acção declarativa, de condenação, com processo comum.

Pediu.

A condenação do réu a pagar-lhe a quantia de cento e cinquenta mil euros, acrescida dos juros vencidos e vincendos e, ainda, sete mil e quinhentos euros a título de danos não patrimoniais.

Subsidiáriamente impetrou:

Ser declarado nulo o contrato de adesão que o réu invoque para ter aplicado os 150 mil euros que o autor lhe entregou em obrigações subordinadas S (…) 2006 por violação do dever de informação.

Alegou, em apertada síntese:

Que subscreveu, a pedido do B (…), sem que tivesse sido informado da natureza e possíveis riscos, obrigações subordinadas S (…) 2006.

O réu contestou.

Disse, nuclearmente:

O autor, desde logo pela sua qualidade de empregado bancário, conhecia a natureza do produto financeiro subscrito, o qual, à data da subscrição, era seguro, tendo sido esclarecido sobre o mesmo, bem sabendo que não era um depósito a prazo.

2.

Prosseguiu a acção os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

Absolver o réu do pedido.

3.

Inconformado recorreu o autor.

Rematando as suas alegações com as seguintes (aliás, prolixas) conclusões:

A) Quanto à impugnação da douta decisão de facto:

(…)

Contra alegou o recorrido pugnando pela manutenção do decidido.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª -  Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª - Procedência da acção.

5.

Apreciando.

5.1.

5.1.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.1.2.

Finalmente, e como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

5.1.3.

No caso vertente pretende o autor que se dê como provado o teor das als. L) e d) dos factos não provados e como não provados os factos  25, 26 , 28 e 34 dos provados.

Têm eles o seguinte teor:

l – Os funcionários da rede de balcões do B (…) repetiam junto dos seus clientes, como a funcionária (…) o fez com o aqui Autor, que se tratava de um produto que representava um investimento seguro e, por isso, o próprio Banco B (…) assegurava o pagamento do reembolso do capital investido e o pagamento dos juros.”

 d) Não foi dito ao Autor que a referida aplicação se tratava de obrigações nem as suas características e que o Autor as desconhecia em absoluto.

25. Nesta sequência, porque a S (…), S.A., detinha o Banco B (…), qualquer obrigação por si emitida é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente, sendo este necessariamente, um garante da solvabilidade daquela, por ser o principal activo do seu património.

26. O risco de um Depósito a Prazo seria semelhante a uma tal subscrição por o risco da S(…) ser indexado ao risco do próprio Banco.

28. Acabando o seu incumprimento por ser determinado por circunstâncias completamente imprevisíveis e anormais, como uma nacionalização e a forma como essa nacionalização foi determinada, separando o Banco do restante grupo de empresas.

 34. A subscrição de Obrigações S (…) não foi sujeita a qualquer tipo de contrato de adesão, ou qualquer tipo de formulário de cláusulas contratuais gerais.

Perscrutemos.

Liminarmente há que dizer que a decisão sobre a matéria de facto  não é um modelo – antes pelo contrário – no que concerne à sua fundamentação e à coerência e linearidade do acervo factual dado como provado e não provado.

No atinente à fundamentação ela queda-se nos limites do admissível pois que, nomeadamente, não é efectivada  por reporte a cada facto ou núcleo factual homogénio,  como, no rigor dos princípios, é exigível -, mas antes, e inversamente, algo genericamente.

Não obstante, e porque, com algum esforço e condescendência, a decisão factual ainda pode ser sindicada – quid essencial para aceitação de qualquer fundamentação – releva-se a imperfeição.

No atinente  à incoerência  dos factos provados e não provados verifica-se que  ela existe, assumindo, quiçá,  inclusive, foros de contradição relativamente a alguns pontos dados como provados –em certos pontos -  e não provados –em certas alíneas.

Assim:

«5. A referida funcionária do B (…) transmitiu ao Autor que o produto em causa era com capital 100% garantido, ou seja sem qualquer risco de perda deste»

l)  – Os funcionários da rede de balcões do B (…) repetiam junto dos seus clientes, como a funcionária A (...) o fez com o aqui Autor, que se tratava de um produto que representava um investimento seguro…»

7. Nesse momento não foi explicado ao Autor o que eram “obrigações” nem o que eram “obrigações subordinadas”.

c) Que à altura da aquisição da referida aplicação ao Autor não foi explicada a natureza e características da aplicação, nomeadamente o que eram “Obrigações” e, concretamente “Obrigações S (…) 2006”.

d) Que não foi dito ao Autor que a referida aplicação se tratava de obrigações nem as suas características e que o Autor as desconhecia em absoluto.

8. Não foi entregue ao Autor qualquer folheto ou nota informativa respeitante à aplicação “Obrigações S(…) 2006” onde constassem explicações e informações com maior ou menor detalhe sobre esta aplicação

g) Que não foi entregue ao Autor ou dado a ler ou a assinar qualquer documento que contivesse cláusulas sobre a aplicação “Obrigações S (…) 2006”,

Porém, verifica-se da fundamentação e da prova produzida- rectius o depoimento da testemunha A (...) , que no que tange às condições de subscrição das obrigações, máxime a informação prestada e não prestada quanto à sua natureza e riscos – que os factos provados se mostram os mais plausíveis perante os não provados que, aparente e tendencialmente, se mostram contraditórios com aqueles.

Entre um facto provado, devida ou suficientemente fundamentado, e um facto não provado, deve prevalecer aquele.

Até porque um facto não provado, se  outro facto  não existir que contrarie ou infirme - e aqui há, como se vê –, é,  em si mesmo, factual e juridicamente, e independente das consequências que tal não prova possa ter para a decisão da causa,  um «nada».

No caso vertente, e designadamente no atinente à prova do facto 7 e não prova das als. c) e d), a contradição é tão evidente que ela se pode até assumir e considerar como um erro material ou lapsus calami.

Nesta conformidade se aceitando a decisão factual válida e relevante - para posterior, e infra a efectivar, dilucidação sobre a sua bondade/(i)legalidade perante a prova produzida -, e não se retirando de tal incoerência todas as suas possíveis consequências, como seja a  sua anulação – artº 662º nº2 als. c) e d) do CPC.

Quanto ao mais.

No atinente à al. l).

Existe efectivamente uma desconformidade entre o provado em 5 e o não provado em l), como alega o recorrente e já supra se expendeu.

Porém, a não prova da expressão «investimento seguro» é irrelevante ou inócua, para a decisão do pleito, rectius a substanciação da pretensão do autor; pois que é um minus,  - porque menos factual e menos enfática e incisiva -, do que a prova de que ele foi informado que o investimento era «com capital 100% garantido»

Mas já a parte final constante na al. l)  pode relevar para a decisão e não foi dada como provada.

Apreciado o depoimento da testemunha  mais sabedora, qualificada e supostamente isenta e imparcial,  qual seja, a (…), esta confirmou que não informavam os clientes  sobre a autonomia e  diferenciação jurídica entre o B (…) e a S (…), designadamente quanto ao  emitente das obrigações e consequente responsável pelo seu pagamento, até porque o presidente era o mesmo, e que alguém – S (…) ou B (…) – havia de pagar.

Destarte, esta parte final deverá ser dada como provada, sendo aditada ao ponto 5.

No que tange à al. d).

Na parte «não foi dito ao Autor que a referida aplicação se tratava de obrigações nem as suas características», vale o já  supra dito quanto à irrelevância de tal teor atento  o provado  no ponto 7, a saber: « Nesse momento (da subscrição das obrigações: cfr. ponto 6)  não foi explicado ao Autor o que eram “obrigações” nem o que eram “obrigações subordinadas».

Relativamente ao «absoluto» desconhecimento do autor acerca  das características das obrigações não foi feita prova bastante  sobre tal.

Apenas o autor e a companheira apontam nesse sentido, mas, não sendo a sua posição corroborada por demais prova – antes esta apontando em sentido contrário, vg. a mencionada A (...) que considerou o autor, desde logo porque bancário, pessoa desperta e cautelosa nos investimentos - , naturalmente que tal facto, aliás, de jaez extremo, não pode ser dado como provado.

No concernente à não prova dos factos provados.

Os pontos 25 e 26 são de manter.

O seu teor resulta do depoimento da referida testemunha (…), e inclusive, dos conhecimentos gerais e da experiencia comum.

Sendo de notar que tal teor não se assume - como não poderia assumir perante a natureza do produto financeiro e a própria evolução económica, consabidamente constituída por ciclos, expansivos e recessivos – , de inelutável consecução.

Antes neles  se relativizando a (in)segurança do produto  na parte em que plasmam que este se  assume, tendencial e normalmente, como um produto conservador, porque de risco semelhante a um depósito a prazo.

Ora tal, em função do referido, é  perfeitamente concebível e admissível.

Já o ponto 28 não pode ser aceite como provado.

O Sr. Juiz para o mesmo não aduziu,  nem em concreto, nem, sequer, mais indirecta ou genéricamente, prova alicerçante.

E  tal prova este tribunal ad quem não descortinou.

Ademais, disseram-nos os acontecimentos à época verificados que a causa, qual circunstancia imprevisível, da queda do B(…)e do grupo económico a que pertencia, a SLN, não foi a nacionalização daquele.

Mas antes, única ou, ao menos, essencial e determinantemente – pois que apesar da crise financeira e económica de 2007 outras instituições financeiras e grupos económicos não feneceram -  a má gestão deste grupo, esta sim, até certo ponto, imprevisível.

E assumindo-se  a nacionalização apenas como uma consequência, aliás de opção política, de tal desastrosa e, ao que parece, enviesada e meandrosa  gestão.

Destarte, este ponto não pode ser dado como provado.

Finalmente e no que se reporta ao ponto 34, a testemunha mais (con)fiável, (…), verbalizou, sabedora e convictamente, que  para a subscrição das obrigações « não havia negociações como nos depósitos a prazo, o cliente ou aceitava as condições, ou não»

Por conseguinte e no âmbito deste ponto devendo ser dado como provado o seguinte:

O cliente das obrigações subordinadas não poderia negociar as condições de subscrição, antes apenas podendo aceitar ou rejeitar as apresentadas pelo banco.

A duplicação dos pontos 9 e 11 alcança-se como mero lapso material, o qual, assim, deve ser corrigido, com a eliminação do ponto 11 – cfr. artº 249º do CC.

5.1.4.

Decorrentemente, e na parcial procedência desta pretensão, os factos a considerar são os seguintes, indo a negrito as alterações efectivadas:

1. O A. foi cliente do extinto Banco B (…), S.A., na qual era titular da conta de depósitos a prazo com o n.º (...) , na agência de (...) .

2. Nesta conta de depósitos a prazo (DP) o A. tinha depositada a quantia de €158.000,00, com data de vencimento em 14.06.2006.

3. A funcionária do então B(…), (…) tomou a iniciativa de contactar o Autor para lhe apresentar uma aplicação financeira com uma boa rentabilidade.

4. O Autor transmitiu à referida funcionária do B (…), (…) , , que apenas aceitava anuir a tal aplicação caso a mesma fosse totalmente isenta de qualquer risco de perder o seu dinheiro, com capital garantido e que a mesma deveria ainda permitir o levantamento do dinheiro quando o Autor dele necessitasse.

5. A referida funcionária do B (…) transmitiu ao Autor que o produto em causa era com capital e juros 100% garantidos,  pelo próprio Banco B(…), ou seja sem qualquer risco de perda destes, com rentabilidade garantida, com uma taxa de juro bruta de 4,5% ao ano, no 1º semestre e, após, com taxa indexada à Euribor a 6 meses mais, 1,50%, e, ainda, que a aplicação podia ser movimentada a débito/levantada quando o A. assim pretendesse, bastando para tal avisar o banco com quarenta e oito horas de antecedência mínima, perdendo o direito aos juros.

6. Nessa sequência, no dia 03 de Abril de 2006, junto da referida agência do Réu, o Autor autorizou a subscrição da quantia de €150.000,00 em obrigações designadas como “Obrigação S (…) 2006”.

7. Nesse momento não foi explicado ao Autor o que eram “obrigações” nem o que eram “obrigações subordinadas”.

8. Não foi entregue ao Autor qualquer folheto ou nota informativa respeitante à aplicação “Obrigações S(…) 2006” onde constassem explicações e informações com maior ou menor detalhe sobre esta aplicação, nomeadamente prazos, rentabilidades, condições e prazos de resgate, possibilidade ou impossibilidade de transmissão a terceiros destas obrigações, e todas as demais características deste produto, nomeadamente que em caso de insolvência da entidade emissora, apenas se pode verificar reembolso do capital após os demais credores por dívida não subordinada, ou seja após a integral satisfação dos direitos dos credores principais.

9. O Autor não teria aceitado investir o seu dinheiro nesta aplicação se soubesse que a mesma não lhe permitia levantar o dinheiro com dois dias de antecedência e que não tinha capital garantido.

10. O Autor era e é um aforrador que nunca pretendeu investir as suas poupanças numa aplicação financeira de risco elevado.

11.  eliminado

12. Foi distribuído pelo B (…) um “argumentário” aos seus funcionários bancários, para uso exclusivo destes, “argumentário” este que consistia na enunciação resumida das “razões” que deveriam ser “explicadas” aos clientes com a finalidade de melhor os convencer a aplicar o seu dinheiro nas “Obrigações S(…) 2006”.

13. E nele pode ler-se, entre o mais, que se trata de um produto de “capital garantido” e com “elevadas taxas de remuneração”, com “pagamento de juros periódico” e “taxa indexada, garantindo sempre condições acima do mercado”.

14. Argumentos utilizados pela referida funcionária quando contactou o Autor.

15. Desde sempre o A. mostrou apetência por investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, nomeadamente em valores mobiliários, subscrição de UP’s de Fundos de Investimento Imobiliário ou de Ações.

16. O Autor era bancário como actividade profissional.

17. Após a subscrição do produto acima referido, os respectivos juros foram sendo semestralmente pagos.

18. E que manteve até Maio de 2015, data em que o Banco Réu deixou de pagar os juros respectivos.

19. Na data de vencimento contratada, o Réu não restituiu ao Autor o montante que o Autor subscreveu.

20. As orientações e comunicações internas existentes no B(…) e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez e boa rentabilidade com um risco semelhante a uma depósito a prazo junto do próprio Banco.

21. As Obrigações S(…) 2006 foram emitidas, como o próprio nome indica, pela S (…), S.A..

22. Esta sociedade era titular de 100% do capital social do Banco-Réu.

23. Participação que deteve de forma permanente até Novembro de 2008.

24. Altura em que foi nacionalizada.

25. Nesta sequência, porque a S (…), S.A., detinha o Banco B(…), qualquer obrigação por si emitida é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente, sendo este necessariamente, um garante da solvabilidade daquela, por ser o principal activo do seu património.

26. O risco de um Depósito a Prazo seria semelhante a uma tal subscrição por o risco da S(…) ser indexado ao risco do próprio Banco.

27. Consideração válida sem prejuízo do Fundo de Garantia de Depósitos, à data no valor máximo de €25.000,00.

28.  eliminado.

29. Foi explicado ao Autor o prazo de 10 anos do referido produto que subscreveu.

30. E das condições de reembolso.

31. E de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso.

32. E que era à data extremamente fácil e rápido, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.

33. O Autor sabia perfeitamente que o produto que subscreveu não era um Depósito a Prazo.

34. O cliente das obrigações subordinadas não poderia negociar as condições de subscrição, antes apenas podendo aceitar ou rejeitar as apresentadas pelo banco.

35. A certo momento foi trocada diversa correspondência entre as partes, onde, para além do mais, o Autor reclamava a quantia aplicada.

36. O B(…) foi objecto de vários procedimentos junto da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários.

37. O Autor passou e passa ainda dias angustiados sem conseguir gerir com normalidade a sua vida diária, sempre vivenciando na sua mente a eminência de perder todas as suas poupanças de uma vida de trabalho, e o receio de não reaver ou de não saber quando vai reaver o seu dinheiro.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

O Sr. Juiz  decidiu, de jure, com profusa dilucidação teórica, a qual corroboramos nos seus essenciais termos, relevando-se, sinopticamente, os seguintes:

«O contrato de intermediação financeira é um negócio jurídico celebrado entre um intermediário financeiro e um investidor, relativo à prestação de actividades de intermediação  financeira (aqui se englobando esquematicamente operações por conta alheia, operações por conta própria e prestação de serviços) e tendo por objecto mediato, para além das acções, obrigações ou unidades de participação (valores mobiliários tradicionais), também bilhetes de tesouro ou obrigações de caixa (instrumentos financeiros) e futuros, "swaps", opções, "caps", "forwards", "floors", "collars" (instrumentos derivados).

…independentemente da operação de intermediação financeira poder ser qualificada como um negócio jurídico autónomo, no âmbito da relação bancária pré-existente, movemo-nos sempre no domínio da responsabilidade contratual.

Com efeito, os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública e a culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação – cfr. art. 314.º, do CVM.

…porque nos movemos no âmbito da responsabilidade civil contratual, ou pé-contratual, a verificação de obrigação de indemnização a cargo do Réu está então dependente da verificação dos seguintes pressupostos (comuns a qualquer responsabilidade contratual):

- Facto ilícito;

- Culpa (negligência ou dolo);

- Dano;

- Nexo de causalidade.

…O Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (R.G.I.C.S.F. - DL 298/92, de 31/12, na redacção vigente à data dos factos introduzida pelo DL n.º 252/2003, de 17/10) estabelece a regulação pública da actividade das instituições de crédito e instituições financeiras, contendo um conjunto de "Regras de Conduta" (no respectivo Título VI, Capítulo I), balizados com o seguinte dispositivo de ordem geral: "As instituições de crédito devem assegurar, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência." (cfr. art. 73.º).

…A Associação Portuguesa de Bancos elaborou em 1993 um "Código de Conduta", versando precisamente sobre intermediação de valores mobiliários.

…decorre do art. 8.º, n.º 1, da LDC que "O fornecedor de bens ou prestador de serviços deve, tanto nas negociações como na celebração de um contrato, informar de forma clara, objectiva e adequada o consumidor, nomeadamente sobre características, composição e preço do bem ou serviço, bem como sobre o período de vigência do contrato, garantias, prazos de entrega e assistência após o negócio jurídico e consequências do não pagamento do preço do bem ou serviço."

O art. 321.º, n.º 2 e 3, do CVM, dispõe que "Os contratos de intermediação financeira podem ser celebrados com base em cláusulas gerais." E "Aos contratos de intermediação financeira é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, sendo para esse efeito os investidores não qualificados equiparados a consumidores."

Para a fase da formação contratual, este diploma legal consagra acrescidas exigências de comunicação e informação nos respectivos art. 5.º e 6.º, com o objectivo de proteger o contraente mais fraco ou em posição desfavorecida…

…exige-se também o cumprimento do dever de diligência por banda do aderente o qual lhe deverá pedir esclarecimentos, caso não se considere devidamente informado, sendo certo que no caso concreto a fiadora os recusou.»

…hoje, como então, a natureza, a dimensão, as causas e os efeitos globais da actual crise financeira, ao transcenderem em muito a esfera de actuação e de controlo dos agentes económicos, pode perfeitamente representar uma alteração anormal das circunstâncias presentes ao tempo da conclusão dos diversos contratos celebrados pelos sujeitos; também os contratos de gestão de carteiras.".

Assim sendo, tal como em qualquer outro ramo do direito, também no âmbito dos contratos de intermediação financeira, tudo assentará, como ponto de partida, na interpretação do âmbito da repartição concreta dos riscos próprios do contrato.

…no âmbito do CVM, importa destacar as seguintes normas com relevo para o caso concreto em apreciação:

Artigo 7.º

(Qualidade da Informação)

1 - Deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.

Artigo 304.º

(Princípios)

1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 – Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

Artigo 312.º

(Deveres de Informação)

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

E do disposto no art. 39.º, n.º 1, do Regulamento da CMVM n.º 12/2000, Antes de iniciar a prestação de um serviço, o intermediário financeiro:

a) fornece ao investidor informação adequada sobre a natureza, os riscos e as implicações da operação ou do serviço em causa, cujo conhecimento seja necessário para a tomada de decisão de investimento ou de desinvestimento, tendo em conta a natureza do serviço prestado e o conhecimento e a experiência do investidor em causa;

b) entrega ao investidor documento sobre os riscos gerais do investimento em valores mobiliários ou noutros instrumentos financeiros;

c) fornece ao investidor informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando os produtos ou serviços envolvam risco de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado;

Artigo 314.º

1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

Na versão original do CVM, o legislador assumia ter privilegiado a consagração de princípios e de regras gerais, recorrendo com frequência a conceitos indeterminados e a cláusulas gerais, justificando que a sua "densificação se espera que seja continuada pela jurisprudência, pela prática das autoridades administrativas e pela doutrina." (cfr. preâmbulo).

Entretanto, já no actual CVM, a transposição da Directiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21/04/04, através do D.L. nº 357-A/2007 de 31/10 (que entrou em vigor já posteriormente à data dos factos em causa), veio densificar e intensificar estes deveres de conduta…

a informação é uma das bases de funcionamento do mercado, iluminando todas as operações nele realizadas.”. E na sequência da transposição da já referida Directiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21/04/04, através do D.L. nº357-A/2007 de 31/10, apela-se agora ao princípio da full disclosure, importado do direito americano, num sentido de revelação total.

…a informação deve ser casuisticamente adaptada e compreender todos os elementos relevantes, ser fiel à realidade, ser apresentada no momento oportuno, ser perceptível e isenta de elementos subjectivos e conformada com a lei, a ordem pública e os bons costumes.

De um lado existem entidades altamente especializadas, com funcionários treinados e esclarecidos sobre as várias possibilidades de investimento e, de outro, um cliente ou um conjunto de potenciais clientes que procuram e necessitam de informações privilegiadas para poder esclarecidamente decidir sobre certos investimentos concretos. Trata-se, portanto, de um mecanismo de compensação dos desequilíbrios e assimetrias entre as partes, com o fito de manter o equilíbrio equitativo da relação jurídica. Ou seja, é uma decorrência do princípio da paridade jurídica.

 Assim, numa fase preliminar, o intermediário financeiro deve informar espontânea e detalhadamente o cliente sobre todas as características de cada instrumento financeiro cuja negociação seja equacionada, com vista a proporcionar uma decisão de investimento informada e esclarecida…

Recentemente, o D.L. n.º 211-A/2008, de 03 de Novembro veio, já num contexto de crise financeira instalada, reforçar os deveres de informação na situação específica de "produtos financeiros complexos".

…a lei optou por adequar a medida da obrigação às circunstâncias concretas do investidor. Isto é, vale, nesta sede, o princípio da idoneidade ou proporcionalidade inversa, segundo o qual o intermediário deverá adaptar as informações, recomendações e advertências à experiência e conhecimentos do cliente concreto, tendo por pressuposto que o dever de informação se traduz numa obrigação de resultado.

Concretizando: o intermediário financeiro deve, em primeiro lugar, informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiências na área e, em seguida, promover uma actuação pedagógica, tendo presente que este dever de informar é tanto mais premente quanto menos experiente for o cliente.

Assim sendo, é, desde logo, essencial a categorização dos clientes, depois, em execução deste "teste de adequação", o intermediário deverá indicar ao investidor os instrumentos financeiros "adequados" ao seu perfil de risco. Na sua vertente negativa, temos que, verificando o intermediário que o cliente não tem perfil para aquela concreta operação financeira ou não tem possibilidade de apreender as características e riscos de uma certa operação financeira, deverá aconselhar o cliente a não investir nesse produto específico…

…não se pode aceitar que um investidor aceite os potenciais benefícios de uma qualquer operação especulativa para depois vir responsabilizar o intermediário apenas e porque afinal o investimento não foi proveitoso. Nestas situações, a Jurisprudência tem recorrido ao abuso do direito e, em especial, à figura do venire contra factum proprium…

Para apurar o grau de exigência do dever de informação, a proporcionalidade ou adequação exigidos, importa salientar que tal como decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06/04/2017:

8.–A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente, o que pressupõe o reconhecimento de que as exigências de informação variam em função do perfil do cliente a quem o serviço é prestado, assentando o cumprimento do dever de informação num princípio de proporcionalidade, visto que, quanto menor for o conhecimento e experiência do cliente em relação ao objecto do seu investimento, maior será a sua necessidade de protecção.

10.–O dever de informação encontra-se preenchido quando ao investidor informado, conhecedor de investimentos financeiros em produtos de private equity, foi transmitida toda a informação relevante disponível, constando da mesma o elevado risco do investimento em que não existiam garantias de rentabilidade e nem sequer o reembolso estava acautelado.».

…decidiu(se) no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/06/2013:

«Para que a R. pudesse ser responsabilizada pelo que ocorreu necessário era que, atento o disposto no art. 314º do anterior CVM, estivesse provada a violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, impostos pela lei ou por regulamento.

Ainda que, nos termos do nº 2, se presuma a culpa no âmbito das relações contratuais, tal não afasta o pressuposto prévio da demonstração da ilicitude que recai sobre aquele que invoca o direito de indemnização...».

 Em suma:

A prática de um facto ilícito resulta da desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado, ou seja, na violação de deveres respeitantes ao exercício da actividade do Réu, enquanto Instituição de Crédito e Sociedade Financeira, na qualidade de intermediário financeiro, sem perder de vista a Lei de Defesa do Consumidor, o Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, nos termos das obrigações decorrentes do regime geral do Código Civil e em especial dos deveres impostos pelo Código de Valores Mobiliários ou impostos por regulamento ou por autoridade competente, com especial destaque para os deveres de informação, apurados de acordo com os princípios da adequação e proporcionalidade, tendo em conta o concreto produto financeiro e as características do concreto investidor, sempre ao abrigo do princípio geral da boa-fé. E porque os factos ilícitos não se presumem, compete ao Autor o ónus de prova.

A culpa deve aqui ser apreciada, não por recurso ao conceito civilista do bonus pater familiar, mas por parâmetros mais exigentes, por elevados padrões de diligência, o critério a atender será o do bom banqueiro, o dever do intermediário financeiro de manter uma conduta não apenas diligente, mas diligentíssima, a qual se presume no âmbito da responsabilidade contratual (cfr. art. 799.º, n.º 1, do Código Civil) e, em especial, a culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação (cfr. art. 314.º, do CVM).

Finalmente, exige-se a ocorrência de danos e o nexo de causalidade adequada entre estes e os factos ilícitos praticados em violação de específicos deveres de informação.

O caso concreto

Do referido panorama fáctico resulta que o produto financeiro em causa foi apresentado aos autores como um produto seguro, sem risco e com capital garantido, podendo o capital investido ser reembolsado a qualquer momento, com características em tudo semelhantes às de um depósito a prazo, mas o Autor sabia que não se tratava de um “depósito a prazo”, estava ciente que se tratava de “obrigações” – tratando-se de informações correctas.

No mesmo sentido se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/04/2016 …processo n.º 428-12.3TCFUN.L1-6, www.dgsi.pt):

«A afirmação de que um produto financeiro era de “capital garantido” não traduz omissão de qualquer informação relevante ou informação “não verdadeira”, sendo expressão corrente para explicar ao cliente, sem especiais conhecimentos, que se tratava de um produto seguro e os riscos, na prática, não divergiam em muito dos riscos dum depósito a prazo.».

Importa salientar ainda que a operação financeira em causa não foi realizada pelo Réu no cumprimento ou execução de um específico e pré-existente contrato (escrito ou verbal) de intermediação financeira de gestão de carteiras por conta de outrem, tomada firme e colocação com  ou sem garantia em oferta pública de distribuição, negociação por conta própria, consultoria para investimento ou gestão de sistema de negociação multilateral, os quais geram deveres muito específicos e particulares do intermediário financeiro, mas integra antes uma simples recepção e transmissão de uma ordem directa do Autor para subscrição de uma concreta obrigação, como já acima referido, tratou-se de um acto isolado no âmbito da relação bancária pré-existente e foi realizada em simultâneo com o próprio Autor, como já acima analisado (no ponto 1.).

Ora, …as acções, obrigações ou unidades de participação são considerados valores mobiliários tradicionais, enquanto os bilhetes de tesouro ou obrigações de caixa são instrumentos financeiros e os “futuros”, "swaps", “opções”, "caps", "forwards", "floors" e "collars" são instrumentos derivados.

Assim, do ponto de vista do objecto mediato, o produto financeiro adquirido pelo Autor (“obrigações”) é o mais tradicional e aquele que menos risco oferece, bem como, aquele produto de que o investidor mais básico compreende.

Já não sucede o mesmo se os produtos em causa fossem “swaps”, "forwards", "floors" ou "collars", entre outros, com um maior grau de exigência na sua completa apreensão, caso em que já seria exigível um maior grau de informação, proporcional aos conhecimentos do investidor.

Por sua vez, do ponto de vista do investidor, é certo que o Autor não é um investidor altamente qualificado, longe disso, mas também não se pode dizer que o Autor seja um investidor iletrado, pouco culto ou sem o conhecimento básico do que são “obrigações”.

Assim, no caso concreto, estando em causa “obrigações” e considerando que o Autor era bancário, podemos afirmar que se trata de um investidor com os conhecimentos básicos essenciais sobre o que são “obrigações”, por isso, o dever de informação adequado e proporcional não pode ser mais exigente do que aquele que foi efectivamente prestado pelo Réu ao Autor…

Além disso, importa salientar que os funcionários do Réu não estavam obrigados a prever que poderia vir a existir alguma crise financeira mundial ou que poderia vir a ocorrer alguma nacionalização ou que ocorresse alguma insolvência, nem no cenário mais pessimista, tudo situações catastróficas que nem o melhor economista ou analista financeiro alguma vez tinha previsto, como é do conhecimento público. Ou seja, não era exigível aos funcionários do Réu prestarem informações abstractas e genéricas sobre ocorrências futuras como as referidas.

O que é realmente exigido é a definição dos elementos básicos do produto em causa, e, evidentemente, o esclarecimento de todas as questões colocadas pelo Autor sobre as características do produto no âmbito do mercado financeiro em termos do seu funcionamento normal, como acima referido.

E o Autor não alegou que colocou alguma dúvida ou pediu alguma explicação ou informação que tivesse sido recusada.

Importa salientar que ficou provado que após a subscrição do produto acima referido, os respectivos juros foram sendo semestralmente pagos e ainda que se manteve até Maio de 2015…

E note-se que esta análise deve ser enquadrada com os conhecimentos existentes à data (em 2006) e não com base nos conhecimentos actuais, pois é consabido que apenas após a mencionada crise financeira mundial é que o legislador e as entidades da regulação começaram a emitir legislação e regulamentação mais incisiva, precisa, completa e aprofundada relativa às cautelas a ter no âmbito dos produtos financeiros em geral, que não existia à data dos factos.

No mesmo sentido se decidiu, em situação idêntica, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/01/2017:

«A densidade do dever de informação resulta tanto das características do produto financeiro que o intermediário financeiro tem, obrigatoriamente, de fornecer ao cliente, como da necessidade de suprimento da insuficiência de conhecimento ou experiência revelada pelo cliente.».

A afirmação do reembolso do capital investido tem de ser entendida no contexto do investimento que se apresentava seguro…

O risco, com efeito, é inerente a qualquer aplicação financeira, sendo embora variável, consoante o tipo de aplicação. Na verdade, até aplicações de depósito a prazo, com juros baixos, não estão totalmente isentas de riscos, dado que as instituições financeiras, como se tem observado um pouco por todo o lado, também não estão completamente imunes à insolvência…o risco não seja, especificamente, assumido por uma qualquer entidade, não pode deixar de correr por conta do titular do direito, porquanto quem goza das suas vantagens também está sujeito a suportar as suas desvantagens (ubi commoda, ibi incommoda).

Embora os Recorrentes tivessem confiado no produto financeiro que lhes foi apresentado…tal não significa que a decisão autónoma da sua subscrição se tivesse ficado a dever à circunstância do Banco Recorrido ter garantido que o capital investido seria reembolsado. Na verdade, não está demonstrado que os Recorrentes se tivessem determinado pela subscrição das obrigações estrangeiras por efeito da garantia do reembolso do capital investido…

Perante o mencionado circunstancialismo, não é possível surpreender qualquer violação do dever específico de informação, por parte dos Recorridos, razão pelo qual não se encontra verificado o requisito da ilicitude.

No essencial, e no mesmo sentido, decidiram já os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de junho de 2013 e 6 de julho de 2013 (Coletânea de Jurisprudência, STJ, Ano XXI, t. 2, págs.

Assim, sem ilicitude, não há possibilidade de efetivar a responsabilidade civil na pessoa dos Recorridos, sendo certo que o segundo intervém como mero auxiliar do primeiro Recorrido (art. 800.º do CC).».

Com pertinência para o caso concreto pode ainda ser consultado o já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/06/2013:

 (…)

Ora, o aconselhamento e a correspondente aquisição do produto financeiro estavam ancorados em elementos credíveis que proporcionavam uma forte expectativa quanto à rentabilidade pretendida e quanto à recuperação do capital investido.

Aliás, o A., que era, afinal, o principal interessado na operação nunca questionou a bondade da referida aplicação que, durante um certo período de tempo, lhe garantiu efectivamente a rentabilidade procurada.

…no mercado de capitais não existem investimentos de risco nulo (afinal, até os depósitos bancários, que são considerados dos investimentos mais seguros, estão sujeitos ao risco de insolvência das entidade bancárias).

A R. forneceu ao A. as informações de que dispunha e tudo se desenhava para que esse investimento fosse rentável, tanto mais que nada fazia antever nem a degradação do mercado financeiro mundial…

Ainda no mesmo sentido se decidiu no já acima mencionado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/03/2013:

«VI- O intermediário financeiro, no âmbito de um contrato de transmissão e execução de ordem, não tem o dever de prestar informações relativas ao risco de insolvência do emitente, que corre por conta do investidor e é imprevisível à data da subscrição, nem sobre a evolução do investimento.».

Deste modo, considerando o antecedente enquadramento normativo e o universo factual acima descrito, não ocorreu a violação ou omissão de qualquer dever de informação a que o Réu se encontrava adstrito…

Aliás, antes pelo contrário, toda a informação que foi transmitida ao Autor foi verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, bem como ainda, foi adequada e proporcional às suas características de investidor tendo ainda em conta o tipo de produto financeiro em causa (“obrigações”), à data e no contexto vigente.

Deste modo, e em suma, o Réu não praticou quaisquer factos ilícitos…»

5.2.2.

Tal como dimana da decisão, a questão de saber se os intermediários financeiros cumprem, ou não, o seu dever de informação para com o cliente, requisito que é conditio sine qua non para concluir sobre a (i)licitude da sua conduta, por seu turno pressuposto inexorável, em cumulação com os demais – culpa, dano e nexo de causalidade -,   para a sua responsabilização, tem constituído uma vexata quaestio, ou seja, uma problemática  intrincada e de difíceis,  e díspares, soluções.

É consensual que o dever e informação, neste conspeto do tráfico jurídico  comercial e financeiro, é indeclinável, e assume - por virtude dos maiores ou menores riscos que, normalmente, estão associados aos investimentos e da, por via de regra, posição assimétrica dos intervenientes (com maior poder e conhecimentos por banda do intermediário por reporte ao cliente/investidor) -  um jaez imbuído de  maior exigência para o intermediário.

 E, assim, sendo a atuação deste, neste particular, associada não ao normal ou mediano, mas ao diligentíssimo bónus patter família. – cfr. vg. Acs. da RP de  13.06.2018, p. 3703/16.4T8VFR.P1 e de 15.11.2018, p. 5780/17.1T8PRT.P1 e Ac. da RC de  25.09.2018, p. 3446/16.9T8LRA.C1, todos  in dgsi.pt, como os infra citados.

Não obstante, certo é que das inúmeros arestos que já se debruçaram sobre esta matéria dimanam algumas diferenças ou nuances relativamente à extensão e a profundidade da informação a prestar pelo intermediário ao cliente.

Contudo, descortina-se, nos mais recentes acórdãos, uma tendência claramente definida, qual seja, a de  considerar que a maior ou menor exigência na prestação, qualitativa e quantitativa, da informação, dimana das circunstancias do caso concreto,  como, p. ex.,do perfil do cliente e dos seus maiores ou menores conhecimentos na matéria.

Assim e, entre outros, o entendem os seguintes arestos:

«A extensão e a profundidade da informação a prestar pelo intermediário ao cliente devem ser tanto maiores quanto menor for o seu grau de conhecimento e experiência, de modo a permitir-lhe uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada» - Ac. da RC de 15.05.2018, p. 2339/16.4T8LRA.C2.

«No que respeita à prestação do dever de informação, vale o princípio da idoneidade ou proporcionalidade inversa, segundo o qual o intermediário deverá adaptar as informações, recomendações e advertências à experiência e conhecimentos do cliente concreto, tendo por pressuposto que o dever de informação se traduz numa obrigação de resultado» -  Ac. RP de 11.04.2018, p. 1647/16.9T8PVZ.P1; neste sentido, cfr. ainda o Ac. da RL de 07.02.2019, p. 1592/17.0T8LRA.L1.

«A protecção dos interesses legítimos dos clientes de produtos financeiros implica, em relação a eles, que o intermediário financeiro indague sobre a sua situação financeira e experiência – o princípio know your costumer, ou, know your client no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente – nº3 do art. 304º do CVM – devendo observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

O dever de conhecimento do perfil do cliente, sobretudo nos casos de investidores não qualificados, a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto que pretende adquirir, para se ajuizar se certa transacção é adequada ao cliente – suitablity test –, impõe ao intermediário financeiro um rigoroso dever pré-contratual de informação, que não se queda pelo padrão do bom pai de família, mas antes, dada a professionalidade do banco/intermediário financeiro, lhe impõe um grau de diligência mais acentuado, devendo actuar como “diligentissimus pater famílias”» -  Ac. do STJ, de 10.04. 2018  p. 753/16.4TBLSB.L1.S1.

«O cumprimento ou incumprimento dos deveres de informação que o art.312.° do CMVM impõe ao intermediário financeiro, só ao nível do caso concreto pode ser efetivamente determinado, tendo por base o perfil do cliente e as específicas circunstâncias da contratação» -  Ac. do STJ de 18.09.2018, p. 20403/16.8T8SLB.L1.S.

Corroborando-se este entendimento importa operar uma precisão interpretativa.

Uma coisa é, perante um cliente mais conhecedor do produto, admitir-se que  as informações sejam menos incisivas e pormenorizadas do que seriam para outro menos atento e capaz; outra coisa, inadmissível, é prestarem-se, adrede e convictamente, abundantes informações que não correspondem, em aspectos essenciais, como seja a certeza da garantia do reembolso do capital, às caraterísticas do produto.

5.2.3.

O caso vertente assume foros de alguma singularidade  e dificuldade acrescidas, pois que ele se afigura e perspetiva, nos seus contornos fáctico circunstanciais apurados, dicotómico e, até, algo antagónico.

Efetivamente, tendo sido provado que o autor «era funcionário bancário»; que «sabia perfeitamente que o produto que subscreveu não era um Depósito a Prazo»; e que «Desde sempre mostrou apetência por investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, nomeadamente em valores mobiliários, subscrição de UP’s de Fundos de Investimento Imobiliário ou de Ações» – pontos 16, 33 e 15 –, mal se compreende que ele não se tenha apercebido de que estava a subscrever obrigações, ou um qualquer outro produto, necessariamente diverso de depósito a prazo, que poderia comportar risco, em maior ou menor grau ou medida.

Mas de tais factos, ainda que sejam indiciadores neste sentido, não pode retirar-se que o autor, pelo simples facto de ser bancário, conhecia com a abrangência e profundidade legalmente exigíveis, a natureza do produto financeiro subscrito.

Efetivamente, trata-se  não apenas de um produto específico,  de cariz obrigacional, como, dentro deste género, de um determinada espécie, qual seja, de obrigações subordinadas, as quais se revestem de importante handicap em caso de incumprimento, qual seja, o serem satisfeitas em último lugar em caso de dificuldades de pagamento ou de insolvência da empresa emitente.

Ora este  jaez e consequências  deveriam - à míngua da prova, a efectivar pelo Banco, de que, vg. pela sua profissão, o autor conhecia ou era-lhe exigível que conhecesse, as específicas caraterísticas do produto -   ter sido explicitados ao autor – cfr. neste sentido o Ac. da  RL de 07.02.2019, p. 906/17.8T8LSB.L1-2.

Mas tal não resultou provado.

Antes se tendo apurado que «não foi explicado ao Autor o que eram “obrigações” nem o que eram “obrigações subordinadas».

E mais se tendo provado uma plêiade de factos que apontam no sentido de que o autor não conhecia, ou não estava cônscio, de tais características.

Assim:

 - Não foi o autor a procurar o produto, mas antes o banco que o contactou para o efeito de o subscrever.

- O autor  verbalizou que «apenas aceitava anuir a tal aplicação caso a mesma fosse totalmente isenta de qualquer risco de perder o seu dinheiro, com capital garantido»

- A funcionária do B (…) A (…)  «transmitiu ao Autor que o produto em causa era com capital e juros 100% garantidos,  pelo próprio Banco B (…), ou seja sem qualquer risco de perda destes»

 - Não foi entregue ao Autor qualquer folheto ou nota informativa respeitante à aplicação “Obrigações SLN 2006” onde constassem explicações e informações com maior ou menor detalhe sobre esta aplicação.

Tanto assim é que se provou:

9. O Autor não teria aceitado investir o seu dinheiro nesta aplicação se soubesse que a mesma não lhe permitia levantar o dinheiro com dois dias de antecedência e que não tinha capital garantido.

Finalmente importa considerar que, atento o provado no ponto 34 e o disposto no artº 1º nº2 do Regime das CCG, aprovado pelo DL 446/85 de 25.10, a saber:

« O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.»,

é de concluir pela aplicação ao caso deste regime, o qual, como é consabido, encerra uma acrescida protecção do consumidor no que concerne aos deveres de comunicação e informação do proponente ao destinatário – artº 5º e sgs.

Nesta conformidade e senda se concluindo que o réu não cumpriu o seu dever de informação que sobre si impendia.

Estamos, aliás, com o recente Ac. do STJ de  07.02.2019, p. 31/17.1T8PVZ.P1.S1, quando, para uma situação muito similar à presente, na qual, nuclearmente, se provou que os autores já eram clientes/investidores do  banco e que neste confiavam para encontrar as aplicações financeiras mais adequadas às suas pretensões de apenas quererem investir através da subscrição de um produto financeiro “sem risco” que oferecesse uma segurança semelhante a um depósito a prazo, e que subscreveram produto financeiro -  obrigações subordinadas - bem sabendo que não se tratava de um depósito bancário a prazo expendeu e concluiu:

«mesmo aceitando que o intermediário financeiro não estava obrigado a informar o investidor acerca do risco de insolvência da entidade emitente …Não tendo o banco intermediário, aquando da subscrição da obrigação S(…) 2006, dado a conhecer aos clientes/investidores as reais características deste produto financeiro, designadamente os maiores riscos envolvidos nesta operação, incluindo o especial risco de não retorno do capital investido em caso de insolvência da entidade emitente, factor que assume especial relevância visto estarmos perante uma obrigação subordinada com reembolso a dez anos e sem possibilidade de reembolso antecipado por iniciativa do subscritor, e tendo, em vez disso, assegurado aos clientes/investidores que a obrigação S(…) 2006 era equivalente a um depósito a prazo, tão segura como este, estando garantido o retorno do capital investido, incorreu o banco em violação dos deveres de informação a que, na sua atividade de intermediação, se encontrava vinculado, não podendo deixar de relevar esta sua atuação ilícita para efeitos de responsabilidade civil contratual.»

 Concordando, como dissemos,  que esta temática deve ser apreciada  caso a caso, em função dos contornos específicos de cada um deles, rectius da sua especificidade factual, discordamos de quem entende que algumas decisões judiciais nesta matéria  aparentam  um menor rigor e uma lassidão nos critérios quanto à apreciação da matéria de facto e à interpretação das regras da responsabilidade civil, o que se traduz numa magnanimidade dos resultados, recusada noutros casos cujo relevo social não é inferior, e que pode conduzir à socialização dos prejuízos em resultado da transferência para o Estado dos efeitos de crises financeiras e da correspondente quebra de expetativas de infindáveis listas de “lesados”.

Estamos em crer que qualquer magistrado que se preze tentará, em consciência e despido de qualquer preconceito ou desiderato extra jurídico, apurar os factos e aplicar e interpretar a lei o melhor que puder e souber  de sorte a efectivar a  melhor, mas, bastas vezes, a possível, justiça do caso.

E se tal não for consecutido, e a melhor justiça não for feita, este desvio ou derivará das vicissitudes e contingências do próprio iter processual, vg. no concernente à produção da prova, ou de menor capacidade   ou  menos adequada apreensão e dilucidação do julgador, o qual, como ser humano, também pode errar – e, certamente, erra -,  em alguns casos.

Aliás, no caso vertente, como em outros similares, a socialização dos prejuízos privados, não emerge se o banco for condenado.

 Pois que este, tanto o da altura dos factos, como o banco  ora réu que o comprou, assumia e assume o cariz de entidade privada que tem como fito primordial a obtenção do lucro,  primordialmente em função dos seus clientes; pelo que, correlativamente, ele terá de, perante estes, assumir as suas responsabilidades quando, numa interpretação possível e defensável, se julgar que existem.

É caso para dizer que a socialização dos prejuízos ocorreu e está ainda a ocorrer com a injecção de milhares de milhões  de euros em bancos que, por má gestão e/ou por efeitos da crise, não conseguiram manter-se acima da linha de água do imenso, e  por vezes  turbulento e perigoso, vg. por especulativo, oceano económico financeiro.

Nesta, como em todas as matérias, a função do juiz é, deve ser -e não vislumbramos que  nesta matéria o não seja – dar a cada um o que lhe compete e tem direito em função dos factos conscienciosamente provados e da aplicação e interpretação da lei segundo critérios hermenêuticos mais aceitáveis ou admissíveis; e,  bem assim, para se alcançar a mais ampla e sempre desejável justiça comparativa, os mais  adotados na jurisprudência, os quais, se bem se perscruta, ainda são os defendidos no presente aresto.

5.2.4.

Constatada a atuação ilícita do banco por virtude da violação do dever de informação a culpa do mesmo presume-se, nos termos do  artº 314º nº2 do CVM.

E o nexo de causalidade está, outrossim, presente.

Tal dimana do ponto provado em 9: O Autor não teria aceitado investir o seu dinheiro nesta aplicação se soubesse que a mesma não lhe permitia levantar o dinheiro com dois dias de antecedência e que não tinha capital garantido.

Concomitantemente urge não esquecer que a nossa lei  - artº 563º do CC - consagra a teoria da causalidade adequada na formulação negativa de Enneccerus-Lehman nos termos da qual: « o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto»

Ademais:

 «Esta doutrina … não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o resultado».

« …nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite:

-- não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não;

-- como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano» -Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 06.11.2002, 29.06.04, 20.10.2005, 07.04.2005 e 13-03-2008 in dgsi.pt, ps. 02B1750, 03B4474, 05B2286, 05B294 e 08A369 e A. Varela, in  Das Obrigações em Geral, 2ª ed ps. 746/756. 

5.2.5.

Da  prescrição do direito do autor.

Uma vez que a pretensão do demandante vai ser julgada procedente há que conhecer da prescrição invocada pelo R., e que não foi objecto de conhecimento na 1ª instância, por aí se ter considerado como inútil face à improcedência da pretensão do autor – art. 665º, nº 2, do CPC

Vale aqui, mutatis mutandis, o que já expendemos no pretérito Acordão desta Relação de 18.10.2018, proferido no Processo nº2406/16.4T8LRA.C1.

Assim:

Nos termos do art.º 324º, n.º 2, do CVM:

 «Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócios em que haja intervindo nessa qualidade, prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos

Como dimana deste segmento normativo, se o intermediário financeiro agir com dolo ou culpa grave, o prazo de prescrição não será de dois anos.

E, neste caso, aplicando-se o prazo ordinário de 20 anos -  art.º 309º do CC – cfr. . Ac. RP de 07.12.2018, p. 323/17.0T8VFR.P2.

No caso vertente não há matéria factual bastante para atribuir ao réu uma conduta dolosa, ie. deliberadamente fraudulenta e enganatória, em sentido forte.

Mas ela já é suficiente para se concluir que atuou com culpa grave.

Pois que dela dimana que, procurando o autor para lhe vender um produto financeiro, conscientemente lhe prestou informações, nuclearmente consubstanciadas na garantia da restituição do capital findo o prazo, conditio sine  qua non para o autor investir, como expressamente lhe comunicou,  o que se revelou errado e enganatório, aqui em sentido fraco.

Acresce que tal segmento normativo fixa o dies a quo do prazo prescricional não apenas na data da conclusão do negócio, mas, também, na data em que este foi concluído e o subscritor teve conhecimento dos seus termos, i.e do seu conteúdo.

Se tal conclusão e conhecimento coincidirem na mesma data, é a partir dela que se começa a contar o prazo prescricional.

Se não coincidirem, será a partir da data mais recente - a da conclusão ou do conhecimento, pois que inexiste uma inelutável precedência lógica para  a primeira ocorrência de qualquer destes quids – que tal prazo começa a contar.

In casu provou-se a data da celebração do contrato – 03.04.2006.

Mas não se provou que com a subscrição o autor tenha tido conhecimento do teor do negócio.

Antes pelo contrário, pois que se apurou:

7. Nesse momento não foi explicado ao Autor o que eram “obrigações” nem o que eram “obrigações subordinadas”.

8. Não foi entregue ao Autor qualquer folheto ou nota informativa respeitante à aplicação “Obrigações SLN 2006” onde constassem explicações e informações com maior ou menor detalhe sobre esta aplicação, nomeadamente prazos, rentabilidades, condições e prazos de resgate, possibilidade ou impossibilidade de transmissão a terceiros destas obrigações, e todas as demais características deste produto, nomeadamente que em caso de insolvência da entidade emissora, apenas se pode verificar reembolso do capital após os demais credores por dívida não subordinada, ou seja após a integral satisfação dos direitos dos credores principais».

Nem sequer se apurou em que data posterior ele teve conhecimento do conteúdo do contrato.

Na verdade apenas se provou que:

35. A certo momento foi trocada diversa correspondência entre as partes, onde, para além do mais, o Autor reclamava a quantia aplicada.

O que demonstra que, pelo menos em tal momento, o autor já sabia do teor do negócio.

Mas não se provou a data, nem sequer por aproximação ao mês ou ano.

O ónus desta prova impendia sobre o réu – artº 342º nº2 do CC.

Não cumprido este ónus,  esta sua pretensão tem de soçobrar.

5.2.6.

Da indemnização.

Presentes os requisitos da obrigação de indemnização esta deve, no atinente aos danos patrimoniais ser concedida nos termos impetrados quanto ao valor do capital e aos juros contados à taxa legal e devidos desde a citação – cfr. vg. artº 406º, 762º e 805º do CC.

No atinente aos danos não patrimoniais.

Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – artº 496º nº1 do CC.

O dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo o chamado quantum doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas; o “dano estético”, que simboliza, nos casos de ofensa à integridade física, o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima; o pretium juventutis, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida – cfr. Ac. do STJ de 18.06.2009, dgsi.pt, p. 1632/01.5SILSB.S1.

Há, também, que ter presente que, logo a seguir ao bem vida, os direitos de personalidade e a integridade física- cuja preservação é necessária para se manter a própria dignidade e amor próprio e para possibilitar uma sã (lato sensu) convivência social - são, quiçá, os direitos com maior dignidade e que importa respeitar e defender.

Acresce que a indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza acentuadamente mista.

 Por um lado visa, mais do que indemnizar, reparar os danos sofridos pela pessoa lesada; pretende-se proporcionar ao lesado uma compensação ou benefício de ordem material - a única possível -, que lhe permite obter prazeres ou distrações - porventura de ordem puramente espiritual - que, de algum modo, atenuem o desgosto sofrido: não consiste num pretium doloris, mas antes numa compensatio doloris.

Por outro lado não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.

A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo, que tenha em conta o circunstancialismo de cada caso, e não por padrões subjetivos, resultantes de uma sensibilidade particular.

Devendo ainda considerar-se que a mais recente jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal vem reconhecendo que se torna necessário elevar o nível dos montantes dos danos morais, perante o condicionalismo económico do momento, e o maior valor que hoje se atribui à vida, integridade física e dignidade humanas, sendo que, hodiernamente se vislumbra sedimentada uma corrente jurisprudencial que visa afastar critérios miserabilistas de fixação desta espécie de danos, pautando-se por uma justa, naturalmente mais elevada, fixação dos montantes indemnizatórios.

 Porém, certo é que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, e designadamente, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso  - arts. 496º, nº 3 e 494º do C.C.

Havendo aqui, naturalmente, que conviver e aceitar uma certa álea e relatividade das decisões judiciais, características que são inerentes a tais decisões como aliás a qualquer atividade  humana que não se estribe em premissas de cariz científico-natural ou matemático.  

No caso vertente apurou-se que:

O Autor passou e passa ainda dias angustiados sem conseguir gerir com normalidade a sua vida diária, sempre vivenciando na sua mente a eminência de perder todas as suas poupanças de uma vida de trabalho, e o receio de não reaver ou de não saber quando vai reaver o seu dinheiro.

Perante o supra expendido julga-se que estes factos assumem força e dignidade bastantes para atribuir ao autor jus à compensação por danos não patrimoniais.

Tudo visto e ponderado, considerando, vg., o largo lapso de tempo, vários anos, em que a  incerteza na restituição do capital - e  o inerente estado de preocupação e angústia – se mantém, bem como o quantum significativo do mesmo, entende-se como adequado, ou, ao menos, ínsito em limites admissíveis, a quantia de cinco mil euros.

Procede, parcialmente, o recurso.

6.

Sumariando- artº 663º nº7 do CPC.

I - Provando-se, nuclearmente, que: foi o banco a contatar o cliente para o convencer a subscrever obrigações subordinadas; o informou que a aplicação era com capital e juros 100% garantidos,  pelo próprio Banco; que este verbalizou que apenas aceitava anuir a tal aplicação caso a mesma fosse totalmente isenta de qualquer risco de perder o seu dinheiro; que não teria aceitado investir o seu dinheiro nesta aplicação se soubesse que a mesma não tinha capital garantido; e tendo ele perdido o capital, é de concluir que a instituição não cumpriu, com a abrangência e acuidade legalmente exigidas, o seu dever de informação quanto ao jaez do produto vendido, assim atuando ilícitamente; e, verificados os demais pressupostos da responsabilidade contratual, é obrigado a indemnizar pelos prejuízos.

II - O prazo de prescrição de dois anos previsto no artº324º, n.º 2, do CVM,  conta-se a partir da data mais recente em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e/ou dos respectivos termos, e não emerge se o intermediário financeiro agir com dolo ou culpa grave; se agir, o prazo aplicável é o geral de 20 anos – artº 309º do CC.

III – É adequada,  ou ínsita em limites admissíveis, para compensar um estado de angústia, por receio de não reembolso da quantia de 150 mil euros, afectante da própria gestão da vida do lesado durante vários anos, a quantia de cinco mil euros.                                                                    

7.

Deliberação.

Termos em que se julga o recurso parcialmente procedente, revoga-se a sentença e condena-se o réu a pagar ao autor a quantia de cento e cinquenta mil euros, acrescida  dos juros legais, desde a citação; e, bem assim, se condena o réu no pagamento ao autor da quantia de cinco mil euros, por danos não patrimoniais, acrescida dos juros legais, desde a data deste aresto, até efetivo e integral pagamento.

Custas na proporção da presente sucumbência.

Coimbra,  2019.03.12.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos